Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
506/13.1PCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: PENA MÁXIMA ABSTRACTAMENTE APLICÁVEL
SUPERIOR A CINCO ANOS DE PRISÃO
PROCESSO SUMÁRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 381.º, N.º 1, DO CPP; ARTIGO 210.º DO CP; ARTIGO 32.º, N.º 1, DA CRP
Sumário: O artigo 381.º do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, dirigido a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, é inconstitucional, por violar o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

No âmbito do Processo Sumário n.º 506/13.1PCLRA que corre termos no Tribunal Judicial de Leiria, 2º juízo criminal, o arguido A... foi condenado, em 9/10/2013, pela prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do C. Penal, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão (1 ano e 2 meses, por cada um deles).

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Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 29/10/2013, o arguido, defendendo a sua revogação e substituição por outra que suspenda a execução da pena, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. Está preenchido o pressuposto formal de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, a qual foi em medida não superior a cinco anos.

2. Está preenchido o pressuposto material de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, quer gerais quer especiais.

3. O tribunal a quo não pode afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido.

4. O período de suspensão da execução da pena deve ser fixado pelo douto tribunal em período entre um e cinco anos.

5. O douto tribunal deve aplicar ao arguido uma ou várias modalidades de suspensão da execução da pena entre as seguintes: 1) suspensão da execução da pena, tout court; 2) suspensão da execução da pena com deveres; 3) suspensão da execução da pena com regras de conduta; 4) suspensão da execução da pena com deveres e com regras de conduta; 5) suspensão da execução da pena com regime de prova.

6. O tribunal a quo violou os artigos 50.º, 52.º e 53.º, do CP, ao decidir por não aplicar a faculdade de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

7. Este douto tribunal deve revogar a sentença de que ora se recorre, decidindo pela aplicação da faculdade de suspensão da execução da pena de prisão de um ano e seis meses aplicada ao arguido, pelo período de um a cinco anos.

8. Condicionando, caso este douto tribunal assim o considere, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido á obrigação da satisfação de deveres, de regras de conduta e, ou, de regime de prova a determinar por este douto tribunal.

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            O recurso foi, em 31/10/2013, admitido.

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O Ministério Público junto da 1ª instância, em 12/11/2013, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência total, apresentando as seguintes conclusões:

1. Entende-se que bem andou o Tribunal a quo ao não lançar mão do instituto legal da suspensão provisória do processo, uma vez que os factos provados, designadamente, o teor do CRC do arguido, bem como a personalidade evidenciada pelo mesmo, nos permitem já realizar um juízo de prognose desfavorável à suspensão da execução da pena.

2. A este propósito, consta da douta sentença que “Esta pena, tendo em conta as faladas necessidades de prevenção geral e especial, e tendo ainda em conta o passado criminal do arguido (já condenado antes por seis vezes em penas de multa e de prisão efectiva, pelos crimes acima enumerados), não deverá ser suspensa na sua execução nos termos do disposto no art.º 50º do C. Penal, nem aplicada qualquer outra pena constante do catálogo legal (multa, trabalho a favor da comunidade, semi-detenção, prisão por dias livres), inviável que se mostra o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação (art.º 44º-1-a) do C. Penal), mostrando-se desadequadas as demais penas de substituição previstas no Código Penal, por se ponderar que a execução da pena de prisão é, no caso dos autos, exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (art.º 43º-1 do C. Penal).”

3. Concordando-se inteiramente com os motivos expostos na sentença recorrida e tendo em consideração a jurisprudência citada não se crê que a efectiva ameaça de execução de uma pena privativa de liberdade fosse adequada e suficiente para que o recorrente não mais adoptasse condutas violadoras do direito.

            4. Daí que se considera, e salvo melhor opinião, no caso vertente, não fosse permitido ao Tribunal suspender a execução da pena de prisão, tendo-se optado pelo cumprimento efectivo desta pena privativa de liberdade, inexistindo a violação dos artigos 50.º, 52.º e 53.º, todos do Código Penal.

            5. Pelo que deverá manter-se a douta sentença recorrida, nos seus precisos termos.

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            Nesta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 4/12/2013, no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.

