Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1895/24.8T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: LICITUDE DO DESPEDIMENTO
LESÃO DE INTERESSES PATRIMONIAIS SÉRIOS
JUSTA CAUSA
CULPA
GRAVIDADE
Data do Acordão: 07/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 330.º E 351.º, N.ºS 1, 2, AL.ªS A) E E), E 3 DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.

II – É grave em si mesmo e nas suas consequências o comportamento do trabalhador que ao tripular o veículo com a galera levantada, não atuou com o cuidado a que estava obrigado no sentido de iniciar a condução só após baixar aquela, causando com o seu comportamento danos nos cabos de média tensão, cuja reparação foi avaliada em € 61.860,00, prejuízos que não podem deixar de qualificar-se como elevados, sendo que, constitui justa causa de despedimento a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa (n.º 2, e), do artigo 351.º do CT).


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra

A..., S.A., com sede em ....

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

                                                                       *

Procedeu-se à realização de audiência de partes e a empregadora, notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que:

O Autor instaurou ação contra a Ré peticionando o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho na exorbitante quantia de 92.776,98; desde então, o Autor, tem revelado manifestos comportamentos de insubordinação e de falta de zelo no cumprimento das suas funções, provocando elevados prejuízos à Ré, a empresas participadas pela entidade patronal e a clientes, nunca antes por si praticados; entrou ao serviço meia hora mais tarde, levou o veículo para casa sem autorização da Ré, tripulou o veículo com a galera levantada, indo a mesma a embater nos cabos de média tensão da empresa B..., causando-lhe prejuízos no valor de € 61.860,00; exige que as ordens lhe sejam dadas por escrito; carregou material errado para um cliente importante que sofreu avultados prejuízos na produção; não compareceu ao serviço num período da tarde e teve um acidente de viação enquanto procedia a uma ultrapassagem de uma carrinha perto de um entroncamento, com perda total do camião; o A. incumpriu os deveres de assiduidade, obediência, zelo e diligência, lealdade e boa utilização dos bens; o A. cometeu culposamente e de forma grave várias infrações disciplinares e tem agido contra os interesses da entidade patronal.

Termina, dizendo que:

a) deverá ser declarado como regular e lícito o despedimento do autr, julgando-se em consequência a presente ação totalmente improcedente e absolvendo-se a ré dos pedidos, com as legais consequências.

b) que o autor seja condenado em custas, procuradoria e em tudo o demais que for de Lei.

c) sem conceder, e para a hipótese de o despedimento ser delarado ilícito ou irregular, devem ser ordenadas as deduções previstas no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.”

                                                                       *

O trabalhador apresentou contestação e reconvenção alegando, em síntese, que:

Deve ser reconhecida a sanção como abusiva; os factos que lhe são imputados são falsos, com exceção do ocorrido no dia 22/11/2023 mas não foram causados quaisquer prejuízos, outros deturpados e não teve qualquer responsabilidade no acidente de viação; não existem comportamentos culposos por parte do Autor, pelo que, o despedimento deverá ser declarado ilícito.

Termina formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª mui doutamente suprirá, deverá a presente contestação ser recebida, e em consequência:

a) Deverá ser reconhecida a sanção aplicada ao Autor como abusiva, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do Art.º 331.º do CT;

b) Deverá ser declarada a ilicitude do despedimento do Autor, nos termos do Art.º 381.º do CT;

c) Ser a Ré condenada no pagamento de 26.000,00 (vinte seis mil euros), a título de indemnização em substituição da reintegração, calculada nos termos do n.º 3 do Art.º 392.º, ex vi n.º 4 do Art.º 331.º do CT;

d) Ser condenada a pagar as retribuições que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se as quantias recebidas a título de subsídio de desemprego, nos termos do Art.º 390.º do CT.

Caso V.ª Ex.ª não entenda pela sanção abusiva, então

e) Deverá a Ré ser condenada no pagamento de 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), a título de indemnização em substituição da reintegração, calculada a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de trabalho.

f) Mantendo-se a condenação no pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se as quantias recebidas a título de subsídio de desemprego, nos termos do Art.º 390.º do CT.

Tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos até ao integral pagamento.”

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A empregadora apresentou resposta.

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Foi proferido o despacho saneador de fls. 109 e dispensada a enunciação dos temas da prova.

                                                           *

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

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Posteriormente foi proferida a sentença de fls. 121 e segs., cujo dispositivo tem o seguinte teor:

Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a presente ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência:

1. Declara-se ilícito o despedimento do Trabalhador AA, efetuado pela Entidade Empregadora “A..., S.A.”, absolvendo o Trabalhador do pedido contra si deduzido pela Entidade Empregadora;

2. Condena-se a Entidade Empregadora “A..., S.A.” a pagar ao Trabalhador AA, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1300,00 (mil e trezentos euros) desde o dia 15/04/2024 e até ao trânsito em julgado desta sentença, deduzida de outras prestações auferidas pelo Trabalhador por conta de outrem e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao Trabalhador, a que acrescem os respetivos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da Entidade Empregadora do pedido formulado pelo Trabalhador, até efetivo e integral pagamento;

3. Condena-se a Entidade Empregadora “A..., S.A.” a pagar ao Trabalhador AA, a título de indemnização, a quantia correspondente a 20 dias de retribuição base do Trabalhador por cada ano completo ou fração de antiguidade do Trabalhador, no total de € 11.359,26 (onze mil, trezentos e cinquenta e nove euros e vinte seis cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado desta sentença e até efetivo e integral pagamento.

4. No mais, absolve-se a Entidade Empregadora “A..., S.A.” do peticionado pelo Trabalhador AA.”

*

A empregadora, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…).

*

O trabalhador apresentou resposta e formulou as seguintes conclusões:

(…).

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 202 e segs., no sentido de que “deve ser negado provimento ao recurso e a sentença recorrida ser mantida, nos seus precisos termos.”

*

A empregadora recorrente veio responder a este parecer, concluindo como nas alegações de recurso.

