Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
824/21.5T8LMG.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE TRABALHO DECLARADO NULO OU ANULADO
PRODUÇÃO DE EFEITOS
COMPENSAÇÃO E INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO ILÍCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 11/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LAMEGO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 122.º, N.º 1, 123.º, N.º 1, 134.º, 176.º, N.º 2, E 180.º, N.º 3, DO CÓDIGO DO TRABALHO, 483.º E 496.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Os transtornos, incómodos, angústia, tristeza e vexame causados pelo despedimento não consubstanciam um quadro danoso agravado que mereça a tutela do direito.

II – Por força do disposto no n.º 3 do artigo 180.º do CT, a propósito da nulidade do contrato de trabalho temporário, caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no nº 2 do artigo 176º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.

III – O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado e ao facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato (artigos 122.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, ambos do CT), tendo o trabalhador direito à compensação e indemnização por despedimento ilícito.

IV – “Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação” – artigo 134.º do CT.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum, contra

Município ... e

A..., Ldª, com sede em ...

alegando, em síntese, e tal como consta da sentença recorrida, que:

Foi trabalhador, desde 2001, da Companhia das Águas das B..., S.A., por quem foi inicialmente contratado, por acordo verbal, empresa esta que em 2009 foi transformada em empresa municipal, passando o 1º Réu – Município ... -, através desta, a explorar as termas de B..., o que fez até 2019, altura em que, e após outras vicissitudes que foram ocorrendo no vínculo laboral do Autor, foi apresentado ao Autor um documento denominado “Acordo de cessação do contrato de trabalho por mútuo consentimento”, que a empresa municipal, totalmente detida pelo 1º Réu, alegou ser imprescindível “em consequência da entrada da entidade empregadora em processo de dissolução e liquidação, conforme deliberação da Assembleia Municipal ... de 29/12/2017”, levando o Autor a crer na extinção da entidade empregadora, tendo-lhe sido dito que, no entanto, o seu trabalho continuaria e sem precariedade, razão pela qual aceitou tal acordo; porém, a seu ver, ocorreu a transmissão de estabelecimento e reversão dos contratos de trabalho, nos termos e para os efeitos do artigo 285º do Código do Trabalho, da empresa municipal para o 1º Réu pois que este continuou a exploração da atividade da empresa municipal até à extinção desta; exploração que depois continuou, na íntegra, mediante contrato de utilização de trabalho temporário celebrado com a 2ª Ré – A... -, pois que, em 02.10.2019, e sem que tivesse havido interrupção na prestação das funções do Autor na sequência do acordo de cessação do contrato de trabalho referido supra, foi celebrado entre a 2ª Ré e o Autor um contrato de trabalho temporário a termo certo, com início a 02.10.2019 e terminus a 01.02.2020, com vista à cedência temporária do Autor à Câmara Municipal ..., entidade utilizadora e cessionária.

Ao abrigo deste contrato de trabalho temporário foi o Autor contratado para a mesma categoria e para exercer precisamente as mesmas funções que exercia ao abrigo do contrato de trabalho celebrado em março de 2001, nada se alterando, quanto às demais condições de trabalho, nomeadamente remuneração base e subsídio de refeição e assim o foi em razão da exploração, pelo 1º Réu, da atividade que era desenvolvida pela empresa municipal extinta, Companhia das Águas de B... E.M, S.A..

Sucede que, em 17.02.2020, continuando o Autor a exercer funções, sem que nada o fizesse prever, e enquanto se encontrava no seu local de trabalho, no exercício das suas funções, o Autor foi chamado pelos Réus para lhe apresentarem novo contrato de trabalho temporário e documento com comunicação de rescisão do anterior contrato, o que o Autor recusou, momento em que os Réus informaram que a partir daquele momento não seria autorizada a permanência do Autor no local de trabalho, por cessação do seu contrato, o que o Autor entende como um despedimento ilícito.

Termina, dizendo que:

“1) Deve ser declarada e reconhecida a existência de transmissão para a 1ª Ré do contrato de trabalho por tempo indeterminado do Autor, por força da transmissão do estabelecimento onde este estava integrado desde 01.03.2001, nos termos do artigo 285º do Código do Trabalho;

2) Deve ser declarado e condenada a 1ª Ré a reconhecer a nulidade do contrato de cessação do contrato de trabalho por mútuo consentimento outorgado entre o Autor e a empresa Companhia das Águas de B..., EM., S.A.;

3) Deve ser declarado o despedimento ilícito do Autor, condenando-se a 1ª Ré a reconhecer que o Autor lhe prestava o seu trabalho ao abrigo de contrato de trabalho sem termo com a antiguidade reconhecida à data de 01.03.2001;

4) Devem as RR. ser condenadas a reconhecer que o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a 1ª Ré e a 2ª Ré é nulo e que, em consequência, sempre se deveria considerar a prestação do trabalho do Autor à 1ª Ré em regime de contrato de trabalho sem termo, com reconhecimento da antiguidade do Autor a 01.03.2001;

5) Devem as RR. ser condenadas a reconhecer que o contrato de trabalho temporário celebrado entre o Autor e a 2ª Ré é nulo, por si e em concurso com o contrato de trabalho temporário, com a consequência de que a prestação de trabalho do Autor sempre seria considerada como sendo-o à 1ª Ré em regime de contrato de trabalho sem termo;

6) Caso assim não se entenda, sempre deverá considerar-se que o trabalho prestado pelo Autor o era à 1ª Ré, em regime de contrato de trabalho sem termo, por terem decorrido mais de dez dias após o término do contrato fixado no contrato de utilização trabalho, com a consequência da declaração e reconhecimento do despedimento ilícito do Autor.

7) Em todos os casos sempre deverá ser considerado e as RR. condenadas a reconhecer o despedimento ilícito do Autor, com as legais consequências.

8) Devem as RR. ser condenadas a pagar ao Autor todas as retribuições que se venceram desde trinta dias antes da propositura da ação até à data do trânsito em julgado desta sentença.

9) Devem as RR. ser condenadas no pagamento ao Autor de uma indemnização pelo despedimento ilícito, devendo esta ser fixada no montante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, nunca inferior ao montante que de momento ascende a € 23.846,16 (vinte e três mil, oitocentos e quarenta e seis mil euros e dezasseis cêntimos), sem prejuízo do montante a apurar à data da sentença, nos termos do nº 2 do artigo 391º do Código do trabalho e dos juros moratórios à taxa legal até integral pagamento;

10) Deve a 1ª Ré ser condenada no pagamento das diuturnidades devidas ao Autor – e nunca pagas – por força do Contrato de Trabalho Coletivo aplicado, com retroativos à data de dezembro de 2018 – data da publicação da primeira portaria de extensão – e que ascende ao montante de € 2.254,50 (dois mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), acrescido do valor relativo aos juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a data de vencimento de cada uma das diuturnidades devidas, até efetivo pagamento, à taxa legal de 4% e que na presente data ascendem a € 355,62 (trezentos e cinquenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos).

11) Deve a 2ª Ré ser condenada a reconhecer o direito do Autor às diuturnidades.

