Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
512/13.6TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL IN CONTRAENDO
CULPA
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DANOS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 227º C.CIVIL.
Sumário: I – Como resulta do artº 227º do C. Civil, ‘quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte’.

II - No Ac. Rel. de Évora de de 22/06/2004, in Col Jur. Ano XXIX, tomo III, pg. 255, diz-se (escreve-se) que: “Para que, com base no disposto no artº 227º, nº 1 do CC, surja a obrigação de indemnizar, é necessário, para além da produção de danos e da existência dos demais pressupostos da responsabilidade civil, que tenham ocorrido efectivamente negociações conduzidas de tal forma que tenham criado uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, bem como a ruptura das referidas negociações, de forma arbitrária ou ilegítima, porquanto sem motivo justificativo”.

III - A responsabilidade por culpa in contrahendo decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão do contrato ou da recusa da sua celebração, as quais são manifestações da liberdade contratual negativa.

IV - Se houver danos resultantes de culpa in contrahendo, em princípio, a indemnização refere-se ao interesse negativo, ou seja, a reparação reporta-se aos danos resultantes de ter existido confiança na validade do contrato, danos estes que são os que não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato; mas se a dita culpa estiver na violação de um dever de conclusão de um contrato, é de indemnizar o interesse positivo, ou seja o interesse do cumprimento.

Decisão Texto Integral:   
          Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

            Na Comarca de Coimbra, Coimbra, Secção Cível, a sociedade ‘C... – DECORAÇÃO DE INTERIORES, L.dª‘, com sede na Rua ..., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra a sociedade ‘G... e C.ª, L.dª‘, com sede no ..., esta tendo como objecto social o exercício de actividade de hotel/residencial, peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de 68.930,00€ (sessenta e oito mil novecentos e trinta euros), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento - montante dos alegados prejuízos causados pela ré à Autora.

Para tanto e muito em resumo, alegou a Autora:

...

Conclui a Autora pela pedido de procedência da causa.


II

A Ré apresentou contestação por impugnação.

No mais, alega o seguinte:

...

Conclui a Ré pela improcedência da pretensão da A. e pela sua consequente absolvição do pedido.


III

Designada audiência prévia, foi aí proferido despacho saneador, fixado valor à causa, e definidos os temas de prova, sem reclamação.

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova testemunhal produzida e com a junção de diversa prova documental.

Proferida a sentença, nela foi decidida a matéria de facto, com indicação da respectiva fundamentação, e foi decidido julgar parcialmente procedente a acção, por parcialmente provada, e, em consequência, foi decidido:

1. Condenar a ré no pagamento à autora da quantia global de €25.578,312 ( vinte e cinco mil quinhentos e setenta e oito euros e trinta e um cêntimos) e bem assim no valor de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de juros civis, sobre o capital, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

2. Condenar ré e autora nas custas do processo, na proporção dos vencimentos/decaimentos.


IV

            Desta sentença interpôs recurso a Ré, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

...

 Mostra-se violado, pela decisão recorrida, o disposto no artº 227º do Cod. Civil, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra decisão, que julgue a presente acção totalmente improcedente, como é de lei.


V

            A Autora, por sua vez, interpôs recurso subordinado (e não apresentou contra-alegação ao recurso da Ré), onde também formula as seguintes conclusões:

...


VI

            Pela Ré também não foram apresentadas contra-alegações ao referido recurso subordinado.

VII

            Foram esses ditos recursos admitidos em 1ª instância, como sendo recursos de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceites nesta Relação.

            O objecto desses recursos é o seguinte, conforme resulta das conclusões formuladas por ambos os recorrentes e supra transcritas:

            A – Contradição entre o teor das alíneas I), J) e M) versus alíneas O) e R), com eventual alteração destas últimas alíneas;  

            B – Reapreciação do facto constante da alínea EE), no que diz respeito à margem de comercialização aí referida, dado que a Ré pretende que essa margem deva ser de 5% e a Autora pretende que seja reconhecida a margem de 25%;

            C – Reapreciação da verificação de danos emergentes para a Autora, quantificáveis, por equidade, em € 5.000,00.

            D – Reapreciação da decisão de direito, no sentido de se dever reconhecer que não pode ser censurada a actuação da Ré por ter terminado as negociações com a Autora (falta ou inexistência de responsabilidade pré-contratual da Ré).      

Começando pela referida questão A, o que consta das alíneas em causa é o seguinte:

...

