Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
354/13.9TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: SUBORDINAÇÃO LABORAL
ÍNDICES
TRABALHADOR POR CONTA DE OUTREM
CONCEITO JURÍDICO
REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS
REGIME
NLAT
APLICAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – FIGUEIRA DA FOZ – INST. CENTRAL – 2ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 3º DA NLAT (LEI Nº 98/2009, DE 04/09); 12º, Nº 1 DO CT/2009.
Sumário: I – A NLAT (Lei nº 98/2009, de 04/09) não especificou o que deve entender-se por ‘trabalhador por conta de outrem’.

II – No entanto, não podem restar dúvidas de que neste ‘trabalhador por conta de outrem’ se encontram incluídos os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho – artº 3º da NLAT.

III – O nº 1 do artº 12º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho.

IV – É a denominada subordinação jurídica que, afinal, permite caracterizar a relação como de trabalho.

V – O Regime dos Acidentes de Trabalho previsto na Lei nº 98/2009, de 4/09, é aplicável ao trabalhador que preste o seu serviço numa situação de dependência económica do beneficiário do serviço prestado, quando essa prestação ocorra numa situação de ausência de subordinação jurídica.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Frustrada a tentativa de conciliação realizada na fase não contenciosa do processo, veio A... instaurar a presente acção para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra os RR. “ B... , S.P.A.” e C... , pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência:

- ser a A. declarada herdeira do falecido D... e única beneficiária do direito à pensão, subsídios e prestações por morte do Sinistrado;

- serem os RR. condenados a pagar à A. a pensão anual e vitalícia, no valor de € 4.062, devida desde 9/3/2013, sendo a R. “ B... ” até ao montante de € 2.640 e o R. C... na diferença entre este montante e € 4.062;

- serem os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € 5.533,68, a título de subsídio por morte;

- serem os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € de € 1.501, referente ao subsídio de funeral;

- serem os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € 10 referente a despesas de transporte

- serem os RR. condenados a pagar à A. juros de mora sobre as quantias vencidas e vincendas até ao seu integral pagamento;

- subsidiariamente e na hipótese de a R. “ B... ” ser declarada parte ilegítima, o R. C... ser condenado a pagar todas as quantias já referidas.

Alegou, resumidamente, tal como consta da sentença, que o sinistrado faleceu quando trabalhava para o 2.º-R., tendo a A., como mulher do sinistrado, direito ao pagamento das quantias peticionadas, estando a responsabilidade do seu pagamento a cargo dos RR. por serem, respectivamente, a seguradora que celebrou o contrato de seguro de acidentes de trabalho que abrangia o sinistrado e a entidade empregadora do Sinistrado.


+

Contestou o R. C... , alegando que o sinistrado nunca trabalhou para si, mas apenas lhe prestou serviços, sendo que o acidente em causa não ocorreu da forma descrita pela A.

+

Contestou a R. “ B... , S.p.A.” alegando que o contrato de seguro em questão não abrangia o sinistrado, sendo também anulável, e que o acidente mortal em questão se deveu unicamente à negligência grosseira do sinistrado.

***

II - Saneado o processo, e seleccionada a matéria de facto assente e aquela que constituiu a base instrutória, procedeu-se à audiência de julgamento tendo, a final, sido proferida sentença que decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenou a R. “ B... , S.p.A.” a pagar à A. A... , na qualidade de herdeira do sinistrado e beneficiária das prestações pecuniárias respeitantes à sua morte, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 2.640 (dois mil seiscentos e quarenta euros), devida desde 9/3/2013, a ser paga em 1/14 até ao 3.º dia cada mês e ainda os subsídios de férias e de Natal, de idêntico montante, a serem pagos em Junho e em Novembro, até a A. A... perfazer a idade de reforma por velhice, sendo a pensão calculada com base em 40 % da retribuição do sinistrado a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

b) Condenou o R. C... a pagar à A. A... , na qualidade de herdeira do sinistrado e beneficiária das prestações pecuniárias respeitantes à sua morte, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 1.151,34 (mil cento e cinquenta e um euros e trinta e quatro cêntimos), devida desde 9/3/2013, a ser paga em 1/14 até ao 3.º dia cada mês e ainda os subsídios de férias e de Natal, de idêntico montante, a serem pagos em Junho e em Novembro, até a A. A... perfazer a idade de reforma por velhice, sendo a pensão calculada com base em 40 % da retribuição do sinistrado a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

c) Condenou a R. “ B... , S.p.A.” a pagar à A. A... , a título de subsídio por morte, a quantia de € 5.533,68 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos);

d) Condenou a R. “ B... , S.p.A.” a pagar à A. A... , a título de subsídio por despesas de funeral, a quantia de € 1.501 (mil quinhentos e um euros);

e) Condenou a R. “ B... , S.p.A.” a pagar à A. A... , a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de € 10 (dez

euros);

f) Condenou os RR. “ B... , S.p.A.” e C... a pagarem à A. A... juros de mora sobre as prestações pecuniárias

supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento;

g) Absolveu os RR. “ B... , S.p.A.” e C... do demais peticionado pela A. A... .