12) Devem as RR. ser condenadas no pagamento ao Autor da retribuição do mês de fevereiro de 2020 (17 dias), no montante de € 475,09 (quatrocentos e setenta e cinco euros e nove cêntimos);

13) Deve a 1ª Ré ser condenada no pagamento ao Autor de 22 dias de férias vencidos em 1 de janeiro de 2019 e não gozados, no montante de € 838,40 (oitocentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos);

14) Devem as RR. ser condenadas no pagamento ao Autor de 22 dias de férias vencidos em 1 de janeiro de 2020 e não gozados, no montante de €838,40 (oitocentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos);

15) Devem as RR. ser condenadas no pagamento do subsídio de férias vencido em 1 de janeiro de 2020, no montante de € 838,40 (oitocentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos);

16) Devem as RR. ser condenadas no pagamento ao Autor dos proporcionais de férias no montante de € 109,95 (cento e nove euros e noventa e cinco cêntimos); nos proporcionais de subsídio de férias no montante de € 109,95 ((cento e nove euros e noventa e cinco cêntimos) e nos proporcionais de subsídio de natal no montante de € 109,95 (cento e nove euros e noventa e cinco cêntimos);

17) Deve a 1ª Ré ser condenada no pagamento do crédito de horas de formação que nunca foi concedida ao Autor, nos termos dos artigos 131º, nº 2, 132º e 134º, todos do Código do Trabalho e que ascende ao montante de € 580,65 (quinhentos e oitenta euros e sessenta e cinco cêntimos);

18) Devem as RR. ser condenadas no pagamento de uma indemnização ao Autor, a título de danos não patrimoniais numa quantia nunca inferior a €3.500,00 (três mil e quinhentos euros);

19) Devem as RR. ser condenadas ao pagamento dos juros vencidos e vincendos de todas as quantias elencadas supra, à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento;

20) Devem as RR. ser condenadas ao cumprimento das obrigações tributárias inerentes ao pagamento dos créditos peticionados pelo Autor;

21) Em consequência deve ser reconhecido o crédito do Autor, que ora se líquida no montante total de € 33.857,07 (trinta e três mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e sete cêntimos), sem prejuízo do valor devido e elencado em 8) e 9) supra, a apurar à data da sentença, deduzindo o montante recebido em virtude do malfadado – e nulo – acordo de revogação do contrato de trabalho, no montante de € 11.467,58 (onze mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e cinquenta e oito euros) e, ainda, o montante recebido após a cessação ilícita do contrato de trabalho do Autor, a que correspondem os docs. 10 e 11, no montante de € 1.191,37 (mil, cento e noventa e um euros e trinta e sete cêntimos). Tudo com as demais consequências legais.”

                                                             *
            Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, a
Ré A..., Ldª apresentou contestação alegando, em sinopse, que:

  O A. foi contratado pela A... mediante contrato de trabalho temporário a termo certo, com início a 02/10/2019, para prestar trabalho para a Câmara Municipal ... e na sequência de um concurso público feito pela mesma e tendo o Autor sido indicado pela Câmara; existiu um segundo contrato de trabalho temporário a termo certo com início a 03/02/2020 que o Autor se recusou a assinar; não houve qualquer despedimento ilícito do Autor, não sendo devidas quaisquer retribuições vencidas ou vincendas ou indemnização.

Conclui dizendo que deve:

“A) Ser declarada procedente a invocada exceção perentória do pagamento e, por essa via, ser absolvida a R. A... dos pedidos contra ela formulados.

B) No caso de assim não se considerar (no que não se concede), ser a presente ação considerada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a R. A... dos pedidos contra ela formulados, com todas as consequências legais.”

                                                             *

O Réu também veio contestar alegando, em síntese, que:

Nunca celebrou qualquer contrato de trabalho com o autor que era trabalhador da Companhia das Águas das B..., EM, SA e que fez cessar, por acordo, tal contrato; a Câmara Municipal ... não adquiriu as termas de B...; os créditos que o A. pretende fazer valer contra o Réu decorrente da cessação do contrato de trabalho por revogação efetuada em 30/09/2019 já prescreveram; caducou o direito de ação que o autor pretende exercer nos presente autos; o Réu não é parte nos contratos de trabalho temporário celebrados entre o A. e a 2ª Ré, ainda que seja entidade utilizadora da mão de obra e ou atividade intelectual objeto daqueles contratos; o tribunal do trabalho é incompetente para conhecer dos pedidos formulados pelo A.; não ocorreu a alegada transmissão de estabelecimento da empresa municipal para o Réu nem a reversão do contrato de trabalho; a extinção da empresa municipal ocorreu em 30/12/2019 e a cessação do contrato por revogação teve lugar em 30/09/2019, pelo que, a posição jurídica do A. decorrente do contrato de trabalho não se transmitiu ao Ré Município; na data da extinção da empresa municipal, data em que estava concluída toda a internalização da atividade do Réu município, o contrato de trabalho do autor já tinha sido revogado por mútuo acordo.

Termina, dizendo que “deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, dela absolvendo-se o Réu município”.

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento, conforme resulta das respetivas atas.              

*

De seguida foi proferida sentença que foi anulada por acórdão deste tribunal constante de fls. 285 e segs., a fim de o tribunal de 1ª instância proceder à notificação da parte nos termos enunciados e proferir nova decisão em conformidade.

                                                             *

Baixados os autos à 1ª instância foi ordenada a notificação das partes com vista à junção de documentos e reaberta a audiência de discussão e julgamento para alegações.

                                                             *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 408 e segs.) com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se:

» julgar procedente a prescrição dos créditos laborais peticionados pelo Autor referentes ao período temporal compreendido entre 01.03.2001 e 30.09.2019;

» julgar procedente a exceção perentória de pagamento invocada pela Ré A..., Ld.ª” referente ao pagamento da retribuição do mês de fevereiro de 2020, das férias não gozadas devidas, dos subsídios de Natal e de férias devidos e seus proporcionais; e, consequentemente, absolver a Ré desse pedido;

» absolver a Ré A..., Ld.ª” dos demais pedidos contra si formulados pelo Autor AA;

» reconhecer e declarar que o AA foi admitida ao serviço do Réu Município ... mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 02.10.2019, por força da nulidade do contrato de trabalho temporário celebrado com o Autor a 02.10.2019;

» reconhecer e declarar que o Autor AA foi ilicitamente despedido pelo Réu Município ... a 17.02.2020;

» por força do despedimento ilícito, condenar o Réu Município ... a pagar ao Autor AA:

- as retribuições intercalares que incluem a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal (base) que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, às quais devem ser deduzidas, à data, as retribuições recebidas pelo Autor a título de subsídio de desemprego que o 1º Réu deve entregar à Segurança Social e, bem assim, deduzidos os montantes que, entretanto, o Autor passou a auferir com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como, as retribuições relativas ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação (de 18.02.2020 até 17.06.2021); a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% (ou outra que entre em vigor), sobre tais prestações, devidas após o trânsito em julgado desta decisão até efetivo e integral pagamento;

- a indemnização em substituição da reintegração no valor de 2.430,00€; a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% (ou outra que entre em vigor), desde a data do despedimento – 17.02.2020 - até efetivo e integral pagamento;

» condenar o Réu Município ... a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 1.500,00€, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% (ou outra que entre em vigor), após o trânsito em julgado desta decisão até integral e efetivo pagamento.

» absolver o Réu Município ... do mais contra si peticionado pelo Autor.”

*

O Réu Município ..., notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…).

*

A Ré A... veio responder a este recurso interposto pelo Réu Município ..., concluindo que:

(…).

                                                             *

O Autor também respondeu concluindo que “deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente”.

                                                  *

O Autor veio, igualmente, interpor recurso formulando as seguintes conclusões:

(…).

                                                  *

O Réu Município veio apresentar resposta a este recurso concluindo que:

(…).

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 530 e segs. concluindo que “deve ser negado provimento aos recursos interpostos pelo Autor e pela 1ª Ré, confirmando-se a sentença nos seus precisos termos.”

