Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
425/12.9TBBBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: USUCAPIÃO
PRESSUPOSTOS
POSSE
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
IMÓVEL
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. DA COMARCA DE LEIRIA, C. RAINHA - JL CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 410º Nº 2, 1257º Nº 2 E 1263 AL. D) DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. A aquisição da propriedade por usucapião tem como pressuposto a existência de uma posse em nome próprio, não apenas com corpus, mas também com o animus.

2. No contrato-promessa de compra e venda de imóvel com tradição (válido ou nulo) presume-se que o promitente-vendedor exerce a posse correspondente ao direito de propriedade até à celebração do contrato definitivo, a não ser que ser prove que a vontade das partes foi a de transferir, desde logo, para o promitente-comprador, a título definitivo, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade.

3. Não se provando a existência de contrato de compra e venda verbal nem a existência da inversão do título da posse, os detentores do imóvel não lograram provar a sua intenção de actuar como titulares do direito de propriedade.

Decisão Texto Integral:

                                                                                                                   Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


*

         A... intentou a presente acção declarativa contra B... e esposa C... pedindo que se declare que o prédio rústico que identifica é sua propriedade e que os réus sejam condenados a restituir-lho e a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte do A. desse prédio.

         Em síntese, alega: que é dono do prédio que se encontra descrito na CRP; que a qualidade de proprietário lhe adveio por sucessão, por morte de sua mãe; que os RR. há cerca de 7 anos e à sua revelia ocuparam parte do prédio instalando um painel publicitário e que em 28.02.2008 ali puseram, também à sua revelia, um monoposte publicitário; e que, apesar de interpelados diversas vezes, os réus se recusam a deixar o prédio.

         Contestaram os RR., por excepção e por impugnação, alegando, em resumo: que ocupam o prédio desde 1.10.1992, o que têm feito publica e pacificamente, agindo como donos; que em 1991 ficou verbalmente acordado com o autor que o prédio seria vendido ao réu marido pelo preço de 2000 contos; que o réu pagou 500 contos e que ficou acordado que os restantes 1500 contos seriam pagos no acto da escritura; todavia, a pedido do autor, entregaram na Páscoa de 1992, mais 500 contos; e apesar de não celebrada a escritura, o réu, a solicitação do autor, entregou mais 1000 contos, em Setembro de 1992, tendo, nessa altura, o réu exigido a declaração que o autor passou em 1.10.1992; que, a partir dessa data e com consentimento do autor, ocuparam o prédio para o limpar e desmatar, aproveitaram a linha, arrancaram um pomar de ameixieiras, cederam em 1993 a um funcionário uma parte do terreno para batatal até 2007 e em 1992 outra parte para horta a outros dois funcionários; que em 1993 e não há 7 anos mandaram colocar um painel publicitário da fábrica de fogos contígua e mais tarde em Fevereiro de 2008 autorizaram a colocação de um monoposte; que delimitaram o terreno com vedação em 2006. Invocam, assim a usucapião, com fundamento na posse desde 1.10.1992.

         Com fundamento na mesma usucapião deduziram reconvenção, pedindo o seu reconhecimento como proprietários do prédio.

         Subsidiariamente, e com fundamento nas regras do esquecimento sem causa, pediram a condenação dos autores a devolver a quantia de € 9 975,96 (equivalente a 2.000 contos) e juros de mora.

         Pediram, ainda, a condenação do autor como litigante de má-fé em multa e indemnização.

         Em resposta, o A. veio impugnar a matéria fáctica atinente à usucapião, concluindo pela sua improcedência, bem como do pedido de restituição e de condenação como litigantes de má-fé.

         Foi efectuada a selecção da matéria de facto sujeita a reclamação deferida.

Após julgamento foi proferida sentença que concluiu assim:

“ Declara-se que o prédio id. em 6.1. é do A., e em consequência, condena-se os RR. a restituírem o referido prédio rústico, abstendo-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte do A desse prédio.

Declara-se o pedido reconvencional de reivindicação improcedente, condenando-se o A. a entregar a quantia de nove mil novecentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 26.09.2012 até integral pagamento.

Condena-se o A. como litigante de má-fé na multa de cinco unidades de conta bem como na indemnização à parte da quantia de mil e quintos euros.

 Custas da acção pelos RR. na totalidade; e da reconvenção pelo A. em dois terços e pelos RR em um terço.

 Notifique e registe. “

                                                                                                                   Desta sentença recorreu o autor que rematou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

“1) O Recorrente não se conforma com os seguintes segmentos decisórios da douta sentença proferida nestes autos em 30.05.2016 (Ref. 81512303): –  “Declara-se o pedido reconvencional de reivindicação improcedente, condenando-se o A. a entregar a quantia de nove mil novecentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 26.09.2012 até integral pagamento.”; –  “Condena-se o A. como litigante de má-fé na multa de cinco unidades de conta bem como na indemnização à parte da quantia de mil e quintos euros.”.

2) Entende que o presente recurso deverá ser provido, revogando-se naquela parte a douta sentença proferida.  

3) O âmago da questão agora colocada reside na circunstância de que o Mmo. Juiz a quo entendeu que ficou provado o seguinte facto: “6.13. Em altura anterior a 1.10.1992, A. e R. marido acordaram verbalmente que este adquiriria o prédio aludido em 6.1. por 2 000 000$00, quantia que este último entregou em prestações, sendo duas delas de 500 000$00, e nessa sequência em 1.10.1992 o A. escreveu e assinou “Declaro que já recebi os dois milhões de escudos, correspondentes ao pagamento total da propriedade denominada “ x(...) ”. Fico a aguardar documentos para efectuar a escritura 1.10.1992 (ass. ilegível) (…).”.

4) Ressalvado o devido respeito, que é muito, a prova produzida nestes presentes não permite tal conclusão, antes impondo que se considere que tal facto – fruto da alegação dos Recorridos – não ficou provado.

5) Está singelamente em causa o escrito de fls. 55, junto pelos Recorridos com a contestação que apresentaram, a propósito do qual o Recorrente tomou expressamente, na Réplica, a seguinte posição: “(…) o autor impugna o documento junto à contestação como Doc 7, por se tratar de documento não emitido nem assinado por este.”

6) Foi realizada perícia à letra e assinatura desse documento, tendo o respectivo relatório pericial sido junto aos presentes autos em 28.11.2014 (Ref. 280580).