****

III - Inconformados com esta decisão dela apelaram os réus, alegando e concluindo:

A Seguradora:

[…]

O co-réu C...:

[…]


+

Contra alegou a autora/beneficiária, concluindo pela improcedência de ambos dos recursos.

***

V – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

[…]


***

VI - As conclusões das alegações delimitam o objecto dos recursos.

Assim, cumpre apreciar e decidir sobre as seguintes questões:

1. Se há lugar à alteração da matéria de facto.

2. Se a relação havida entre o sinistrado e o tomador do seguro deve ser caracterizada como de contrato de trabalho.

3. Se o contrato de seguro celebrado entre a seguradora recorrente e o tomador é anulável.

4. Se se mostra ilidida a presunção estabelecida no artº 3º nº 2 da LAT (presunção de “dependência económica”)

5. Havendo lugar à reparação infortunística se estão correctos os cálculos relativos à obtenção da média mensal dos dias efectivos de trabalho.

Da alteração da matéria de facto:

[…]

Da caracterização da relação como de de trabalho subordinado:

Sob a epígrafe “Trabalhador abrangido”, dispõe o Artigo 3.º da LAT (Lei 98/2009 de 04/09) “1 - O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.

2 - Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume -se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.

3 - Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera -se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e actualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à actividade do empregador”.

O tribunal a quo entendeu que “ o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, tal como previsto nos arts. 8º e 9º da Lei n.º 98/2009, uma vez que tinha acordado com a sua entidade empregadora e aqui também R., sob sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer uma actividade, mediante retribuição, (cfr. o art. 1152º do Código Civil, que prescreve “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”), considerando-se existirem elementos fácticos suficientes para se poder presumir a existência dessa relação laboral[1] (mormente, a utilização de equipamento do R. e o pagamento de uma quantia fixa por hora de trabalho prestado)”.

Deste entendimento discorda a seguradora recorrente (concl. XXXIV a XLIII).

A LAT em vigor, ao contrário do que previa LAT anterior (n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 100/97) não especificou o que deve entender-se por “trabalhador por conta de outrem”.

No entanto, não podem restar dúvidas que neste “trabalhador por conta de outrem” se encontram incluídos os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.

Assim, importa em primeiro lugar, verificar se as características da relação estabelecida entre o sinistrado e o C... pode ser caracterizada como de trabalho subordinado.

Nesta operação há que saber se se verificam alguns dos índices de laboralidade a partir dos quais a lei faz presumir, ainda que iuris tantum, a existência de um contrato de trabalho – artº 12º do CT.

O[2] n.º 1 do art. 12.º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho. Como resulta do teor do seu corpo, é condição suficiente para operar a presunção da laboralidade a verificação de duas das características afirmadas na norma (o que se retira da expressão “se verifiquem algumas das seguintes características”, que induz – do plural usado - que não basta uma, sendo necessária a reunião de mais do que uma das características). A presunção é, contudo, ilidível, admitindo prova em contrário nos termos do art. 350.º, n.º 2, do Código Civil.

Assim, nos termos dessa norma presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

A presunção em causa visa concerteza facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação, e tem a sua inspiração no chamado método indiciário usado na nossa jurisprudência para alcançar a qualificação do contrato [com o recurso a índices negociais internos – p. ex., o local da actividade pertencer ao beneficiário da mesma, ou ser por ele determinado; a existência de um horário de trabalho; a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade; a existência de uma remuneração certa, com aumento periódico; o pagamento de subsídio de férias e de Natal; a integração na organização produtiva, a submissão do prestador ao poder disciplinar - e externos - p. ex., a sindicalização do prestador da actividade, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem e a exclusividade da actividade a favor do beneficiário]. Mas, diversamente desse método indiciário, que determinava a busca de um numeroso e convincente conjunto de indícios, a presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se, como dissemos, com a verificação de dois dos indícios/características apontados.