O arguido está detido à ordem deste processo, desde 3/9/2013, encontrando-se em prisão preventiva, desde 4/9/2013 (fls. 167).

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:

“ (…)

B) – FACTOS:

Da discussão da causa, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 03.09.2013, cerca das 2h30m, o arguido dirigiu-se a B..., que circulava apeada junto da beira-rio, na zona da Nova Leiria, em Leiria, empunhando uma faca;

2. Acto contínuo, o arguido retirou o telemóvel que esta trazia consigo, marca Nokia, modelo 5030, com o valor de cerca de €40,00, abandonando em seguida o local;

3. Poucos minutos depois, junto ao n.º 61 da Rua Glória Barata Rodrigues, Quinta de Santo António, em Leiria, o arguido dirigiu-se a C... , pedindo-lhe dinheiro;

4. Perante a recusa da ofendida C... em lhe entregar qualquer quantia monetária, o arguido empunhou a faca que trazia escondida dentro do seu casaco e, apontando-a na direcção daquela, puxou a carteira que a mesma trazia ao ombro, abandonando em seguida o local, levando consigo o referido objecto, o qual continha no seu interior um telemóvel marca Samsung, modelo 530, uma agenda, um estojo com produtos de higiene e €40,00 em notas do Banco Central Europeu;

5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de se apropriar dos bens por si subtraídos às ofendidas B... e C..., empunhando uma arma branca, bem sabendo que aqueles objectos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e em prejuízo das ofendidas, o que representou;

6. Não obstante saber que tal conduta era proibida e punida por lei penal, o arguido não se absteve de a adoptar;

Apurou-se, ainda, que:

7. O arguido encontra-se actualmente em prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, no EPR de Leiria;

8. Antes de preso era, à data dos factos, cantoneiro na Junta de Freguesia de Cortes e auferia o salário mensal de €520,00; suporta uma renda de habitação no montante mensal de €190,00;

9. Foi anteriormente condenado:

9.1. No PCS n.º 393/00.0GCTND, do TJ de Tondela, por receptação, praticado em 20.10.1999, na pena de 2 meses de prisão, substituída por 45 horas de trabalho a favor da comunidade;
9.2. No PCS n.º 273/00.9GBMCN, do TJ Marco de Canavezes, por falsificação de documento, praticado em 02.03.2000, e de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 02.03.2000, na pena única de 330 dias de multa;
9.3. No PCC n.º 74/03.2TATND, do TJ Tondela, por falsificação de documento, praticado em 24.03.2003; burla na forma tentada, praticado em 24.03.2003; furto qualificado, praticado em 24.03.2003; furto simples, praticado em 24.03.2003; furto simples, praticado em 23.03.2003; furto qualificado, praticado em 06.11.2003; furto qualificado, na forma continuada, praticado em 05.11.2003; receptação praticada em 24.03.2003, na pena única de 4 anos e 5 meses de prisão;
9.4. No PCS n.º 47/03.5GCTND, do TJ Tondela, por condução sem habilitação legal, praticado em 08.02.2003, e desobediência, praticado em 08.02.2003, na pena de 100 dias de multa;
9.5. No PS n.º 286/03.9GBSCD, do TJ S. C. Dão, por furto simples, praticado em 10.11.2003, na pena de 200 dias de multa;
9.6. No PCS n.º 312/03.1PBVIS, do TJ Viseu, por furto qualificado, praticado a 07.03.2003, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa.

C) – FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se apurou:

.que na circunstância referida supra em 2 o arguido, fazendo uso de força física, agarrou B... pelo braço esquerdo e a imobilizou;

.que o telemóvel supra referido em 4 tivesse o valor de €189,00.

