Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
559/23.4JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO MIRANDA
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADO
ACTO SEXUAL DE RELEVO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO NO PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
DIREITO AO SILÊNCIO
PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO
LEITURA/REPRODUÇÃO DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELO ARGUIDO NO 1.º INTERROGATÓRIO JUDICIAL DE ARGUIDO DETIDO
VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE DEFESA
COAUTORIA
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 11/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA ASSISTENTE E DO ARGUIDO AA E CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO ARGUIDO BB
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 26.º, 129.º, 163.º, 164.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E 177.º, N.º 4, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 61.º, N.º 1, ALÍNEA D), 355.º E 357.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 483.º, 494.º, 496.º, N.º 3, 562.º, 563.º E 566.º, N.ºS 1 E 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Subjacente aos artigos 355.º e 357.º do C.P.P. está a garantia do direito de defesa dos arguidos e do conhecimento por parte dos sujeitos processuais dos meios de prova susceptíveis de concorrer para a formação da convicção do tribunal, com vista a possibilitar o exercício do direito ao contraditório, indispensável à boa decisão da causa.

II - O direito ao silêncio é o corolário do princípio da não auto-incriminação, designado como nemo tenetur, assente na ideia de que os arguidos não estão obrigados a contribuir para a sua própria incriminação, não recaindo sobre eles o dever de colaborar na descoberta da verdade material.

III - Não há omissão da prova derivada da leitura/reprodução das declarações prestadas pelo arguido em sede de 1.º interrogatório judicial se, na audiência em que o arguido e o seu mandatário se encontravam, o pedido para aquela leitura foi feito pelo Ministério Público, se, depois, o pedido foi deferido, se, depois, se tentou a reprodução das declarações mas, devido às dificuldades técnicas de funcionamento do sistema áudio da sala de julgamento, a audição da reprodução apenas foi possível com recurso a auriculares, o que também foi comunicado a todos os presentes, se a gravação em causa está disponível no Citius para consulta/audição pelos sujeitos processuais, se as transcrições de tais declarações, constantes dos autos, são a reprodução fiel do conteúdo das gravações, resultando, de tudo, que o arguido pode exercer os seus direitos de defesa e de contraditório.

IV - Não é legítimo desacreditar relatórios apenas porque neles se opina com base no relato da vítima, pois o estado mental e a identificação de padrões de sintomas emocionais e comportamentais passam por perguntas dos profissionais de área sobre o historial da vítima, a condição mental e os sintomas apresentados para identificar factores de risco.

V - É acto sexual de relevo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais, mesmo que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes, que ofenda, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas.

VI - A coautoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis por acordo, expresso ou tácito e prévio ou contemporânea da acção, em que cada um dos agentes participa na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, resultando que cada contribuição se funde num todo unitário, razão pela qual o resultado alcançado é de todos e, portanto, imputado a todos, independentemente de quem concretamente praticou cada uma de tais acções.

VII - Quando a indemnização é fixada com fundamento num juízo de equidade os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afrontou, manifestamente, as soluções da jurisprudência para casos semelhantes e com elas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

VIII - Na fixação dos danos não patrimoniais há que considerar a factualidade provada, devendo tomar-se em consideração a própria actuação em si e as suas consequências, o grau de lesão na personalidade moral da lesada e a situação económica do arguido.

IX - A liberdade e autodeterminação sexual é um bem cuja dignidade e valor determinam que a respectiva violação funde o direito a indemnização por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: *


Acordam os Juízes, na 5ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra       

I - Relatório

            No processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, nº. 559/23.4JACBR.C1, … realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:

            “ I. Absolver o arguido CC do crime de violação por que vinha acusado.

II. Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, de um crime de violação agravado, pp. pelos artigos 164.º, n.º 2, alíneas a) e 177.º, n.º 4, ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.

III. Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria, de um crime de violação agravado, pp. pelos artigos 164.º, n.º 2, alíneas a) e 177.º, n.º 4, ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 5 (cinco) anos, com regime de prova, e com a condição de pagar à ofendida a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), no prazo de 6 meses, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.

IV. Absolver o arguido CC do pedido de indemnização civil.

V. Na parcial procedência do pedido de indemnização civil, condenar, solidariamente, os demandados AA e BB a pagar à demandante DD a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado do presente acórdão. “

Inconformados com a decisão, dela vieram os recorrentes  Ministério Público, Assistente e os arguidos BB e AA interpor recurso, extraindo da motivação dos recursos as seguintes conclusões, que se transcrevem:

            Do recurso do Ministério Público

           

4.ª Não aceitamos a absolvição do arguido CC, em face da prova que foi produzida em julgamento, sendo que a mesma impõe a sua condenação pelo apontado crime de violação.

5.ª Discordamos ainda das penas concretas aplicadas aos arguidos AA e BB, as quais são intoleravelmente brandas.

6ª Em primeiro lugar, impugnamos a matéria de facto fixada no douto acórdão, designadamente quanto aos factos provados sob os números 14, 15, 24, 26 e 40, bem como os factos não provados identificados pelas alíneas c), d), e), h), i), j) e k).

 7ª Entendemos que, quanto aos identificados factos provados, se impõe a sua reformulação nos seguintes termos:

 8ª Consideramos, também, imperioso dar como provados os seguintes factos, retirando-os do elenco dos factos não provados acima elencados: …

9ª Entendemos que são as seguintes provas que impõem decisão de facto diversa da recorrida, tal como por nós pugnado nas três anteriores conclusões: - …

 14ª A assistente foi categórica e precisa nas suas respostas, sempre esmiuçando as suas declarações, muitas vezes após insistência do Colectivo, dando explicações racionais e plausíveis sobre o que lhe era perguntado.

15ª A assistente … conseguiu bem descrever todos os factos de que tinha memória precisa, sendo que, nas partes em que não estava segura ou certa, logo elucidou o Tribunal nesse sentido.

16ª Quanto à conduta do arguido CC, a assistente foi cristalina a afirmar que não quis aquela relação sexual, não deu qualquer consentimento para a mesma e manifestou, desde o início, a sua oposição, primeiro por palavras e depois através do choro.

18ª No que diz respeito à conduta do arguido BB, as declarações da assistente foram também claras e inequívocas, surgindo enquadradas na sequência dos factos dados como provados sob os números 21 a 24.

22ª Consideramos que a medida concreta das penas de prisão encontrada pelo Colectivo para os arguidos AA e BB é excessivamente branda e está muito aquém da medida da culpa, mostrando-se assim errada e desajustada, tendo em conta as evidentes e agudas exigências de prevenção geral, bem como de prevenção especial.

                Do recurso da Assistente

“…

III. Não obstante decidiu o tribunal a quo absolver o arguido CC do crime de violação por que vinha acusado e, consequentemente, absolvê-lo do pedido de indemnização civil.

VI. A assistente afirmou reiteradamente que disse "não" ao arguido tanto verbalmente quanto por comportamentos, …

VII. Declarou não ter dúvidas de que pediu ao arguido que parasse, …

VIII. A falta de memória inicial da assistente sobre o início do ato sexual, consentânea com o elevado estado de embriaguez que apresentava, não elimina o fato de que, assim que  ela tomou consciência, manifestou a sua recusa de forma inequívoca.

XIV. A prova produzida nos autos, nomeadamente a prova pericial, testemunhal e declarações da assistente, em audiência de julgamento, impunham decisão diversa da recorrida.

XV. Os factos constantes das als. c), d), h) a m), inclusive, da matéria dada como não provada foram incorretamente julgados, e deveriam ter sido considerados como provados;

Do recurso arguido BB:

I. Atendendo às motivações vertidas no item “A – I – DA VALORAÇÃO DE DECLARAÇÕES DO RECORRENTE PRESTADAS NO INQUÉRITO SEM A RESPETIVA REPRODUÇÃO OU LEITURA EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO – PROVA PROIBIDA – NULIDADE”, que aqui renovamos, as declarações prestadas pelo recorrente na fase de inquérito, perante autoridade judiciária, in casu, o Meritíssimo Juiz de Instrução, não podem ser valoradas como prova, como foram, no douto Acórdão recorrido, sendo uma PROVA PROIBIDA, além de se verificar uma NULIDADE, tudo por violação do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), 355.º, 357.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e 356.º, n.º 9, todos do CPP, o que deverá ser declarado, com os devidos efeitos legais.

II. Subsidiariamente, atendendo às motivações vertidas no item “A – II – DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO – ERRO DE JULGAMENTO – VÍCIOS DO ARTIGO 410.º, N.º 2 DO CPP”, que aqui renovamos, o recorrente procede à impugnação dos factos dados como provados nos pontos 3, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 28, 27, 31, 32, 33, 35, 38, 39, 40, 41, 42 – respeitantes à Acusação Pública – 111, 112, 115, 116, 121, 122 e 123 – respeitantes ao pedido de indemnização civil formulado pela assistente, ora recorrida.

XXI. A versão de facto da assistente, ora recorrida, colide ostensivamente com vários meios de prova carreados e produzidos nos autos.

XLI. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção na prova pericial, dizendo: Em relação à prova pericial, temos que a assistente relatou que, a dado momento, quando estava a ser agredida sexualmente pelos arguidos …, tentou fugir, acabando por cair no chão do quarto, tendo-se magoado num joelho. Ora, resulta do relatório do INML de fls. 8 e 278 e seguintes que efetivamente a assistente tinha lesões no joelho direito, compatíveis com a descrição factual feita por a mesma. Em julgamento a Sra. Perita, …, manteve o conteúdo do seu relatório, dizendo que as lesões encontradas efetivamente eram compatíveis com a descrição dos factos da assistente.

XLIV. Não foi carreado para os autos um único meio de prova pericial que coloque o recorrente em “cenário de crime”.

XLV. Não há, pelos estudos comparativos das amostras biológicas, nenhum perfil genético pertencente à sua pessoa, como resulta do Relatório Pericial de Criminalista Biológica junto a fls. 598 a 606 dos autos (vide fls. 593 dos autos), o que é bem ilustrativo de quem teve intervenção ativa no sucedido (seja o arguido CC, seja o arguido AA, com ou sem consentimento da assistente, ora recorrida).

XLVI. Deste modo, atendendo a estes concretos meios de prova, quanto aos factos descritos no ponto 22 dos factos provados, deveria dar-se como não provado, da forma seguinte: 22. Porém, como se encontrava embriagada, a ofendida apenas conseguiu gatinhar sobre a cama onde estava deitada e acabou por cair para o chão do quarto.

XLVII. E quanto aos factos descritos no ponto 38 dos factos provados, intrinsecamente relacionados com os factos anteriores, deveriam dividir-se em dois grupos, dando como provado as redações seguintes, com os respetivos acréscimos e supressões, seguintes: 38. Sofreu a ofendida dores, vergonha, humilhação e pânico. 38-A. As lesões examinadas e descritas nos relatórios periciais, nomeadamente escoriação na face anterior do joelho medindo 3cmx2cm, rodeada de equimose arroxeada com 5cmx6cm, como tumefação mole subjacente, as quais determinaram direta e necessariamente 7 dias de doença, sem afetação da capacidade do trabalho geral ou académico, ocorreram em data não concretamente apurada. XLVIII. Relativamente aos factos descritos no ponto 23 dos factos provados, deveria dar-se como provado a redação, com as supressões, seguintes: 23. Nisto, o arguido AA pegou na ofendida e voltou a deitá-la na cama.

L. No Relatório da Perícia de Natureza Sexual em Direito Penal, de fls. 8 a 10 dos autos, as Ilustre Peritas Médicas concluíram que “Não foram observados sinais de lesões traumáticas de características recentes na região genital e perianal”, não querendo com isto dizer – tal como defendido no douto Acórdão recorrido –, que não tenha existido agressão sexual, por terem sido praticados atos sexuais de relevo ou especial relevo, sem consentimento da assistente, ora recorrida, mas aí também se diz, que a assistente, ora recorrida, tinha “sangue fresco ao nível vaginal que se exteriorizava pela fenda do colo de útero, compatível com dias finais do cataménio”, logo, quando no ponto 32 dos factos provados no douto Acórdão recorrido, se refere que a mesma ficou “ensanguentada”, isso não se deveu a qualquer conduta praticada pelo recorrente (ou até por qualquer outro dos dois arguidos), mas antes por estar menstruada.