7) Ora, muito embora os peritos que o subscreveram tenham concluído “como muito provável que as escritas suspeitas do texto e da assinatura da declaração” fossem “da autoria” do Recorrente, não se pode desconsiderar que o mesmo relatório pericial integra a presente “Nota: A perícia foi algo limitada pelo traçado desenhado, retocado e irregular dos autógrafos de A... , indiciando eventual tentativa de disfarce, e por os mesmos não conterem os dizeres do texto constante da declaração (…) traçados em maiúsculas. A análise pericial ao texto da declaração incidiu essencialmente nos dizeres manuscritos em maiúsculas constantes das fotocópias de imposto de mais-valias.” (o sublinhado é nosso).

8) Deste modo, não poderá deixar de se considerar que a perícia realizada ao escrito aqui em questão foi inconclusiva, na medida em que o texto e a assinatura do mesmo foram comparados com fotocópias e não com documentos originais, sendo sabido que a avaliação pretendida haverá que incidir, nomeadamente e com relevância tantas vezes capital, na “fluência/pressão” da escrita (cfr. pág. 2/6 desse mesmo relatório pericial). Dito de outra forma, nos termos em que foi feita a perícia, é notório que a apontada característica da escrita não foi avaliada – não podia ser avaliada, já que “a análise pericial ao texto da declaração incidiu essencialmente nos dizeres manuscritos em maiúsculas constantes das fotocópias de imposto de mais-valias” que os Recorridos prestimosamente juntaram aos autos em 23.01.2014 (Ref. 263082).

9) Ora, com o devido respeito que nos merece o Mmo. Juiz a quo, não se pode dar relevo algum – ao contrário do que sucede na douta sentença recorrida – ao facto de “que o escrito foi dado ao nível da prova pericial como “muito provável” ser do punho do A.”, ora Recorrente.

10) É o que se espera nesta sede.

11) Dito isto, o que nos resta então a favor da acima mencionada alegação dos Recorridos? Citando a douta sentença recorrida, o “depoimento da testemunha I... , o qual (…) prestou depoimento que é corroborado com o escrito de fls. 55.”

12) Ora, como já se denunciou, o escrito em questão, constante a fls. 55, não depõe em desfavor do Recorrente, pelo que não se podia dar o facto aqui em questão por provado apenas com base no depoimento da referida testemunha.

13) Na verdade, a testemunha I... , filho dos Recorridos, apresentou, por esta circunstância, um depoimento comprometido e parcial.

14) Esta testemunha procurou provar na íntegra os termos do negócio alegadamente celebrado entre o Recorrido varão e o Recorrente, muito embora tenha admitido que, das 3 conversas supostamente havidas entre ambos, apenas assistiu à última… curiosamente aquela em que o seu pai teria pedido ao Recorrente a emissão do documento aqui em causa, solicitação esta que teria sido atendida. Todas as restantes lhe teriam sido, nas suas palavras, relatadas pelo seu pai, aqui Recorrido.

15) Vejam-se os excertos acima transcritos das suas declarações, que aqui se consideram reproduzidos, constantes do ficheiro 20160419160315_3092339_2870939: 1) minutos 10:0810:22; 2) minutos 11:16-11:21; 3) minutos 12:32-13:03; e 4) minutos 13:38-20:10.

16) Esta testemunha não demonstrou conhecimento directo dos factos em causa, o que, além do que já se disse, resulta da circunstância de não ter sido capaz de concretizar espacial (nada dizendo a tal propósito, embora expressamente questionado pelo Mandatário dos Recorridos) e temporalmente (mencionando apenas que o documento em causa indica a data da sua produção) a elaboração do escrito em causa.

17) Por outro lado, o Recorrente, explicitamente inquirido a tal propósito em sede de audiência de discussão e julgamento, negou que a letra e assinatura constantes do escrito de fls. 55 fossem suas.

18) Fê-lo como consta dos excertos acima transcritos das suas declarações, que aqui se consideram reproduzidos, constantes do Ficheiro 20160421142625_3092339_2870939: a) minuto 16:0716:13; e b) minutos 16:31-17:22.

19) Tudo visto, a prova produzida impõe que se considere não provado o facto acima transcrito.

20) Em consequência, deverá o pedido reconvencional subsidiário ser julgado totalmente improcedente, por não provado (à semelhança do que já sucedeu com o pedido reconvencional principal). 

21) De igual modo, porque umbilicalmente ligado àquele, deverá o Recorrido ser absolvido do pedido de condenação como litigante de má-fé.

22) É o que se espera nesta sede, assim se fazendo a Justiça a que V. Exas., Venerandos Desembargadores, nos habituaram! “

Também os réus/reconvintes apelaram, concluindo como se segue:

“A) Entende o recorrente que a instância ora recorrida não poderia ter considerado como não provados os factos constantes dos pontos 8.5. e 8.8.da douta sentença em crise, porquanto, da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente do depoimento das testemunhas I... , J... , L... , M... e N... , deveria ter resultado entendimento em sentido exactamente contrário aquele que foi considerado pelo Mmo. Juiz a quo;

B) A fundamentação expendida pelo Mmo Juiz recorrido para fundamentar a consideração como não provados dos factos indicados na alínea anterior omite, ou pelo menos olvida, desde logo partes da inquirição da testemunha I... , de onde só pode resultar convicção contrária. Isto é, que os réus se consideravam donos do prédio em referência e não meros detentores;

C) Designadamente na gravação cujas passagens se encontram supra assinaladas a indicada testemunha profere declarações com o seguinte conteúdo: “ (…) Quando o meu Pai comprou o terreno à Mãe dele aí em 92/93 (…) O meu Pai deu-lhe o terreno para ele lá semear umas coisitas (…) Foi o meu Pai que mandou fazer quando ele tinha comprado o terreno (…) E depois mais tarde vendeu o resto dessa propriedade (…) Não pelo contrário, se o Sr. A... tinha acabado de vender o terreno ao meu Pai, recebendo o dinheiro que tinham combinado, ele próprio assumiu e o meu Pai assumiu o terreno passava a ser do meu Pai e o meu Pai fazia do terreno aquilo que quisesse (…) Pediram autorização foi ao meu Pai, o terreno era do meu Pai (…) Se chegar ao y(...) e perguntar de quem é o terreno, o terreno é do meu Pai (…) O meu Pai acha que aquela propriedade é tanto dele, como todas as outras que são dele (…) porque ele trata-as todas da mesma forma (…) O meu pai entendeu que a partir daquele dia o terreno era dele (…) Desde que o meu Pai lhe comprou o terreno em 92 e que o acabou de pagar, que eu me recordo, eu nunca mais vi ali o Sr. A... , nem ninguém a mando dele, ali a fazer coisíssima nenhuma (…) Era só o meu Pai, o terreno era dele (…)”;