            Prosseguindo com a questão B – Reapreciação do facto constante da alínea EE),

...

            Assim, temos como matéria de facto apurada a seguinte:

...

            Assim, cumpre, agora, que abordemos as questões C – Reapreciação da verificação de danos emergentes para a Autora, quantificáveis, por equidade, em € 5.000,00; e D – Reapreciação da decisão de direito, no sentido de se dever reconhecer que não pode ser censurada a actuação da Ré por ter terminado as negociações com a Autora (falta ou inexistência de responsabilidade pré-contratual da Ré).      

            Começando por esta última questão, cumpre assinalar que na sentença recorrida foi entendido que o caso que se suscita na presente acção radica na chamada ‘responsabilidade civil por culpa in contrahendo’ ou ‘responsabilidade por culpa na (não) formação do contrato – responsabilidade pré-contratual’.

            Entre a bem fundamentada apreciação levada a cabo na sentença recorrida, respigam-se as seguintes considerações:

“...

                Daí dever considerar-se que competia à ré fazer prova de que adoptou condutas idóneas a prevenir o insucesso e a frustração da conclusão negocial, ilidindo a presunção de culpa do art. 799º, nº 1, do Código Civi - e tal objectivo não foi por si conseguido.

...

A culpa in contrahendo existirá quando a violação daqueles deveres conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actuação – ou omissão – de quem não os acatou ou quando tal violação retira às negociações o seu sentido substancial de busca de um consenso na formação de um contrato válido, traduzindo-se numa conduta contrária aos ditames da boa fé negocial.

Existem, assim, vários tipos de comportamento que a lei encara como tradutores dessa boa fé, designadamente, a expressão fidedigna, sem ambiguidades e omissões, das propostas e aceitações; o empenho recíproco das partes na concretização do contrato, incompatível com o início ou prosseguimento de negociações previsivelmente malogradas ab initio; a informação atempada da contraparte sobre algum facto dela desconhecido e susceptível de obstar à conclusão do negócio ou à sua conclusão em moldes imprevistos por uma das partes e que a outra poderia e deveria ter salvaguardado, etc.

Decorrência desses deveres de boa-fé, de lealdade e de lisura contratual impõem que a parte, que conheça ou saiba – ou deva saber com a normal diligência – que algum risco ameaça o sucesso do processo negocial, o comunique à contraparte, advertindo-a, em particular, da necessidade de adequada prudência na realização de gastos.

Nesta conformidade, estão vedados os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na parte contrária, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual, razão pela qual se tem considerado a infracção dos “deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato (sendo vedada quer a omissão, quer a prestação de esclarecimentos falsos, incompletos ou inexactos) como fundamento da responsabilidade pré-contratual”.

Ora, entendemos que criara já a ré - ao menos à data de 1 de Fevereiro - a impressão/convicção na autora de que iria adquirir os seus bens ou materiais, donde a ruptura da negociação, ou, rectius, comunicação de resolução unilateral, cerca de um mês após, feitas já encomendas junto de terceiros, nos termos expostos consubstancia uma hipótese de culpa in contrahendo.

Em nosso entender e nessa linha, a responsabilidade pré-contratual situa-se num meio termo entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, não emergindo, em rigor, do incumprimento de uma obrigação previamente assumida, nem, por outro lado, da violação de um dever genérico de respeito de direitos absolutos, mas antes de deveres surgidos no âmbito de uma relação específica entre as partes, que impõe a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial – poder-se-á falar, com alguma propriedade, de uma “terceira via da responsabilidade civil”.

Trata-se de um tipo de responsabilidade civil que não é extracontratual, nem contratual propriamente dita, mas em relação à qual, por virtude de os seus pressupostos se gerarem num quadro de negociações tendentes à formação de um contrato, se devem aplicar as regras da responsabilidade civil contratual, sendo necessário, evidentemente, que tal conduta ilícita e culposa, tenha provocado danos à contraparte, entendidos estes como todos os prejuízos sofridos por esta última.

Assim, na subsunção de qualquer conduta ao regime da culpa in contrahendo, é imperioso considerar, por um lado, o regime emergente do art. 483.º do CC, que prescreve, como princípio geral na área da responsabilidade civil, que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, e, por outro, o art. 798.º do CC, que determina que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, presumindo-se essa culpa nos termos do art. 799.º, n.º 1, do CC.

...