D) - MOTIVAÇÃO:

O arguido, para além da sua situação económica e de vida que esclareceu com credibilidade, exerceu inicialmente, e validamente, o seu direito ao silêncio, tendo, já depois de ouvidas as testemunhas, prestado declarações sobre os factos imputados; começou por negar a prática dos factos e, no decurso das suas declarações, veio a admiti-los, ainda que com explicações; referiu que pediu à C...para “arranhar” heroína e cocaína, o que foi conseguido, vindo “os três” (arguido, C...e B...) a consumir em conjunto, tendo adiantado a parte delas para pagamento desse estupefaciente, “metendo 20 euros do seu bolso”, ficando a C... a dever-lhe €20 e a B... €10; ficou no dia acima referido à espera da C...até às duas da manhã; como avistou a B..., abordou-a e pediu-lhe o dinheiro, esta disse que não tinha, “tirou” a faca e a mesma acabou por lhe “passar” o telemóvel acima indicado para a sua mão; esclareceu que veio a encontrar momentos depois a C...e pediu-lhe os €20,00, tendo ela respondido que lhe dava, não lhe dizendo quando; então pediu-lhe para lhe dar a carteira que trazia para poder tirar dela o telemóvel; como ela não deu voluntariamente, “tirou a faca e ameaçou-a” dizendo “se não vai de uma maneira, vai de outra”, tendo ela tirado então a carteira do ombro para a sua mão, momento em que viu o que a mesma continha no seu interior, levando-a depois consigo e abandonando o local.

D..., agente da PSP, referiu ter encontrado no dia dos factos as duas ofendidas e um indivíduo ferido na Rua Glória Barata Rodrigues, acima indicada; referiu que depois de recolher elementos sobre a pessoa do agressor, veio a deter o arguido a cerca de 50 metros do local dos factos escondido debaixo de uma viatura estacionada, tendo na sua posse a carteira subtraída a uma das ofendidas, precisando os objectos e dinheiro que aquele lhes havia subtraído; E... , agente da PSP, corroborou, de forma credível, nas suas linhas gerais, o depoimento do anterior agente, relatando apenas a versão dos factos que as ofendidas C... e B... lhe contaram, vindo a encontrar o arguido nas circunstâncias já explicitadas pela anterior testemunha, precisando os objectos subtraídos às ofendidas pelo arguido, os quais foram recuperados (encontrados debaixo do tal veículo estacionado onde o arguido se escondera) e devolvidos às mesmas, com excepção do numerário acima indicado, não localizado.

B... referiu já conhecer o arguido antes dos factos por residir próximo de si, esclarecendo que vinha no dia dos factos junto ao rio, cerca das duas da manhã e o arguido abordou-a, “ameaçando-a com uma faca para lhe dar dinheiro” verbalizando que a cortava, tirando-lhe bruscamente o telemóvel que trazia na mão; explicou que efectivamente uma semana antes dos factos tinha estado a fumar produto estupefaciente juntamente com o arguido e com a C..., tendo o mesmo emprestado €10,00 a cada uma, com a obrigação de lhe pagar depois, precisando que no dia dos factos o arguido “não estava a cobrar a dívida mas a exigir dinheiro à força”; precisou o valor do telemóvel e a sua recuperação posterior.

C... referiu conhecer o arguido por todos serem consumidores de droga e no dia dos factos o arguido abordou-a, pediu-lhe €20,00 (que efectivamente lhe devia), disse que não tinha e ele “tirou-lhe a carteira”, puxando-a, precisando os objectos e a quantia em dinheiro que tinha no seu interior; explicou ainda o envolvimento do José Soares, o qual estava consigo no momento dos factos e chegou a “levar uma facada” do arguido; José Soares, ouvido, corroborou este depoimento e explicando a forma como foi ferido com uma faca pelo arguido.

Considerou-se, conjugadamente, além das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, acima sintetizados, o teor do auto de notícia de fls. 4 e 5; o teor do auto de apreensão de fls. 6, e de entrega de fls. 9; e o teor do CRC do arguido de fls. 15 a 27 quanto aos indicados antecedentes criminais.