Como se afirmou nos Acórdãos desta Relação de 10-07-2013 (relator Azevedo Mendes e de 26-09-2014 (relator: Ramalho Pinto), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil. Noutra perspectiva que parta do fim do percurso da indagação para o seu princípio, o resultado será afinal o mesmo, já que não se verificando aquele ambiente então terá de se considerar ilidida a presunção.

Como se sabe, de acordo com o Código do Trabalho, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (art. 11.º do Código do Trabalho e, também no mesmo sentido o art. 1152.º do Código Civil).

É a denominada subordinação jurídica que, afinal, permite caracterizar a relação como de trabalho.

No caso, a matéria de facto provada não nos esclarece quanto à génese da relação, ou seja, que vontades estiveram na sua origem, nem tão pouco essa matéria, no que toca à execução contratual, nos esclarece sobre a sua qualificação.

Deste modo, haverá que saber se se verificam duas ou mais das circunstâncias a que alude o citado artº 12º do CT, cuja prova, como base da presunção, incumbe à autora beneficiária.

Ora, presente a factualidade, verificamos estarem preenchidas, pelo menos as circunstâncias referidas nas alíneas a) e b) do citado artº 12º.

Na verdade, o sinistrado D... realizava a sua actividade em matas que o C... lhe indicava e, pelo menos o tractor que provocou o acidente era propriedade deste.

Assim sendo, a questão que agora se coloca é a de saber se a seguradora logrou ilidir a presunção.

E a resposta, na nossa perspectiva, é afirmativa.

De facto, o sinistrado D... não estava obrigado a observar uma hora para o início e fim da actividade que desempenhava, ou seja, não estava sujeito a um horário de trabalho como é próprio ou típico do trabalho subordinado, assim como era remunerado à hora o que não se coaduna com a forma de pagamento deste tipo de trabalho. Por outro lado, estava já reformado, donde os seus rendimentos não provinham exclusivamente da actividade que prestava para o C... .

Acresce que não é norma nem é típico do trabalho subordinado que seja o próprio prestador da actividade a controlar e a contabilizar os tempos de trabalho como no caso o falecido fazia através da anotação desses tempos num bloco de notas que, posteriormente, servia para proceder ao “acerto de contas” com o C... .

Por tudo isto, salvo melhor opinião, entendemos que a presunção de laboralidade se encontra ilidida não se podendo caracterizar a relação que se verificou entre o sinistrado e o C... como de trabalho subordinado.

Da anulabilidade do contrato de seguro:

Provou-se que o C... tinha transferido, por contrato de seguro, na modalidade de prémio fixo, titulado pela Apólice nº (...) , para a R. “ B... , S.p.A.” (documento de fls. 8/9 do processo em papel) dado por reproduzido na sua totalidade), a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho de D... , com base na remuneração de € 550 x 14 meses, acrescida de € 100 x 11 meses de subsídio de refeição, num total anual ilíquido de € 8.800.

Mais se provou que o R. C... deslocou-se ao escritório da mediadora da R. “ B... ”, “ E...”, para efectuar um seguro que cobrisse o risco de qualquer acidente que D... sofresse enquanto estivesse a trabalhar nos seus pinhais, acabando o R. C... por subscrever o contrato de seguro mencionado em 9º.

Segundo a recorrente este contrato de seguro é anulável, pelo menos em relação ao sinistrado, porquanto a declaração de que o falecido era um trabalhador “fixo” mais não representa do que uma declaração inexacta do segurado C... geradora da anulabilidade do seguro em causa, ao menos em relação ao sinistrado nos termos do artº 25º/3 da Lei do contrato de seguro).

Apreciando:

Dispõe o artº  24.º  do DL 72/2008 de 18/04 (“declaração inicial do risco”) 1- O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.

E o artº 25.º do mesmo diploma (“omissões ou inexactidões dolosas”) preceitua que “1-  Em caso de incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”.

Em primeiro lugar, é discutível que tenha havido uma conduta dolosa por parte do C... aquando da prestação das declarações que deram origem à celebração do contrato de seguro.

Por outro lado, e mais importante, não vemos onde tais declarações (que o falecido pertencia ao grupo dos seu trabalhadores efectivos) possa afectar razoavelmente a apreciação do risco por parte da seguradora,

Esta avaliação do risco, com base na qual é calculado o respectivo prémio a pagar pelo tomador à seguradora, tem por base o tipo de actividades objecto do seguro, as quais, como é natural, podem representar maior ou menor risco da ocorrência de acidentes.