Diremos que sobre a ré assenta presunção de culpa que não ilide: não logra demonstrar que desde o início uma calendarização com pagamentos diferidos era algo essencial a que contratasse o dito negócio.”.

As partes não discordam deste entendimento nem do referido enquadramento legal da situação sob análise, apenas discorda a Ré do entendimento de que, no caso, se verificam os necessários pressupostos ou requisitos para esse ajuizamento, defendendo que “... no caso dos presentes autos ainda não havia qualquer negociação preliminar entre a A. e a Ré, pois ainda não fora aprovado definitivamente o projeto de decoração de que estavam encarregados os arquitetos, ... pelo que não existe responsabilidade pré-contratual da Ré para com a Autora, pois esta era uma mera colaboradora do gabinete de arquitetos que se comprometera perante a Ré a apresentar um projeto de decoração do hotel”.

Ora, este tipo de responsabilidade civil assenta no que se entende ser ‘a culpa na formação dos contratos’, como resulta do artº 227º do C. Civil, segundo o qual “1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

No Ac. Rel. de Évora de de 22/06/2004, in Col Jur. Ano XXIX, tomo III, pg. 255, diz-se (escreve-se) que: “I – Para que, com base no disposto no artº 227º, nº 1 do CC, surja a obrigação de indemnizar, é necessário, para além da produção de danos e da existência dos demais pressupostos da responsabilidade civil, que tenham ocorrido efectivamente negociações conduzidas de tal forma que tenham criado uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, bem como a ruptura das referidas negociações, de forma arbitrária ou ilegítima, porquanto sem motivo justificativo. II – Deve existir uma conduta fortemente censurável por parte de quem não cumpriu, não tendo a contraparte que se comportou  lealmente contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial”.

No ac. do STJ de 31/03/2011, in Col. Jur. STJ, ano XIX, tomo III, pg. 165, também escreve que: “I – A responsabilidade por culpa in contrahendo decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão do contrato ou da recusa da sua celebração, as quais são manifestações da liberdade contratual negativa. II – O evento que obriga à reparação, com vista à reconstituição da situação anterior, é, por isso, a confiança assim violada por inobservância das regras da boa fé”.

Ainda neste mesmo sentido, entre outros, vejam-se o Ac. do STJ de 13/03/2007, in Col. Jur. STJ, ano XV, tomo I, pg. 118; Ac. STJ de 11/09/2007, Col. Jur. STJ, ano XV, tomo III, pg. 40; Ac. STJ de 4/07/1991, in BMJ 409, pg. 743; ...

No presente caso temos como provado, além do mais, nas alíneas ..., que se sucederam várias reuniões entre as partes, com a intervenção da arquiteta ..., desde Julho de 2011 até 7/03/2012, onde foram sendo definidos os produtos/bens de decoração a serem fornecidos pela Autora para o hotel em questão, tendo inclusive sido efectuado um modelo de mobiliário de quarto, que a Autora colocou em exposição na sua loja e onde a Ré o foi visionar, tendo em 1/02/2012, numa reunião havida nos escritórios do Hotel ..., pelos legais representantes da Ré sido adjudicado esse fornecimento à Autora; e em 7/03/2012, numa nova reunião com os representantes-gerentes da Ré, foram acertados os pormenores da proposta final de decoração, tendo inclusive procedido-se, a pedido da Ré, a uma alteração de tecido nos cadeirões a serem fornecidos, com o início de pagamento pela Ré, mediante a entrega de um cheque de dez mil euros (que não chegou, sequer, a ser levantado pela autora – al. RR) .

Nunca, nesse período, ocorreu qualquer tipo de objecção da Ré ao desenvolvimento de tal projeto de fornecimento de bens pela Autora, o qual terminou na nota discriminativa junta como doc. 2 da petição, com o valor global de € 209.742,16.

Foi então que a Autora solicitou à Ré o reforço da entrega ( feita por cheque, que não chegou a ser levantado pelo autora) efectuada por esta, a que se seguiu a apresentação de uma proposta de calendarização de pagamentos, por parte da Autora, o que não só teve qualquer contra-proposta da Ré, como levou a que esta, sem qualquer explicação ou justificação, resolvesse/desse por findo o acordo de fornecimento a ser prestado pela Autora.      

No entanto, a Autora efectuou um telefonema para a Ré, na pessoa de ..., exigindo um reforço de 95.000,00 euros como entrega inicial, para poder efectuar o pedido de encomendas, o que levou este ... a solicitar a calendarização de pagamentos pretendida pela Autora, calendarização essa que a Ré não aceitou, tendo, por isso, levado à conclusão/fim do projeto com a Autora, pois essa dita calendarização de pagamentos era inaceitável para a Ré.