*

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

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II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela empregadora recorrente, quais sejam:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se existe justa causa para o despedimento do trabalhador.

3ª – Se a indemnização deve ser fixada no mínimo legal.                        

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III – Fundamentação

a) - Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1) A Entidade Empregadora é uma sociedade comercial cujo objeto social é a extração de recursos minerais, nomeadamente argilas e caulinos (CAE 08122).

2) No dia 21 de fevereiro de 2011 a Entidade Empregadora admitiu o Trabalhador ao seu serviço, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de veículos pesados, mediante o pagamento de retribuição mensal base, a qual, à data do despedimento, se cifrava em € 1.300,00.
3) Em 19 de dezembro de 2023, a presidente do conselho de administração da Entidade Empregadora determinou a instauração de procedimento disciplinar contra o Trabalhador e nomeou instrutor o Exm.º Senhor Dr. BB.

4) Na mesma data foi comunicada ao Trabalhador a sua imediata suspensão preventiva, mediante carta registada que o mesmo recebeu em 21 de dezembro de 2023.

5) Em 15 de janeiro de 2024 a Entidade Empregadora enviou ao Trabalhador Nota de Culpa com intenção de despedimento com justa causa, por carta registada com aviso de receção, que foi recebida pelo Trabalhador em 17 de janeiro de 2024, com o seguinte teor:

«(…)

3.- Com base no relato produzido pelas chefias, colegas do trabalhador e outras testemunhas, e ainda na mencionada documentação constante do presente procedimento disciplinar, elabora-se a presente nota de culpa, nos termos e para os efeitos do art. 353.º do Código do Trabalho, imputando-se ao trabalhador AA os seguintes factos:

03.1- O trabalhador, no dia 13-11-2023, interpôs uma ação declarativa sob forma de processo comum contra a A..., S.A., peticionando o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, na exorbitante quantia de 92.776,98€.

03.2- Desde então, o trabalhador, por ação ou omissão, tem revelado manifestos comportamentos de insubordinação e de falta de zelo no cumprimento das suas funções, provocando elevados prejuízos à A..., S.A., a empresas participadas pela entidade patronal e a clientes, nunca antes praticados.

03.3- No dia 17-11-2023, o trabalhador, tinha conhecimento que a sua entrada ao serviço era às 08:00.

03.4- Segundo o procedimento interno habitual, foi enviado no dia útil anterior, mensagem, relativa aos horários de trabalho a cumprir pelo trabalhador.

03.5- No dia 16-11-2023, foi enviada mensagem ao trabalhador, para entrar ao serviço no dia 17-11-2023, às 07:30, tendo o mesmo conforme se disse e viu, entrado ao serviço pelas 08:00, em incumprimento com a ordem dada.

03.6- No dia 17-11-2023, pelas 17:30, o trabalhador tinha acabado de descarregar na ..., tendo posteriormente ido para casa, levando consigo o veículo pesado com matrícula ..-FV-.., da propriedade da A..., S.A., sem autorização, quando era sua obrigação estacionar o camião no parque da empresa, no final do serviço.

03.7- O trabalhador, no dia 17-11-2023, pelas 17:30, levou o veículo descarregado, pelo que não iria no dia útil seguinte, iniciar serviço a partir de casa levando o camião carregado com matérias para as descarregar diretamente no local de entrega.

03.8- Segundo o procedimento interno implementado pela A..., S.A., apenas é permitido que os motoristas de veículos pesados levem as viaturas para casa, se o local de descarga ficar a caminho da respetiva residência, evitando que voltem atrás para proceder ao carregamento da mercadoria.

03.9- No dia 22-11-2023, pelas 13:08, o trabalhador, após lavagem da galera do veículo pesado com matrícula ..-FV-.., em incumprimento das mais basilares regras de condução e segurança, tripulou na ..., o apontado veículo com a galera levantada, indo a mesma embater nos cabos de média tensão da B..., Lda., empresa participada pela A..., S.A., causando-lhe prejuízos elevados no valor de 61.860,00 € acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

03.10- O trabalhador, recebeu formações profissionais, pelo que tem conhecimento que é expressamente proibido e perigoso conduzir veículos pesados com a galera levantada.

03.11- Por outro lado, desde o dia 23-11-2023, que o trabalhador exige que as alterações ao serviço sejam dadas por escrito, o que não é procedimento interno da ré, nem é exequível do ponto de vista operacional.

03.12- Desde o dia 23-11-2023 que, se as alterações ao serviço não lhe forem dadas por escrito, o trabalhador sistematicamente liga para a administrativa responsável, exigindo que as alterações lhe sejam comunicadas por escrito, só desempenhando as suas funções de acordo com as alterações, com o envio de mensagem.

03.13- No final do mês de novembro, no período da manhã, entre as 10:00 e as 13:00, na unidade 2, da B..., Lda., em ..., enquanto estava a carregar areia para um camião, um colega terá dito, para carregar menos areia para a galera, pois normalmente o trabalhador costuma carregar o camião com um volume de toneladas acima do normal.

03.14- Ato contínuo, o trabalhador terá dito: "Isso é para partir tudo. É pena que ali à saída da balança não rebente".

03.15- No dia 4-12-2023, o trabalhador carregou material errado, transportando-o para o centro de produção na C..., do D..., um importante cliente da A..., S.A. e da B..., Lda.

03.16- Como é habitual, a areia a descarregar no centro de produção da C..., deveria ser carregada na unidade 2 e não na unidade 1, tendo o autor conhecimento desse facto pois não era a primeira vez que tinha realizado aquele serviço.

03.17- Mercê do carregamento e transporte da areia errada, o D... sofreu avultados prejuízos na produção, por a mesma não ter sido fornecida em conformidade com as matérias-primas que tinha adjudicado.

03.18- No dia 6-12-2023, o trabalhador esteve ao serviço da A..., S.A., das 08:00 às 12:30.

03.19- Das 12:30 às 13:30 o trabalhador gozou de pausa para o almoço.