Ora, é indiferente para se avaliar o risco de acidente se o prestador da actividade é trabalhador subordinado ou se desempenha essa actividade num outro qualquer regime de prestação.

O que interessa para o efeito é o que o prestador da actividade efectivamente executa.

E, no caso, o falecido trabalhava na mata, na exploração florestal que comporta, designadamente corte, abate de árvores e seu transporte com utilização de maquinaria adequada.

 Daí que o C... tenha declarado o falecido D... como servente florestal (fls. 9), em consonância com a actividade que, efectivamente, este desempenhava.

Por isso, salvo melhor opinião, nada podia razoavelmente agravar a apreciação do risco por parte da seguradora, pelo que não há que falar em anulabilidade do contrato de seguro.

Da elisão da presunção estabelecida no artº 3º nº 2 da LAT:

Como acima ficou dito o regime previsto na LAT abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos e, quando a lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.

A propósito desta questão escreveu-se na sentença impugnada que “considerando o número de dias em que o Sinistrado trabalhou para o R. (em particular nos meses que antecederam o acidente, em que ascendeu quase a todos os dias úteis desses meses) e não se vendo que o simples facto de estar reformado seja suficiente para ilidir essa presunção.

Assim, o n.º 2 do mesmo preceito dispõe que “quando a presente lei não impuser entendimento diferente presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços“. Esta disposição legal deve interpretar-se com conjugação com o disposto no art. 4.º, nº 1, al. c) da lei preambular do CT (Lei 7/2009 de 12/02), a qual estabelece que “o regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho” se aplica “com as necessárias adaptações” “a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho. Daqui decorre que o regime de reparação e acidentes de trabalho e doenças profissionais abrange os profissionais prestadores de serviços, sempre que estes se encontrem na dependência económica da entidade a quem tais serviços são prestados, e que tal dependência económica se presume. E porque assim é, a menos que essa entidade ilida a presunção, ficará obrigada a reparar os danos decorrentes do acidente de trabalho ou doença profissional, nos exactos termos em que responderia se estivesse vinculada ao profissional por contrato de trabalho”.

Como se alcança deste extracto, o tribunal “a quo” entendeu que a recorrente não logrou ilidir a presunção a que alude o artº 3º nº 2 da LAT.

A recorrente, ao invés, considera que essa presunção foi por si elidida.

Decidindo:

O acidente dos autos ocorreu no dia 08 de Março de 2013, na vigência do regime dos acidentes de trabalho decorrente da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2010, diploma que deu execução ao disposto no artigo 284.º do Código do Trabalho de 2009.

Seguindo aqui o Ac. do STJ de 22/01/2015 proferido no processo 481/11.7TTGMR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstjeste Código, ao contrário do Código do Trabalho de 2003, limitou-se a estabelecer alguns princípios gerais em matéria de reparação de danos derivados de acidentes de trabalho e de doenças profissionais no seu artigo 283.º, relegando a disciplina desta matéria para legislação específica, o que veio a acontecer com aquela lei.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei  n.º 98/2009, o regime previsto «abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos», dispositivo que corresponde ao n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, diploma que estabelecia o anterior regime dos acidentes de trabalho.

Ao contrário do que resultava do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 100/97, a Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, não especificou o que deve entender-se por «trabalhador por conta de outrem», prevendo apenas no n.º 2 do seu artigo 3.º que «quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está a dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços» e caracterizando no n.º 3 do mesmo artigo o conceito de formação profissional.

A determinação do conteúdo da norma do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 98/2009, que corresponde ao n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que regulamentou a Lei n.º 100/97, encontra-se a partir do disposto no artigo 10.º do Código de Trabalho e do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, diploma que aprovou o Código do Trabalho em vigor.

Resulta do disposto no referido artigo 10.º do Código do Trabalho, para além do mais, a extensão da disciplina estabelecida naquele código, em matéria de segurança no trabalho, a «situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade».

À luz do disposto nesta norma, a disciplina estabelecida no Código do Trabalho para as matérias ali discriminadas é aplicável nas situações de prestação de trabalho sem subordinação jurídica, desde que seja feita numa situação de dependência económica.

Por outro lado, resulta do referido artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, a extensão do regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, «c) a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho».

Em síntese, o regime dos acidentes de trabalho previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, é aplicável a trabalhador que preste o seu serviço numa situação de dependência económica do beneficiário do serviço prestado, quando essa prestação ocorra numa situação de ausência de subordinação jurídica[3]

No mesmo acórdão pode ler-se, citando o Profª Pedro Romano Martinez que “ (..) por um lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador da actividade no processo empresarial de outrem e, por outro, o facto de a actividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Já não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência económica o facto de o prestador da actividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família.