*

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes, quais sejam:

Recurso do Réu:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a indemnização por danos morais.

3ª – Se não ocorreu a transmissão do estabelecimento da empresa municipal para o Réu Município ....

4ª – Se a justificação constante do contrato de utilização de trabalho temporário é verdadeira e a declaração da nulidade de tal contrato é da competência dos tribunais administrativos.

5ª – Se o responsável pela declaração de nulidade do contrato de trabalho temporário é a Ré A... e não o Réu Município ....

6ª – Se os artigos 180.º, n.º 3, 176.º, n.º 3 e 173.º, n.º 3, todos do CT, na interpretação que lhes foi dada na sentença recorrida, são inconstitucionais por violação do disposto no artigo 47.º da CRP.

Recurso do Autor:

1ª – Se a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão.

2ª – Reapreciação da matéria de facto.

3ª – Se o contrato de trabalho celebrado em 01/04/2013 formaliza a relação laboral existente entre as partes desde 01/03/2001, sendo nula a cláusula 3.ª, n.º 1, do mesmo contrato.

4ª – Se é nulo o acordo de cessação do contrato de trabalho do Autor assinado em 30/09/2019.

5ª – Se os créditos laborais não se encontram prescritos.

6ª – Se a indemnização por despedimento ilícito devia ter sido fixada em 45 dias de retribuição por cada ano de trabalho desde 01/03/2001 até 17/02/2020.

7ª – Se devia ter sido fixada uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a € 3.500,00.

8ª – Se o Réu deve ser condenado a pagar ao Autor a quantia peticionada a título de crédito de horas de formação.

                                                             *

*

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

(…).

                                           *

                                           *

b) - Discussão

Recurso do Réu

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

Recurso do Autor

2ª questão

Reapreciação da matéria de facto

(…).

Recurso do Réu:

2ª questão

Se não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a indemnização por danos morais.

Alega o recorrente que:

- Os incómodos e aborrecimentos que a pessoa exterioriza em razão de um acontecimento que lhe ocorreu, para merecer a tutela da lei e do direito em sede indemnizatória, têm que ser suportados em factos ocorridos na sua vida pessoal e familiar, não sendo suficiente a prova daquilo que lhe aconteceu - causa do incómodo e aborrecimento - mas das suas consequências que, pela sua gravidade, devem ser reparadas em sede de danos morais.

- Em sede de responsabilidade contratual, como é o caso, a exigência na verificação dos pressupostos do dever de indemnizar em sede de danos morais, nomeadamente, o seu nexo de causalidade e o valor a fixar, é mais exigente do que na responsabilidade extra contratual, pois a regra na reparação dos danos morais, naquela, é limitada àqueles que não o foram em sede de incumprimento contratual.

- O autor não alegou, nem provou, qualquer consequência do aborrecimento e incómodo que teve por efeito da cessação do contrato de trabalho com duração de 4 meses e 15 dias.

- A eventual ansiedade e sofrimento psicológico sentido pelo autor não ultrapassa a normalidade da vida em sociedade perante o funcionamento da administração, pois todo e qualquer cidadão sofre frustrações, sente receios e pode sentir-se ansioso perante obstáculos que surjam na sua vida no contacto com a máquina administrativa e que afete o seu projeto de vida, mas tal sentimento tem de se verificar como extraordinariamente gravoso e insuportável ao ponto de merecer a tutela do direito, o que não é o caso - desde logo, porque o autor não o alega.

- O tribunal recorrido, ao ter entendimento diferente, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando os artigos 483.º e 496.º ambos do C.C.

A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

Preceitua o artigo 483º, n.º 1 do Código Civil que “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

São, pois, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: a violação de um direito, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, pág. 356 e Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, pág. 367.

Verificados que estejam tais requisitos nasce para o responsável a obrigação de indemnizar.

Note-se que, com a indemnização, se procuram ressarcir todos os danos causados, por forma a “reconstituir” a situação em que o lesado se encontraria se não tivesse acontecido a lesão.

Daí que na fixação do quantum indemnizatório, e para além dos danos materiais, se deva atender, também, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em obediência ao estatuído no artigo 496º, n.º 1 do Código Civil.

Ora, no caso em apreço, afigura-se como certo que os factos praticados pelo 1º Réu, na parte em que, após o Autor se manter ao seu serviço desde 01.02.2020 – data do terminus do contrato de trabalho temporário que como vimos também assente em motivo falso – até 17.02.2020, sem qualquer título, altura em que, para surpresa do Autor lhe foram apresentados outros dois contratos, e nas circunstâncias em que o fez e o que com aquilo pretendia atingir, já que o segundo contrato de trabalho temporário tinha como fim precisamente aquele mesmo dia 17.02.2020, foram causa adequada da ocorrência de danos de natureza não patrimonial na esfera pessoal do Autor, que, além dos transtornos, incómodos e angústia que lhe causou a situação, se sentiu triste, vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relacionava diariamente, o que era percetível por quem com ele se relacionava. Na verdade, não é de negar tais danos a uma pessoa que trabalha há tantos anos num mesmo local e que é confrontado com a cessação do contrato de trabalho nos moldes em que tal aconteceu e impedido, e note-se por pessoa responsável do 1º Réu, de a partir daquele momento ali voltar para trabalhar.
Tudo visto e ponderado, atentas as circunstâncias do caso, julga-se equitativo fixar o montante indemnizatório por danos de natureza não patrimonial sofridos pelo Autor na quantia de 1.500,00€, a pagar pelo 1º Réu, o que se decide.”
Vejamos:
Como se decidiu no acórdão do STJ, de 25/01/2012, disponível em www.dgsi.pt:
<<I. Em direito laboral, para se reconhecer direito ao trabalhador a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá aquele de provar que houve violação culposa dos seus direitos por parte do empregador, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
II. No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc..
III. Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
IV. Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não têm especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por aqueles danos.
V. O facto de no caso se ter provado que o processo disciplinar provocou sofrimento e angústia ao trabalhador e agravou o seu estado de saúde, não oferece motivo bastante para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais, por não se terem provado elementos concretos para aferir do relevo do sofrimento, da angústia e do agravamento da doença.>>
Dúvidas não existem de que a cessação do contrato de trabalho causou ao Autor transtornos, incómodos, angústia e tristeza, tendo-se sentido vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relacionava diariamente, no entanto, é nosso entendimento que estes danos não consubstanciam um quadro agravado que mereça a tutela do direito.
Na verdade, não estamos perante uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, ou seja, tais danos não patrimoniais não têm especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, pelo que, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por aqueles danos.
Pelo exposto, o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais tem, assim, que improceder.
Procedem, por isso, estas conclusões do recorrente.

3ª questão
Se não ocorreu a transmissão do estabelecimento da empresa municipal para o Réu Município ....
Alega o recorrente que:
- O autor alegou, mas não provou qual a empresa ou estabelecimento que era(m) detidos pela sociedade Companhia das Águas das B..., S.A. quando esta foi transformada em empresa municipal, nem quando celebrou o contrato de trabalho em 1 de abril de 2013 com a Companhia das Águas das B..., EM. SA.
- A prova de uma empresa e/ou de um estabelecimento para efeitos do artigo 285.º do CT não se faz, apenas, com a prova da existência de um trabalhador e com a prova das tarefas por ele levadas a cabo.
- O autor alegou, mas não provou, que fosse transmitido ao Réu município, por efeito da liquidação e subsequente extinção da Companhia das Águas das B..., EM, S.A., o estabelecimento comercial.
- Sendo manifestamente insuficiente a proposta de liquidação da empresa municipal aprovada na assembleia de 20 de dezembro de 2017 (doc. 3 junto com a contestação) para prova da transmissão do estabelecimento ou empresa de que a empresa municipal fosse titular.
- O tribunal fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 285.º do CT quanto à existência de uma empresa ou estabelecimento detido pela sociedade anónima e depois pela empresa municipal.
Na verdade, resulta da sentença recorrida, além do mais, que:

Assim, tendo em conta os factos apurados nos autos, importa ter em consideração que a Companhia das Águas de B..., E.M., S.A. foi objeto de dissolução, em conformidade com a deliberação nesse sentido da Assembleia Municipal ..., sendo que, de acordo com essa deliberação, foi elaborado plano de internalização de parte das atividades desenvolvidas pela empresa municipal, em prossecução do disposto no artigo 62º, nº 12 do RJAEL.