Ora, o que daqui resulta é que a Ré andou durante mais oito meses a acertar com a Autora a escolha dos bens/produtos a deverem ser fornecidos para o hotel, com elaboração, até, de uma ‘cópia’ do mobiliário de quarto pretendido, sem nunca ter referido à Autora quaisquer eventuais dificuldades de pagamento, e só já depois de tudo estar defenido e adjudicado o fornecimento desses bens à Autora é que ‘concluiu’ não dispor de recursos para fazer face a tal fornecimento/pagamento.

Parece que, no seu entender, a mera entrega de um cheque de 10.000 euros seria o suficiente para que a Autora devesse fornecer-lhe todos os bens pretendidos, mas sem cuidar de que tinha de pagar o valor global desse dito fornecimento, o qual se impunha até por força do estatuído nos artº 879º, als. a), b) e c), e 885º do C.Civil (efeitos essenciais da compra e venda e tempo do pagamento), disposições estas segundo as quais o comprador não só tem a obrigação de pagar o preço, como o deve fazer no momento da entrega da coisa.

E como é habitual neste tipo de fornecimento de bens de elevado valor, a terem de ser fabricados ou encomendados a terceiros, deve ter lugar um pagamento inicial algo significativo, até para dar consistência a este tipo de encomendas.

Veja-se que até na proposta apresentada pela firma “N...” à Ré, para o fornecimento de bens para o Hotel ... e que teve efectivamente lugar, datado de 21/03/2012, consta como condições gerais para esse fornecimento o pagamento de 40% no acto da adjudicação.

Não podia a Ré, pois, de boa fé, esperar que a Autora lhe fornecesse os bens em causa sem pagamentos dos mesmos e de forma significativa logo como entrada ou condição de aceitação da encomenda em questão, sendo manifestamente insuficiente a mera entrega de um cheque de 10.000 euros para o efeito, tanto mais que nunca antes informara a Autora para eventuais dificuldades de pagamentos.

Mas como se não bastasse, tendo sido a Ré interpelada pela Autora para ‘garantir’ a encomenda em causa mediante o reforço desse dito cheque e tendo, nessa sequência, a Autora ainda apresentado um plano de pagamentos diferido no tempo, tal plano não mereceu, sequer, uma contra-proposta da Ré que, sem mais, deu por finda a negociação com a Autora.

Por outras palavras, a Ré não tinha condições de suportar o pagamento dos bens a serem fornecidos pela Autora, pois tinha um plano próprio de pagamentos, como comunicou à Autora por mail de 8/03/2012 – als. WW) e XX) -; porém, nunca antes referiu essa realidade à Autora, tendo levado esta ao convencimento de que não existiria tal dificuldade, como bem o revelaram as negociações, duradouras e selectivas, a que procederam as partes.

Convenhamos que não é previsível que alguém faça obras num hotel, pretenda remodelá-lo e a preços o mais favoráveis possivel, e queira que sejam os fornecedores de bens ou de serviços a suportar esses custos, por não haver capital para o efeito.

E se as condições de pagamento propostas pela Autora à Ré eram para esta inaceitáveis sem o recurso a financiamento bancário, então deveria ter esclarecido a Autora dessa realidade, a fim de não levar a Autora a encetar diligências várias e dispendiosas com a programação desse pretendido fornecimento, caso não lhe tivesse, nessas condições, interessado o negócio.

Ora, desta conjugação de factos resulta, afigura-se-nos que sem margem para dúvidas, que a Ré se comportou de forma verdadeiramente censurável e culposa em toda essa negociação havida com a Autora, de que resultaram danos consideráveis para esta, como bem resulta da alínea GGG) e como resulta do ac. da Rel. de Évora que antes citámos: “I – Para que, com base no disposto no artº 227º, nº 1 do CC, surja a obrigação de indemnizar, é necessário, para além da produção de danos e da existência dos demais pressupostos da responsabilidade civil, que tenham ocorrido efectivamente negociações conduzidas de tal forma que tenham criado uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, bem como a ruptura das referidas negociações, de forma arbitrária ou ilegítima, porquanto sem motivo justificativo. II – Deve existir uma conduta fortemente censurável por parte de quem não cumpriu, não tendo a contraparte que se comportou lealmente contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial”.