A integração no processo produtivo da empresa beneficiária, que será talvez o factor relevante para a existência de dependência económica, pode ser coadjuvada com a continuidade no exercício da actividade, pois, por via de regra, não haverá integração num processo produtivo empresarial se a actividade é desenvolvida de forma esporádica. Não sendo o empregador uma empresa, dificilmente quem prestar serviços com autonomia poderá considerar-se na dependência económica da pessoa servida, até porque o legislador pretendeu, de algum modo, excluir do âmbito da Lei dos Acidentes de trabalho os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração fora do seio empresarial (art. 8.º, n.º 1, alínea b), da LAT e art. 292.º n.º 1 do CT).

Por outro lado, a dependência económica pressupõe que a actividade desenvolvida por quem presta o serviço só aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o trabalhador autónomo realizar certa actividade, cujo resultado, sendo rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem.

Na dúvida em relação a dada actividade, presume-se que o trabalhador se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da qual o serviço é prestado (art. 12.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 143/99) (in “Direito do Trabalho”, 3.ª edição, Junho de 2006, páginas 819 a 821 – sublinhados nossos).

A delimitação assim operada demonstra, à saciedade, que um contrato, definitivamente qualificado como prestação de serviço, está fora do âmbito proteccionista da sinistralidade laboral».

E, mais à frente, lê-se ainda no citado acórdão que “importa, contudo, que se tenha sempre presente que a dependência económica derivada da presunção, relevante para a extensão do regime de protecção, não pode ser vista em abstracto, mas tem de ser ligada ao fundamento específico daquela extensão do regime de protecção.

Este assenta na responsabilização do beneficiário da actividade considerada pelos riscos derivados da sua prossecução, sendo a obrigação de reparação dos danos derivados dos acidentes um custo dessa actividade, como tal assumido pelo seu promotor, custo este que é transferido, a coberto do regime de seguro obrigatório, para uma seguradora.

O destinatário do trabalho, como tal beneficiário do mesmo, é assim responsável pela reparação dos danos derivados de acidentes ocorridos na sua realização.

A ligação do trabalhador sinistrado em termos de dependência económica ao promotor da actividade no contexto da qual ocorreu o acidente surge como expressão do enquadramento desse trabalhador na actividade prosseguida, como inserção do trabalhador no complexo organizacional inerente à realização dessa actividade, tendo implícita a sua afectação de forma exclusiva à prossecução da mesma.

Na verdade, a dependência económica, considerada em abstracto, prende-se, em primeira linha, com a resposta à satisfação das necessidades do dia a dia, em termos de alimentação, alojamento, vestuário, mas também com o restante complexo de necessidades essenciais à realização pessoal de cada um.

Está numa situação de falta de autonomia económica e como tal em dependência económica, quem não tem, só por si, capacidade para responder aos encargos de natureza económica relacionados com a satisfação daquele conjunto de necessidades.

É a capacidade de satisfação daquele conjunto de exigências com expressão económica que exprime a existência ou não de uma situação de dependência económica.

A esta luz a autonomia económica tem uma dimensão variável e relativa, onde a situação social de cada um desempenha um ponto de referência, quando se ensaia uma análise comparativa num universo de pessoas.

Não é esta, contudo, a dimensão relevante de dependência económica para fundamentar a extensão do regime de protecção dos acidentes de trabalho, conforme acima se referiu, embora o valor dos rendimentos auferidos na prestação dos serviços tenha forçosamente reflexo na capacidade de resposta do trabalhador na satisfação das suas necessidades, conduzindo, por norma, a integração em exclusivo na actividade do destinatário da prestação dos serviços, a uma situação em que os rendimentos auferidos sejam a única fonte relevante de rendimentos do trabalhador”.

Também esta Relação no Ac. de 24/06/2004, processo 829/04 “in” Acidentes de Trabalho jurisprudência 2000.- 2007 se pronunciou sobre a temática nos sentido de que “a dependência económica exige um regime de prestação de serviços, se não de uma forma exclusiva, pelo menos com uma regularidade e importância tais que se possa afirmar que ( quase como acontece no contrato de trabalho) o prestador de serviços faz face às suas necessidades económicas e do seu agregado familiar se o tiver), essencialmente com a s remunerações que percebe da entidade (individual ou colectiva) para quem por norma trabalha”.