Em face da prova produzida, convenceu-se o tribunal, com segurança e certeza, que o arguido praticou os factos imputados, acima enumerados; com efeito, ainda que querendo cobrar “a bem ou a mal” – como referiu - um crédito que tinha sobre as ofendidas, o arguido mediante a exibição de uma faca, exigiu às mesmas a entrega de dinheiro, fazendo-as crer que, caso não atendessem ao seu pedido, lhes faria mal, acabando por subtrair-lhes objectos de valor e dinheiro, aproveitando o receio que nelas provocou ao empunhar a referida faca, sabendo que praticava um acto proibido por lei; as declarações do arguido acabam por seguir o rumo da confissão dos factos, embora, mesmo que assim não sucedesse, as os depoimentos das ofendidas B... e C... foram credíveis, consistentes e coerentes entre si, relatando a forma como o arguido as abordou e lhes retirou os indicados objectos, os quais, parte deles, foram encontrados junto de si aquando da detenção efectuada por agentes da PSP logo após a ocorrência dos factos, razão por que o tribunal julgou como provados os factos acima enumerados; os factos julgados como não provados resultaram de ausência de prova segura e consistente sobre a sua ocorrência, quer por que as ofendidas os não esclareceram de forma inequívoca, quer porque nenhum outro meio de prova os confirmou.

E) – O DIREITO:

Preceitua o artigo 210º-1 do Código Penal que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça ou perigo iminente para a vida ou integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

O crime de roubo caracteriza-se por ser um crime pluriofensivo na medida em que, com ele, afecta-se o bem jurídico propriedade mas também a liberdade individual de decisão e acção, a segurança, a integridade física e a própria vida alheia, bens de natureza pessoal (sobre a predominância neste tipo penal da tutela de bens juridicamente pessoais, vide Ac. do STJ de 04.04.1991, BMJ 406, p. 335).

O crime de roubo distingue-se do crime de furto (vd. art.º 203º) pelo elemento pessoal, ou seja, “… no crime de roubo, além de se ofender o bem jurídico propriedade ou detenção de coisa móvel, tal qual acontece no furto (…) ofendem-se bens jurídicos pessoais” (vd. Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 161).

Apresenta como elementos essenciais: a subtracção de uma coisa por meio de violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir; a natureza móvel da coisa; a natureza alheia dessa mesma coisa móvel; e a concorrência do elemento subjectivo, além do dolo genérico, o específico ânimo de apropriação.

Por subtracção deve entender-se como a passagem da coisa móvel da esfera de domínio do proprietário ou de detentor para nova esfera de domínio, contra a vontade daquele, sendo que neste elemento objectivo está apenas em causa a protecção dos bens patrimoniais. Para o conceito de subtracção exige-se uma apropriação relativamente estável, um efectivo domínio da coisa durante um espaço de tempo mínimo, a quebra da relação de detenção fáctica com a coisa (vd. Ac. do STJ de 15.02.2007, www.dgsi.pt; e Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 50; e Paulo Saragoça da Matta, Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime “Clássico”, Liber Discipulorum para Figueiredo Dias”, p. 1026).

Os meios para levar a cabo tal subtracção estão legalmente tipificados – violência contra pessoa, ameaça ou pôr na impossibilidade de resistir – resultando tal tipificação da tutela dos bens pessoais.

Por meio do emprego da violência põe-se em causa a liberdade de movimentos e de acção da pessoa e a sua integridade física, pelo menos, neste último caso, nas situações de violência física e ainda que se trate de lesões muito “leves” ou “insignificantes (no sentido de considerar que quer a violência que corresponda a uma força física importante dirigida contra a pessoa do ofendido, quer a que se traduz no simples uso da força física cai sempre sob a alçada do tipo legal de crime de roubo, desde que produzida com a intenção de apropriação, vd. Ac do STJ de 27.02.1992, CJ, XVII, I, p. 48).

A ameaça, sendo, também, uma violência psíquica, tem de específico no crime de roubo o facto de constranger através da provocação de medo, inquietação, intimidação e insegurança de molde a afectar a capacidade de decisão do ameaçado. Só que, no tipo legal de roubo, só releva a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física que aponta para o facto do mal ameaçado ser especialmente grave como, e principalmente, verificar-se uma situação de perigo iminente. Ou seja, como bem diz, Juan José González Rus, a intimidação característica do roubo verifica-se sempre que a vítima seja marcada por um sentimento de angústia e temor, susto e receio, fundado racionalmente e perturbador da sua capacidade volitiva, determinando uma pressão psicológica que restringe a sua liberdade, neutralizando a eventual oposição e obrigando-o a suportar o resultado típico pretendido, seja a permitir o apoderamento, seja a entrega da coisa (vd. “Curso de Derecho Penal, Parte Especial”, obra colectiva dirigida por Manuel Cabo del Rosal, Ed. Marcial Pons, Madrid, 1996,vol.I, pag. 617).