                …

LXXXV. Atendendo às motivações vertidas no item “A – IV – DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO – CONDIÇÃO IMPOSTA (PAGAMENTO DE PARTE DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA À LESADA) – NULIDADE – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – VÍCIOS DO ARTIGO 410.º, N.º 2 DO CPP”, que aqui renovamos, o douto Acórdão recorrido é NULO, seja por omissão de pronúncia (“o tribunal deixe de se pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”), seja por ausência de fundamentação específica, face à violação do artigo 50.º, n.º 4 do CP, em obediência ao consignado no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) – por referência ao artigo 374.º, n.º 2 – e c), do CPP, o que deverá ser declarado, com as devidas consequências legais.

Do recurso do arguido AA  (com ressalva dos vários erros ortográficos)

3. Constatados os efeitos do álcool, não diligenciou o Tribunal para aquilatar da capacidade de testemunhar o sucedido da sensibilidade que possuía e da capacidade de memoria, fabulação, confusão mental o que até se patenteia nas declaraçoes por esta prestadas, e supra destacadas em vários momentos , “ expressões como ; desliguei não me lembro, de como fui no carro , não me lembro do que disse a testemunha EE, não se lembra como estava vestida , não se lembra de ter feito sexo anal, e so ter constatado na leitura do relatório do I.M.L., contrariado quando instada pelo advogado ao minuto 1.006 segundos do dia 26 de junho pelas 14 horas , soube porque a policia judiciaria me ligou a dizer que havia dados biológicos sobre uma relação anal por parte do AA, o que geriu comportamentos negativos na propria e teve nocao nas suas palavras do quanto foi grave!!!

Ou seja refere que não tinha a nocao que era tao grave como vim a perceber que era! Declarações prestadas pela assistente, ou seja não deu conta não se lembra não tinha a nocão soube por terceiros com versões diferentes ora pelo IML ora pelo inspetor da policia judiciaria ou seja meses após e que lhe da a consiciençia de que foi grave pelo facto de ter feito sexo anal?

4. Impunha-se ao abrigo do diposto no art 340 do C.P.P. aquilatar dos efeitos do álcool, sobre a capacidade cognitiva da assistente da sua memoria , pese o tribunal ter ouvido a perita não aquilatou de saber a quantidade de álcool a que estaria sujeita no momento da pratica dos atos tendo em conta a sua estatura peso e horário em que ingeriu bebidas, não tendo assimilado ou ingerido alimentos sólidos , sendo que desde as 6 não o fazia era possível quantificar e melhor esclarecer, o grau de álcool que então apresentava e retirar consequências do mesmo .

5.No caso dos autos restam versões contraditórias as da assistente e dos arguidos envolvidos que referem realidades contrárias não incompatíveis com sexo consentido.

Por conseguinte , Impugnam-se todos os factos assentes quanto á coautoria do crime pelo qual veio a ser condenado e todos os relativos a actos que traduzam co autoria nomeadamente com especial incidência nos pontos 16,17,18,19,20 21, 22,

 E ainda que permitem a conclusão dos demais, 23, 24,25,26,27,28,29,30, 40,41,42

 Prova de que se serviu o Tribunal as declarações da ofendida, da testemunha EE e da prova pericial.

As declarações da ofendida em vários momentos estão fabuladas por exemplo quando diz que só tomou consciência da gravidade quando a policia lhe disse que teve sexo anal, ou quando disse que soube pelo relatório do IMl, só aí dando relevo ao sucedido, estranhou e não se lembra de não ter sensibilidade, ao toque ao ato etc etc.

A prova pericial, no que tange a exame médico, o mesmo não revela lesões traumáticas, sangue eritema, hematomas, arranhões, inflamações ou outras lesões compatíveis com sexo abusivo forçado, muito pelo contrário.

O exame ao álcool efetuado à assistente prova que volvidas cerca de 6 horas após os factos apresentava taxa de álcool, não tendo ingerido bebida ou alimento pelo que se impunha aquilatar qual o grau que teria no momento da cópula, para aquilatar da sua capacidade de testemunhar ,muitas das vezes no seu depoimento remete para o que soube depois o que lhe disseram e refere que apagou , não sabendo como se despe, como vai para casa que fotos tirou com o arguido, como foi buscar a chave da casa que disse a EE etc etc e refere que apaga quando cai lembra se mais das caras que dos concretos atos!!!

Alguém com a compleição física do arguido 1.90, não precisava de terceiros para segurar a assistente nomeadamente a pessoa alegadamente com problemas evidentes de saúde incapacitantes, anão, manco torto, resulta da forma como era tratado, pela assistente, por outro lado não se percebe como tapa a boca o arguido à ofendida quando está a manter actos de sexo relevantes com a mesma, segurando no pénis introduzindo o esfregando na mesma conforme salientado nos factos assentes, respostas que não se encontram por incompatíveis com o processado.

 Alguém como a assistente, com experiência sexual, fascinada pelo menos por um do co arguidos figura publica ( das redes sociais), que não se inibe de praticar sexo em relações fortuitas, sem preconceito e que só deu relevância e considera grave porque descobriu que fez sexo anal por terceiros !

Prova que não permite a conclusão a que chegou, conforme adiantado os lapsos contradições omissões do declarado pela ofendida não permitem credibilizar.

 O declarado pela Sra. Perita sobre o álcool que a mesma apresentava pelas 12 h , é um dado que permite afirmar os pontos 5 e 6. Todavia insuficiente para aquilatar da capacidade de testemunhar, pelo que se impunha a realização de perícia, para quantificar no sangue qual o grau de ingestão tendo em conta a idade peso, ingestão de bebidas e horário da ingestão qual o grau de álcool que apresentava, o que nos permite concluir se foi grau superior ou não, e se se podia aferir ainda se alguém se apresenta-se alcoolizado, em grau superior ao constatado em quantidade que se desconhece , tem capacidade cognitiva ou não para aquilatar e memoriar o sucedido, ao ponto de criar a convicção a que chegou a o tribunal?

 …

Na 1ª. instância o Ministério Público respondeu, em conjunto, aos recursos interpostos pelos arguidos, …

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso apresentado pela Assistente, …

Os arguidos e ora recorridos responderam ao recurso do Ministério Público e da Assistente, …

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, …

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º., nº.2 do Código de Processo Penal .

Procedeu-se a exame preliminar, colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º., do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

II– Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

Assim, atendendo às conclusões extraídas pelos recorrentes da respetiva motivação do recurso, as questões a tratar são as seguintes:

            Do recurso do Ministério Publico

            - Erro de julgamento da matéria de facto;

            - Das medidas das penas aplicadas; 

Do recurso da assistente

            - Erro de julgamento da matéria de facto;

            - Da medida de substituição da pena de prisão;

            Do recurso do arguido BB

- Da indevida valoração das declarações prestadas em 1º. interrogatório de arguido, detido;

- Erro de julgamento da matéria de facto;

- Vícios do artigo 410º., nº1 alínea b) do Código de Processo Penal;

- Da violação do princípio in dubio pro reo;

- Do enquadramento jurídico penal dos factos;

- Da falta de fundamentação quanto a condição subjacente à suspensão da execução da pena.

- Da omissão de pronúncia;

            - Da violação do princípio da razoabilidade  relativamente à decisão de subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao dever de pagamento de parte da indemnização;

- Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão relativamente à decisão de suspensão da execução da pena de prisão mediante a condição imposta de pagamento de parte da indemnização;

(Do Pedido de indemnização civil)

- Do erro de julgamento da matéria de facto.

- Excessiva quantia arbitrada a título de indemnização.

Do recurso do arguido AA

- nulidade da sentença, por falta de fundamentação;

- Vícios do artigo 410º., nº1 alínea a) e b) do Código de Processo Penal;

- Violação do princípio do in dubio pro reo;

-  Da medida da pena aplicada; 

- Da suspensão da execução da pena de prisão.

III - Da decisão Recorrida

A decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:

                “(…)

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

Da acusação Pública:

1. O arguido CC …, à data dos factos abaixo descritos, era DJ, atuando em diversos locais, tendo sido contratado algumas vezes para atuar na discoteca …

2. Por já ali ter atuado antes, era conhecido da assistente, …, promotora daquele estabelecimento de diversão noturna, não mantendo, contudo, qualquer relação próxima.

3. No dia 21 de abril de 2023, o arguido CC encontrava-se no … Club …, a fim de atuar naquela noite, fazendo-se acompanhar pelo arguido AA (…), pelo arguido BB (…) e por FF (…).

4. Naquele local, encontrava-se igualmente a assistente … DD acompanhada de amigos, tendo cumprimentado e trocado algumas palavras com o arguido CC.

5. Nessa noite, a ofendida ingeriu bebidas alcoólicas em excesso, nomeadamente vodka com laranja, inicialmente em casa de um amigo, e, posteriormente, vários shots de vodka em bares e, após, no A... Club.

6. Por volta das 06h30m, a ofendida resolveu abandonar a discoteca, num estado de embriaguez notória.

7. A assistente perguntou ao segurança … se a podia levar a casa, tendo este dito que àquela hora não podia, pelo que resolveu aceitar a boleia oferecida pelo CC e seus acompanhantes.

9. No trajeto até à habitação da ofendida …, um dos indivíduos, referindo serem da zona do Porto, pediu-lhe para descansarem um pouco em sua casa.

10. Tal solicitação foi aceite pela ofendida, com a condição de pernoitarem na sala da habitação de estudantes, uma vez que residia num quarto.

11. Ali chegados, a vítima foi buscar as chaves da residência, que havia deixado em casa do vizinho e amigo …, tendo posteriormente se deslocado a pé para casa.

12. Após entrarem na residência da ofendida, os arguidos subiram até ao primeiro andar, onde a ofendida lhes indicou a sala onde iriam ficar.

13. De seguida, a ofendida deslocou-se sozinha até ao segundo andar e entrou no seu quarto para dormir.

14. Alguns instantes depois, quando a assistente já se encontrava deitada na sua cama, o arguido CC entrou no seu quarto e mantiveram relações sexuais.

15. A dado momento, a assistente pediu ao arguido, a chorar para parar e que estava maldisposta, altura em que o arguido saiu de cima da ofendida, interrompendo a cópula que estava a realizar e abandonou o quarto.

16. Logo de seguida, entraram no quarto da ofendida os arguidos AA, vindo este já sem calças e a exibir o seu pénis, e o BB.

17. O arguido AA colocou-se de imediato em cima da ofendida, que se encontrava deitada de barriga para cima, imobilizando-a com o peso do seu corpo, impossibilitando-a de resistir, e penetro o seu pénis ereto na vagina daquela, praticando coito.

18. Simultaneamente, o arguido BB apalpou os seios da ofendida.

19. Enquanto isso, a ofendida disse-lhes várias vezes que não queria e pediu-lhes para pararem.

20. Indiferentes a tais solicitações, o arguido AA tapou por diversas vezes a boca da ofendida com a mão, fazendo-lhe sinal com o dedo para se calar, e continuou a penetrá-la na vagina, friccionando o seu pénis, enquanto que o BB continuou a apalpá-la nas mamas e na vagina.

21. A cerca altura, os arguidos AA e BB quiseram virar a ofendida, de modo a alterar a posição sexual, momento que esta tentou fugir.

22. Porém, como se encontrava embriagada, a ofendida apenas conseguiu gatinhar sobre a cama onde estava deitada e acabou por cair para o chão do quarto.

23. Nisto, o arguido AA pegou na ofendida e voltou a deitá-la na cama, ao mesmo tempo que dizia ao arguido BB “ela está a bater mal, está toda lixada”, dizendo-lhe, no entanto, para continuarem.

24. Não obstante a noção do estado da vítima e da manifestação da sua vontade, o arguido AA deitou-se em cima da ofendida, exercendo força com o peso do seu corpo e introduziu o seu pénis ereto no ânus da ofendida, friccionando-o.