No caso em apreciação verificamos que o sinistrado trabalhava para o C... desde 04/01/2011 efectuando por dia 4 ou 8 horas de trabalho, sendo que a actividade desenvolvida era prestada exclusivamente ao C... (pelo menos a seguradora não logrou provar o contrário). Por outro lado, era o sinistrado que, por vezes, e com um veículo do R. C... , recolhia os trabalhadores deste nas suas casas e os colocava seus locais de trabalho, deixando-os, no fim do dia, nas suas casas, sendo que, também por vezes e quando D... exercia as funções perto da sua casa, o C... confiava ao sinistrado um tractor, que levava para sua casa no fim do dia de trabalho.

Desta factualidade podemos concluir que a prestação de trabalho ao C... não era esporádica, que o sinistrado se encontrava perfeitamente integrado ou enquadrado na actividade prosseguida por aquele.

E tanto é assim que o próprio C... o tinha incluído no contrato de seguro como sendo um seu trabalhador a tempo inteiro.

Tudo isto revela que o sinistrado D... se encontrava na dependência económica do C... , não logrando a recorrente seguradora elidir a presunção dessa dependência.

Consequentemente, o sinistrado encontra-se abrangido pelo regime de protecção previsto na LAT.

Dos cálculos relativos à obtenção da média mensal dos dias efectivos de trabalho:

Esta questão foi abordada pelo tribunal recorrido da seguinte forma: “quanto à retribuição do sinistrado a considerar nesta sede, ter-se-á de atender, primeiramente, ao disposto no Art. 71º da Lei n.º 98/2009, dispondo, no que ora interessa, que “1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. 4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente. 5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos. 6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador. 7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio. 8 - O disposto nos n.os 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador. 9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro”.

Assim, considera-se que, uma vez que nunca foi acordado o pagamento de qualquer retribuição mensal fixa e dado que o Sinistrado trabalhou sempre um número diverso de dias por mês para o R. C..., se deve fazer a média mensal desses dias de trabalho no ano anterior ao acidente (o que dá uma média de 21,25 dias por mês = (17 dias de Março de 2012 + 18 dias de Abril de 2012 + 24 dias de Maio de 2012 + 21 de Junho de 2012 + 22 dias de Julho de 2012 + 23 dias de agosto de 2012 + 20 dias de Setembro de 2012 + 21 dias de Outubro de 2012 + 21 dias de Novembro de 2012 + 19 dias de Dezembro de 2012 + 22 dias de Janeiro de 2013 + 21 dias de Fevereiro de 2012 + 6 dias de Março de 2013) : 12, contados desde 8/3/2012 até ao dia do acidente – 8/3/2013), multiplicando-se esse valor médio mensal de € 902,70 (= 5,31 x 8 horas diárias x 21,25) por 14 meses (por o Art. 71º, n.º 3 implicar sempre que sejam considerados os subsídios de férias e de natal, mesmo que não pagos), o que dá uma retribuição anual ilíquida de € 12.637,80 (= € 902,70 x 14), respondendo o R. Entidade Empregadora pela diferença entre esse valor e a retribuição do Sinistrado comunicada à Seguradora – € 3.837,80 (= € 12.637,80 - € 8.800)”.

Contra este cálculo se insurge o recorrente C... pois entende que a média mensal de dias de trabalho é de € 16,80 e não de 21,25.

O cálculo desta média foi feita pelo tribunal tendo em conta o “bloco de notas” onde o sinistrado assentava os dias de trabalho efectuado para o C... .

A média, tal como fez o tribunal a quo deve ser procurada tendo em atenção as retribuições auferidas no ano anterior à data do acidente, no caso, no período entre 08/03/2012 e 08/03/13.

Analisando o bloco de notas (fls. 97 a 135) não vislumbramos que o tribunal a quo tenha cometido qualquer erro na contagem dos dias de trabalho (255 dias) que devem ser divididos por 12 levando-se em conta os subsídios de férias e de Natal.

Por isso, salvo melhor opinião não vislumbramos onde o tribunal recorrido tenha cometido qualquer lapso de cálculo.


***

VI - Termos em que se decide julgar as apelações totalmente improcedentes com integral confirmação da sentença impugnada.

*

Custas a cargo dos apelantes.

*

Coimbra 20 de Abril de 2016

*

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Videira do Paço)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] Negrito e sublinhado nossos.
[2] Seguindo aqui o acórdão desta Relação proferido no processo735/14.3TTCBR.C1.
[3] Negrito nosso