Assim sendo, os elementos objectivos para o tipo legal de crime de roubo resumem-se a três circunstâncias:

(i) uma efectiva subtracção de coisa móvel alheia;

(ii) emprego de violência, ameaça ou colocação da vítima em impossibilidade de resistir;

(iii) afirmação de um nexo de imputação entre a apropriação da coisa móvel alheia e os meios utilizados para esse efeito, desde que estes meios se traduzam num real constrangimento ou intimidação para a vítima, tolhendo a sua capacidade de acção e/ou decisão, a ponto desta entregar o bem móvel ou tolerar a sua subtracção.

No que se refere ao elemento subjectivo este é um crime doloso, logo o agente terá de ter conhecimento correcto dos elementos típicos factuais (elemento intelectual), terá de ter vontade em realizá-lo, não obstante ter consciência do significado anti-jurídico da sua conduta (elemento volitivo), demonstrando ainda intenção de apropriação de coisa alheia (art.ºs 14º e 210º-1 do Código Penal).

Da factualidade julgada como provada resulta que o arguido empregou violência física sobre as ofendidas, já que levou a cabo duas acções idóneas a provocar-lhes medo por meio de ameaça à sua vida – já que lhes brandiu uma faca - resultando directamente dessa conduta um constrangimento efectivo que levou as ofendidas a ver-se privadas dos objectos subtraídos do qual eram proprietárias e que, por isso, não puderam resistir ou forçar a sua retenção; resulta, ainda, que o arguido, ao actuar do modo que se julgou provado, visou apropriar-se de coisas móveis, bem sabendo que eram alheias, apropriação essa que conseguiu (já que quebrou a relação de detenção das suas proprietárias com as respectivas coisas, levando-as para local por si conhecido e oculto), actuando sempre de forma voluntária, livre e consciente com vista a atingir directamente aquele resultado, conhecendo a sua conduta como penalmente punível.

Mostram-se, por conseguinte, considerando os factos acima julgados como provados, preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo legal incriminador, não se apurando outros factos que preencham qualquer causa da ilicitude ou da culpa (sendo certo que, apesar da alegação do arguido que apenas actuou para “cobrar” uma dívida, tal circunstância, ainda que verdadeira, não consubstancia uma causa legítima para actuar da forma violenta como actuou).

F) - MEDIDA DA PENA:

O crime de roubo é punível com pena de prisão de 1 ano a 8 anos (art.º 210º-1 do Código Penal).

Decorre da lei que para este crime não está prevista pena alternativa à pena de prisão o que se compreende, dada a gravidade do mesmo considerada pelo legislador, pelo que é à pena de prisão que, enquanto sanção, terá de atender-se.

Assim ao arguido terá sempre de ser aplicada uma pena de prisão, importando determinar a medida concreta da pena dentro da moldura penal abstractamente aplicável, entre 1 a 8 anos de prisão.
Considerando os factos provados, importa ponderar as seguintes circunstâncias para graduar a pena de multa escolhida:
- os indicados e relevantes antecedentes criminais;
- o grau médio da ilicitude dos factos (tendo em conta a intensidade da violência exercida, a faca exibida e a natureza e valor dos objectos furtados, numa “imagem global dos factos”);
- o contexto em que o arguido actuou, considerando os motivos e os antecedentes dos factos;
- o dolo directo com que o arguido actuou, cônscio da ilicitude dos factos;
- as necessidades de prevenção geral positiva de reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, dado o elevado número de crimes contra as pessoas e contra o património praticados, o que, além do mais, gera instabilidade, insegurança e alarme sociais;
- as necessidades de prevenção especial, elevadíssimas, ligadas à reinserção social do agente.
Tudo ponderado, entende-se adequado condenar o arguido na pena de 1 ano e 2 meses de prisão por cada um dos crimes.
Importa agora encontrar a pena do concurso, aplicando o sistema da pena única conjunta, na modalidade do cúmulo jurídico.
Com efeito, há que considerar, em conjunto, na medida da pena, os factos e a personalidade do arguido, tendo a pena como limite máximo a soma das penas parcelares, com o limite máximo de 25 anos e como limite mínimo a pena concreta mais elevada (art.ºs 30º-1 e 77º-1-2 do CP).
Será, pois, dentro da moldura abstracta que se encontra, isto é, entre 1 ano e 2 meses de prisão e 2 anos e 4 meses, que terá de encontrar-se a pena concreta do concurso.
Assim, tendo em conta os factores enunciados, julga-se adequado condenar o arguido, em cúmulo jurídico, numa pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.