25. A ofendida apenas conseguiu pedir para pararem, o que repetiu por diversas vezes, mas o arguido o AA continuou a cópula e o coito anal, dizendo-lhe para se calar.

26. O arguido BB pretendeu também sair do quarto, mas o arguido AA disse-lhe para voltar, pelo que aquele permaneceu no quarto, continuando ao lado da cama, debruçado sobre a ofendida e apalpá-la em todo o corpo, nomeadamente nas mamas, nádegas e na vagina.

27. A certa altura, o arguido BB agarrou os braços da …, enquanto o arguido AA voltou a ficcionar o seu pénis no interior da vagina da ofendida.

28. Nesse momento, ofendida ficou petrificada, fechou os olhos e começou a chorar.

29. Após a cópula, o arguido AA pegou no telemóvel da assistente e perguntou-lhe pelo código de desbloqueio, em tom brusco, tendo a assistente, com receio pela sua integridade física, permitido o acesso ao seu telemóvel.

30. Seguidamente, o arguido AA acedeu ao telemóvel da assistente e apagou todas as fotografias que esta tinha tirado naquela noite, com exceção de duas, em que não aparecia.

31. O arguido BB disse à assistente para não chorar mais e que iam embora, dando-lhe um beijo na cara, sentindo-se a assistente muito humilhada.

32. Ambos os arguidos saíram do quarto deixando a vítima deitada na cama, a chorar e ensanguentada.

33. Após, os arguidos abandonaram apressadamente aquela habitação.

34. Incapaz de qualquer reação, a assistente permaneceu na cama até ser auxiliada por …, colega de casa.

35. Quando entrou no quarto da …, a … deparou-se com a mesma deitada na cama, em pânico e a chorar, estando os lençóis da cama ensanguentados, tendo a ofendida pedido que chamasse a polícia e dizendo que não tinha consentido nada, perguntando repetidamente: “porque é que me fizeram isto?”.

36. A … foi chamar a …, outra colega de casa, tendo ambas diligenciado pelo socorro à assistente, acionando o 112.

37. Posteriormente, a ofendida foi auxiliada por elementos da PSP e da Cruz Vermelha Portuguesa que a conduziram às urgências do CHUC.

38. Sofreu a ofendida dores, vergonha, humilhação, pânico e as lesões examinadas e descritas nos relatórios periciais, nomeadamente escoriação na face anterior do joelho medindo 3cmx2cm, rodeada de equimose arroxeada com 5cmx6cm, como tumefação mole subjacente, as quais determinaram direta e necessariamente 7 dias de doença, sem afetação da capacidade do trabalho geral ou académico.

39. Como consequência direta das condutas descritas perpetradas pelos arguidos AA e BB, a ofendida vive em pânico permanente, tem dificuldade em dormir, perdeu abruptamente peso, receia que os arguidos, diretamente ou por interpostas pessoas, possam atentar contra a sua integridade física e autodeterminação sexual e dos seus familiares e tentou pôr termo à sua vida.

40. Os arguidos AA e BB agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de vontades e mediante a concretização de um plano previamente elaborado e aceite por ambos, com o propósito de, através da força física, obrigar a DD a manter relações de cópula vaginal e coito anal com o arguido AA e, simultaneamente, constrangendo-a a ser apalpada pelo arguido BB na sua vagina, mamas e nádegas, aproveitando-se ainda, para o efeito, da sua superioridade numérica, assim satisfazendo os seus propósitos libidinosos.

41. Mais sabiam os arguidos AA e BB que praticavam tais factos contra a vontade da ofendida e quiseram aproveitar-se, como conseguiram, da fragilidade da ofendida estar manifestamente embriagada e sozinha no quarto, para lhe causar receio pela sua integridade física e, deste modo, sujeitá-la a sevícias sexuais.

42. Os arguidos AA e BB sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou:

66. O arguido AA foi condenado:

67. À data dos factos, AA vivia com a avó materna (…, proprietária do imóvel), a progenitora (de 62 anos) e a tia (…), configuração sócio familiar que mantém no presente e onde está maioritariamente inserido desde o nascimento, cuja dinâmica é avaliada como estruturada e afetiva.

69. O arguido trabalhava como barbeiro, …

87. Nada consta do seu CRC do arguido BB.

90. BB nasceu com problemas de saúde, nomeadamente escoliose e cifoescoliose grave.

91. O agregado familiar era constituído pelos progenitores, irmã mais velha, portadora de problemas de saúde idênticos ao do arguido, tendo falecido há cerca de 6 anos, e um irmão gémeo, atualmente, autónomo.

95. Desde 2021 que trabalha por conta própria, dedicando-se a fazer conteúdos digitais como influencer.

97. Coabita com os progenitores em casa própria (apartamento) de tipologia 3, dotado de adequadas condições habitacionais, inserido em meio caraterizado por uma vila do interior, ao qual não se associam problemáticas sociais relevantes, caraterizando-se as relações sociais pela proximidade e espírito de entreajuda, mantendo com os vizinhos relações de cordialidade.

98. A dinâmica familiar é caraterizada por laços afetivos sólidos entre os seus membros.

101. O arguido refere ter enquadramento laboral com contrato de prestação de serviços com a autarquia …

Da contestação do arguido BB:

104. O arguido tem um quadro de escoliose grave e consequente insuficiência respiratória crónica que lhe causa, desde que nasceu, grande debilidade física com grave atrofia muscular e um padrão respiratório restritivo e irregular.

 105. O arguido esta dependente de fisioterapia para viver, necessitando de diversos exercícios de reeducação postural, reforço muscular, bem como de cinesioterapia respiratória.

106. Tem uma elevado grau de fraqueza muscular, bem como considerável incapacidade e debilidades motoras.


Do pedido de indemnização civil:

111. … a ofendida sentiu revolta, nojo, e um medo tão intenso que a deixou paralisada.

112. Nos dias que se seguiram após os factos acima descritos a ofendida recordava dia e noite o que os arguidos lhe fizeram.

113. Sentindo grande ansiedade, frustração e revolta por não se recordar completamente de todos os momentos e situações a que foi sujeita.

114. Nas primeiras duas semanas não conseguiu comer e pouco saía de casa, sentindo muita dificuldade em alimentar-se.

115. Teve dores no corpo, nomeadamente nos braços, provocadas pelos demandados.

116. Sentiu medo de reencontrar os arguidos e que estes atentassem contra a sua integridade física.

117. Durante estas duas semanas o arguido CC, por si ou por interposta pessoa, telefonou várias vezes para a ofendida e para a irmã desta, …, aumentando o medo que a ofendida sentia em sair de casa e reencontrá-los.

118. Nos meses que se seguiram, a ofendida pensava de manhã à noite no sucedido, sentindo-se frustrada por não conseguir recordar-se de todos os momentos dos factos de que foi vítima.

119. Não conseguia dormir continuamente durante a noite e, durante os meses seguintes, tinha pesadelos com os atos de que foi vítima.

120. E tinha frequentemente ataques de pânico.

121. A 20 de outubro de 2023, após ter tido conhecimento, através do processo, que também tinha ocorrido coito anal, a ofendida vivenciou um estado de ansiedade e desespero tão intenso que tentou suicidar-se com a ingestão de 15 (quinze) comprimidos VICTAN.

122. Em consequência dos factos acima descritos perpetrados pelos arguidos AA e BB a demandante tornou-se uma pessoa triste, receosa e desconfiada, vive com medo e híper-vigilante.

123. Devido aos factos perpetrados pelos arguidos AA e BB, a demandante só consegue dormir com luz.

126. Tem medo de andar sozinha na rua.

127. Nos espaços públicos está constantemente em alerta com as pessoas em seu redor (para averiguar se são os arguidos).

128. Sente desconfiança e medo quando é abordada por pessoas que não pertencem ao seu círculo familiar e social mais próximo.

129. O estado de híper-vigilância e ansiedade em que vive causam-lhe dificuldade de concentração no seu dia-a-dia, principalmente durante os estudos.

130. Sente-se desconfortável, por vergonha, junto de colegas e outras pessoas que sabem do que lhe aconteceu.

133. A demandante tem tido acompanhamento psiquiátrico e psicológico.

***

*

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Com efeito, não se provou que:

Do pedido de indemnização civil:

**

*

Motivação da Decisão de Facto

Os factos dados como provados assetam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida em julgamento.

Vejamos em pormenor.

Em audiência de discussão e julgamento os arguidos AA e BB optaram por não prestar declarações, tendo o Ministério Público requerido a leitura ou a audição das declarações que prestaram em primeiro interrogatório judicial, perante JIC. Tal pedido foi defiro, e, por motivos técnicos, não conseguimos ouvir as declarações prestadas por estes arguidos, mas as mesmas encontram-se transcritas nos autos, sendo por isso, prova constituída a valorar em sede de acórdão final.

Em suma, o arguido AA invocou que as relações sexuais que manteve com a assistente foram consentidas e que esta só manifestou o seu desagrado quando o arguido BB apareceu no quarto.

O arguido BB declarou que nada fez no corpo da ofendida, só foi ao quarto pedir ao arguido AA para irem embora.

O arguido CC prestou declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, dizendo que efetivamente teve relações sexuais com a assistente naquela noite e que as mesmas foram consentidas.

Basta uma leitura atenta das declarações prestadas pelos arguidos AA e BB e as declarações prestadas pelo arguido CC em julgamento para se perceber que as versões dos factos não são coincidentes.

Quando tentámos ouvir a gravação das declarações para memória futura da assistente constatámos que as mesmas não eram percetíveis e que grande parte das frases estavam cortadas e na transcrição efetuada também estavam muitas frases cortadas, pelo que optámos por ouvir de novo a assistente em sede de audiência de discussão e julgamento.

            Podemos, então, afirmar que acreditámos na sua versão dos factos. A sua espontaneidade, a sua frontalidade e capacidade de relatar os factos fez com que acreditássemos naquilo que nos contou.

                Todavia, a mesma admitiu que estava embriagada, o que sabemos que é verdade, apesar de a defesa se ter esforçado para tentar provar o contrário, pois é um dado objetivo que a mesma, no dia dos factos, em 21.04.2023, pelas 12.00 horas, tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,04 g/l (com uma margem de calibração de +- 0,13g/l), conforme resulta do documento de fls. 200 verso e nos foi explicado pela perita médica - …. Significa isto que, se a assistente, pelas 12.00 horas, tinha a taxa de no sangue indicada – com uma margem de variação para cima e para baixo de +- 0,13 g/l, ou seja, tinha uma taxa de álcool no sangue situada entre 0,91 g/l a 1, 17 g/l, às 6 da manhã -, teria uma taxa muito superior à hora da prática dos factos. A assistente estava alcoolizada e a prova pericial é irrefutável a este propósito.

                Com isto queremos dizer quer acreditámos nas declarações da assistente naquilo em que ela não tinha dúvidas, naquilo em que ela se lembrava verdadeiramente, pois é verdade, como a própria admitiu, que há momentos de que não tem memória, não se recorda (basta atentar que a mesma não se lembrava da prática de coito anal e os exames perícias demonstram que ocorreu, pois revelou a existência de perfil genético do arguido AA no canal anal da ofendida – cf. fls. 604) e há outros momentos em que tem dúvidas de como efetivamente os factos ocorreram.

Aqui chegados, adiantamos, desde já, que, na parte em que a assistente teve dúvidas ou que prestou declarações de forma mais titubeante, ficámos com sérias dúvidas relativamente aos factos e, por isso, fizemos apelo ao princípio constitucional In dubio pro reu.

Os Agentes da PSP … que se deslocaram ao local, quando a assistente já estava a ser assistida pelo INEM, confirmando que a mesma estava muito chorosa, em choque e até apática, embora tenham conseguido falar com ela.

Ora, certamente estes depoimentos corroboram a versão da assistente, na medida em que confirmam o seu estado logo após os factos, não tendo dúvidas que tinha sido vítima de um crime grave.