03.20- No período da tarde, o trabalhador não compareceu no seu local de trabalho, quando deveria entrar ao serviço às 13:30 e sair às 17:00.

03.21- No dia 6-12-2023, o autor apresentou uma declaração de presença aos serviços administrativos da A..., S.A., em que teria estado das 13:34 às 14:05 no tribunal de trabalho de Leiria.

03.22- Na semana anterior ao período de ausência, o autor informou vagamente os serviços administrativos da ré, que não poderia trabalhar no período da tarde do dia 6-12-2023, não comunicando, porém, a concreta razão que o impediria de prestar trabalho.

03.23- Afirmando, ao invés, que a empresa sabia muito bem a razão pela qual não iria comparecer ao trabalho.

03.24- No dia 7-12-2023, o trabalhador enquanto conduzia o veículo pesado com matrícula ..-FV-.., na estrada nacional ...6, sentido ..., teve um acidente rodoviário, enquanto procedia a uma manobra de ultrapassagem de uma carrinha perto de um entroncamento.

03.25- No ato de ultrapassagem, a carrinha mudou de direção para a esquerda quando se aproximava do entroncamento, vindo a embater no lado direito do veículo ..-FV-.., que por sua vez se despistou indo embater num poste de eletricidade situado na faixa contrária ao seu sentido de marcha.

03.26- Com o acidente rodoviário, a companhia de seguros atribuiu a perda total ao veículo, avaliando o valor a indemnizar à A..., S.A., a quantia de 9.554,99 €.»

6) O Trabalhador respondeu à Nota de Culpa, através de carta enviada em 31/01/2024, pelo seu mandatário forense.

7) No dia 1 de março de 2024 foi elaborado relatório final de procedimento disciplinar pelo instrutor nomeado, que emitiu o seguinte parecer:

«A infração disciplinar descrita configura Justa Causa de Despedimento, pelo que a respetiva entidade patronal pode, fundamentadamente e com absoluta legitimidade, fazer cessar o respetivo contrato de trabalho, em virtude do presente procedimento se mostrar completo e isento de nulidades.

Mostra-se concluída a instrução e na ausência de Comissão de Trabalhadores respetiva, deverá o presente procedimento ser objeto de Decisão final, escrita e fundamentada, por parte da A..., S.A., a enviar ao trabalhador autuado com cópia do presente Relatório».

8) A Entidade Empregadora, no dia 26 de março de 2024, proferiu a seguinte DECISÃO:

«Atentos os fundamentos de facto e de direito constantes no relatório final antecedente elaborado pelo Sr. Instrutor BB, no dia 1/03/2024, no âmbito do procedimento disciplinar movido contra o senhor AA, com os quais se concorda inteiramente e sem reservas, dando-se aqui se dão integralmente reproduzidos, constituindo parte integrante da presente decisão, foi decidido aplicar ao identificado trabalhador a sanção de despedimento sem direito a qualquer indemnização ou compensação, prevista no art. 328.º, n.º 1, al. f) do Código do Trabalho.»

9) Na mesma data remeteu carta registada com aviso de receção, anexando a decisão e o relatório final, dirigida ao Trabalhador, que a recebeu no dia 1 de abril de 2024. 

10) No dia 17-11-2023, o trabalhador entrou ao serviço pelas 07h:55, em ....

11) Segundo o procedimento interno habitual, foi enviado no dia útil anterior, mensagem, relativa aos horários de trabalho a cumprir pelo trabalhador.

12) No dia 16-11-2023, foi enviada mensagem ao trabalhador com o seguinte teor: “Amanhã: carregar em ... as 8:30h / 2 cargas A04 D... C... / 2 cargas A04 antobetão C...”.

13) No dia 17-11-2023, pelas 17:30, o trabalhador, depois de ter descarregado na ..., foi para casa, levando consigo o veículo pesado com matrícula ..-FV-.., da propriedade da Entidade Empregadora.

14) Segundo o procedimento interno implementado pela A..., S.A., apenas é permitido que os motoristas de veículos pesados levem as viaturas para casa, se o local de descarga ficar a caminho da respetiva residência, evitando que voltem atrás para proceder ao carregamento da mercadoria.

15) No dia 22-11-2023, pelas 13:08, em ..., o Trabalhador, após lavagem da galera do veículo pesado com matrícula ..-FV-.., tripulou o veículo com a galera levantada, indo a mesma embater nos cabos de média tensão da B..., Lda., empresa participada pela Entidade Empregadora, cuja reparação foi avaliada em cerca de € 61.860,00.

16) Desde o dia 23 de novembro de 2023 que o Trabalhador exige que as alterações ao serviço sejam dadas por escrito, o que não é procedimento interno da Entidade Empregadora, nem é exequível do ponto de vista operacional.

17) E se as alterações ao serviço não lhe forem dadas por escrito, o Trabalhador liga para a administrativa responsável, exigindo que as alterações lhe sejam comunicadas por escrito.

18) No dia 6-12-2023, o Trabalhador esteve ao serviço da Entidade Empregadora das 08:00 às 12:30.

19) Das 12:30 às 13:30 o Trabalhador gozou da pausa para o almoço.

20) No período da tarde, o Trabalhador não compareceu no seu local de trabalho, quando deveria entrar ao serviço às 13:30 e sair às 17:00.

21) No dia 6-12-2023, o Trabalhador apresentou uma declaração de presença aos serviços administrativos da Entidade Empregadora em que teria estado das 13:34 às 14:05 no Tribunal do Trabalho de Leiria.

22) Na semana anterior ao período de ausência, o Trabalhador informou os serviços administrativos da Entidade Empregadora, que não poderia trabalhar no período da tarde do dia 6-12-2023.

23) No dia 7-12-2023, o Trabalhador enquanto conduzia o veículo pesado com matrícula ..-FV-.., na estrada nacional ...6, sentido ..., teve um acidente rodoviário, enquanto procedia a uma manobra de ultrapassagem de uma carrinha perto de um entroncamento.