Esta pena, tendo em conta as faladas necessidades de prevenção geral e especial, e tendo ainda em conta o passado criminal do arguido (já condenado antes por seis vezes em penas de multa e de prisão efectiva, pelos crimes acima enumerados), não deverá ser suspensa na sua execução nos termos do disposto no art.º 50º do C. Penal, nem aplicada qualquer outra pena constante do catálogo legal (multa, trabalho a favor da comunidade, semi-detenção, prisão por dias livres), inviável que se mostra o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação (art.º 44º-1-a) do C. Penal), mostrando-se desadequadas as demais penas de substituição previstas no Código Penal, por se ponderar que a execução da pena de prisão é, no caso dos autos, exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (art.º 43º-1 do C. Penal).

            (…)”
                                                         ****

III. Apreciação do Recurso:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A questão a conhecer é a seguinte:

- Saber se a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser suspensa na sua execução.

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QUESTÃO PRÉVIA:

Nos presentes autos de Processo Sumário, o arguido foi julgado e condenado pela prática de dois crimes de roubo.

A respectiva moldura penal é a de prisão de 1 a 8 anos – artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal.

Assim sendo, há que tomar posição, liminarmente, quanto a uma questão que tem sido objecto de discussão, quer ao nível da doutrina quer ao nível da jurisprudência, e que se resume em saber se a alteração da lei processual penal, decorrente da reforma de 2013, que permite a sujeição a julgamento em processo sumário de arguidos da prática de crimes com pena abstractamente superior a cinco anos de prisão se afigura em conformidade com a Lei Fundamental

Pois bem, no que tange a esta questão, a 3ª Secção do Tribunal Constitucional já a apreciou, tendo aprovado os Acórdãos n.º 428/13, n.º 469/13 e 828/13 (acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), sendo de salientar que todos concluíram pela inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 1, do artigo 381.º, do CPP, por violação das garantias de defesa e do condicionamento da celeridade processual a essas mesmas garantias (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.

Também a 2ª Secção do Tribunal Constitucional, estando em causa o julgamento em processo sumário de um arguido pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, no recente Acórdão n.º 849/13, datado de 10/12/2013 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), concluiu no mesmo sentido.

Na esteira dos citados Acórdãos, também entendemos, em síntese, que as exigências de celeridade processual não podem deixar de ser conjugadas com as garantias de defesa do arguido, sendo que a Constituição, de acordo com o seu artigo 32.º, n.º 2, dá especial ênfase à protecção das garantias de defesa em detrimento da rapidez processual, da mesma forma que a opção legislativa pelo julgamento sumário deve ficar sempre limitada pelo poder condenatório do juiz definido em função de um critério quantitativo da pena a aplicar (e não de algo aleatório, como a eventual existência de flagrante delito).

Por conseguinte, acompanhando a ponderação efectuada nos citados Acórdãos para cuja mais extensa fundamentação remetemos, concluímos pela inconstitucionalidade da norma do n.º 1, do artigo 381.º, do CPP, quando interpretada no sentido de que o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.

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Fica, pois, prejudicado o conhecimento da questão suscitada no recurso.

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            IV. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra, ao concluirem pela inconstitucionalidade da norma do n.º 1, do artigo 381.º, do CPP, quando interpretada no sentido de que o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, em anular o julgamento e a sentença e ordenar a prossecução do processo sob a forma de processo comum.

Sem custas. 

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Coimbra, 29 de Janeiro de 2014


 (José Eduardo Martins - relator)

 (Maria José Nogueira)