Como vimos foi celebrado com Companhia das Águas de B... E.M, S.A um acordo de cedência de interesse público do Autor para o exercício de funções de Assistente Técnico Administrativo, ficando este responsável pela supervisão geral dos serviços administrativos, desempenhando as funções até então desenvolvidas e na mesma categoria.   O referido acordo de cedência de interesse público foi celebrado em 30 de dezembro de 2017, vigorando entre o dia 01.01.2018 e 31.12.2018; e em 28 de dezembro de 2018, por adenda ao contrato identificado no artigo anterior foi prorrogado o prazo de vigência da cedência de interesse público do Autor até à liquidação da empresa Companhia das Águas de B... EM, S.A., mais precisamente até 30.09.2019.

Mais se provou que aquela cedência de interesse público era absolutamente necessária para a continuação da atividade, fazendo parte da internalização operada por parte da 1º Réu e prevista no projeto de dissolução; sendo que o Autor manteve o local de trabalho e as demais condições de trabalho sem qualquer alteração.

Em concreto, passaram a ser asseguradas pelo Município ... a promoção do desenvolvimento local e regional, nomeadamente a exploração de águas mineromedicinais e a gestão hoteleira e turística.

Em conformidade com as deliberações referidas, o Autor, trabalhador ao serviço da empresa municipal transitou para o Município que veio a prosseguir a atividade que antes era desempenhada pela empresa municipal durante o processo de dissolução desta. Afigura-se-nos, pois, que podemos afirmar que todas as funções que estavam cometidas à empresa municipal à data da sua dissolução, continuaram a ser asseguradas posteriormente a esta, por via de internalização no 1º Réu. Do projeto de dissolução e liquidação da empresa municipal e seu anexo relativo ao plano de internalização das atividades daquela (juntos pelo 1º Réu) podemos extrair que a generalidade dos equipamentos e utensílios que se achavam confiados à empresa municipal para o desempenho das respetivas funções (constituindo património do Município, de resto) continuaram afetos a tais atividades e, portanto, continuaram a ser utilizados pelos trabalhadores que, no quadro de uma ou outra entidade, prosseguiram as aludidas atividades, onde se inclui o Autor que foi contemplado no processo de internalização, através de “acordo de cedência de interesse público”, porque em efetividade de funções e era detentor de contrato de trabalho por tempo indeterminado (artigo 62º do RJAEL).

Concluindo, parece ter ocorrido uma transferência das atividades prosseguidas pela empresa municipal para o 1º Réu. Na verdade, tais atividades haviam sido cometidas à empresa municipal por decisão do Município ... e este retomou-as durante o processo de dissolução da empresa municipal.

 Temos, pois, que à primeira vista, este quadro factual é passível de enquadrar-se no âmbito da transferência de estabelecimento na referida aceção resultante do artigo 1º da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12.03.2001 e, por isso, também nos termos previstos no artigo 285º do Código do Trabalho.

De notar, ainda, que no nº 5 do citado artigo 62º do RJAEL é fixado que aos trabalhadores do serviço das empresas locais objeto de dissolução, nos termos do nº 1 do preceito, se aplica o regime do contrato de trabalho. Os números seguintes (6 a 11) constituem, na verdade, a exceção àquela regra, aí se prevendo, expressamente, que podem ser celebrados acordos de cedência de interesse público envolvendo esses trabalhadores e que aos mesmos é facultada a possibilidade de se candidatarem aos procedimentos concursais exclusivamente destinados a quem seja titular de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida. Esta disposição regula, assim, o modo como aqueles trabalhadores – com contratos de trabalho, sujeitos às regras do Código do Trabalho – podem vir a ser titulares de uma relação jurídica de emprego público. Mas embora o procedimento previsto no artigo 62º do RJAEL constitua uma possibilidade facultada aos trabalhadores das empresas objeto de dissolução, nos termos aí previstos, ele não constitui a única via para a subsistência dos postos de trabalho, que devem manter-se, em conformidade com o que resulta do Código do Trabalho, v.g. do respetivo artigo 285º; e é o que tem de entender-se em face do disposto no artigo 244º, nos 3 e 4 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei nº 35/2014, de 20 de junho), que expressamente contempla a possibilidade de um empregador público absorver trabalhadores com relação de trabalho sujeita ao Código do Trabalho. Decorrendo do quadro normativo em que se integra tal disposição que, em tais circunstâncias, deve manter-se o vínculo de origem, que, no caso, é um contrato de trabalho.

No caso que nos ocupa, o 1º Réu não tinha de admitir a constituição de um vínculo de emprego público com o Autor, pois que este não existia; ao fazê-lo estaria a violar as regras legalmente consagradas para o acesso à função pública; mas, nos termos do supra exposto, é de assegurar que o trabalhador em causa não é colocado numa posição desfavorável apenas por efeito da transferência operada no seu empregador, o que constitui o efeito tido em vista pela mencionada Diretiva 2001/23/CE.”

Acontece que, aquando da apreciação da validade do acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a C..., EM, em 30/09/2019, decidiu-se estar afastada a nulidade do acordo e a efetivação da transmissão do estabelecimento/unidade económica.

Assim sendo, nada mais se impõe dizer.

4ª questão

Se a justificação constante do contrato de utilização de trabalho temporário é verdadeira e a declaração da nulidade de tal contrato é da competência dos tribunais administrativos e

5ª questão

Se o responsável pela declaração de nulidade do contrato de trabalho temporário é a Ré A... e não o Réu Município ....

Alega o recorrente que:

- A justificação constante do contrato administrativo de utilização da trabalho temporário com o teor “verificando-se para tanto uma sobrecarga de trabalho a executar e neste sentido a necessidade de um reforço dos quadros de pessoal, implicando a necessidade de contratar temporariamente um trabalhador temporário para fazer face a essa necessidade, tendo em consideração que o UTT não tem nos seus quadros mão de obra disponível que faça face a tal incremento, em atenção à especificidade e à natureza do trabalho a realizar e dado o carácter transitório e conjuntural dos serviços a executar. Pelas razões apresentadas a presente contratação será celebrada a termo certo, pelo período compreendido entre o dia 02-10.2019 e 01-02-2020, não sendo o mesmo susceptível de renovação, caducando no final do período de vigência.” é verdadeira.

- O tribunal recorrido ao considerar falso aquele motivo, fez incorreta apreciação da prova documental - contrato administrativo de utilização de trabalho temporário e proposta de dissolução da empresa municipal - e bem assim incorreta apreciação e interpretação do regime jurídico de recrutamento de vínculo de trabalho em funções públicas previsto na Lei 35/2014 de 20 de junho (LGTFP).