24) No ato de ultrapassagem, a carrinha mudou de direção para a esquerda quando se aproximava do entroncamento, vindo a embater no lado direito do veículo ..-FV-.., que por sua vez se despistou, imobilizando-se na berma e ribanceira contígua à faixa contrária ao seu sentido de marcha.

25) A companhia de seguros atribuiu a perda total ao veículo, avaliando o valor a indemnizar à Entidade Empregadora na quantia de 9.554,99 €.

26) O Trabalhador presta atividade remunerada para a empresa E..., S.A. desde o dia 15/04/2024.
Factos não provados

a) No dia 16-11-2023, foi enviada mensagem ao Trabalhador, para entrar ao serviço no dia 17-11-2023, às 07:30.

b) Desde o dia 23 de novembro de 2023 que o Trabalhador só desempenha as suas funções de acordo com as alterações, com o envio de mensagem escrita.

c) No final do mês de novembro, no período da manhã, entre as 10:00 e as 13:00, na unidade 2, da B..., Lda., em ..., enquanto estava a carregar areia para um camião, um colega terá dito, para carregar menos areia para a galera, pois normalmente o Trabalhador costuma carregar o camião com um volume de toneladas acima do normal.

d) Ato contínuo, o Trabalhador terá dito: "Isso é para partir tudo. É pena que ali à saída da balança não rebente".

e) No dia 4-12-2023, o Trabalhador carregou material errado, transportando-o para o centro de produção na C..., do D..., um importante cliente da A..., S.A. e da B..., Lda.

f) A areia a descarregar no centro de produção de C..., deveria ser carregada na unidade 2 e não na unidade 1, tendo o Trabalhador conhecimento desse facto pois não era a primeira vez que tinha realizado aquele serviço.

g) Mercê do carregamento e transporte da areia errada, o D... sofreu avultados prejuízos na produção, por a mesma não ter sido fornecida em conformidade com as matérias-primas que tinha adjudicado.

h) Na semana anterior ao período de ausência (dia 6/12/2023) o Trabalhador não comunicou a concreta razão que o impediria de prestar trabalho.

i) Afirmando, ao invés, que a empresa sabia muito bem a razão pela qual não iria comparecer ao trabalho.

j) A Entidade Empregadora, no dia 22 de novembro de 2023, depois de o Trabalhador e um colega, CC, terem intentado ações comuns emergentes de contrato de trabalho contra a Empregadora, ordenou aos mesmos que deixassem de levar os respetivos veículos para casa, tendo-lhes sido dito pelo trabalhador, DD, “fizeram mal em colocar uma ação contra a empresa”.

k) A partir de então, o Trabalhador passou a deixar o camião nas instalações da empresa.

Fundamentação da matéria de facto

Para a fixação dos factos dados como provados o Tribunal atribuiu relevância ao conjunto da prova produzida, analisada e concatenada criticamente de acordo com as regras da experiência comum.

Foi considerado, de forma muito relevante, todo o acervo documental junto pelas partes aos autos, sopesado e ponderado de forma crítica e conjugado com a restante prova produzida, em especial o processo disciplinar que conduziu ao despedimento do Trabalhador, a fls. 26v.º a 74, de onde constam os elementos mais relevantes da abertura do processo disciplinar e das comunicações efetuadas ao Trabalhador, nomeadamente da suspensão preventiva e da Nota de Culpa, a Resposta à Nota de Culpa, o parecer do Instrutor e a decisão final, e a documentação que serviu de suporte para fundamentar a abertura e conclusão do procedimento disciplinar, que foi objeto de aturada ponderação por parte deste Tribunal. Para além dessa documentação o Tribunal ateve-se ainda a toda a documentação junta pelo Trabalhador, mormente às “folhas diárias” manuscritas pelo Autor e uma comunicação da Seguradora Tranquilidade ao Centro de Dia ... (fls. 106). Considerou-se igualmente o teor do email dirigido pela Companhia de Seguros à aqui Entidade Empregadora (fls. 108v.º).

Relativamente ao histórico de remunerações do Autor, o Tribunal baseou-se no teor do extrato de remunerações emitido pela Segurança Social a fls. 120. Deste documento consta a remuneração base que era auferida pelo Trabalhador ao serviço da entidade empregadora à data do despedimento, valor com o qual a Entidade Empregadora se conformou, aceitando a data indicada pelo Trabalhador como sendo a da admissão ao seu serviço (cfr. ata de audiência final).

O Tribunal considerou o depoimento de parte da legal representante da Entidade Empregadora, EE, salientando-se que, no essencial, não se verificou confissão de qualquer facto.

Seguindo a ordem lógico-cronológica dos seus depoimentos, foram tidos em conta os depoimentos das seguintes testemunhas:

- FF, diretor operacional da Entidade Empregadora, o qual começou por referir que lhe foi reportada uma situação em que o Trabalhador levou o veículo para casa, em 17/11/2023, sem autorização, referindo que havia um acordo genérico de os motoristas levarem o camião para casa mas teriam de informar previamente. Referiu que o trabalhador, na altura, andava a fazer um serviço entre a B... (...) e C... e, portanto, fazia sentido que não levasse o veículo para casa (uma vez que esta se situa na zona de ...). Todavia, se atentarmos na alegação da Entidade Empregadora, a mesma refere que o mesmo efetuou um serviço na ... e que o trabalhador, depois de ter descarregado (na ...), foi para casa, levando consigo o veículo pesado com matrícula ..-FV-.., o que até se compreende (no pressuposto que não se tenha deslocado a ...) na medida em que ... fica a meio caminho entre ... e ... (não precisava de fazer deslocação até ... e no dia seguinte retomava o serviço desde casa até esta localidade). Coisa diferente, que a Entidade Empregadora não alegou, seria se o Trabalhador tivesse ido a ... e voltasse descarregado para casa.

Pela testemunha foi referido que desconhece qualquer ordem da empresa a proibir o Trabalhador de levar o veículo para casa.

Salientou o episódio atinente à báscula levantada que fez com que o veículo conduzido pelo trabalhador embatesse nos cabos de média tensão na empresa B..., referindo que este embate causou o rebentamento das baterias e causou prejuízos que rondaram os € 60.000,00.