D) Assim, de tal depoimento será forçoso concluir em como o prédio rústico em causa pertence aos réus e não ao autor, agindo aqueles como seus verdadeiros donos, em relação ao mesmo e agindo nessa qualidade perante terceiros, que os reconhecem como tal e não como seus meros detentores;

E) Até porque, se dúvidas existissem quanto à justeza e verdade de tal depoimento, que não foi infirmada, o que é certo é que o mesmo foi também corroborado pelas demais testemunhas inquiridas, designadamente, J... , L... , M... e N... , conforme consta das respectivas gravações a que correspondem as passagens já supra igualmente assinaladas;

F) Deste modo analisando a prova testemunhal in totum e mais especificamente aquela a que supra se faz referência, resulta à saciedade, que os réus/reconvintes não só exercem actos de posse, os quais constituem o corpus possessório da sua actuação, o que já havia resultado provado na douta sentença recorrida, conforme pontos 6.4., 6.5., 6.6., 6.9., 6.10, 6.11. 6.12, 6.14., 6.15, 6.16., 6.17, 6.18, 6.19., 6.20., 6.21., 6.22., 6.23., 6.24. e 6.25., como, para além disso, também se sentem psicologicamente donos do terreno em causa, de onde lhes advém o animus possidendi, sendo além do mais vistos por todos nessa qualidade, e por isso na convicção de que não prejudicam quem quer que seja;

G) Assim, andou mal o douto Tribunal ora recorrido, pois deveria ter dado como provados os pontos 22, 23, 24, 25, 58 e 65 da Base Instrutória constante do despacho saneador e, como tal, deveria o Mmo Juiz a quo ter julgado como provados os factos indicados nos pontos 8.5. e 8.8. da sentença por si proferida;

H) E, consequentemente ter proferido decisão diferente da que consta nos parágrafos § 22 e § 23, 1ª parte do dispositivo sentenciatório, absolvendo os réus do pedido deduzido pelo autor, declarando procedente a excepção por aqueles invocada e condenando o autor no pedido reconvencional por estes deduzido;

I) Por outro lado, a douta sentença recorrida configura o acordo verbal celebrado entre o autor e o réu marido, ora recorrente, consubstanciado no escrito que por aquele foi manuscrito e assinado, como se, de um contrato-promessa se tratasse;

J) Ora, se assim fosse, o que não ocorreu, nem dos factos considerados provados se pode retirar tal conclusão, a quantia de 2.000.000$00 paga pelo ora recorrente ao autor deveria igualmente considerar-se como prestada a título de sinal;

K) Contudo, tal não se mostra possível por não ter havido qualquer estipulação entre as partes para esse efeito, não tendo consequentemente tal sido provado. Logo, a prestação de dois milhões de escudos entregue pelo ora recorrente ao autor terá de ser configurada como uma antecipação total do cumprimento da prestação a que aquele estava adstrito, nos termos do art. 440.º do Código Civil, em resultado do acordo verbal entre eles celebrado;

L) Pelo que, embora nulo por falta de forma, o dito acordo ao invés de um contrato promessa, configura-se antes como um contrato de compra e venda, pois a partir daquele momento, e conforme referido pela testemunha I... , “(…) O meu pai entendeu que a partir daquele dia o terreno era dele (…) Se o Sr. A... tinha acabado de vender o terreno ao meu Pai, recebendo o dinheiro que tinham combinado, ele próprio assumiu e o meu Pai assumiu o terreno passava a ser do meu Pai e o meu Pai fazia do terreno aquilo que quisesse (…)”;

M) Além do mais, ainda que em tal escrito constasse “Fico a aguardar documento para efectuar a escritura”, a realização desta, aos olhos do ora recorrente, não passava de uma mera formalidade, uma vez que a partir daquele momento passou a agir como dono do terreno em causa;

N) Deste modo, o elemento psicológico (animus) que a douta sentença recorrida desconsiderou preenchido, constata-se, ao invés, bem patente na actuação dos réus e como tal suficiente para justificar a aquisição por usucapião do prédio rústico em discussão, uma vez que, se encontram também verificados os restantes requisitos;

O) Mas, mesmo que se continue a entender que tal acordo verbal constitui a celebração de um contrato promessa entre o autor e o réu, o que apenas por mera hipótese e sem conceder se admite, daí não pode resultar automaticamente a conclusão de que os réus são meros detentores e não possuidores, como estes se arrogam;

P) De facto, estando provado no presente caso, que a traditio ocorreu, o que incumbe ao Tribunal é averiguar e apreciar, quais foram em concreto os termos e o conteúdo desse negócio. Isto é, se antes da celebração do alegado contrato prometido (escritura pública), os réus ao obterem a entrega da coisa (prédio em causa), adquiriram para além do corpus possessório, também o animus possidendi, ficando assim numa posição de possuidores e não meros detentores;

Q) Ou seja, do mero facto de se considerar como um contrato promessa e não contrato definitivo, o acordo verbal celebrado entre autor e réus, verificando-se a tradição do bem, não decorre automaticamente que os réus são meros detentores, excluindo-se a possibilidade de estes serem considerados como possuidores.

R) Tal conclusão terá de resultar de uma apreciação casuística realizada pelo Tribunal, a qual no presente caso, não ocorreu, pelo que, a sentença recorrida incorre também, por isso, em omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1 alínea d) do C.P.C.), pelo que deverá ser substituída por outra que aprecie a verifique preenchido o requisito psicológico da usucapião;

S) Para além disso, caso assim não se entenda, no que diz respeito à declaração para inversão do título da posse não só a mesma se encontra alegada, como de facto ocorreu;

T) Isto porque os réus/reconvindos na sua contestação, alegam nos artigos 56.º a 63.º deste articulado, em síntese, que, na data em que o réu marido entregou ao autor a totalidade do preço correspondente à venda do imóvel em questão nos presentes autos (1/10/1992) os mesmo declararam que a partir daquela data o passariam a ocupar;

U) Por outro lado, deve igualmente resultar provado, que nessa data de 1/10/1992, os réus passariam a ocupar o terreno como seu, conforme resulta do depoimento da testemunha I... , “(…) ele próprio assumiu e o meu Pai assumiu o terreno passava a ser do meu Pai e o meu Pai fazia do terreno aquilo que quisesse (…)”, conjugado com os depoimentos das restantes testemunhas arroladas pelos réus já supra referidos e demais elementos de prova, designadamente toda a prova documental junta com a contestação;

V) Assim, resulta evidente que a inversão do título da posse foi operada, pelo réu marido e ora recorrente, o qual declarou ao autor que não só passaria a ocupar o terreno em questão, como o faria a partir daí considerando-se dono do mesmo.