** (…)”

IV - Do mérito dos recursos

Considerando a natureza das questões suscitadas e a necessidade da sua  abordagem lógica e do reflexo no objeto das seguintes impõe-se a sua apreciação por ordem distinta da enunciação recursiva.

Importa referir que é possível proceder à apreciação conjunta dos recursos, tendo em conta que há questões comuns aos vários recursos,  particularizando onde se tornar necessário.

 (da nulidade do acórdão, por falta de fundamentação)

Veio o recorrente AA … arguir a nulidade da sentença /acórdão, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 374º., nº.2 e 379º., nº.1 alínea a ( e não  alínea b) como refere, certamente, por lapso) do Código de Processo Penal.

Nos termos do disposto no artigo 379º., nº1  alínea a) do Código Processo Penal, que é nula a sentença quando “  não contiver as menções referidas no nº. 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º. ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º.-A e 391º.-F;”

Por sua vez, estabelece o artigo 374º., Código de Processo Penal:

“ 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

A fundamentação da sentença/acórdão prevê a enumeração dos factos que consiste na explanação dos factos considerados provados e dos factos que não resultaram provados, por referência à factualidade narrada na acusação ou pronúncia, na contestação, e no pedido de indemnização.

Acrescerá, sendo caso disso, os factos que resultaram da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão, no respeito do princípio da vinculação temática e sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos,  incluindo-os, expressamente, no elenco dos factos provados ou não provados.

Desta obrigação estão excluídos os factos inócuos, conclusivos ou conceitos de direito e os que se mostram prejudicados com a solução dada a outros, por representarem mera infirmação ou negação de factos constantes do elenco dos factos provados ou não provados, mesmo que alegados pela acusação e/ou pela defesa.

Em suma, o tribunal do julgamento só tem de pronunciar-se sobre os factos que revistam interesse para a decisão da causa.

Decorre igualmente do sobredito artigo 374º., nº2, que a exposição dos motivos sobre os factos que fundamentam a sentença deve conter, de modo “conciso” mas suficiente, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, isto é, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros.

Como se esclarece, de forma lapidar, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora,  de 19/10/19, processo nº.10/18. 1GBFTR.E1, “ O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. (…) Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.”

Percorrendo a fundamentação constante do acórdão recorrido verifica-se que a mesma  enuncia  suficientemente os factos provados e não provados e a respetiva subsunção ao direito aplicável, as provas que serviram de suporte à convicção formada e procede ao respetivo exame crítico, isto é indicou  as razões estruturantes da convicção -(de que forma a prova contribui para convencer o tribunal do acontecimento da vida que lhe foi dado a julgar e que de facto importa) – em termos consentâneos com as regras da experiência comum e da lógica racional.

No caso vertente, pese embora o recorrente não o considere decorre da fundamentação, no seu conjunto, de que forma foi obtido o raciocínio quanto a conduta levada a cabo pelos arguidos, sendo certo que a discordância do recorrente quanto à ponderação dos meios probatórios não consubstancia esta nulidade.

Posto isto, improcede esta pretensão.

(Declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial)

O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório, artigo 32º., nº5 da Constituição da República Portuguesa.

Preconiza o artigo  355º. do Código Penal:

“1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.”

Prescreve o artigo 357º. do Código Penal:

“1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:

(…)b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º”

            Subjacente a estes normativos legais está a garantia do direito de defesa dos arguidos e o conhecimento por parte dos sujeitos processuais dos meios de prova suscetíveis de concorrer para a formação da convicção do tribunal, possibilitando, assim, o exercício do direito ao contraditório indispensável à boa decisão da causa.

Perscrutados os autos verificamos que o arguido BB …, devidamente advertido, optou por não prestar declarações, na audiência de discussão e  julgamento, exerceu o direito ao silêncio consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e concretizado na lei adjetiva penal no artigo  61.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.

Tal direito apresenta-se como corolário do princípio da não auto-incriminação dos arguidos, designado como nemo tenetur, assente na ideia de que ninguém está obrigado a contribuir para a sua própria incriminação, não recaindo sobre eles o dever de colaborar na descoberta da verdade material.

Ora, em face da posição do arguido, foi pelo Ministério Público, no decurso da audiência de discussão e julgamento, requerida a leitura/reprodução das declarações por ele prestadas no decurso do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, ao abrigo do artigo  357º., nº1 alínea b) do Código de Processo Penal.

O requerimento foi apresentado pelo Ministério Público, na presença do arguido e do seu ilustre mandatário.

Conforme consta da análise das actas de audiência de discussão e julgamento, mormente do dia 3/09/2024, tal requerimento foi deferido pelo tribunal a quo. Procedeu-se à reprodução das declarações do arguido prestadas em sede de 1º. Interrogatório judicial, porém, as dificuldades técnicas de funcionamento do sistema áudio da sala de julgamento afetaram a audição plena e cuidada da gravação de tais declarações. Conforme assinalado na acta de 20/09/2024, o tribunal comunicou a todos os sujeitos processuais que procedeu a tal audição, que a mesma apenas é possível com recurso a auriculares; que a gravação em causa se mostra disponível no Citius para consulta/audição pelos sujeitos processuais; bem como as transcrições de tais declarações constantes dos autos são a reprodução fiel do conteúdo das gravações, estando também essas transcrições disponíveis nos autos para eventual consulta pelos sujeitos processuais, dando conhecimento aos sujeitos processuais da ponderação desse meio de prova na formação da convicção do tribunal.  

            Como se nota não há omissão pura e simples dessa prova na audiência de julgamento, pois, as declarações anteriormente prestadas em 1º. interrogatório foram apresentadas como prova na audiência de discussão e julgamento perante o arguido, bem como do seu ilustre mandatário, em vista ao exercício das garantias de defesa e do direito de contraditório.

Assim, neste contexto, o arguido tomou conhecimento que as declarações por si prestadas integravam meio de prova suscetível de ser valorada pelo tribunal a quo e teve oportunidade de exercer o contraditório, apresentando e produzindo as provas convenientes em relação ao conteúdo da prova integrada por essas declarações prestadas em 1ª. interrogatório de arguido detido, antes da prolação do acórdão que conheceu, a final, do objeto do processo.

Donde, não se mostra postergado o direito do arguido de se defender e contrariar essa prova, nomeadamente no  decurso da audiência de julgamento.

Diferente seria, porém, a situação em que o arguido fosse surpreendido na decisão final com a valoração de tais declarações, sem que tivesse tomado conhecimento na audiência de  discussão e julgamento nem inteirado da sua importância e do seu valor probatório,  nem se mostrar garantido o acesso à reprodução por auriculares, com vista a escrutinar e requerer o que entendesse por conveniente sobre elas, e com desrespeito pelo princípio do contraditório e da imediação subjacente ao conteúdo da norma do artigo 355º. do Código de Processo Penal. O que não foi o caso.

Ora, e a nosso ver, nada disso sucede no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência  nº. 5/2023,  D.R nº.111/2023, Série I de 2023-06-09, que tratou, diretamente, de uma situação em que o arguido foi surpreendido na decisão final, com a valoração das declarações, sem lhe ter sido dada a oportunidade de exercer o contraditório, apresentando e produzindo as provas convenientes em relação ao conteúdo da prova integrada por essas declarações.

No caso vertente o  arguido teve a possibilidade de discutir e contrariar  as declarações prestadas em 1º. interrogatório judicial de arguido detido, mas optou, certamente, na sua estratégia de defesa, por não o fazer.

Assim, improcede este segmento do recurso.

(Do erro de julgamento da matéria de facto )

Como decorre do disposto no artigo  428º. do Código de Processo Penal, as Relações, em sede de recurso, conhecem de facto e de direito.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: i) no âmbito, mais restrito, a chamada revista alargada, abrange os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ii) ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.

Na primeira modalidade a apreciação dos vícios decisórios  restringe-se ao texto da decisão, na segunda alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento.

Não obstante este duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, o legislador não pretendeu que se procedesse, no Tribunal “ad quem “, a um novo julgamento, com a repetição da prova já produzida em 1ª instância, como se não tivesse havido julgamento,  nem uma limitação do princípio da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, artigo 127º. do Código de Processo Penal, visto que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o Tribunal de recurso não pode já recorrer.

E pacificamente entendido, quer na jurisprudência, quer na doutrina, que o recurso da matéria de facto destina-se tão só e apenas a corrigir eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova.

Deste modo, para que o Tribunal “ad quem” se possa pronunciar sobre a prova produzida, sem que tal implique um novo julgamento  em 2ª. instância, impende sobre a parte o dever de um preciso ónus da especificação.

A propósito da impugnação da matéria de facto em sentido amplo o legislador é claro na exigência de uma tríplice especificação, nos termos do artigo 412º. do Código de Processo Penal, a saber:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364º. devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, nos termos do n.º 6 do artigo 412º. do Código de Processo Penal.

A especificação dos concretos pontos de facto, “só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da decisão  recorrida e se considera incorretamente julgado”, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art.º 412º., pág. 1144).

Quanto  à especificação das provas concretas este ónus “só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art.º 412º., pág. 1144.

Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essas provas impõem decisão diversa da proferida. Ou seja,  implica não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas impõe-se que este relacione o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa com o facto individualizado que considera incorretamente julgado, procedendo o tribunal “ad quem” à correção da decisão, se for caso disso.

A reapreciação da prova só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respetivo reexame se concluir que as provas mencionadas são inequívocas no sentido de “impor” uma decisão diversa da que foi tomada, não se trata de “permitir” uma outra decisão.

É evidente que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, porque está fora de questão uma alteração na matéria de facto quando o recorrente visa tão só sobrepor a sua interpretação da prova.

À luz destas considerações teóricas analisemos, então, o caso dos autos. 

 ( Do recurso do Ministério Público)

Defende o Ministério Público os factos consignados nos pontos 14, 15, 24, 26 e 40  do elenco dos factos provados devem ser reformulados e, por outro lado, os factos não provados identificados pelas alíneas c), d), e), h), i), j) e k) devem ser dados como provados.

Como já dissemos o Tribunal de recurso não vai fazer um novo julgamento, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, portanto, é absolutamente necessário que o recorrente estabeleça a necessária conexão entre cada um dos factos impugnados com o  conteúdo específico de cada um dos meios de prova indicados e explicite por que razão essa a prova impõe decisão diversa da recorrida.

A falta de cumprimento deste ónus implica, sem possibilidade de aperfeiçoamento, a rejeição do recurso, uma vez que essa deficiência se deteta também na motivação e esta é insuscetível de correção por via do convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 417º., nº. 3, do Código de Processo Penal.

( Do recurso da Assistente)

Na sua peça recursiva veio a Assistente impugnar  os factos  constantes das  alíneas  c, d, h, i, j, k, l, m, do elenco dos factos não provados, o que também nos coloca no campo da impugnação ampla da matéria de facto.

Como provas indica as declarações por si prestadas que, contrariamente ao entendimento do tribunal são seguras e as declarações do arguido CC que são inconsistências.

Vejamos, então, se lhe assiste razão, sempre tendo em mente as considerações acima expendidas.

No caso dos autos, analisada a motivação e as conclusões do recurso, verificamos que a recorrente indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido mal julgados,  os meios de prova, as mensagens de fls. 432, cujo segmento relevante transcreve, as declarações por si prestadas e as do arguido CC, transcrevendo as partes das passagens das declarações que fundamentam a impugnação.

No caso, admite-se que se possa sustentar que estando os factos interligados (sem prejuízo dos factos relativos ao dolo e culpa da conduta  serem decorrência do conjunto da materialidade objetiva assente analisada à luz das regras da experiência comum) e os meios probatórios indicados  as  mensagens de fls. 432, cujo segmento transcreve, as declarações por si prestadas e as declarações do arguido, transcrevendo também as partes relevantes das passagens das declarações que suportam o seu entendimento, o fossem a todos os pontos, cumprindo, minimamente, ainda que de forma algo imperfeita as exigências da impugnação ampla.