Também referiu que o trabalhador passou a exigir que as alterações ao serviço fossem enviadas por escrito e que a empresa passou a mandar por escrito só para ele, desconhecendo se alguma vez deixou de fazer algum serviço por não terem enviado por escrito as alterações.

Também se referiu a um email que a Entidade Empregadora recebeu do cliente D... a dar conta de uma reclamação relacionada com o material que foi carregado pelo Trabalhador.

- DD, encarregado geral na Entidade Empregadora, salientou que os motoristas podem levar os veículos para casa sempre que o serviço o permita, nomeadamente quando calha no trajeto que têm de fazer no dia a seguir. Referiu que houve uma situação em que o Trabalhador andava a fazer um serviço em ... e levou o camião para casa sem autorização (não será a mesma situação mencionada nos autos e referente ao dia 17 de novembro pois apesar de na folha diária o Trabalhador fazer menção a um serviço até ..., facto é que a Empregadora, relativamente a este dia, salienta que o trabalhador terminou o serviço na ... e foi, de seguida, para casa). Referiu-se ao episódio da báscula levantada que originou o embate nos cabos elétricos, mencionando também que o trabalhador não lhe reportou qualquer falha no sistema da báscula.

- GG, o qual efetuou uma averiguação do sinistro rodoviário que envolveu o veículo conduzido pelo trabalhador, tendo efetuado a avaliação dos danos corporais das pessoas envolvidas, não tendo apurado quaisquer responsabilidades dos condutores dos veículos.

- HH, administrativa de logística na Entidade Empregadora, a qual deu conta que o trabalhador chegou a solicitar-lhe que as alterações ao serviço fossem dadas por escrito. Não chegou a enviar por escrito essas alterações (contrariamente ao que foi mencionado pela testemunha FF) dando conta do email que enviou à Administração (fls. 74 do processo em papel) referindo que tal não era exequível, salientando que a resposta da Entidade Empregadora foi a de que deveria continuar a proceder como até ali e que o Trabalhador acabou sempre por acatar as suas instruções. Relativamente ao dia 17 de novembro referiu que deu um serviço ao Autor que seria para terminar em ... e que o mesmo acabou o serviço na ... (não tendo a mesma dado ordem nesse sentido).

Relativamente à troca de material para o cliente D... mencionou que só deu indicação do material, não tendo indicado a unidade (a mensagem só dizia “areia”, segundo referiu).

Também se referiu ao facto de o Trabalhador não ter comparecido na parte da tarde do dia 6/12 e ter indicado, no dia anterior, que não iria trabalhador nessa parte do dia.

- CC, motorista e ex funcionário da Entidade Empregadora, o qual referiu que não era necessário estar sempre a ligar e a pedir autorização para levar o veículo para casa e que tudo se alterou a partir do momento em que a testemunha e o Trabalhador decidiram avançar com ações contra a Entidade Empregadora, não existindo, no entanto, qualquer orientação escrita nesse sentido nem tendo as restantes testemunhas corroborado esta afirmação. Relativamente à báscula salientou que existe um botão no interior da cabine do veículo que permite levantar e baixar a báscula, sabendo os motoristas que não podem circular com ela levantada.

Quanto ao episódio ocorrido no dia 17/11 referiu que o Trabalhador depois da ... dirigiu-se a ... para carregar mas não lhe foi dada ordem para carregar e, como tal, levou o camião para casa; nesta situação ou levava o camião novamente à ... ou levava-o para casa e optou por levá-lo para casa que ficava mais perto.

Relativamente aos depoimentos de II e JJ, respetivamente prima/vizinha e esposa do Trabalhador, salientaram apenas que o mesmo costumava levar o veículo para casa, no final do dia, nada mais de relevante tendo salientado.

Nas respetivas declarações de parte o Trabalhador referiu que no dia 17/11 depois da ... foi a ... para carregar mas como não lhe deram carga, foi para casa com o veículo (até porque a sua função acabou por ter terminado na ... e, nessa medida a sua casa ficava a meio caminho, logo podendo ter ficado em casa em vez de se ter deslocado a ... - se soubesse que não lhe seria permitido carregar). Relativamente ao episódio ocorrido em 22/11, depois de proceder à lavagem da galera, afirma que baixou a báscula mas não se apercebeu se a mesma baixou e que deve ter andado uns 50 metros com a galera levantada. Salientou que lhe foi retirado o veículo com que andava habitualmente e que lhe deram outro (aquele com que ocorreu o episódio da galera levantada e do acidente de viação). Relativamente a este acidente tentou desviar-se do veículo que, seguindo à sua frente, virou à esquerda, quando efetuava a ultrapassagem.

Em suma, quanto aos pontos 1) e 2) dos factos provados considerou-se a posição das partes e o seu acordo quanto a esta matéria.

Os pontos 3) a 10) tiveram na sua base o teor do processo disciplinar junto aos autos, salientando-se ainda, quanto ao ponto 10) o teor do documento de fls. 73v.º (“folha diária”).

A resposta contida nos pontos 11) e 12) baseou-se no depoimento de HH e também nas mensagens vertidas a fls. 42v.º.

O conteúdo do ponto 13) resulta do afirmado pela Entidade Empregadora que, no essencial, não foi refutado na contestação (apesar do Trabalhador apresentar outra versão).

O ponto 14) teve na sua base o depoimento da referida testemunha e também da testemunha DD, que também acabou por ser confirmado pela testemunha CC.

Relativamente ao ponto 15) resultou dos depoimentos prestados e também do visionamento do vídeo junto aos autos que no dia em apreço o trabalhador tripulou o veículo com a galera levantada, até que o veículo parou, supondo-se que por embater nos cabos, conforme foi relatado pelas testemunhas, havendo uma proposta de reparação de € 61.860,00 (cfr. fls. 68v.º a 72).