W) Como tal, mal andou, também por isso, o Tribunal ora recorrido, que deveria ter considerado como provado que os réus a partir de 1/10/1992, passaram a agir como donos do imóvel em questão, o que o Autor aceitou, tendo a sentença em apreço violado o disposto no art. 1265.º do Código Civil;

X) Pelo que deve a mesma, também nessa parte, ser revogada e substituída por outra que declare ter ocorrido a inversão do título da posse;

Y) Sem prescindir, dir-se-á ainda que os réus já vinham exercendo a posse, consagrada no corpus e no animus, conforme supra se reiterou, muito antes da aquisição da propriedade invocada por parte do autor, o qual, aliás, nunca deteve a posse;

Z) Logo, o autor não beneficia da presunção decorrente do registo, porque o registo da sua aquisição é posterior ao início da posse dos réus (art. 1268.º nº 1, 2.ª parte do Código Civil);

AA) Como tal, constituindo a usucapião uma forma de aquisição originária da propriedade, a mesma tem maior força do que a simples presunção que decorre do registo, a qual não é uma forma de aquisição de propriedade mas sim de publicidade da mesma;

BB) Pelo que, no presente caso, o ónus da prova compete ao autor, o qual, tendo os réus alegado a posse anterior à aquisição por aquele alegada, deveria ter ilidido a presunção de que estes beneficiam, o que não se verificou;

CC) Neste sentido, andou também mal a douta sentença recorrida, porquanto, antes de mais, encontrando-se invertido o ónus da prova, caberia ao autor demonstrar e provar que os réus não detinham a posse, o que este não conseguiu, não cabendo aos réus a tarefa de a provar, ao contrário do que parece ter entendido o Mmo Juiz a quo;

DD) Ou seja, não competia aos réus provar o animus possidendi, conforme foi, erradamente, o entendimento do Mmo Juiz a quo, que tendo-o considerado como não provado, por via disso, considerou improcedente o pedido reconvencional por aqueles deduzido;

EE) Antes cabia ao autor ilidir a existência de tal animus, que no presente caso se presume;

FF) Não o tendo feito, a decisão recorrida violou também o disposto no art. 1268.º, n.º 1, 2.ª parte do Código Civil, devendo por isso ser revogada por outra que reconheça aos réus a aquisição da propriedade decorrente da usucapião;

GG) Por fim, impõe-se verificar se todos os requisitos em que se deverá fundamentar a usucapião estão verificados e se como tal poderia a douta sentença recorrida tomar um sentido diferente daquele que optou, ou seja, reconhecer a aquisição da propriedade dos réus a esse título e como tal declarar procedente o pedido reconvencional por eles deduzido;

HH) Ora, resultando dos factos considerados provados (conforme pontos 6.10., 6.14., 6.18. e 6.23 da douta sentença recorrida), que os réus, considerando a data em que foram citados da P.I., embora há menos de 20 anos, mas há mais de 15, exercem actos de posse sobre o prédio em questão (conforme pontos 6.4., 6.5., 6.9., 6.10., 6.11., 6.12., 6.14., 6.16., 6.17., 6.18., 6.19., 6.20. e 6.22.da douta sentença recorrida), actos estes que por serem de boa fé, uma vez que agem na plena convicção, de serem os donos do prédio em questão, sem lesar o direito de outrem, porque a eles e só a eles o mesmo pertence e, consequentemente sem que existisse discórdia do autor ou da sua mãe enquanto viva foi, de forma pacífica, sem violência ou coação e à vista de toda a gente, ou seja de forma pública (conforme pontos 6.15., 6.21, 6.23, 6.24. e 6.25. da douta sentença recorrida), dúvidas não podem restar que tais requisitos se encontram preenchidos;

II) Pelo que, a douta sentença recorrida deveria ter reconhecido os réus como proprietários do dito imóvel, o que não o tendo feito, violou o disposto nos arts.1251.º 1258.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1263.º alínea a), 1287.º, 1296.º e 1316.º, todos do Código Civil, devendo por isso ser revogada por outra que os reconheça como tal, declarando procedente o pedido reconvencional por eles deduzido.

JJ) Como tal e respigando tudo o que supra se deixa dito, deverá ser considerada procedente, por provada, a excepção peremptória de aquisição por usucapião deduzida pelos réus e consequentemente declarado procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido pelos réus, absolvendo-se os mesmos do pedido deduzido pelo autor. “

O autor/apelado respondeu sustentando a improcedência do recurso dos réus

         Cumpre decidir:

         A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:

         “1. Mediante a ap. 2982 de 23.03.2009, o A. tem inscrita a seu favor a aquisição por sucessão hereditária de K... do prédio rústico, denominado de x(...) , situado em y(...) , descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha com o n.º 404 da mesma freguesia e inscrito na respectiva matriz no artigo 109, secção H, constando do registo as seguintes descrições: área total e descoberta de 6 350 m2, composto por cultura arvense, confrontando a norte com caminho, sul com herdeiros de D... , herdeiros de E... e outros, a nascente com herdeiros de F... , herdeiros de G... e B... e a poente com herdeiros de H... (A).

         2. No dia 11.04.2001, no Cartório Notarial de y(...) foi celebrada uma escritura, denominada por “Habilitação de Herdeiro” em que foi interveniente o A. que declarou que “no dia trinta de dezembro de mil novecentos e noventa e seis, na (...) , Peniche, onde teve a sua última residência habitual (…) faleceu K... (…) no estado de viúva” (B).

         3. Mais declarou que a autora da herança não deixou qualquer testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como único herdeiro por vocação legal seu filho,” o aqui A., “ que não existem outras pessoas que segundo a lei possam concorrer com o referido herdeiro na sucessão à herança” e “que faz esta declaração na qualidade de cabeça de casal que lhe foi deferida nos termos legais” (C).

         4. Os RR. instalaram no prédio aludido em 6.1. um painel publicitário referente a uma fábrica de fogo, sita num prédio contíguo ao primeiro que lhes pertence (D).