- O conhecimento da nulidade do contrato administrativo de utilização de trabalho temporário compete aos tribunais administrativos, como foi decidido no despacho saneador, transitado em julgado e, por isso, no presente processo, tal documento autêntico faz prova plena das declarações nele exaradas, razão pela qual não podia o tribunal considerar a nulidade das suas cláusulas (motivo justificativo de recurso ao trabalho temporário) para declarar a nulidade do contrato de trabalho temporário celebrado entre o autor e 2.ª Ré.

- Donde decorre que o Réu município fez prova plena, para efeitos do artigo 176.º do CT, do motivo justificativo para ter recorrido a uma empresa de trabalho temporário, sendo porque tal motivo já decorria da proposta de dissolução da empresa municipal -insuficiência de trabalhadores em funções públicas no quadro de pessoal do Réu para o exercício das funções de gestão dos bens dominiais que passou a deter; morosidade no procedimento de recrutamento de novos trabalhadores em funções públicas e ilegalidade no recrutamento sem concurso.

- Como também provou que entre o dia 2 de outubro de 2019 e o dia 17 de fevereiro de 2020, período de duração do contrato de trabalho entre o autor e a 2.ª Ré, esteve sempre em vigor o contrato administrativo de utilização de trabalho temporário, razão pela qual não é aplicável o artigo 178.º n.º 4 do CT, ao contrário do que consta da fundamentação da sentença recorrida.

- Sendo nulo o contrato de trabalho temporário celebrado entre autor e 2.ª Ré, como foi declarado na sentença recorrida, a responsabilidade por tal declaração de nulidade é da empresa de trabalho temporário nos termos do artigo 180.º n.º 1 e 2 do CT, não lhe sendo aplicável a concorrência de nulidades prevista no n.º 3 dada a validade do contrato de utilização do trabalho temporário.

- Assim, tendo o autor passado a prestar o seu trabalho com contrato de trabalho sem termo (n.º 2 in fine do artigo 180.º do CT) para a empresa de trabalho temporário, é esta a responsável pelas consequências da sua cessação contra a vontade daquele.

- A nulidade do contrato de trabalho temporário, decidida pelo tribunal recorrido, tem como consequência o trabalhador temporário passar a trabalhar (presta o seu trabalho) para a empresa de trabalho temporário ao abrigo de contrato de trabalho sem termo.

- O tribunal ao condenar o 1.º Réu a reconhecer que o autor foi admitido ao seu serviço mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, desde 2 de outubro de 2019, por força da nulidade do contrato de trabalho temporário celebrado pela 2ª Ré com o autor em 2 de outubro de 2019, fez incorreta aplicação da lei e do direito, viola o artigo 180.º n.º 2 do CT.

A este propósito decidiu-se na sentença recorrida:

Percorrido, de novo, o manancial fáctico apurado, e como acima já concluímos, o contrato de trabalho existente entre o Autor e a empresa municipal detida pelo 1º Réu cessou, validamente, por acordo das partes, a 30.09.2019. Mas, a 02.10.2019, foi celebrado entre a 2ª Ré e o Autor um contrato de trabalho temporário a termo certo, com vista à cedência temporária do Autor à Câmara Municipal ..., 1ª Ré e entidade utilizadora; a duração do contrato de trabalho temporário teria como data de início o dia 02.10.2019 e como data de término o dia 01.02.2020, não estando sujeito a renovação; ao abrigo deste contrato foi o Autor contratado como Assistente Técnico para “operacionalizar os processos da organização, participando na elaboração do planos operacionais. Supervisionar as diferentes equipas de serviço, garantindo o normal funcionamento das termas”, sob as ordens, direções e fiscalização do 1º Réu (entidade utilizadora), mediante a remuneração mensal ilíquida acordada foi de €810,00 (oitocentos e dez euros), acrescido de subsídio de alimentação no montante de € 4,77/dia, 35horas semanais, cinco dias da semana, em B..., freguesia ..., concelho ....

(…)

Dos factos provados emerge que, efetivamente, o Autor, após o acordo da cessação do contrato de trabalho com a empresa municipal, foi contratado nos termos supra expostos pela 2ª Ré. O Autor manteve-se, assim, no exercício ininterrupto das suas funções habituais e para as quais havia sido contratado, pelo menos desde 01.04.2013, nada se alterando, quanto às demais condições de trabalho, nomeadamente remuneração base e subsídio de refeição.

Antes do mais, impõe-se fazer algumas considerações a propósito do contrato de trabalho temporário.

O regime do contrato do trabalho temporário, no que se reporta aos seus aspetos fundamentais, encontra-se regulamentado nos artigos 172º e seguintes do Código do Trabalho.

Nos termos do disposto no art. 172º, do Código do Trabalho, considera-se:

“a) Contrato de trabalho temporário o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua actividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;

b) Contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;

c) Contrato de utilização de trabalho temporário o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários.”

  O contrato de trabalho temporário é o que é celebrado a termo entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário. Por sua vez, os utilizadores celebram com a empresa de trabalho temporário contratos de utilização de trabalho temporário, consistindo estes últimos contratos de prestação de serviços pelos quais aquela se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição daqueles um ou mais trabalhadores temporários.

Trata-se, portanto, de uma relação de trabalho triangular em que uma entidade empregadora (empresa de trabalho temporário) contrata, remunera e exerce o poder disciplinar sobre um trabalhador (trabalhador temporário), colocando-o a prestar a sua atividade numa outra entidade (utilizador) que o recebe e exerce, de forma delegada, os poderes de autoridade e direção.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 28.05.2014, in www.dgsi.pt, “O regime do trabalho temporário caracteriza-se pelo desdobramento do estatuto da entidade empregadora entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador, mantendo o trabalhador um vínculo com a empresa de trabalho temporário, mas ficando a prestação de trabalho sujeita ao poder de direcção do utilizador, ou seja, do destinatário da prestação de trabalho.” E no Acórdão do STJ de 04.05.2011, in www.dgsi.pt, “O contrato de trabalho temporário (também denominado de locação de mão de obra) traduz-se na cedência de uma empresa a outra, a título oneroso e por tempo limitado, da disponibilidade da força de trabalho de um ou mais trabalhadores, sendo remunerados pela empresa cedente, mas integrando-se na empresa utilizadora a cujas ordens e disciplina ficam sujeitos.”

Esta figura contratual constitui um instrumento de gestão empresarial para a satisfação de necessidades de mão-de-obra pontuais, imprevistas ou de curta duração. Daí que o Acórdão do STJ de 13.01.2016, in www.dgsi.pt, se haja pronunciado neste sentido, que seguimos, “Esta muito específica tipologia contratual, que tem conhecido uma forte expensão no nosso país, não somente pelas restrições que juridicamente vigoram no nosso país no que concerne ao recurso ao contrato de trabalho a termo, como ainda porque constitui uma muito mais maleável ferramenta de gestão interna na organização e funcionamento do nosso tecido empresarial, está sujeita, contudo, a regras apertadas quanto à sua forma e substância, de maneira a não se disseminar de forma incontrolada e em violação, designadamente, dos princípios e normas de cariz constitucional, na área do direito do trabalho. Nessa medida, não apenas as empresas que pretendam se dedicar à actividade de fornecimento de trabalho temporário tem que se mostrar devidamente constituídas e licenciadas como os contratos de utilização da força de trabalho temporário e do seu recrutamento para esse efeito só podem ser firmados por escrito, dentro de determinadas condições formais e materiais e com prazos limite de duração, em função do tipo negocial acordado e dos fundamentos invocados para o recurso ao dito trabalho temporário, derivando o legislador laboral sanções jurídicas diversas para a violação de tais imposições e restrições legais.”