Quanto aos pontos 16) e 17) baseou-se no depoimento de HH que também não foi refutado pelo Trabalhador, o qual, no entanto, não recusou efetuar qualquer serviço.

Também os pontos 18) a 20) e 22) tiveram na sua base tal depoimento sendo que o ponto 21) encontrou subjacente a declaração de fls. de presença de fls. 65v.º.

Relativamente ao acidente a que se reportam os pontos 23) a 25) o Tribunal, para além dos depoimentos que se debruçaram sobre esta matéria, atentou ainda nas fotografias de fls. 66v.º a 68 e no documento de fls. 61v.º não se tendo apurado aqui quaisquer responsabilidades quanto ao evento.

Quanto ao ponto 26) resulta da informação com a ref. 11134246 do processo eletrónico (em conjugação com o extrato de remunerações da Segurança Social).

Relativamente aos factos dados como não provados, tal sucedeu, para além de tudo o que já referimos supra, devido à inexistência de prova ou à insuficiência de prova credível em relação a estes (considerando também a regra constante do art.º 414º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, nos casos de dúvida), não tendo sido referidos de forma crível e convincente pelas testemunhas inquiridas ou comprovados suficientemente pelos documentos juntos a este processo.

Assim, no que respeita à matéria contida na alínea a) nada existe no processo que retrate o alegado (veja-se o conteúdo da mensagem de fls. 42v.º), que também não foi confirmado por nenhuma testemunha, mostrando-se, aliás, contraditado pelo email de fls. 73.

Relativamente à alínea b) nada resultou que o trabalhador só desempenhasse as suas funções de acordo com as alterações, com o envio de mensagem escrita. A testemunha HH referiu que ele acabou por acatar.

Quanto ao conteúdo das alíneas c) e d) apesar de ter sido relatado pelas testemunhas FF e KK, os mesmos prestaram um depoimento indireto, não convencendo o Tribunal nessa parte, uma vez que a pessoa que alegadamente terá presenciado o sucedido não depôs.

Quanto às alíneas e) a g) nada se provou no sentido de que o trabalhador se enganou no material que carregou nem que algum prejuízo tivesse advindo para o cliente da Entidade Empregadora.

Em relação às alíneas h) e i), resultou do depoimento de HH que o trabalhador comunicou que não ia trabalhar no período da tarde (outra questão a ponderar é se apresentou justificação para tal).

Quanto à matéria contida nas alíneas j) e k) nenhuma prova se produziu nesse sentido, daí a resposta negativa.”
*

                                                           *

b) - Discussão

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

(…).

2ª questão

Se existe justa causa para o despedimento do trabalhador.

Alega a empregadora recorrente que:

- Face à prova produzida e aos factos dados como provados, não devia o despedimento do ora Recorrido ter sido declarado ilícito;

- O Tribunal a quo reconhece terem sido praticadas infrações disciplinares por parte do Recorrido;

- No entanto, incompreensivelmente, o Tribunal a quo desconsidera por completo a ação judicial que foi apresentada pelo ora Recorrido contra a Recorrente;

- Considerando a sua gravidade, a decisão de despedimento disciplinar era a que mais se ajustava à situação do Recorrido, pelo que muito se estranha como é que, reconhecendo as infrações praticadas pelo Recorrido, entendeu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considerar não terem gravidade suficiente que justificassem o despedimento, quando é evidente que a perda de confiança no trabalhador se tornou irremediável;

- Tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, face à prova produzida, feito uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas que fundamentam a decisão;

- A decisão de despedir o Recorrido teve como suporte inúmeros factos que, no seu conjunto, debilitaram a confiança depositada no Recorrido por parte da Recorrente;

- Factos que se repercutiram em violações laborais gravosas e que desencadearam avultados prejuízos para a Recorrente;

- O Recorrido adotou comportamentos de insubordinação e de falta de zelo no cumprimento das suas funções, provocando elevados prejuízos não só à Recorrida como a empresas parceiras e clientes, nunca antes por si praticados e que, inevitavelmente, beliscaram a imagem da Recorrente;

- As ocorrências dadas como provadas, no seu conjunto, são mais do que fundamento para que o Recorrente tenha resolvido o contrato do Recorrido com fundamento em justa causa, tendo a ação disciplinar sido movida contra o Recorrido por ter praticado atos atentatórios contra os interesses da entidade empregadora;

- Os factos alegados pela Recorrente que mais gravemente qualificariam o comportamento ilícito e culposo do trabalhador e, sem dúvida, salvo melhor opinião, justificariam o despedimento, foram considerados provados;

- A conduta global do Recorrido é altamente censurável e assume relevância disciplinar;

- O trabalhador deve proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres, estando sujeito à obrigação de cumprir um conjunto de deveres que estão enunciados no artigo 128.º do CT;

- A confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, porquanto uma relação laboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança na pessoa contratada;

- Em resultado da violação sucessiva dos deveres laborais por parte do Recorrido, e na irremediável quebra de confiança que o Recorrente lhe havia depositado, atenta a sua gravidade e lesão de interesses da empresa da Recorrente, a manutenção no vínculo laboral que os unia tornou-se imediata e praticamente impossível, demonstrando-se proporcional face à gravidade dos comportamentos do Recorrido na sua globalidade;

- A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas que fundamentam a decisão, nomeadamente das alíneas a), b), c), e), f), g) e h) do artigo 128.º do CT, as quais eram passíveis de enquadramento nos comportamentos intoleráveis do Recorrido;

- A Exma. Juiz não atendeu à ratio legis do artigo 351.º do CT, pugnando (indevidamente!) por uma análise isolada das infrações disciplinares do Recorrido, quando, em rigor técnico, se apreciada a conduta do trabalhador globalmente, teria concluído pela licitude do despedimento do Recorrido.

Apreciando:

O contrato de trabalho pode cessar, além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador.

Na verdade, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 351.º, do C.T. <<constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho>>, nomeadamente, os previstos no n.º 2 do mesmo normativo.

Por outro lado, a justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa - neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010 e 29-09-2010, disponíveis em www.dgsi.pt.