         5. O R. marido, em 28 de fevereiro de 2008, autorizou, invocando a qualidade de proprietário, a colocação de um monoposte publicitário no prédio identificado em 6.1. (E).

         6. Os RR. recusam-se a desocupar o prédio identificado em 6.1. (F).

         7. Em 1991, o prédio identificado em 6.1. pertencia à mãe do A. (G).

         8. O A. entregou ao R. marido uma cópia do requerimento apresentado na Repartição de Finanças do y(...) no qual reclama “a redução da área do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de y(...) sob o art. 24 da secção H, em virtude de ter vendido a B... para arredondamento das estremas, conforme fotocópia de escritura de compra e venda celebrada em 18.03.1987 no Cartório Notarial de y(...) , ficando esta parte assinalada na planta topográfica na cor azul com área de 1810 m2 ficando o restante prédio assinalado na planta topográfica com a cor vermelha, como a seguir se descreve: prédio rústico denominado de “ (...) ” composto por vinha com área de 6350 m2 (…) (H).

         9. Os RR. colocaram paus e rede, para constituírem uma vedação, em parte do terreno id. em 6.1. delimitando uma zona de segurança em redor da sua fábrica de Fogos de Artifício (I).

         10. Em finais do ano de 1992, os RR. mandaram arrancar um pomar de ameixoeiras que existia no terreno id. em 6.1., tendo aproveitado para seu uso a lenha resultante do corte do mesmo (J).

         11. Os RR. procederam à limpeza e desmatagem do terreno id. em 6.1. (K).

         12. No Verão de 2007, os RR. entulharam e taparam o poço existente no terreno (L).

         13. Em altura anterior a 1.10.1992, A. e R. marido acordaram verbalmente que este adquiriria o prédio aludido em 6.1. por 2 000 000$00, quantia que este último entregou em prestações, sendo duas delas de 500 000$00, e nessa sequência em 1.10.1992 o A. escreveu e assinou “Declaro que já recebi os dois milhões de escudos, correspondentes ao pagamento total da propriedade denominada “ x(...) ”. Fico a aguardar documentos para efectuar a escritura 1.10.1992 (ass. ilegível) (4, 8,12, 14, 15,20, 21).

         14. Após junho de 1993, acordaram os RR. com terceiro que numa parte do terreno este plantasse um batatal, noutra parte uma horta, acordando ainda com o terceiro que este devia cuidar do batatal e arrancar as batatas, autorizando-o a tirar água de um poço, e entregar uma parte aos RR. (28 a 30), tendo tal terceiro assim procedido todos os anos até 2007 (31, 32, 33, 34, 35).

         15. Sem que existisse discórdia do A., da sua mãe, ou de quem quer que fosse (36, 44).

         16. Foi aos RR. que dois funcionários da fábrica pediram autorização para amanharem parte do terreno, tendo os RR. autorizado, o que aqueles fizeram (36, 37, 38, 40)

         17. Utilizando o poço do terreno situação que durou até 2006 (41 a 43).

         18. Foi em junho de 1993 que os RR. instalaram o painel referido em  6.4. (45)

         19. Foi em fevereiro de 2008 que os RR. colocaram o monoposte id. em 6.5, no mesmo local onde se encontrava o painel publicitário id. em 6.4., o qual é visível da A8 antes IC1, bem como da Estrada Nacional 361 que liga y(...) ao Vale Covo, e do caminho público que confina a norte com o terreno, inexistindo discórdia da parte do A., até à instauração da presente acção, de sua mãe ou de quem quer que fosse quanto a tal implantação (46 a 48, 49, 50).

         20. O aludido em 6.9. foi colocado em 2006 bem como painéis avisadores de perigo de explosão e de zona de segurança de estabelecimento de fabrico/armazenamento de produtos explosivos (51, 52), e os RR. enviaram ao Departamento de Armas e Explosivos carta na qual delimitam a zona de segurança fazendo-a passar pelo interior do terreno, delimitando pela estrema a sua propriedade (53, 54), sem que o A. mostrasse oposição (55)

         21. A vedação e painéis avisadores de perigo são visíveis do caminho público existente à estrema do terreno e que dá acesso à fábrica dos RR. (56)

         22. Pela implantação do monoposte a que se alude em 6.5. recebem anualmente os RR. 1500 euros (57).

         23. Desde 1993 até hoje são os RR. quem lavram o terreno, cortam o mato, recorrendo a terceiros, à vista de todos, de dia, saindo do terreno e entrando os que pelos RR. são autorizados a tal, sem refutação do A., da mãe deste enquanto viva, ou de quem quer que seja (58 a 64, 70, 71).

         24. Os RR. usam o terreno sem emprego de força ou agressão física ou verbal (67)
         25. O A. sempre soube das utilizações do terreno feitas pelos RR. (72)
         26. Havia no terreno ameixoeiras (76). “
         Deu-se como não provada a seguinte matéria de facto:

         1. É o A. quem liquida os impostos referentes ao imóvel id. em 6.1.

         2. O A. não teve conhecimento que os RR. iam instalar no terreno painel publicitário referente à fábrica de fogo de artifício e desconhecia que o R. marido, em 28 de fevereiro de 2008 autorizou, invocando a qualidade de proprietário a colocação de um monoposte publicitário (2,3)

         3. O acordo aludido em 6.13. ocorreu no final de 1991, e que o R. entregaria no momento do acordo 500 000$00, e o remanescente seria entregue aquando da escritura a realizar-se em três meses (4, 5, 6, 7), tendo sido entregue pelo R. ao A. no dia do acordo 500 000$00 (8), acordo este feito em nome da mãe do A., estando por esta autorizado a tal e que os RR. confiaram (9,10, 11).

         4. Por altura da Páscoa de 1992, o A. pediu ao R. que este lhe entregasse nova quantia de 500 000$00 por conta do preço final, alegando necessitar para tratar da documentação destinada à realização da escritura (12, 13), o que o R. fez (14), e em setembro de 1992, o A. pediu-lhe 1 000 000$00 por conta do preço final comprometendo-se a marcar a escritura dentro de dias alegando estar a documentação tratada, tendo os RR. entregue tal quantia, tendo o A. mostrado o requerimento com o teor de fls. 54 (15, 16, 17,18).

         5. Nessa data de 1.10.1992, os RR. declararam ao A. que desde essa data passariam a ocupar o terreno, o que o A., em nome de sua mãe, consentiu, e desde 1.10.1992 sempre os RR. ficaram convencidos que o terreno lhes pertencia como seu, tendo nessa altura procedido à limpeza e desmatagem do terreno (22, 23, 24, 25).