Temos, pois, que o contrato de trabalho temporário constitui um contrato especial que se encontra tipificado e regulado na lei, não implicando a existência de qualquer vínculo contratual direto entre a empresa utilizadora e o trabalhador. O que se verifica é um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a empresa de trabalho temporário – esta regida por normas, atualmente, fixadas no Dec. Lei nº 260/2009 de 25.07 - e o utilizador; e um contrato de trabalho temporário entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador que verte uma verdadeira relação contratual laboral. Mas ambos os contratos, para serem válidos, devem não só ser celebrados para prover apenas a qualquer das situações taxativamente previstas na lei (comuns a ambos os contratos como resulta dos artigos 175º e 180º nº 1, ambos do CT; e Dec. Lei nº 260/2009 de 25.07) como obedecer a um determinado formalismo e conter diversas menções, especificadas na lei (artigos 177º e 181º do Código do Trabalho), e ainda conter uma duração que não pode exceder limites máximos igualmente estabelecidos na lei de forma imperativa (artigos 175º, nº3, 178º, nº 2 do Código do Trabalho).

(…)

Atendendo à matéria de facto dada como provada o recurso ao contrato de trabalho temporário foi justificado assim: “uma necessidade temporária do utilizador de trabalho temporário (UTT) [1ª Ré], neste caso a fixada na alínea f), do nº 2 do artigo 140 da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, acréscimo excecional e temporário da atividade da empresa, o qual se prende essencialmente com o maior volume de utentes às termas das B... devido ao início da época termal, verificando-se para tanto uma sobrecarga de trabalho a executar e neste sentido a necessidade de um reforço dos quadros de pessoal, implicando a necessidade de contratar temporariamente um trabalhador temporário para fazer a esta necessidade, tendo em consideração que o UTT não tem nos seus quadros mão-de-obra disponível que faça face a tal incremento, em atenção à especificidade e à natureza do trabalho a realizar e, dado o carácter provisório e conjuntural dos serviços a executar. Pelas razões apresentadas, a presente contratação será celebrada a termo certo, pelo período compreendido entre dia 02-10-2019 e 01-02-2020, não sendo suscetível de renovação, caducando o final do período de vigência”.

Porém, do conjunto de prova produzida, resultou mais do que evidente que a necessidade de contratação do 1º Réu era permanente e não temporária, e muito menos decorria de uma qualquer “sobrecarga de trabalho a executar” devido ao início da época termal, fundamentada nos termos do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 140º por remissão do nº 1 do artigo 175º do Código do Trabalho, não tendo os Réus, nomeadamente, o 1º Réu logrado provar o contrário (prova que lhe competia – art. 342º, nº 2, do CC).

Na verdade, não só o Autor foi contratado para exercer exatamente as mesmas funções que vinha exercendo, pelo menos, desde abril de 2013, como continuou a exercê-las de forma imediata à cessação do anterior contrato de trabalho. Acresce que para demonstrar que o que o Autor foi contratado para fazer face a um acréscimo excecional de serviço os Réus, nomeadamente o 1º Réu, teria de demonstrar factos, não só que efetivamente naquele período temporal existia esse acréscimo, como que determinassem a relação que existia entre esse acréscimo de serviço e a contratação do Autor, não chegando para tal a referência a que aquele não tem nos seus quadros mão-de-obra disponível que faça face a tal incremento, em atenção à especificidade e à natureza do trabalho a realizar e, dado o carácter provisório e conjuntural dos serviços a executar. Ao invés, o que se apurou foi que o Autor continuou a fazer exatamente o mesmo que fazia antes, além de que o dito acréscimo de trabalho é precisamente a atividade que o 1º Réu realiza, não tendo sido especificado, nem demonstrado, que naquele período temporal se verificou o dito acréscimo excecional da atividade.

Sob a epígrafe “Admissibilidade de contrato de utilização de trabalho temporário” dispõe o artigo 175º, nº1, do CT que “O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do nº 2 do artigo 140º””.

E sob a epígrafe “Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo”, o artigo 140º, nº 1, do CT, estabelece que “O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”. O nº 2, alínea f) do mesmo artigo 140º, do CT (mencionado no contrato) estipula que “2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa; (…).”

  Em concreto, a nosso ver, além de uma insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho temporário, apurou-se que a necessidade de contratação do 1º Réu era permanente e não temporária, e muito menos decorria de uma qualquer “sobrecarga de trabalho a executar” devido ao início da época termal, fundamentada nos termos do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 140º por remissão do nº 1 do artigo 175º do Código do Trabalho.

Ademais, a 2ª Ré também provou que: o Autor foi contratado na sequência de um concurso público, feito pela Câmara Municipal ..., no qual esta pretendeu os serviços de cedência de trabalhadores temporários – não só do ora Autor, mas também de outros; tendo o nome do Autor sido indicado pela própria Câmara Municipal ...; o A. foi contratado pela R. A..., mediante um contrato de trabalho temporário, a termo certo, tendo este contrato subjacente um contrato de utilização de trabalho temporário, celebrado entre a R. A... e a entidade que necessitava dos serviços do trabalhador, a «Câmara Municipal ...»; o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário foi fornecido pela empresa utilizadora e era (é) da sua inteira e única responsabilidade; bem como, aliás, todos os restantes elementos com base nos quais a empresa de trabalho temporário elaborou o contrato de trabalho temporário com o trabalhador, tais como funções, local de trabalho, horário de trabalho e a retribuição a pagar ao trabalhador temporário.

Note-se, ainda, que a Câmara Municipal ... indicou que iria continuar a ter necessidade dos serviços do trabalhador temporário que lhe havia sido cedido para as mesmas funções, o ora A., pelo que foi elaborado um novo contrato de trabalho temporário, também a termo certo e insuscetível de renovação, com início a 3 de fevereiro e termo a 17 de fevereiro de 2020, com justificação na satisfação de um acréscimo excecional da atividade da empresa utilizadora (Câmara Municipal ...).

Como já acima deixámos, o recurso ao trabalho temporário apenas se admite a título excecional e para satisfação de necessidades meramente temporárias ou transitórias da atividade desenvolvida ou a desenvolver pelo utilizador de trabalho temporário, segundo motivações objetivas e taxativamente contempladas na lei.

Face a todo o apurado, sendo a contratação do Autor necessária à satisfação de necessidades permanentes da 1ª Ré, não decorrentes de qualquer acréscimo da atividade, e muito menos um acréscimo excecional, é falso o motivo justificativo do contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre os Réus.

Todavia, como se decidiu em sede de despacho saneador, é este Juízo do Trabalho materialmente incompetente para declarar a nulidade de tal contrato, não se deixando, no entanto, de considerar tal factualidade com reflexos diretos no contrato de trabalho temporário celebrado entre a 2ª Ré e o Autor.

Sendo falso (além de insuficiente como supra se deixou) o motivo justificativo da celebração do contrato de utilização do contrato de trabalho celebrado entre os Réus é também falso o motivo justificativo inserto no contrato de trabalho temporário celebrado entre a 2ª Ré e o Autor, pelo que este contrato está ferido de nulidade, o que leva a considerar-se “que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo…” – art. 176º, nº 3, do CT.

De tomo o modo há que considerar que o trabalho prestado pelo Autor o foi ao 1º Réu, sendo que foi este que indicou o motivo (falso como vimos) à Ré e indicou a esta que pretendia que fosse o Autor o trabalhador a contratar, o que a 2ª Ré fez.