Acresce que <<para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes >> – n.º 3 do citado artigo 351.º, do C.T..

Cumpre, ainda, dizer que compete ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e ao empregador incumbe provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.

Após estas considerações jurídicas, cumpre verificar se a empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou ao trabalhador e se os mesmos integram aquele conceito de justa causa, ou seja, se este praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Na sentença recorrida considerou-se, a este propósito, além do mais, o seguinte:

Analisados estes factos separadamente importa dizer que a circunstância de o Trabalhador ter levado o veículo para casa no dia 17-11-2023, pelas 17:30, depois de ter descarregado na ..., não assume a relevância que a Entidade Empregadora lhe pretende dar para sustentar o despedimento. Embora não se tenha dado como provado que seria necessária autorização para o efeito, mas apenas que segundo o procedimento interno implementado pela A..., S.A., apenas é permitido que os motoristas de veículos pesados levem as viaturas para casa, se o local de descarga ficar a caminho da respetiva residência, evitando que voltem atrás para proceder ao carregamento da mercadoria, nada permite referir que não seria esse o caso na situação vertente uma vez que ... fica a meio caminho de ... e de .... Nessa medida, deixar o veículo em ... para no dia seguinte o tripular até ... não se afigura irrazoável.

Quanto à situação descrita e que ocorreu no dia 22-11-2023, pelas 13:08, em ..., em que se registou que o Trabalhador, após lavagem da galera do veículo pesado com matrícula ..-FV-.., tripulou o veículo com a galera levantada, indo a mesma embater nos cabos de média tensão da B..., Lda., empresa participada pela Entidade Empregadora, trata-se de situação mais grave na medida em que o Trabalhador deveria ter-se certificado que a galera tinha baixado. Todavia, o mesmo referiu que desconhece o motivo pelo qual a galera não baixou e apesar de não haver registo de ter reportado alguma avaria na báscula, não pode, de todo, descartar-se essa possibilidade e quando se apercebeu, parou o veículo.

No que respeita à exigência feita pelo Trabalhador para que as alterações ao serviço fossem dadas por escrito, desconhecem-se as motivações do Trabalhador, no entanto, não configura um comportamento que pudesse motivar o despedimento, até porque não há registo que tivesse deixado de acatar as ordens da Entidade Empregadora.

Relativamente à falta dada pelo Trabalhador no dia 6-12-2023, no período da tarde, e uma vez que esteve presente no Tribunal das 13:34 até às 14:05, deixou de ter justificação para não comparecer ao trabalho no restante período da tarde, no entanto, não seria motivo para desencadear a cessação do contrato por despedimento.

Finalmente, quanto ao acidente de viação ocorrido no dia 7-12-2023, enquanto procedia a uma manobra de ultrapassagem de uma carrinha perto de um entroncamento também não se encontra justificação para lhe ser movido processo disciplinar; embora não se tenham apurado responsabilidades verifica-se que no ato de ultrapassagem, a carrinha mudou de direção para a esquerda quando se aproximava do entroncamento, vindo a embater no lado direito do veículo ..-FV-... O facto em apreço não revela, todavia, um comportamento por parte do Trabalhador que pudesse determinar a abertura de procedimento disciplinar e muito menos conducente à aplicação da sanção disciplinar de despedimento.

Como referimos, a gravidade da conduta “deve ser apreciada em termos objetivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de empregador normal, face ao caso concreto e segundos critérios de objetividade e de razoabilidade” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 1996, retirado do sítio www.cidadevirtual.pt/stj).

De facto, não se pode pretender analisar a conduta do Trabalhador do ponto de vista da sua entidade empregadora, pois é claro que esta considerou a sua conduta como grave, tão grave que a despediu no fim do procedimento disciplinar.

A ter em conta ainda que o despedimento deve ser a última sanção a aplicar ao trabalhador, quando se verifica a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral, por nenhuma outra sanção ser suscetível de sanar a situação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 1993, CJ/STJ III, p. 290).

Existe, assim, justa causa de despedimento quando não é exigível ao empregador a manutenção do vínculo laboral, por constituir uma injusta imposição a este, sendo que esta inexigibilidade deve ser, como referimos, avaliada objetivamente, de acordo com o critério de um homem médio colocado na situação da entidade patronal e está intimamente ligada com a quebra de confiança resultante da atuação do trabalhador.

O princípio da confiança e da boa fé no cumprimento dos contratos é especialmente importante nos contratos de trabalho, de longa duração e que originam uma série de vínculos pessoais, por força do art.º 762.º do Código Civil.

Assim, é necessário que a conduta do trabalhador seja “suscetível de destruir ou abalar essa confiança, de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2001, Prontuário de Direito do Trabalho n.º 60, p. 53).

No caso em apreço, parece mais que evidente que não ficou destruída a relação fiduciária decorrente do contrato em apreço.

Atendendo aos factos dados como provados, não vemos que estes integrem o conceito indeterminado de justa causa, que estes tenham colocado imediata e irremediavelmente em causa a subsistência da relação de trabalho.

Importa ponderar e ter presente que a Entidade Empregadora não alegou nem juntou qualquer documentação referente ao registo disciplinar do Trabalhador, pressupondo-se que não tinha qualquer antecedente disciplinar e já trabalhava para a empresa desde o ano de 2011, inexistindo, portanto, reiteração na prática deste tipo de comportamentos.

Importa ainda ter presente que nesta matéria vigora o princípio da proporcionalidade, por força do art.º 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o qual deve ser aplicado “de modo a que entre a sanção e o facto que a origina haja um natural equilíbrio, de molde a que aquela não se mostre desajustada com este” (Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de novembro de 2000, disponível em www.trc.pt).

Deste ponto de vista, o despedimento, que deve ser utilizado apenas em última instância (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1999, retirado do sítio www.cidadevirtual.pt/stj), mostra-se, a nosso ver, perfeitamente desproporcionado aos factos praticados pelo Trabalhador, sendo, com base nos factos dados como provados, ilícito o despedimento do Trabalhador pela Entidade Empregadora. A sanção do despedimento somente teria cabimento se, num juízo objetivo de prognose (isto é, desligado do subjetivismo da entidade empregadora) se concluísse que representaria um acentuado, incomportável ou intolerável «sacrifício» para aquela entidade manter a relação laboral com o trabalhador infrator.