         6. No dia da limpeza e desmatagem, os RR. mandaram lavrar terreno com vista à futura plantação no mesmo de batatal, o que fizeram em 1993 (26, 27).

         7. Os funcionários amanhavam parte do terreno sob a condição de entregarem parte aos RR. (38) a partir de final de 1992 (40).

         8. O aludido em 7.12 é desde os finais de 1992, agindo os RR. na convicção de serem donos (58, 65), e de que não prejudicam quem quer que seja (66)

         9. O terreno confronta a nascente com F... , B... , I... e B... Lda. e a poente com serventia pública (68, 69) 

         10. O A. tinha vinha, a qual arrancou, e ofereceu as vides para aproveitamento das cinzas na fábrica de pirotecnia dos RR. (73 a 75)

         11. O A. plantou ameixoeiras, e foi com autorização do A. que os RR. arrancaram o pomar de ameixoeiras, e no ano de 1994/95 o R. pediu autorização para proceder à limpeza do terreno, e em 1998, o que o A. autorizou sempre que necessário, e foi com prévia autorização do A. que os RR. taparam e entulharam o poço existente e aludido em 6.12. (76 a 82). “

Em resumo, a sentença considerou que, havendo contrato-promessa, embora com tradição, não se verificava a transmissão da posse, nem tinha ocorrido inversão do título da posse.

Como assim, julgou improcedente o pedido reconvencional principal, procedente o da acção com fundamento no art. 7 do CRP e art. 1311 do CC mas, considerando o contrato-promessa nulo, por vício de forma, ordenou a restituição da importância paga pelo réu/reconvinte.

         Em primeiro lugar, deve dizer-se que a arguida nulidade da sentença nos termos do art. 615, nº 1, al. d) do CPC não pode proceder.

         Considera o apelante réu que a conclusão de que os réus são detentores não decorre automaticamente da existência de contrato-promessa, devendo, antes resultar da apreciação casuística que o tribunal terá de fazer.

         Todavia, o que o tribunal disse foi que os réus não inveteram o título da posse, tendo-se verificado a inércia do autor e da mãe deste. Pode ter omitido explicação detalhada, mas não deixou de se pronunciar sobre a questão essencial. E, por isso, não ocorre qualquer nulidade.

         Prosseguindo, pretende o autor/apelante, em sede de impugnação de facto, que o facto 13, que respeita à declaração de fls. 55, seja considerado não provado.

                                                                                                                   Argumenta que, muito embora os peritos que subscreveram o relatório pericial junto aos presentes autos em 28.11.2014, tenham concluído “como muito provável que as escritas suspeitas do texto e da assinatura da declaração” fossem “da autoria” do recorrente, não se pode desconsiderar que o mesmo relatório pericial integra a presente “Nota: A perícia foi algo limitada pelo traçado desenhado, retocado e irregular dos autógrafos de A... , indiciando eventual tentativa de disfarce, e por os mesmos não conterem os dizeres do texto constante da declaração (…) traçados em maiúsculas. A análise pericial ao texto da declaração incidiu essencialmente nos dizeres manuscritos em maiúsculas constantes das fotocópias de imposto de mais-valias.” (o sublinhado é nosso).

                                                                                                                   Assim, considera o apelante que não poderá deixar de se considerar que a perícia realizada ao escrito aqui em questão foi inconclusiva, na medida em que o texto e a assinatura do mesmo foram comparados com fotocópias e não com documentos originais, sendo sabido que a avaliação pretendida haverá que incidir, nomeadamente e com relevância tantas vezes capital, na “fluência/pressão” da escrita (cfr. pág. 2/6 desse mesmo relatório pericial).

                                                                                                                   Todavia, o argumento não é decisivo. Não cremos que a circunstância de os dizeres manuscritos em maiúsculas constarem de fotocópias de declarações do imposto de mais-valias possa pôr em causa o juízo pericial sobre a fluência e a pressão da escrita. Se assim fosse, os peritos teriam concluído pela inconclusividade da perícia, o que não fizeram.

Considera, ainda, o apelante que a testemunha I... , filho dos recorridos, apresentou, por esta circunstância, um depoimento comprometido e parcial, na medida em que das 3 conversas supostamente havidas entre recorrente e recorrido, apenas assistiu à última, àquela em que o seu pai teria pedido ao recorrente a emissão do documento de fls. 55, solicitação esta que teria sido atendida (tendo as outras sido relatadas pelo pai).

É certo que a circunstância de a testemunha ser filho do réu é motivo adequado a gerar suspeita sobre a sua imparcialidade.

Todavia, o seu depoimento vai de encontro ao documento.

E a verdade é que a perícia considerou como muito provável que as escritas suspeitas do texto e da assinatura da declaração fossem da autoria do recorrente. E o recorrente, objectivamente, contribuiu também para essa convicção, pois a letra que consta dos autógrafos distingue-se radicalmente da letra dos impressos das mais valias, o que parece indiciar tentativa de disfarce, assinalada, aliás, no relatório pericial (e nesta circunstância, cabia ao autor, ao menos, alegar que a diferença entre as escritas tinha outras razões que não a do disfarce).

Mantém-se, assim, o facto 13.

Também o apelante, réu reconvinte, entende que o Juiz a quo não poderia ter sido considerado como não provados os factos constantes dos pontos 5. e 8 do enunciado dos factos não provados, porquanto, da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente do depoimento das testemunhas I... , J... , L... , M... e N... , deveria ter resultado entendimento em sentido exactamente contrário.

Porém, o conhecimento da impugnação nesta parte revela-se um acto inútil (art. 130 do CPC).

Mas vejamos porquê.

Em primeiro lugar, haverá que qualificar o contrato que o autor celebrou com o réu.

Como se recorda, a sentença configura o acordo verbal celebrado entre autor e réu como um contrato-promessa verbal, que não conferiu aos réus a qualidade de possuidores mas a de detentores que não lograram inverter o título da posse.

Sustenta o apelante que, pelo contrário, foi celebrado um contrato de compra e venda, ainda que de bens alheios ou futuros.

Porém, o que ficou provado foi que “ Em altura anterior a 1.10.1992, A. e R. marido acordaram verbalmente que este adquiriria o prédio aludido em 6.1. por 2 000 000$00, quantia que este último entregou em prestações, sendo duas delas de 500 000$00, e nessa sequência em 1.10.1992 o A. escreveu e assinou “Declaro que já recebi os dois milhões de escudos, correspondentes ao pagamento total da propriedade denominada “ x(...) ”. Fico a aguardar documentos para efectuar a escritura 1.10.1992 (ass. ilegível) (4, 8,12, 14, 15,20, 21).” (13).