À luz dos anteriores considerandos, perante o que vem alegado, e após a audição e ponderação das declarações da vítima e do arguido, das missivas  de fls. 432, concluímos que a nossa convicção acerca dessa materialidade não diverge daquela que o tribunal a quo alcançou e exprimiu no acórdão recorrido.

 (Do recurso do recorrente BB)

O recorrente BB põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída no acórdão recorrido, sustentando que ocorre erro de julgamento que integra no artigo 410º., nº2 do Código de Processo -(II conclusões)-, mas apela a prova produzida na audiência de discussão e julgamento ou seja à impugnação a que se refere o artigo 412º., nº3 do Código de Processo Penal.

Assim, importa apreciar a questão suscitada em sede de impugnação ampla da matéria de facto, independentemente da errada subsunção à norma do artigo 410º., nº.2 do Código Penal.

Nesta decorrência impugna o acervo fáctico constante dos pontos 3, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 31, 32, 33, 35, 38, 39, 40, 41, 42, 111, 112, 115, 116, 121, 122 e 123 da matéria de facto considerada como provada.

Escrutinada a prova constante dos autos, especialmente a  indicada pelo recorrente, assim como, analisada a motivação que alicerça a decisão recorrida, por forma a verificar se as conclusões alcançadas pelo tribunal a quo, a partir da prova que valorou, se mostram razoáveis ou se, eventualmente, as provas convocadas pelo recorrente impõem” decisão diversa - alínea b) do nº3 do artigo 412º.

Assim:

Assim, não restam dúvidas que, aquando da ida ao hospital, a vítima apresentava a taxa de álcool estimada entre 0,91g/l a 1,17g/l,  e também é fácil de inferir que, aquando dos factos, tinha uma taxa de álcool no sangue superior à detetada no exame realizado precisamente quatro a cinco hora após os factos.

No entanto, o facto da vítima falar ao telefone e concomitantemente caminhar, sem apresentar marcha descoordenada ou incapacidade de se situar corretamente no espaço não significa, necessariamente, que a situação de embriaguez não fosse notória. É claro que os efeitos do álcool dependem da quantidade ingerida, porém, nada permite concluir que a vítima estivesse com uma intoxicação aguda e severa, no sentido que pode causar perda de equilíbrio, de compreensão e de discernimento.

Além disso, o arguido pretende com a redação sugerida ao ponto 6 – (ingeriu bebidas alcoólicas em excesso) - ver aditada afirmação de cariz conclusivo ou redundante, pois, já consta do elenco dos factos provados a concreta taxa de álcool no sangue que a vítima apresentou após os factos.

Em face do que fica dito, nada há a alterar ao decidido, como resulta fácil de concluir, sendo que a convicção do tribunal a quo foi devidamente alicerçada em prova consistente e não contrária as regras da experiência comum.

Propugna o recorrente pelo aditamento de um novo facto com o seguinte teor: “ Foi a própria assistente que procurou pelos arguidos, aquando da saída da discoteca “…”, visto que, esta remeteu uma mensagem escrita, através da rede social Instagram, …, “Estão aí fora?”, como resulta de fls. 431 dos autos.”

Da expressão  com o teor  “estais aí fora”  extrai-se tão só que a vítima queria saber se os arguidos já estavam no exterior da discoteca, tendo em conta que o arguido CC tinha-se oferecido para deixá-la em casa e, pretendia, naturalmente,  saber para onde se devia dirigir.

Ademais, não se alcança a relevância para o esclarecimento das agressões sexuais levadas a cabo pelo arguido e ora recorrente, já que permitir que um conhecido a conduza a casa não é sinónimo de permitir uma agressão sexual.  

Efetivamente, não basta a invocação de uma mera expressão desgarrada do contexto é necessário  mostrar que essa prova,  no confronto com os elementos probatórios valorados pelo julgador, tem força impositiva, o que, no caso, não ocorre.

É ponto assente que o arguido  e ora recorrente BB tem um problema de saúde grave. Sofre de escoliose e cifoescoliose doença que limita a capacidade de realizar esforço, mas a circunstância de uma pessoa apresentar este problema de saúde, com carácter de permanência e incapacitante, com elevado grau de fraqueza muscular, não significa que ocorra “perda total” de força muscular por afetação da comunicação entre os nervos e músculos.

Parece-nos importante lembrar que a prova da incapacidade/impossibilidade de realizar força tem de ser efetuada por pessoa com conhecimentos médicos consistentes para fazer diagnósticos médicos desta patologia congénita que demonstrem com precisão e rigor tal incapacidade.

Vale isto para dizer que, contrariamente ao afirmado na peça recursiva, da prova indicada não decorre que a doença lhe confere uma incapacidade total de segurar ou exercer pressão sobre os braços da vítima, tanto mais que não resulta que a ação levada a cabo tivesse sido de tal forma intensa e incomportável com a sua forca muscular residual, ao que acresce que, atuando nas descritas condições espácio-temporais, aproveitou-se da atuação conjunta e do estado de embriaguez da vítima que a impossibilitava de oferecer resistência eficaz às investidas dos arguidos.

É importante lembrar que o erro de julgamento não se confunde com a divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou.

A circunstância da vítima registar, em momento anterior, a toma de 10 comprimidos para tratamento homeopático e ingestão de álcool, não se mostra inconciliável com o risco de suicídio ou o seu agravamento associado ao evento traumático vivido em consequência da agressão dos autos.

E, por seu turno, o facto do relatório  pericial  de criminalística biológica ter sido remetido para a polícia judiciária no dia 21/08/2023, não permite inferir que a vítima tomou conhecimento do seu teor nessa data ou em data muito anterior ao mês de Outubro.

Na verdade, uma coisa é a comunicação do relatório às autoridades de polícia judiciária e outra, distinta, é o conhecimento do seu teor por parte da vítima.

Resulta também dos elementos clínicos juntos aos autos que o episódio da tentativa de suicídio,  ocorrido no dia  20.10.202, teve como causa “ o aumento de pressão e ansiedade, relacionado com agressão física e sexual há 3 meses. Saiu à noite e discutiu com o namorado”.

É, pois,  justificada a asserção que o tribunal extraiu deste elemento probatório para considerar o episódio da agressão sexual desencadeante do aumento de pressão e ansiedade  do comportamento suicida.

Também não é legítimo desacreditar relatórios apenas porque aí se opina com  base no relato da vítima, porquanto, o estado mental, a identificação de padrões de sintomas emocionais e comportamentais passam por perguntas dos profissionais de área sobre o historial da vítima, a condição mental e os sintomas apresentados para identificar fatores de risco.

Ademais, não resta qualquer dúvida, face aos depoimentos das testemunhas, notoriamente emotivos, mormente da mãe e do primo da vítima, que a agressão sexual teve um forte impacto na vida da vítima, com alterações comportamentais na sua esfera psicológica, emocional, moral e mental, apresentado distúrbios do sono, perda de apetite, medo da escuridão, insegurança, pouca vontade de viver, dificuldade em gerir o evento traumático,  necessitando de acompanhamento especializado ao nível da psicologia e da psiquiatria.

A vítima tem medo dos arguidos,  tem ataques de pânico quando avista indivíduos que têm semelhança física com os mesmos, teme pela sua integridade física e autodeterminação sexual e da sua irmã, que vive em local próximo da residência dos arguidos, sentimentos próprios de quem vivenciou um evento marcadamente traumático.

É desprovido de fundamento pretender infirmar esta materialidade pelo facto do recorrente e os seus familiares, após o evento traumático, não terem encetado qualquer diligência com vista a contactar ou pressionar a assistente, já que o facto de se sentir ameaçada pelos arguidos radica, precisamente, na agressão física, psíquica e sexual que sofreu às mãos destes. 

Nenhum reparo merece a factualidade dada como assente, pois, que estribada na prova testemunhal, apreciada segundo o critério da livre apreciação do julgador e as regras da experiência comum, alicerçada também nos elementos clínicos juntos aos autos.

Examinada a prova, mormente a indicada pelo recorrente extrai-se, com clareza, que este entende que existe erro de julgamento porque o Tribunal a quo teve uma interpretação diferente daquele que o próprio fez da prova produzida na audiência de julgamento.

A prova convocada pelo recorrente não impõe, de forma alguma,  decisão diversa, embora pudesse eventualmente permitir, na opinião da recorrente, bem entendido, uma decisão em sentido diferente.

Por fim, sempre se dirá que o facto da vítima se relacionar sexualmente com outros homens não significa, como parece entender o recorrente, que consinta em qualquer agressão sexual que signifique violação. Mais tal conduta também não é suscetível, quer por si só quer na concatenação da prova produzida, infirmar, no quadro das circunstâncias dos autos, a existência de relações sexuais forçadas ou suscitar dúvida razoável no julgador para justificar o recurso ao princípio do in dubio pro reo.

Também os agentes da autoridade descreveram o estado em que encontraram a vítima - muito nervosa, angustiada, perturbada, tendo sido transportada para o hospital .

Ademais, num quadro de lógica e da normalidade das coisas, não se compreende o comportamento dos arguidos, o que de alguma forma infirma a tese de relações sexuais consentidas, pois que abandonaram o local apesar do choro compulsivo e perturbação da assistente sem lhe prestar qualquer auxílio nem providenciar por tal.

Em suma, ao contrário do propugnado no recurso, não tendo subsistido ao tribunal qualquer dúvida insanável e razoável sobre os factos que decidiu considerar provados, inexistiu fundamento para convocar o princípio do in dubio pro reo.

Dos vícios, artigo 410º., nº2 do Código de Processo Penal.

Sustentam os recorrentes que o acórdão  sob censura enferma dos vícios previstos no artigo 410º., nº2 alínea a) e b)  do Código de Processo Penal.

Estatui este artigo 410.º, sob a epígrafe, “Fundamentos do recurso”,  que:

“1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”

Segundo o recorrente BB a decisão enferma de contradição insanável entre os factos provados nos pontos  6 e 41 dos factos provados e a alínea j) dos factos não provados.

Ora, no caso, não detetamos contradições entre estes factos os quais são compatíveis dentro da perspetiva da lógica da decisão, tanto na coordenação possível dos factos como nas respetivas consequências.

Por seu lado, o arguido e o recorrente AA  invoca, para sustentar a sua discordância relativamente a parte da decisão de facto, o artigo 410.º, n.º 2, al. a) e b), do  Código de Processo Penal, quer dizer: a  insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (a) ; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (b).

A invocação dos aludidos vícios assenta na seguinte alegação: “ constatados os efeitos do álcool, não diligenciou o Tribunal para aquilatar da capacidade de testemunhar o sucedido da sensibilidade que possuía e da capacidade de memoria, fabulação, confusão mental o que até se patenteia nas declarações por esta prestadas. (…)  Impunha-se ao abrigo do disposto no art 340 do C.P.P. aquilatar dos efeitos do álcool, sobre a capacidade cognitiva da assistente da sua memória , pese o tribunal ter ouvido a perita não aquilatou de saber a quantidade de álcool a que estaria sujeita no momento da prática dos atos tendo em conta a sua estatura peso e horário em que ingeriu bebidas, não tendo assimilado ou ingerido alimentos sólidos , sendo que desde as 6 não o fazia era possível quantificar e melhor esclarecer, o grau de álcool que então apresentava e retirar consequências do mesmo” - (transcrição com ressalva de erros ortográficos), bem como alude à ausência da diligência de recolha dos fotogramas eliminados por este arguido do telemóvel da vítima.

Tendo em conta a definição legal deste vicio é manifesto que o recorrente incorre num equívoco ao invocar a suposta omissão de diligências probatórias por parte do tribunal, nos termos do artigo 340º. do Código de Processo Penal, mormente a realização do sobredito relatório de perícia, já que este vícios do artigo 410º. não se enquadra na omissão de diligências probatórias.

Toda a argumentação inserta nas conclusões e na motivação do recurso a respeito deste vício nem sequer faz sentido no contexto de um vício decisório que deve detetar-se sem recurso a elementos externos à própria decisão.

Em rigor, uma coisa é a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e outra coisa é a insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto que o tribunal considerou provada.