Assim, na esteira do decidido pelo Acórdão do STJ de 10.10.2007 (processo n.º 07S2363, disponível em dgsi.pt), entende-se que não estamos perante uma justa causa de despedimento, pelo que eventualmente, poderia ponderar-se a aplicação apenas de uma sanção disciplinar conservatória.” – fim de transcrição.

Apreciando a pretensão recorrente:

Tendo em conta esta matéria de facto provada, impõe-se concluir que o comportamento do trabalhador quando leva para casa o veículo pesado da empregadora, depois de ter descarregado na ..., não está conforme com o procedimento interno implementado por aquela, pese embora não se tenha provado que o fez sem autorização da empregadora.

As exigências do trabalhador no sentido de que as alterações ao serviço sejam dadas por escrito, o que não é procedimento interno da empregadora, pese embora não seja um comportamento conforme com este, não assume a gravidade que a empregadora lhe imputou, na medida em que não se apurou que o trabalhador só desempenha as suas funções de acordo com as alterações, com o envio de mensagem escrita.  

No que respeita ao período da tarde do dia 06/12/2023, o trabalhador faltou ao serviço pois apresentou uma declaração de presença no tribunal apenas entre as 13 h e 34 m e as 14 h e 05 m, violando o dever de assiduidade (artigo 128.º, n.º 1, b), do CT).

Quanto ao acidente de viação em que o trabalhador foi interveniente, ao contrário do alegado pela empregadora, não resulta da matéria de facto provada que a responsabilidade do mesmo recai sobre o trabalhador, conclusão que não se retira, sem mais, do facto de na altura estar a proceder a uma manobra de ultrapassagem de uma carrinha perto de um entroncamento.

Já no que concerne aos factos ocorridos no dia 22/11/2023 após a lavagem da galera do veículo, não podemos acompanhar a sentença recorrida na medida em que a mesma omitiu por completo os prejuízos causados à empregadora.

Na verdade, resultou provado que no dia 22-11-2023, pelas 13:08, em ..., o Trabalhador, após lavagem da galera do veículo pesado com matrícula ..-FV-.., tripulou o veículo com a galera levantada, indo a mesma embater nos cabos de média tensão da B..., Lda., empresa participada pela Entidade Empregadora, cuja reparação foi avaliada em cerca de € 61.860,00.

Certo é que a alegação da empregadora “causando-lhe prejuízos no valor de € 61.860,00” não foi considerada provada como tal, no entanto, da expressão “cuja reparação foi avaliada em cerca de € 61.860,00” só pode retirar-se que o embate da galera nos cabos de média tensão causou danos cuja reparação foi avaliada no referido montante.

Ora, assim sendo, dúvidas não existem de que o trabalhador não atuou com zelo e diligência ao tripular o veículo com a galera levantada, não atuou com o cuidado a que estava obrigado no sentido de iniciar a condução só após baixar a galera, causando com o seu comportamento danos nos cabos de média tensão cuja reparação foi avaliada em € 61.860,00, prejuízos que não podem deixar de qualificar-se como elevados, sendo que, constitui justa causa de despedimento a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa (n.º 2, e), do artigo 351.º do CT).  

Mesmo que tivesse ocorrido uma avaria no mecanismo que baixa a galera tal não dispensava o trabalhador de verificar se a mesma tinha baixado antes de iniciar a condução, sendo certo que é ao motorista que compete acionar aquele mecanismo e verificar se o mesmo funcionou.

Assim sendo, impõe-se concluir que estamos perante um comportamento culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências.

O comportamento culposo e grave do trabalhador inviabilizou definitivamente a continuação da prestação do seu trabalho para a empregadora, na medida em que <<a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador>> - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª ed., Almedina, pág. 561.

Não é exigível à empregadora que mantenha a relação laboral com um trabalhador que atuou da forma descrita, o que originou uma absoluta quebra de confiança.

Estamos, assim, perante um comportamento culposo e grave do trabalhador e que tornou impossível a subsistência da relação laboral (artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, e), do C.T.).

Tendo em conta o que ficou dito, e não olvidando que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), entendemos que a sanção de despedimento aplicada ao trabalhador se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento, pese embora a ausência de antecedentes disciplinares.

Na verdade, como se decidiu no acórdão da RP, de 17/03/2025, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:

<<I - Podendo o contrato de trabalho cessar, para além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador baseado em justa causa, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho (CT), compete nestes casos ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.

II - A justa causa compreende três elementos: a verificação de um comportamento culposo do trabalhador; que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas; o nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.

III - Não nos dando o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa, limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento, sempre será, porém, como resulta da lei, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função pois das circunstâncias concretas apuradas, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.>>

Pelo exposto, existindo justa causa para o despedimento do trabalhador, o seu despedimento promovido pela empregadora é lícito.

Na parcial procedência das conclusões da recorrente, impõe-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

                                                           *

Tendo-se decidido pela licitude do despedimento do trabalhador encontra-se prejudicada a terceira questão supra enunciada.

                                                           *

                                                           *

IV – Sumário[2]

(…).

                                                           *

                                                           *

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso, acorda-se em revogar a sentença recorrida, declarando-se lícito o despedimento do trabalhador AA promovido pela empregadora A..., SA, absolvendo-se esta empregadora dos pedidos contra si formulados pelo trabalhador.

                                                           *

                                                 *

Custas a cargo do trabalhador recorrido.

                                                           *

                                                           *


 Coimbra, 2025/07/08

____________________

(Paula Maria Roberto)

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(Felizardo Paiva)

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(Mário Rodrigues da Silva)


                                                

      


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
 Adjuntos – Felizardo Paiva
                – Mário Rodrigues da Silva

[2] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.