(…)

Por outro lado, não se concorda com o Autor quando defende que deve considerar-se o contrato de trabalho do Autor como um contrato sem termo, sempre se contando a antiguidade do trabalhador desde o início da prestação do trabalho, isto é, desde o ano de 2001. Como acima decidimos, considerou-se que o vínculo contratual anterior do Autor se extinguiu, validamente, a 30.09.2019, por revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo entre o Autor e o seu empregador – Companhia das Águas de B..., EM, SA, e não com o 1º Réu.

Nestes termos, é nosso entendimento que dever-se-á considerar o contrato de trabalho do Autor com o 1º Réu como um contrato sem termo desde 02.10.2019.”

Vejamos:

Conforme ressalta da matéria de facto provada, ao contrário do alegado pelo recorrente, a justificação constante do contrato de utilização de trabalho temporário não é verdadeira e, pese embora o tribunal de 1ª instância se tenha declarado incompetente para declarar a nulidade de tal contrato de utilização, tal factualidade tem reflexos diretos no contrato de trabalho temporário celebrado entre a 2ª Ré e o Autor, inexistindo a alegada incorreta apreciação da prova documental.

Acresce que, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 180.º do CT, a propósito da nulidade do contrato de trabalho temporário <<caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no nº 2 do artigo 176º (…), considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, (…).>>, pelo que, não assiste qualquer razão ao recorrente quando alega que a responsabilidade é da empresa de trabalho temporário, posto que, como já ficou dito, o contrato de utilização não e válido (artigo 176.º, n.º 2 do CT), não sendo aplicável o disposto no n.º 2 o artigo 180.º do CT.

Assim sendo, acompanhamos a sentença recorrida, nada mais se impondo dizer.

Pelo exposto, improcedem as conclusões do recorrente.

6ª questão

Se os artigos 180.º, n.º 3, 176.º, n.º 3 e 173.º, n.º 3, todos do CT, na interpretação que lhes foi dada na sentença recorrida, são inconstitucionais por violação do disposto no artigo 47.º da CRP.

Alega o recorrente que:

- O tribunal, na interpretação que fez dos artigos 176.º n.º 3 e 173.º n.º 6 e 390.º do CT, equiparou a relação jurídica laboral prevista no CT à relação jurídica de trabalho em funções públicas na celebração de contrato, seja na sua validade, seja nas causas e formas da sua extinção.

- E ao declarar a nulidade do contrato de trabalho temporário celebrado com o autor e a 2.ª Ré o tribunal recorrido considerou-o contrato por tempo indeterminado celebrado com o 1.º Réu Município, o mesmo é dizer, com base num vínculo de emprego público e que a proibição de continuar a prestar serviço a partir do dia 17 de fevereiro de 2020 constitui um despedimento ilícito promovido pelo Réu.

- Donde decorre que as normas acima referidas, na interpretação que o tribunal lhe deu, transformando um contrato de natureza exclusivamente privada, a termo, em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, são inconstitucionais por violação do artigo 47.º da CRP.

- Está, assim, o tribunal, a tornar válido um contrato em funções públicas que é nulo por violação dos artigos 33.º a 38.º da LGTFP.

- Sendo que as consequências dessa invalidade estão previstas no artigo 53.º da LGTFP, em que apenas considera como efeitos daquela invalidade, o tempo em que o mesmo esteve em execução, isto é, entre 2 de outubro de 2019 e 17 de fevereiro de 2020.

- A cessação do contrato, por efeito da ordem dada pelo representante do Réu Município ao Autor naquele dia 17 de fevereiro, perante a recusa em celebrar novo contrato de trabalho temporário, para deixar o local de trabalho, mais não foi que a declaração de nulidade da sua relação laboral.

- Donde decorre que o autor não tem direito a qualquer compensação pela cessação do contrato, muito menos direito às retribuições que deixou de auferir a partir daquela data e até ao trânsito em julgado da sentença.

- A douta sentença fez, assim, incorreta aplicação do direito e das normas jurídicas previstas nos artigos 176.º, n.º 3 e 173.º, n.º 6, 390.º e 396.º,pois sendo o utilizador uma autarquia, a nulidade do contrato de trabalho temporário, tem os efeitos previstos no artigo 53.º da LGTFP.

Vejamos:

Na sentença recorrida decidiu-se que o contrato de trabalho temporário celebrado entre os Réus está ferido de nulidade, considerando-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo desde 02/10/2019 e que o mesmo foi ilicitamente despedido no dia 17/02/2020, com as legais consequências previstas nos artigos 389.º, n.º 1, 390.º e 391.º, todos do CT.

Ao contrário do alegado pelo recorrente, ao declarar a nulidade do contrato de trabalho temporário, o tribunal não o considerou um contrato por tempo indeterminado com base num vínculo de emprego público nem tornou válido um contrato em funções públicas que é nulo por violação dos artigos 33.º a 38.º da LGTFP, sendo certo que o Réu nunca antes invocou que “a cessação do contrato mais não foi que a declaração de nulidade da relação laboral”.

Acresce que o artigo 122.º do CT estabelece que:

<<1. O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.>>

E, por força do disposto no n.º 1 do artigo 123.º do CT, <<a facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato.>>

Assim sendo, facilmente se conclui que o Autor tem direito à compensação e indemnização por despedimento ilícito fixadas na sentença recorrida.

Por fim, resulta do artigo 47.º da CRP que:

<<1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade.

2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.>>

Ora, tendo em conta o que ficou dito, e sendo certo que não ocorreu qualquer transformação de um contrato de natureza privada a termo em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, não vislumbramos a invocada inconstitucionalidade das normas jurídicas aplicadas por violação do artigo 47º da CRP.

Desta forma improcedem as conclusões formuladas pelo recorrente.

Recurso do Autor:

1ª questão

Se a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Alega o recorrente que:

- Assinale-se desde logo a nulidade existente na sentença recorrida, por contradição entre a matéria provada nos factos provados (h) a (j) e a sua fundamentação, pois, se nos factos provados constata que a remuneração, local de trabalho e termos do contrato que vigoravam para o Autor desde 2001, veio depois dizer que não se deu como provado que a formalização de 2013 ocorreu sem operar qualquer alteração na antiguidade, categoria, funções, retribuição e condições de trabalho (facto não provado §1 página 21).

- Salvo melhor entendimento, ou se decide uma coisa, ou outra.

- Tal situação fere a sentença de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, pois, os fundamentos estão em oposição com os factos provados.

Vejamos:

A sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (artigo 615.º, n.º 1, c), do C.P.C.).

Existe oposição entre os fundamentos e a decisão <<quando os fundamentos invocados pelo julgador devam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na decisão>>[2].

Resulta dos pontos h) a J) da matéria de facto provada:

H) O Autor tinha como local de trabalho, desde o ano de 2001, B..., ..., ... ....

I) E como contrapartida do trabalho prestado pelo Autor, foi acordada a retribuição mensal ilíquida no montante de € 810,00 (oitocentos e dez euros), acrescido de subsídio de refeição no montante equivalente ao atribuído aos funcionários da Administração Local.

J) O Autor auferia também, por via desse contrato, subsídio de férias e subsídio de Natal.

Pois bem, o recorrente não invoca qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão.

Vem é alegar uma contradição entre a matéria de facto provada constante dos pontos (h) a (j) e a não provada descrita no 2º parágrafo do respetivo elenco, ou seja, que em 01.04.2013 a empresa Companhia das Águas das B.... E.M., S.A., propôs ao Autor a formalização do seu contrato por escrito, sem com isso operar qualquer alteração na antiguidade, categoria, funções, retribuição e demais condições de trabalho.

Assim sendo, inexiste qualquer nulidade que cumpra apreciar.