Ou seja, tendo ficado provado que, antes de Outubro de 1992, o autor e o réu marido acordaram que este “adquiriria” o prédio mais tarde por 2.000.000$00 e que o autor ficava a aguardar documentos para efectuar a escritura, não se pode (por insuficiência da matéria de facto) concluir que se verificou qualquer contrato de compra e venda, tudo apontando, pelo contrário, para a existência de um contrato-promessa verbal em que se prometia a celebração do contrato definitivo por escritura pública.

É, aliás, o que parece resultar do alegado na contestação /reconvenção.

Com efeito, os réus alegaram que: em 1991 que com o autor, que representava a mãe, ficou “verbalmente acordado que o prédio em questão na presente acção, seria vendido ao réu marido pelo preço, à data, de 2.000.000.” (art. 28 da contestação); e que “ mais ficou verbalmente acordado entre eles, que naquele momento o réu marido pagaria a quantia de, à data, 500.000$00 (art. 29); o que o marido fez efectivamente… (art. 30); e sendo que o remanescente do preço, ou seja, 1.500 contos seria pago pelo réu marido na data da realização da escritura de compra e venda, conforme verbalmente acordado com o autor (art. 31), escritura a fazer-se num curto espaço de tempo não superior a 3 meses (art. 32); que, porém, na Páscoa de 1992, o autor pediu nova quantia de 500 contos por conta do preço final, prometendo a escritura para breve (arts. 45, 46 e 37), quantia que o réu pagou (arts. 48 e 49); a dita escritura não foi celebrada em Setembro de 1992 o autor pediu ao réu a restante quantia de 1.000.000$00, quantia que o réu entregou (arts. 50 a 55); só que desta vez, o réu marido exigiu ao autor que este assinasse uma declaração, na qual ele reconhecesse ter recebido o montante total, respeitante ao preço da venda do imóvel, o que o autor aceitou, tendo para o efeito assinado a declaração com o teor que consta…; que então nessa data disseram ao autor que a partir daquela data passariam a ocupar o imóvel para limpeza e desmatagem o que o autor, em nome da sua mãe, consentiu; tendo os réus, com a totalidade do preço paga, passado a considerar o imóvel como seu e a ocupá-lo, sem oposição do autor (arts. 56 a 62).

Afigura-se-nos, portanto, que as partes quiseram celebrar um contrato-promessa: o prédio em questão seria vendido ao réu marido pelo preço, à data, de 2.000.000$00, primeiro 500.000$00 e depois 1.500.000$00, no momento em que se realizasse a escritura.

          É certo que, depois, o preço foi integralmente pago em 1.10.92, ainda antes da realização da escritura, o que levou o réu a exigir que o autor passasse a declaração de fls. 55.

          No entanto, e apesar de o preço ter sido integralmente pago, em 1992, nem assim se pode concluir que o autor (e a mãe) e réu deram por concluído o contrato de compra e venda, pois tal contrato estava dependente da formalização da escritura, como, de resto, resulta da declaração de fls. 55 (facto 13). Nem os réus alegaram o contrário, ou seja, que, com o pagamento integral do preço, as partes consideraram o contrato de compra e venda realizado. Apenas alegaram que a partir do pagamento integral do preço autor e réu acordaram que o segundo ocupasse o imóvel.

          Mas será possível configurar aqui um contrato de compra e venda, ainda que de bem futuro?

          Não nos parece.

          Na verdade, as coisas futuras são aquelas que não estão no poder do disponente ou a que este não tem direito ao tempo da declaração negocial, como, por exemplo, as coisas que pertencem, ainda, a terceiro. Neste último caso, para que a coisa seja havida como futura, é necessário que o contrato se realize na perspectiva de que ela vem a entrar no património do alienante (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Volume II, 2ª edição, pág. 153).

          Ora, não era esse o caso, pois, segundo o alegado, o prédio já existia e pertencia à mãe do autor (que agia em representação dela) e a escritura era para se fazer inicialmente no prazo de 3 meses (sendo que mesmo depois de 1.10.92 o objectivo era realizar logo que possível a escritura). O contrato não se realizou, portanto, na perspectiva de que o prédio viesse a entrar no património do autor. O bem já existia e pertencia à mãe do autor, sendo que o autor nunca produziu qualquer declaração negocial no sentido de que vendia o bem que lhe viesse a pertencer, declaração, aliás, que teria sempre de constar de escritura pública (Ac. STJ de 23.9.2004, Araújo de Barros, em www.dgsi.pt).

          Temos, portanto, um contrato-promessa de compra e venda verbal, em que o preço foi integral e antecipadamente pago. E que é nulo, por vício de forma (art. 410, nº 2 do CC).

         Mas haveria, ainda assim, nesta circunstância, e na medida em que houve a tradição material do prédio, alguma transmissão da posse do anterior possuidor para os réus, se porventura se desse como provado o facto 5 dos factos não provados, (“nessa data de 1.10.1992, os RR. declararam ao A. que desde essa data passariam a ocupar o terreno, o que o A., em nome de sua mãe, consentiu, e desde 1.10.1992 sempre os RR. ficaram convencidos que o terreno lhes pertencia como seu, tendo nessa altura procedido à limpeza e desmatagem do terreno “)?

         Cremos igualmente que não.

         Como se sabe, à tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda não corresponde, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo, que é o contrato-promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente, o direito de propriedade, mas, tão só, à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial (v. Ac. STJ de 27.5.2004, Quirino Soares, em www.dgsi.pt). A posse verdadeira correspondente ao direito de propriedade só se transmitirá, em regra, com a celebração do contrato definitivo (v. Ac. STJ de 3.10.2013, Maria dos Prazeres Beleza e Ac. STJ de 10.12.2013, Gabriel Catarino, no mesmo site do IGFEJ).

         Presume-se, portanto, no contrato-promessa, que a posse continua, por força do nº 2 do art. 1257 do CC, em nome de quem a começou, ou seja, do promitente-vendedor (cfr. Ac. STJ de 9.6.2016, Tomé Gomes, em www.dgsi.pt).

         A não ser que se prove que a vontade das partes foi a de transferir, desde logo, para o promitente-comprador, por razões específicas, alicerçadas nem situações excepcionais, a título definitivo, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade (v., ainda, Ac. STJ de 9.6.2016).