Daí que, nos termos do artº 227º, nº 1 do CC, deva a Ré responder pelos danos que culposamente causou à Autora, como também foi entendido e decidido na sentença proferida, onde ainda se escreve que: “... sobre a ré assenta a presunção de culpa, que não ilide – não logra demonstar que desde o início (das negociações) uma calendarização com pagamentos diferidos era algo essencial a que contratasse o dito negócio”.

Razão pela qual, e com o devido respeito, não podemos estar de acordo com a tese da Ré/Recorrente de que “... o factor decisivo para o rompimento das negociações foi apenas e tão só a indicação das condições de pagamento, que a A. apenas comunicara na véspera..., não existindo, por isso, responsabilidade pré-contratual da Ré para com a Autora, pois esta era uma mera colaboradora da gabinete de arquitetos que se comprometera perante a Ré a apresentar um projeto de decoração do hotel”.

Face ao que somos levados a concluir no sentido de a Ré dever responder perante a Autora pela sua manifesta culpa na negociação contratual havida, onde procedeu com evidente má fé, devendo, pois, responder pelos danos daí resultantes, nos termos do artº 227º, nº 1 do CC.          


***

            O que nos leva à abordargem da quantificação desses danos, sendo que a Ré pretende que os mesmos sejam reduzidos, designadamente por efeito da impugnação que apresentou sobre a alínea EE) dos factos apurados; e que a A. pretende que também lhe seja arbitrada a indemnização de € 5.000,00 por alegados danos ditos emergentes.   

Na sentença recorrida foi entendido que “Quanto à medida dos danos indemnizáveis, dever-se-á clarificar se essa indemnização se deve limitar ao interesse contratual negativo – dano da confiança – ou se deve  abranger o dano contratual positivo – dano do cumprimento: haverá que dirimir se se deve indemnizar o dano que o lesado não teria sofrido se não tivesse entrado em negociações, ou, pelo contrário, se se deve indemnizar o dano que o lesado não teria sofrido se, tendo concluído as negociações (e, eventualmente, celebrado o contrato), o contrato tivesse sido cumprido”.

Como se refere na RLJ 110º, pg. 276, “se houver danos resultantes de culpa in contrahendo, em princípio, a indemnização refere-se ao interesse negativo, ou seja, a reparação reporta-se aos danos resultantes de ter existido confiança na validade do contrato, danos estes que são os que não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato; mas se a dita culpa estiver na violação de um dever de conclusão de um contrato, é de indemnizar o interesse positivo, ou seja o interesse do cumprimento”.

O STJ também tem manifestado este entendimento, como se pode ver, entre outros, nos seus ac.s de 11/09/2007, in Col. Jur. STJ, ano XV, tomo III, pg. 40; de 31/03/2011, Col. Jur. STJ, ano XIX, tomo III, pg. 165; de 11/01/2007, Proc.º nº 06B4223, in www.dgsi.pt; de 27/09/2012, Proc.º nº 3729/04.oTVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt; e de 25/10/2012, Proc. nº 2625/09.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

E no seu ac. de 28/04/2009, in Col. Jur. STJ, ano XVII, tomo II, pg. 44, defende que: “na falta de uma disposição legal especial que regule a indemnização devida pela responsabilidade contratual, é de aplicar a regra geral do artº 562º CC; nos casos de ruptura ilícita de negociações, a indemnização será, em regra, pelo interesse contratual negativo.”.       

            Na sentença recorrida foi seguido o entendimento de que “... regressando ao caso apreciado, temos para nós que a solução mais justa, e que a lei civil acolhe, é a de que o dano a indemnizar não se deve cingir, apenas, a reconstituir a situação em que o lesado (a autora) estaria se não houvesse iniciado negociações e concluído o contrato com a ré, devendo, antes, procurar-se uma indemnização que, adequadamente, esconjure todos os danos patrimoniais que a autora sofreu na sua esfera jurídica, decorrentes da violação dos deveres.

Por conseguinte, a indemnização a arbitrar terá de colocar a autora na situação em que estaria se não se tivesse verificado o facto que obriga à indemnização, consistente na violação daquele dever de informação/lealdade contratual, não olvidando a directriz indicada pelo art. 566.º, n.º 2, do CC.”.

...

O lesado deve ser colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, pelo que tem direito a haver aquilo que despendeu na expectativa da consumação das negociações.