Do que se trata, na primeira, é de um erro vício e,  na segunda, de um erro de julgamento. Tratam-se de situações distintas que o recorrente confunde.

Acresce ainda que saber se um depoimento prestado em audiência de julgamento merece ou não credibilidade não pode escapar ao crivo do julgador apoiado nos princípios da imediação e oralidade e pelas regras de experiência e normalidade do acontecer. Essa é uma tarefa que cabe ao julgador, no âmbito da valoração da prova, e não a um perito que não lhe permite afiançar que quem que seja fala ou não a verdade em função da taxa de álcool no sangue.

Quanto ao apuramento da quantidade de álcool no sangue de um individuo é realizada através de exames de pesquisa de álcool ou de exame sanguíneo.

Ainda assim sempre diremos que, a Sra. Perita compareceu na audiência de discussão e julgamento para prestar informações e esclarecimentos sobre o seu laudo, caso o arguido, representado pela sua ilustre mandatária, que assistiu à produção de prova, entendesse que estavam a ser omitidos esclarecimentos cabia-lhe solicitar os mesmos, no próprio ato, o que não fez.

Mais, se refira que  a quantidade de etanol no sangue  que a vitima apresentava não é de menosprezar, mas não é de molde a gerar um estado que impossibilite alguém de não ter capacidade e discernimento para perceber o que a rodeia e estava a acontecer.

Também a suposta omissão da diligência de recolha dos fotogramas do telemóvel não integra este vício decisório, tendo em conta que o recorrente alude a elemento absolutamente estranho ao texto da decisão.

De qualquer modo, se essa recolha dos fotogramas se mostrava relevante e/ou abonatórios, no entender da defesa, obviamente, porque não diligenciou nesse sentido, sendo certo que os sujeitos processuais tem o direito de requerer a produção de prova até às alegações finais que se repute, obviamente, imprescindível à boa decisão. 

Atente-se ainda que o tribunal deve ordenar a produção de todos os meios de prova mas este poder - dever de investigação oficiosa encontra-se circunscrito às provas que, efetivamente, sejam necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa face aos elementos probatórios insertos nos autos, tendo em conta que os meios de prova a produzir não são levadas à exaustão sofrem as naturais limitações impostas pelos princípios da necessidade e da adequação, sob pena de entorpecer o processo.

Dito isto, ao invocar este vício o recorrente pretende manifestar a sua divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal “a quo” por entender inexistir prova dos factos provados.

Improcede, pois, este segmento do recurso.

Passemos, agora, ao vício subsequente da alegada contradição insanável o qual supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e a respetiva fundamentação, são vícios da decisão, nada têm a ver com a discordância sobre a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal, …

Em conclusão do que fica dito, verifica-se que os factos provados são suficientes para suportar a decisão de direito a que se chegou e, por outro lado, não se  divisa qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão.

Em rigor o que o recorrente AA pretende com a invocação dos vícios previstos no artigo 410º., do Código Penal é sindicar a apreciação da prova produzida em 1.ª instância.

Acontece, porém, que o recorrente alega que impugna todos os factos  em que “se diz contra  a sua vontade, sem o seu consentimento e ou com constrangimento” e “todos os que traduzem a coautoria, …

Assim sendo, a peça recursiva, na sua integralidade, está longe de cumprir o ónus de especificação, tal como exige o artigo 412º. nº.s 3,4 e 6 do Código de Processo Penal,  para ser conhecida como impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, .

Ora, a  falta de cumprimento deste ónus implica a rejeição do recurso, sendo certo que, tal omissão, que se verifica também na motivação de recurso, não é suscetível de ser suprida, por via do convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 417º, n.º 3, do Código de Processo Penal, estando-se perante uma insuficiência do próprio recurso que impede este Tribunal de conhecer da impugnação ampla da matéria de facto.

Por fim, não se divisa qualquer erro notório na apreciação da prova que determina uma decisão irracional, ilógica e irrazoável. A decisão mostra-se, na sua regularidade formal, lógica, coerente e racional.

 No concernente à alegada violação do princípio in dubio pro reo, pelo recorrente …, não se deteta que o tribunal a quo tenha  chegado a um estado de dúvida  insanável e que, face a ele, optou pelo sentido desfavorável ao arguido.

Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

                                               *

Mostrando-se estabilizada a matéria de facto, cabe avançar para a apreciação das questões de direito.

                                               *

Importa, desde logo, apreciar a peça recursiva do arguido e ora recorrente AA relativamente a este segmento do recurso.

Em sede conclusões invoca este recorrente que “a manter-se o decidido deve a pena ser reduzida não tendo o arguido sido sujeito a testes de alcoolemia mas resultando que estaria alcoolizado, desconhecesse o grau de afetação das suas capacidades cognitivas no seu discernimento para avaliar a sua conduta e até eventual excesso ou omissão, mas em obediência ao principio in dubio pro reo absolver-se, e se assim não se entender deve diminuir-se a pena no seu quantum devendo considerar se o conjunto de atenuantes que devem ser consideradas, veja-se que quem a conhecia era o CC que a conduz a casa que sobe com ele que se encontra com ela e que os atos praticados ocorrem fora de horas num contexto propício a um eventual equivoco, mas não decorre dentro do tipo legal agravativo que justifique em conjugação com a sua condição pessoal de relações afetiva e duradoiras, de relação presente sólida de capacidade de avaliar condutas a evidente integração social e familiar conjugada com ausência e percurso de vida adaptado ao direito e á norma. E os valores em sociedade, de filho dedicado, criado sem pai inserido familiarmente trabalhar impunha-se uma redução de pena e a suspensão a sua execução por período a determinar, mas que desde já se admite de 5 anos, assim se fazendo melhor justiça.”(transcrição com ressalva dos erros ortográficos).

Por sua vez, na motivação do respetivo recurso a única norma que invoca é o artigo 40º. do Código Penal relativo às finalidades das penas, mas sem qualquer fundamento concretamente invocado para ponderar o seu incumprimento, limitando-se a tecer considerações doutrinárias sobre as finalidades visadas pelas penas, socorrendo das palavras de Figueiredo Dias e de Taipa de Carvalho, aduzindo que o efeito do álcool deve ser levado em consideração como atenuante da pena, que a prova é muito ténue, é jovem não tem antecedentes desta natureza, manteve um relacionamento sério durante 5 anos, mantém novo relacionamento, exerce atividade profissional, a sua capacidade de discernimento estava diminuídas em função da ingestão  de bebidas alcoólicas, cujo grau se desconhece mas tal condição deve favorecê-lo em obediência ao princípio do in dubio pro reo.

O recorrente, no que respeita a esta temática da determinação da medida concreta da pena, não indicou as normas jurídicas pretensamente violadas nas conclusões, e também não o fez no texto da motivação, não adianta as razões subjacentes à violação da norma relativa à determinação da medida concreta da pena, nem formula qualquer pedido devidamente integrado com as pretensas normas violadas.

Ademais, para além de afirmar que a pena é excessiva e invocar as suas condições pessoais, sociais e económicas, devidamente sopesadas pelo tribunal a quo, não apresenta um único argumento face à  fundamentação constante da decisão recorrida.

Mais se realça que o invocado princípio do in dubio pro reo dá resposta à questão processual da dúvida sobre os factos, impondo ao juiz que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido, assim assegurando a presunção de inocência, enquanto elemento estruturante do processo penal, mas não tem expressão ao nível da matéria de direito, pois, quanto a esta prevalecerá o entendimento que se revelar mais correto, neste sentido, Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2016, Almedina, pág. 172.

Refira-se, ainda, que a temática da suspensão da execução da pena surge, inovatoriamente, nas conclusões que não servem, de forma alguma, para alargar o objeto do recurso a matérias estranhas ao texto da motivação e,  ademais, omite-se completamente as razões do pedido e a indicação da norma ou normas violadas.

As conclusões, e bem ainda, a motivação, do recurso são omissas quanto às indicações exigidas pelo n.º 2 do artigo 412º. do Código de Processo Penal, sendo o texto da motivação como já dissemos imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado.

Assim, não pode este tribunal da Relação conhecer do recurso, nesta parte -( nesta matéria a intervenção deste tribunal não tem carácter oficioso) -  por ausência de conclusões formuladas de acordo com as exigências legais, não havendo sequer lugar a qualquer convite no sentido do suprimento em virtude da motivação se apresentar de igual modo genérica e vaga em relação à medida concreta da pena e, por outro lado, por falta de alegação relativamente à suspensão da execução da pena.

*

            Vejamos, de seguida, o enquadramento jurídico penal da conduta, porque, na ótica do arguido e ora recorrente BB, os factos consignados como provados, independentemente da alteração fáctica propugnada, não configuram um crime de violação agravado e mais o seu grau de intervenção não foi decisivo para a consumação do crime.

Refira-se que o recorrente … propugnava, na procedência da impugnação da matéria de facto, pela sua absolvição, porém, face à improcedência dessa impugnação fica o conhecimento desta questão prejudicada.

O recorrente insurge-se contra a condenação pela prática, em coautoria, de um crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 2, alíneas a) e 177.º, n.º 4, ambos do Código Penal, porque,  em seu entender, a sua conduta reveste a natureza de ato sexual de revelo e apenas integra o crime de coação sexual previsto no artigo 163º. do Código Penal.

De acordo com o disposto no artigo 163º do Código Penal, pratica o crime de coação sexual:

“1 - Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até 5 anos.

2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, ato sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos.

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática de ato sexual de relevo contra a vontade cognoscível da vítima.”

O conceito de "ato sexual de relevo", traduz-se no comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas. Integram aquele conceito os atos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objetivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano (Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal, 2º Vol., 2ª ed., pág. 230).

Dispõe o artigo 164.º. do Código Penal que comete o crime de violação:

1 - Quem constranger outra pessoa a:

a) Sofrer ou praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral; ou

b) Sofrer ou praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;

é punido com pena de prisão de um a seis anos.

2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:

a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; “

A propósito da agravação, esclarece o artigo 177.º, nº. 4 do Código Penal que as “as penas previstas nos artigos 163.º a 168.º, 171.º a 175.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 176.º e nos artigos 176.º-A e 176.º-C são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o crime for cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas.”

No tipo de ilícito em questão  está em causa a liberdade sexual, a auto- conformação da vida e prática sexuais da pessoa, afrontada pelo constrangimento daquela a suportar ou praticar os actos descritos no n.º 1 e 2 do  sobredito artigo 164º., a liberdade sexual decorre do direito do indivíduo a dispor do seu corpo, parte integrante da sua autonomia pessoal, sendo um elemento fundamental do direito à intimidade e vida privada.

Por sua vez, o artigo 26º. do Código Penal, sob a epígrafe  “Autoria” diz-nos:

“ É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”

A coautoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis por acordo -(que pode ser expresso ou tácito,  prévio ou contemporânea da ação)-  cada um dos agentes participa na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, resulta que cada contribuição se funde num todo unitário e por isso o resultado alcançado é de todos e é, portanto, imputado a todos.

Neste particular  pode ler-se no acórdão recorrido

“(…) O tipo objetivo do ilícito consiste, assim, em:

• Constranger outra pessoa a praticar (consigo ou com outrem):

- Cópula, coito anal ou coito oral;

• Por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir.

A vítima deste crime tanto pode ser um homem como uma mulher.

O meio de execução que aqui importa analisar é a violência, pois, manifestamente, não ocorreu ameaça grave ou colocação em estado de inconsciência ou impossibilidade de resistir.

No conceito mais restritivo de “violência” considerava-se que estava limitado ao uso de força física sobre a vítima, de modo a coagi-la à realização do ato pretendido.

Atualmente, o conceito de “violência” é mais abrangente, podendo ser integrado pelo uso da agressão física, mas também o uso da agressão psíquica, incluindo qualquer manifestação de uma “conduta ativa ou omissiva, adequada a obter o resultado pretendido, o qual é conseguido contra a vontade do sujeito passivo (traduzindo-se numa pressão anímica exercida sobre a vítima), anulando, ainda que parcialmente, a sua vontade ou colocando-o numa situação de inferioridade que o impede de reagir como queria.