         E uma dessas situações é a do caso do contrato-promessa de compra e venda, em que “ havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (…), a coisa é entregue ao proprietário como se sua fosse já e que neste estado de espírito ele pratica diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade (…)” (Pires de Lima e Antunes Varela, III vol., 2ª edição, pág. 7).

         É suposto, porém, que as partes acordem na transmissão da posse, que, repete-se, a vontade das partes seja a de transferir, a título definitivo, a posse (v., ainda, o supracitado Ac. STJ de 10.12.2013).

         E se tudo isto se passa com um contrato-promessa válido (reduzido a escrito), por maioria de razão se passará com um contrato-promessa nulo em que a vontade das partes é a mesma.

         Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que os réus não alegaram que o autor, apesar de ter recebido na íntegra o preço, lhes entregou a coisa considerando-os já como proprietários, com a vontade de lhes transferir a posse (ou de dispensar a realização do contrato definitivo). O facto de os réus terem ficados convencidos de que o terreno lhes pertencia como seu e de terem agido posteriormente nessa convicção não nos autoriza a concluir que o autor lhes quis transferir a posse do direito de propriedade.

         Deviam os réus ter alegado, pois, que a transferência da posse tinha sido acordada e que ela não dependia da realização da escritura (Ac. STJ de 18.10.2012, Tavares Paiva, em www.dgsi.pt). Não o fizeram. Pelo que o que deflui do alegado e do facto 13 (e documento de fls. 55) é que, no momento da celebração do contrato promessa, o que estava subjacente à intenção das partes era a celebração do contrato definitivo. E que só através deste era possível a aquisição da posse por constituto possessório, nos termos dos art. 1263, nº 1, al. c) e 1264 do CC (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. III, 2ª edição, pág. 33).

         Mas vejamos ainda, se fora deste circunstancialismo, é possível conceber a aquisição da posse por inversão do respectivo título (art. 1263, al. d) do CC).

         Como se sabe, no contrato-promessa, a posse em nome próprio do promitente comprador pode resultar de superveniente inversão do título da posse, a qual pressupõe a sua efectivação por oposição à contraparte, levada ao conhecimento desta, em termos de poder razoavelmente inferir-se uma oposição séria ao seu direito de propriedade. (Ac. STJ de 12.3.2015, Lopes do Rego, em www.dgsi.pt). A eficácia da oposição referida no art. 1265 do CC depende da prática de actos inequivocamente reveladores de que o detentor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa. A oposição deve, além disso, ser dirigida contra a pessoa em nome de quem o opositor detinha a coisa e tornar-se dela conhecida (Ac. STJ de 12.3.2015 e, ainda, Ac. STJ de 20.3.2014, Nuno Cameira, no mesmo sítio).

         Ora, descendo mais uma vez ao caso concreto, verifica-se que os réus não alegaram que tenham praticado os actos que praticaram por oposição à contraparte, levada ao conhecimento desta, em termos de poder, razoavelmente, inferir-se uma oposição séria ao seu direito de propriedade. E em especial, não alegaram que procederam à limpeza e desmatagem do terreno, em 1992, opondo-se ao autor (factos 5 e 6).

         E, por isso, e também nesta perspectiva, não tem qualquer relevo a prova dos factos 5 e 8. A mera circunstância de os réus terem ficado convencidos em 1.10.92 de que o terreno lhes pertencia e a de que passaram a agir na convicção de serem donos não são suficientes para inverter o título da posse (Ac. STJ de 12.3.2015).

         E sem a inversão do título da posse não lograram adquirir o animus da posse e converter a detenção em posse própria, relevante para a aquisição da propriedade por usucapião.

         Aliás, sempre se diga que, ainda que se entendesse que a partir de Junho de 1993 tinha ocorrido inversão do título da posse (em face dos factos 13 e 14) o prazo da posse sempre se revelaria insuficiente para a aquisição da propriedade por usucapião.

         É que, não sendo a posse titulada nem de boa-fé (art. 1259 e 1260), a usucapião dar-se-ia apenas ao fim de 20 anos (art. 1296 do CC), prazo que não teria ainda decorrido desde Junho de 93 (v. Ac. STJ de 7.4.2011, Fonseca Ramos, no site referido).

         Improcede, assim, a impugnação de facto deduzida pelo apelante/réu, dado que a reapreciação da matéria de facto por ele pretendida envolveria sempre uma actividade processual inútil, em contradição, aliás, com os princípios da celeridade e da economia processual (v. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2ª edição, pág., 298 e o Ac. R.C. de 12.6.2012, em www.dgsi.pt).

         Em conclusão:

         Pretendia o autor/apelante, com base na supressão do facto 13, que o pedido reconvencional subsidiário (restituição da importância que recebeu do réu) fosse julgado totalmente improcedente. E que fosse, ainda, absolvido do pedido de condenação como litigante de má-fé.

         Todavia, não logrou alcançar a eliminação do facto 13.

         E por isso, improcede o recurso de direito, que tinha como exclusivo pressuposto aquela modificação de facto.

         Pugnava, por sua vez, o réu apelante, também com base na alteração de facto, pela procedência do seu pedido principal, ou seja, pelo reconhecimento dele e da mulher como proprietários do prédio, sendo que, para fundamentar a transferência da posse, tinha invocado, primeiro, a existência de um contrato de compra e venda e depois, prevenindo a hipótese de se tratar de um contrato-promessa, a inversão do título da posse. Em qualquer caso, sustentava a existência de posse dos réus em nome próprio, iniciada antes do registo predial de 2009 a favor do autor, o que retiraria a este a qualidade de proprietário, nos termos do art. 1268, nº 1 do CC e conduziria à aquisição da propriedade, com base na usucapião, a favor dos réus.

         Todavia, e como acima se deixou dito, não se provou a existência de contrato de compra e venda verbal mas apenas de um contrato-promessa verbal de compra e venda, insusceptível de transferir a posse. Nem se provou a existência da inversão do título da posse.

         Donde resulta que os réus/reconvintes não lograram demonstrar que adquiriram a propriedade por usucapião, que tinha como pressuposto a existência de uma posse em nome próprio (não apenas com o corpus mas também com o animus).

         Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar as apelações improcedentes, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

         As custas das apelações ficam pelos apelantes.


*


Coimbra, 7 de Março de 2017

Relator:

António Magalhães

Adjuntos:

1º - Ferreira Lopes

2º - Freitas Neto