Assim, em conclusão, a ré deve, pois, “responder pelos danos que culposamente causou” – parte final do nº 1 do art. 227º do Código Civil – entendendo-se que esses danos são não só os emergentes, como os lucros cessantes - ressalvadas duplicações.

A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.

...

O art. 566º do citado Código consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade. Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº 1 do art. 566º do Código Civil.

                ...

Ora, não é líquido o montante despendido com deslocações, contactos, perdas de tempo… Em tese, tendo sido deduzido um pedido específico (um pedido de conteúdo concreto), mas não se tendo logrado fixar com precisão a extensão dos prejuízos, poder-se-á relegar tal fixação para ulterior liquidação de sentença, mas apenas quando tal (ainda) se mostre exequível – art. 661.º, nº 2, do CPC cessante; pelo contrário, caso tal se não apresente já possível, então deve apelar-se à fixação da indemnização através da equidade – art. 566.º, nº 3, do Código Civil. A opção entre a liquidação, em incidente, de sentença e o julgamento equitativo do quantum indemnizatório depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor.

...

Ora, não se considera adequado recorrer ao mecanismo do art. 661.º, nº 2, do CPC, para, em momento e fase processual ulterior, definir aquele quantum com um mínimo de precisão, rigor e segurança.

Afigura-se-nos que não deve relegar-se para incidente de liquidação o “quantum” que, a esse título - de danos emergentes- , incumbiria a ré indemnizar – cf. arts. 378º e 661, nº 2, do Código de Processo Civil cessante, actualmente dos artigos 358º e 609º - pois se atentarmos já ao interesse positivo, a consideração do interesse negativo implicaria duplicação de valores, e optamos por condenar a ré apenas no pagamento do valor correspondente ao dito interesse contratual positivo, considerando o estado avançado das negociações - estando o processo praticamente findo, e tendo sido até dado o OK a que a autora iniciasse o processo de encomendas, após vários meses de trabalho - desde Outubro a Março; pondera-se bem assim a circunstância de ter sido possível proceder ao cancelamento - sem custos - de encomendas e preencomendas que tinha efectuado junto dos seus fornecedores nacionais e estrangeiros - nomeadamente junto da empresa do fabricante de móveis P....

Assim, a acção procederá apenas parcialmente, e pelo referido valor (correspondente à margem de lucro que a autora teria auferido, caso a execução do contrato se consumasse).”.

A Ré/recorrente não se revela contra este entendimento, apenas defendendo que a margem de lucro dada como provada na al. EE) dos factos provados deveria ser reduzida para 5% e nessa base é que o valor indemnizatório deveria ser fixado.

Ora, não tendo visto proceder essa pretendida alteração à referida alínea e mantando-se a margem de lucro previsível de 15%, há que manter os cálculos efectuados na sentença proferida.

A Autora, por sua vez, entende que ao valor arbitrado na sentença deverá acrescer a indemnização de € 5.000,00 por alegados danos emergentes, no caso os figurados nas alíneas S) – l) e GGG).

Ora, tendo a sentença optado por indemnizar a Autora pelo chamado interesse contratual positivo – “Assim, em conclusão, a ré deve, pois, “responder pelos danos que culposamente causou” – parte final do nº 1 do art. 227º do Código Civil – entendendo-se que esses danos são não só os emergentes, como os lucros cessantes - ressalvadas duplicações.

A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.” -, manifesto se torna que a indemnização atribuída já abrange esse dito conjunto de ‘danos’ ou de despesas, pois que estas seriam sempre cobertas pelo chamado ‘lucro’ do contrato, se ele se tivesse cumprido.

Donde resultar que apenas se impõe arbitrar a indemnização fixada na sentença recorrida, ou seja, improcedem as pretensões de ambas as partes a este respeito.

Concluindo, entende-se que devem improceder ambos os recursos apresentados, sendo que a alteração da matéria de facto levada a cabo nenhuma influência teve em tem na referida apreciação de direito, pelo que se impõe a confirmação da sentença proferida, o que se decide.

Assim, em conclusão, a Ré deve, pois, “responder pelos danos que culposamente causou” – parte final do nº 1 do art. 227º do Código Civil – entendendo-se que esses danos são não só os emergentes, como os lucros cessantes - ressalvadas duplicações.

A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.”.


VIII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedentes ambos os recursos interpostos, confirmando-se a sentença recorrida nos seus exactos e precisos termos.

            Custas por cada recorrente no respectivo recurso.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 27/05/2015

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                    Des. Teles Pereira