Claro que se pode dizer que a agressão psicológica já é intimidação, ameaça. Mas, o entendimento de um conceito alargado de violência tem subjacente a lesão de direitos que estão garantidos à pessoa, na sua dimensão jurídica, devendo aqui ser aferida por referência ao bem jurídico em causa, que é a liberdade sexual da vítima, liberdade que, por aquele meio, é constrangida ou limitada de forma eficaz.

Poderá, assim, configurar-se violência mesmo que não haja reação ou resistência por parte da vítima – o que importa é que sejam utilizados meios que impedem a formação da vontade ou a liberdade de determinação da vítima.

Sempre se deverá ter presente que, um conceito mais ou menos alargado de violência, não deve afastar o bem jurídico, isto é, há que ter em atenção que o direito penal apenas tem legitimidade para atuar, nesta área, relativamente a condutas coativas da liberdade sexual da vitima por, aí, nessas situações, se tratar de uma lesão insuportável das condições comunitárias essenciais da livre auto-realização sexual”.2

O tipo subjetivo do ilícito exige o dolo em qualquer uma das suas modalidades.

            (…)Comecemos pela análise da coautoria.

Sobre o conceito de coautoria, escreveu-se no Ac. do STJ de 25.05.20093, “a co-autoria pressupõe um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica – e um elemento objectivo – que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.

A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina”.

Ora, nós sabemos que os dois arguidos entraram ao mesmo tempo no quarto da assistente e que o arguido AA já vinha sem calças e a exibir o pênis, ou seja, os dois arguidos, quando se dirigiram à …, já sabiam o que iam fazer, já tinham intenção de com ela terem relações sexuais, sendo o arguido AA quem a iria penetrar, pois só assim se compreende que tenha entrado parcialmente desnudado no quarto da vítima e o arguido BB se manteve vestido.

Temos, deste modo, por certo a existência de um acordo (podendo este acordo ser tácito) e estava claro o papel que cada um deles desempenharia no ato que iam praticar. Não temos, consequentemente, qualquer dúvida que os arguidos haviam acordado (expressa ou tacitamente) em praticar atos sexuais com a DD, mesmo contra a sua vontade, como efetivamente veio a ocorrer. Claro está que as diferenças físicas de um de outro exigiram uma conduta mais ativa e mais gravosa do arguido AA, pois os problemas de saúde do BB impossibilitavam que fosse ele a ter este papel. Todavia, é certo que os dois contribuíram para o resultado que veio a ocorrer. Apesar dos seus problemas de saúde, o arguido BB chegou a agarrar os braços da DD enquanto o arguido AA friccionava o seu pênis na vagina da ofendida. E não se diga que ele não tinha força para o fazer, pois sabemos que a DD quase não mostrou resistência, estava petrificada, e, quando tentou fugir, acabou por logo cair no chão, onde foi rapidamente levantada pelo arguido AA, continuando com a agressão sexual.

Posto isto, concluímos que os arguidos AA e BB atuaram em coautoria.

Analisemos, a este passo, se os arguidos cometeram o crime que lhes é imputado na acusação pública.

Provou-se que o arguido AA, com o uso da sua força – violência física – colocou-se em cima da vítima, imobilizando-a com o peso do seu corpo – impossibilitando-a de resistir -, tendo com ela praticado cópula e coito anal, ao mesmo tempo que o arguido BB a apalpava nas mamas, nádegas e vagina, o que fizeram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que os seus atos eram proibidos e punidos por lei.

Ora, com o apuramento destes factos não há dúvidas que cometeram os arguidos o crime de que vêm acusados.(…)”

Subscrevemos o entendimento do acórdão recorrido de que a conduta do arguido integra a prática, em coautoria, de um crime de violação agravada, por ter participado na execução de um plano conjunto com o arguido AA.

Como se vê a atuação do recorrente veio a traduzir-se numa atuação concertada e com um propósito definido com adesão de ambos às ações que viessem a ser desenvolvidas, independentemente de quem concretamente praticou cada uma de tais ações, agarrando os braços da vítima e aproveitando-se da violência física que o arguido AA exerceu sobre aquela, por forma a satisfazer os seus próprios impulsos sexuais e molestar a vítima, bem sabendo o recorrente que atuavam contra a vontade e sem o consentimento da vítima

Dito isto, é manifesto que,  face à matéria de facto dada por assente, é de afastar liminarmente a integração da conduta do arguido no tipo de ilícito  de coação sexual, como propugna.

Logo, não merece, nesta parte, censura, a subsunção jurídica dos factos.

(Da medida concreta da pena)

Cumpre apreciar a decisão no segmento da determinação da medida da pena aplicada.

Segundo o Ministério Público as penas aplicadas não são adequadas nem proporcionais devendo, por isso, ser aplicada uma medida das penas superiores.

Vejamos:

O critério geral de determinação da medida da pena está previsto no artigo 71º. do Código Penal, que impõe que essa determinação, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor designadamente, as enunciadas no nº. 2 da referida norma.

Ou seja,

“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”

De acordo com o disposto no artigo 40º., nº1  do Código Penal,  “ a  aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, acrescenta o seu nº. 2 que “ em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial.

Assim, dentro da moldura abstrata da pena deverá encontrar-se a medida da culpa, que fixará o seu limite máximo. Após o que, entre o mínimo legal e o limite máximo dado pela medida da culpa se formará a “moldura da prevenção geral de integração” dentro da qual a medida da pena será concretizada em função das exigências de prevenção especial: prevenção positiva ou de socialização e, excecionalmente, prevenção negativa de intimidação ou de segurança individuais, neste sentido Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 96 e Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, pág. 114 e segs.

Depois de identificar a moldura penal abstrata aplicável ao crime cometido e introduzir o tema da determinação concreta da pena, fazendo referência aos critérios do artigo  71º do Código Penal, o acórdão fundamentou a determinação das penas nos seguintes termos:

“…

Tudo ponderado, mostra-se adequado aplicar as seguintes penas:

• 5 anos e 9 meses para o arguido AA;

• 5 anos de prisão para o arguido BB. "

Ora bem.

No que respeita à intervenção do tribunal de recurso em sede de concretização da medida da pena - (dito de outra forma, em sede de controlo da adequação e proporcionalidade no que respeita à fixação concreta da pena)-, é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que tal intervenção tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, devendo cingir-se à correção das operações de determinação ou do procedimento, à  indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  01/10/2025 processo 830/14.2TAVNG.P2.S1, 29/02/2024, processo 122/20.1PAVPV.L1.S1, 17/12/2024, processo 158/24.3JACBR.S1, 11.7.2024, processo 491/21.6PDFLSB.L1.S1, de 15.10.2008 processo  08P1964, disponíveis in www.dgsi.pt.

Cabe realçar que, a respeito da determinação da pena rege o princípio da pessoalidade impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo atenuativo.

Dito isto, vejamos, agora, se as penas fixadas pelo tribunal a quo são manifestamente desproporcionadas, por reduzidas, justificando-se, por isso, a sua correção.

É indubitável que se trata de um ilícito que impõe fortes necessidades de prevenção geral, atento o bem jurídico protegido e o intenso repúdio e alarme social que esta conduta causa na comunidade, ofendendo de forma fundamental a personalidade das vitimas, o grau de ilicitude dos factos é de grau médio alto, o dolo é de considerar intenso, agindo os arguidos com dolo direto, e manifestando o arguido AA uma persistência e determinação no que respeita à satisfação dos seus instintos libidinosos, as circunstâncias em que ocorreram os factos e que denotam uma ausência absoluta de respeito pela dignidade da pessoa da vítima, a motivação dos arguidos, as consequências das suas condutas de ordem física e psíquica que a vítima sofreu e continua a sofrer, a integração social, laboral e familiar, a  ausência de antecedentes criminais, em relação ao arguido BB, e o passado criminal do arguido AA, pese embora por crimes na área da pequena criminalidade rodoviária, o contexto em que ocorreram os factos revela um desfasamento perante os valores éticos aceites pela sociedade, ademais, não se verifica existir qualquer ato de onde decorra um juízo de reconhecimento do desvalor das condutas e das consequências nefastas causadas à vítima.

Não obstante a gravidade das condutas levadas a cabo pelos arguidos entendemos que se impõe uma diferenciação da conduta, tendo em conta a persistência e determinação do arguido AA  no que respeita a satisfação dos seus instintos libidinosos em toda a situação enunciada, o tipo de actos praticados e o modo como foram executados, sendo de realçar que  o arguido AA praticou o crime através de cópula vaginal e coito anal, o arguido BB apalpou as mamas o rabo e a vagina da assistente, a que acresce a circunstância do arguido BB  ter decidido parar a sua participação nos factos, porém o arguido AA, com alguma ascendência sobre o coarguido, terá dito para voltar o que aquele fez e continuou a cruel agressão, a frieza, distanciamento e insensibilidade, basta atentar na dureza das palavra “ela está a bater mal está toda lixada” apercebendo-se claramente do sofrimento da vítima continuou a aproveitar-se desta como se de um objecto se tratasse.

Atendendo à moldura penal abstrata aplicável ao crime em apreço e aos fatores elencados afigura-se-nos que o tribunal a quo atendeu à culpa como limite superior da pena e às exigências de prevenção geral e especial, sopesando as circunstâncias atenuantes e aquelas que devem ser consideradas com pendor agravante, não se notando nenhum desequilíbrio nem  desrespeito pelos princípios que presidem à determinação da medida da pena e as operações de determinação impostas por lei, conforme o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

                                               *

O Ministério Público e a Assistente insurgem contra a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido BB.

Preconiza o artigo 50º. do Código Penal, com a epígrafe “ Pressupostos e duração”, que:

“1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos. ”

Prescreve o artigo  51º. sob a epígrafe “Deveres”:

“ 1 - Aa suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:

a)Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, (…)

3 - Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.”.

Por sua vez, o artigo 53.º, do Código Penal com a epígrafe “ Suspensão com regime de prova” estatui:

“1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.

2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.(…)”.

A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta não superior a cinco anos de prisão – pressuposto formal -  que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de reprovação e prevenção da criminalidade. – pressuposto material.

São, pois, somente necessidades de prevenção especial de socialização, limitadas pelas de prevenção geral na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser equacionadas.

Perante isto, exige-se a expectativa fundada que a simples ameaça da prisão efetiva  seja capaz de apontar ao arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento futuro de acordo com as exigências do direito penal.

Este juízo a realizar exige também que se conclua que a suspensão da pena não comprometerá a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e, em particular, na norma penal que foi violada.

O regime de prova tem um sentido marcadamente educativo e corretivo e, para além dos casos de aplicação obrigatória, deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente.

No que tange à imposição da obrigação de reparação do mal do crime, como condição da suspensão da execução da prisão, cumpre uma importante função adjuvante das finalidades da punição, na medida em visa o reforço do sancionamento penal e contribui para a reinserção social do arguido.

O acórdão pronunciou-se, a este propósito, nos seguintes termos:

“  …”

A preferência do ordenamento jurídico penal por esta modalidade de pena confirma a opção de considerar a pena de prisão efetiva como última ratio, o último recurso, aplicável quando todos os outros mecanismos não asseguram a ressocialização do indivíduo.

No caso em apreço pese embora a gravidade do ilícito e as elevadas exigências de prevenção geral afigura-se-nos ser possível emitir um juízo de prognose favorável ao arguido,  tendo em conta a primariedade da conduta, vive com os progenitores e conta com o apoio destes, tem integração profissional, a sua situação de portador de doença muscular que, efetivamente, o  impediriam de praticar o crime em questão sem a ajuda do coarguido, o que em termos de prognose de cometimento de crimes semelhantes no futuro se refletirá no seu comportamento,  o facto de ter estado  privado da liberdade à ordem destes autos o fará, certamente,  repensar no seu erro e conformar a sua conduta de acordo com o direito.

Em face do exposto, improcede, este segmento do recurso.

No campo da suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao cumprimento de deveres, invoca o recorrente BB a questão da nulidade, por falta de fundamentação de direito, nos termos do artigo 50º., nº4 do Código Penal  ou, caso assim não se entenda,  sempre existirá violação do princípio da razoabilidade.

As decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, devem ser fundamentadas. No entanto, importa distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, sendo que só ocorre falta de fundamentação de direito da decisão quando exista falta absoluta de motivação.

Examinada a decisão recorrida verifica-se que o tribunal a quo fundamentou a escolha da pena de substituição e as condições, pese embora sucintamente quanto ao cumprimento da obrigação e do regime de prova, mas, ainda assim, suficiente para  compreender o raciocínio lógico seguido.

Como se extrai da decisão o tribunal a quo entendeu que a suspensão da execução da pena de prisão só respondia às necessidades de socialização do agente e às exigências de reprovação e prevenção do crime, sendo acompanhada de regime de prova e da obrigação de  pagamento de determinada quantia à lesada como forma de sensibilização e motivação do arguido com vista a garantir condições de ajustamento individual e de redução de fatores de risco em relação a comportamentos desviantes.

Em suma, não ocorre, por isso, falta de fundamentação para a decisão.

Não deixará de se notar que este recorrente afirma que ocorre  omissão de pronúncia remetendo, no entanto, para a invocada nulidade, por falta de fundamentação de direito, nos termos do artigo 50º., nº4 do Código Penal 

Não lhe assiste qualquer razão como supra se explanou  dando-se aqui por reproduzidas as  considerações supra expendidas a respeito dessa questão.

Pelo exposto, não resta se não julgar improcedente, nesta parte, o recurso.

Sustenta o recorrente que o  acórdão recorrido, nesta temática da suspensão da execução da pena de prisão condicionado ao pagamento de parte do valor da indemnização arbitrada, enferma  de nulidade por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

Em ordem a fundamentar esta pretensão aduz que “na fundamentação do douto Acórdão recorrido, a propósito da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, que a mesma “será acompanhada de regime de prova com o objetivo de procurar garantir condições de ajustamento individual e de redução de fatores de risco (artigo 53.º do Código Penal) e obrigação de pagar à demandante parte da indemnização civil que vier a ser fixada.”.

No dispositivo do douto Acórdão recorrido, foi consignado, apenas, “com a condição de pagar à ofendida a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), no prazo de 6 meses, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.”, sem fazer-se alusão ao facto desse montante dizer respeito à indemnização civil fixada.”

 Diga-se, desde já, que a alegada contradição não existe, na medida em que detetamos no acórdão qualquer contradição, ainda menos insanável,  entre a fundamentação e a decisão que existe quando for de concluir que a fundamentação de facto ou de direito de que o julgador se serviu conduziriam logicamente a uma decisão contrária àquela que foi efetivamente tomada.

Improcede, neste ponto, o recurso.

Defende ainda o recorrente BB que não razoável a obrigação de pagamento da quantia de €15.000,00 no prazo de 6 meses para reparar o mal do crime.

O acórdão sob recurso optou pela suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, condicionado ao cumprimento do dever de pagamento, à ofendida, da quantia de €15.000,00, no prazo de 6 meses, a contar do trânsito em julgado do acórdão.

Argumenta o recorrente que o tribunal  a quo não  investigou as suas condições de vida que não permitem tamanho esforço no prazo de 6 meses.

Cremos que não lhe assiste razão.

Atente-se que a audiência de discussão e julgamento teve lugar com a presença do arguido e do seu ilustre mandatário judicial tendo sido produzida prova quanto à sua situação sócio económica, financeira e encargos do arguido.

Outrossim, o tribunal solicitou a realização de relatório social, conforme decorre de fls. 1177 e segs. dos autos, quanto a elementos relativos às suas condições de vida, situação económica e financeira e encargos económicos do arguido.

Examinado o acórdão resulta que o arguido é solteiro; desde o ano de 2021 que trabalha por conta própria, como criador de conteúdos digitais; aufere apoios estatais no valor de cerca de €305,00 mensais; tem enquadramento laboral com contrato de prestação de serviços com a autarquia …, como técnico superior de animação comunitária; coabita com os progenitores em casa própria (apartamento) de tipologia 3, dotado de adequadas condições habitacionais; economicamente, o agregado vive dos rendimentos provenientes do trabalho dos progenitores, no valor de cerca de € 2.900,00 mensais; as despesas habitacionais estão a cargo dos progenitores do arguido, no valor mensal de cerca de € 570,00.

Decerto que o pagamento da quantia fixada pelo Tribunal a quo como condição subjacente a suspensão da execução da pena representará um sacrifício para o arguido/demandado, mas, obviamente, essa é a consequência da imposição de uma pena.

Esta obrigação tem  uma finalidade reparadora dos mal causado pelo crime, mas  visa também  fortalecer a finalidade da pena enquanto visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Todavia, a questão que se coloca consiste em saber se razoável exigir o pagamento desse montante no prazo de 6 meses.

Escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  13.12.2006, processo nº 06P3116, que “ IV - Consagra, também, no n.º 2 do art. 51.º do CP, o chamado princípio da razoabilidade, que, segundo vem entendendo este Supremo Tribunal, significa que a decisão de imposição do dever ali previsto deve ter na devida conta “as forças” do destinatário, de modo a não frustrar, à partida, o efeito reeducativo e pedagógico que se pretende extrair da medida, sem contudo se cair no extremo de tudo se reconduzir e submeter às possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado, sob pena de se inviabilizar, na maioria dos casos, o propósito que lhe está subjacente, qual seja o de dar ao arguido margem de manobra suficiente para desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição”.

O demandado trabalha área de produção de conteúdos digitais, por conta própria,  aufere apoios mensais no montante de €305,00, tem projeto de emprego com a autarquia de ....

Neste contexto,  vista a situação sócio económica refletida nos factos provados afigura-se-nos que não lhe permite cumprir a obrigação que lhe foi imposta na decisão recorrida, dentro do prazo de 6 meses.

Assim, tendo em conta a situação sócio económica do arguido e a capacidade de obter rendimentos do trabalho entende-se mais ajustado condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento da quantia de metade da indemnização que vier a ser arbitrada à ofendida, dentro do prazo de 2 anos, a contar do trânsito em julgado deste acórdão, com prova nos autos, em 10 dias, após o respetivo pagamento.

Procede, pois, este segmento das conclusões recursivas.

*

(Apreciação do recurso em matéria civil)

No que concerne à impugnação da matéria de facto, em sede de pedido de indemnização civil, já se mostra acima efetuada, pelo que, cabe apenas apreciar a questão  do montante indemnizatório arbitrado.

No que a esta matéria do pedido de indemnização civil respeita, diz o recorrente BB que o valor da indemnização arbitrada é excessivo e desproporcional pugnando pela sua redução.

Nos termos do disposto no artigo 129º. do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

Por seu lado, prescreve o artigo 483º. do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

O princípio geral em matéria de indemnização é o de que quem está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se o evento que obriga à reparação não tivesse ocorrido, sendo que tal obrigação não existe relativamente a todos os danos, mas tão só relativamente àqueles que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, artigos 562º. e 563.º do Código Civil.

Nos termos do artigo 566º., nº.1 do Código Civil, a indemnização faz-se pela reconstituição natural da situação que existia antes da lesão, sendo que tal reconstituição nem sempre é possível e, por isso, a indemnização é fixada em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

A medida da indemnização em dinheiro exprime-se pela diferença patrimonial entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria nessa data se não tivessem existido os danos; se não puder ser averiguado o valor exato dos danos o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver provado, artigo 566º., nº3 do Código Civil.

No caso em análise não se questiona os pressupostos da responsabilidade civil  extra contratual por facto ilícito - o facto, a  ilicitude, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, e a imputação do facto ao agente - artigo 483º, n.º 1 do Código Civil, ex vi do artigo 129º do Código Penal.

O dano distingue-se em dano patrimonial e dano não patrimonial.

Os danos decorrentes da atuação do arguido que a demandante reclamou nos presente autos, em sede de indemnização civil, integram-se no dano não patrimonial.

Na decisão recorrida os arguidos e ora demandados foram condenados,  solidariamente, a pagar a demandante a quantia de €30.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Estabelece o artigo 496º. do Código Civil, com a epígrafe “ Danos não patrimoniais” que:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

(…)  4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”

A liberdade e autodeterminação sexual é um bem cuja dignidade e valor determinam que  a respetiva violação seja suscetível de fundar direito a indemnização por danos não patrimoniais.

A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação se reporta a valores de ordem ideal, espiritual ou moral, os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, não atingem bens integrantes do património do lesado.

Face à manifesta dificuldade de quantificação, em moeda, destes danos a lei não define uma base de calculo para o apuramento do valor como ocorre nos danos patrimoniais, cabe ao julgador fixar o montante da indemnização com base em critérios de equidade.

Conforme refere Leite de Campos, in BMJ, 365, pag.15, nos danos não patrimoniais “a grandeza do dano só é suscetível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insuscetível de determinação exata, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui mais do que nunca, nos encontramos na incerteza inerente a um imprescindível juízo de equidade”.

Por seu lado, diz-nos Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, vol.II, 1ºed., pág.287,  “(…) se por definição, o dano moral não é redutível a dinheiro, ele é, não obstante, compensável patrimonialmente. Não se trata, naturalmente de uma compensação perfeita”, a indemnização por tais danos deverá, pois, equivaler a quantia considerada necessária para proporcionar aos lesados prazeres compensatórios do dano.

A fixação de um valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais é sempre tarefa delicada para o julgador e é de há muito entendimento na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que os valores arbitrados não devem ser miserabilísticos.

No caso deste tipo de dano a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, pois não o coloca na situação que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mas apenas oferecer-lhe uma satisfação ou compensação que contrabalance o mal sofrido.

Vem sendo jurisprudencialmente entendido que, sempre que a indemnização seja fixada com fundamento num juízo de equidade, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as soluções da jurisprudência para casos semelhantes e com elas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e 09-12-2004 e Relação do Porto de 04-06-2014, wwwdgsi.pt.

Para a fixação dos danos não patrimoniais a ressarcir há que considerar a factualidade dada como provada no acórdão  recorrido, devendo ser tomado em consideração a própria  atuação em si e as consequências da mesma, o grau de lesão na personalidade moral da lesada, e a situação económica do arguido, artigos  494.º, 496.º, nº.3 do Código Civil.

É incontestável que os danos sofridos pela vítima revestem natureza muito grave, esses danos tiveram repercussões ao nível do estado de saúde, mormente  psíquico, deixaram profundas marcas ou sequelas para o resto da sua vida, a culpa do demandado é elevada, a situação sócio económica da demandante e do demandado vive com os progenitores que lhe asseguram as necessidades básicas, aufere subsídios no valor de €305,00 e trabalha na produção conteúdos digitais, por conta própria.

Tudo ponderado entendemos que o valor da indemnização por danos não patrimoniais arbitrado pelo Tribunal a quo não viola os limites da discricionariedade inerente à formulação do juízo de equidade, aliás, o valor fixado não é um valor elevado para ressarcir os danos advenientes do crime, razão pela qual não se justifica intervir corretivamente no valor indemnizatório fixado.

 Assim, improcede esta pretensão.

V - Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

a)Em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

b)Em negar provimento ao recurso interposto pela Assistente.

c)Em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

d) Em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido BB e em consequência sujeitar a suspensão da execução da pena de 5  anos de prisão imposta ao arguido, por igual período, à condição de pagamento a assistente /demandante da quantia parcelar de €15.000,00 da indemnização  civil arbitrada, dentro do prazo de 2 anos, a contar do trânsito em julgado deste acórdão, com prova nos autos, em 10 dias, após o respetivo pagamento.

Manter, quanto a este arguido, o acórdão recorrido no demais;

Custas a cargo da Assistente e do recorrente AA, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, artigos 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e  8º, nº 9 e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Notifique.

                                               *

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo  94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, e revisto pelas signatárias.

                                               *

Coimbra, 5 de Novembro de 2025

                                               Maria da Conceição Miranda

                                               Maria Alexandra Guiné

                                               Sara Reis Marques