De qualquer forma, sempre diremos que não vislumbramos qualquer contradição entre a matéria de facto provada e não provada pois o que resulta da daquela é a celebração do contrato, em 01/04/2013, entre a empresa municipal e o Autor, do qual consta que o mesmo produz efeitos a partir daquela data, que tinha o local de trabalho indicado desde o ano de 2001 e a contrapartida do trabalho acordada (pontos F) a J)), não se retirando de tal matéria que os termos do contrato vigoravam para o Autor desde 2001.

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente.

3ª questão

Se o contrato de trabalho celebrado em 01/04/2013 formaliza a relação laboral existente entre as partes desde 01/03/2001, sendo nula a cláusula 3.ª, n.º 1, do mesmo contrato.

Alega o recorrente que:

- Resulta da matéria de facto a existência de uma relação laboral com início em 01/03/2001 e que em 2013 Autor e Réu formalizaram por escrito, com as condições laborais que sempre existiram.

- Ao reconhecer-se que a relação de trabalho existe naqueles termos desde 01/03/2001, deve declarar-se nula a cláusula 3.ª, n.º 1 do contrato de trabalho formalizado a 01/04/2013, por não corresponder à verdade e violar normas imperativas do direito do trabalho e direitos constitucionais do Autor, designadamente o da segurança no trabalho, previsto no artigo 55.º da CRP.

A este propósito decidiu-se na sentença recorrida o seguinte:

“O Autor começou por defender que começou por trabalhar nas Termas de ... em 01.03.2001 e assim continuou até 01.04.2013, altura em que a já então empresa municipal (que sucedeu à empresa privada Companhia das Águas de B..., S.A.) formalizou o seu contrato de trabalho por escrito, mas sem com isso operar qualquer alteração na antiguidade, categoria, funções retribuições e demais condições de trabalho, não obstante o que ficou a constar da cláusula 3ª do contrato, cuja nulidade também pediu. Com efeito, defendendo que foi contratado em 01.03.2001, nos termos alegados, trabalho que continuou a exercer nos mesmos moldes e condições a partir de 2009 quando o 1º Réu adquiriu a empresa Companhia das B..., SA., e a transformou em empresa municipal, prosseguindo a sua atividade, tendo como objetivos a promoção do desenvolvimento local e regional, nomeadamente a exploração das águas mineromedicinais e a gestão hoteleira e turística, ocorreu uma transmissão do estabelecimento da dita empresa privada para o 1º Réu e consequentemente a reversão do contrato de trabalho.

Discutida a causa não se apurou em que termos foi contratado o Autor em 01.03.2001 pela empresa Companhia das B..., SA, que explorava as Termas de ..., nem como decorreu a execução dessa relação laboral (prova que cabia ao Autor – art. 342º, nº 1, do CC; como acima se deixou nenhuma prova foi produzida quanto à categoria profissional do Autor, nem os moldes em que foi executado o contrato, tendo o mesmo admitido, em sede de declarações de parte, que “talvez até 2005” recebia dois salários distintos (sem os concretizar), metade quando era necessário e quando havia termas o salário era integral” (….) “depois combinou com o Dr. BB receber 14 vezes o salário completo …. talvez a partir de 2008 ou 2009”); ademais, também nenhuma prova foi produzida quanto ao modo como decorreu a execução do contrato entre 2009 até 2013, altura em que o Autor firmou com a empresa Companhia das Águas das B..., E.M., S.A, um contrato de trabalho por escrito. De todo o modo, dúvidas não temos de que o Autor iniciou uma relação laboral nas Termas de ... em 2001 (além do mais, tal foi também consignado no acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a empresa municipal), mas quanto à sua categoria profissional e concretas funções desempenhadas, só foi possível apurar tal matéria a partir de 2013, não havendo dúvidas que desde essa data o Autor era Assistente Técnico Administrativo, a quem incumbia “operacionalizar os processos da organização, participando na elaboração dos planos operacionais. Supervisionar as diferentes equipas de serviço, garantindo o normal funcionamento das termas”, o que continuou a fazer, nada se alterando, também quanto às demais condições de trabalho, nomeadamente remuneração base e subsídio de refeição.

Em conformidade com o exposto, consideramos que, para efeitos de início da relação laboral, haverá que atender a 01.03.2001.

Porém, como acima dissemos não foi possível apurar os termos e condições em que foi contratado o Autor, tudo levando a crer que o mesmo até só trabalhava a tempo parcial, nem foi possível apurar quanto auferia, como auferia, etc. (prova que cabia ao Autor e não logrou), pelo que, para efeitos das diuturnidades que peticiona será só de considerar o pedido a partir do contrato celebrado a 01.04.2013. Ademais, também não se apurou matéria factual suficiente que nos permita concluir pela nulidade da cláusula 3ª do contrato de 01.04.2013, pois que aí se diz, apenas, salvo melhor opinião, que aquele contrato, nos moldes e condições ali explicitadas produz efeitos a partir daquela data, nada negando acerca da relação laboral anteriormente estabelecida (de cuja existência ficámos totalmente convencidos), mas que, ao que tudo indica, estabelecida em termos e condições distintas das estipuladas a partir de 01.04.2013, como o próprio Autor confessou em sede de julgamento.

Assim, temos que a partir de 01.04.2013, o Autor foi contratado como Assistente Técnico Administrativo; e como contrapartida do trabalho prestado pelo Autor, foi acordada a retribuição mensal ilíquida no montante de €810,00 (oitocentos e dez euros), acrescido de subsídio de refeição no montante equivalente ao atribuído aos funcionários da Administração Local; com subsídio de férias e subsídio de Natal.”

Pois bem, tendo em conta a matéria de facto provada, acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.

Na verdade, ao contrário do alegado pelo recorrente, da matéria de facto não se extrai a existência de uma relação laboral com início em 01/03/2001 formalizada por escrito em 2013, com as condições que sempre existiram, pelo que, não se pode concluir pela falsidade do n.º 1 da cláusula 3.ª do contrato celebrado em 01/04/2013, nem se vislumbra a violação de normas imperativas do direito do trabalho ou de normas constitucionais, posto que, o facto de existir uma relação laboral anterior, sem mais, não impede as partes de celebrarem um novo contrato, ao que acresce o facto de não se terem apurado as condições e termos concretos da contratação anterior.

Assim sendo, improcedem as conclusões do recorrente.

4ª questão

Se é nulo o acordo de cessação do contrato de trabalho do Autor celebrado em 30/09/2019.

Alega o recorrente que:

- É nulo o acordo de cessação do contrato de trabalho do Autor assinado em 30-09-2019 que não passou de um mero meio ardiloso de o 1.º Réu ultrapassar as imposições exigidas para a liquidação da empresa, designadamente os artigos 154.º, 158.º e 163.º do CSC.

- O 1.º Réu jamais pretendeu cessar qualquer contrato de trabalho – tanto assim é que já havia negociado a continuidade dos postos de trabalho, por meio da 2.ª Ré e através de contratos precários – sem que houvesse cessado ainda os contratos de trabalho dos trabalhadores – doc. 1 da contestação da 2.ª Ré.

- O Recorrente não aceitou o acordo de revogação do contrato de trabalho, porquanto, colocou o valor recebido à disposição do 1.º e 2.ª Réus, nos termos da petição inicial, deduzindo os referidos montantes ao pedido.

- Erradamente sentenciou o Tribunal a quo que o Autor aceitou o acordo de cessação, pelo que, a sentença violou o artigo 350.º do CT numa interpretação que carece de razoabilidade, pois, o artigo em crise versa sobre o direito de arrependimento dos trabalhadores e, in casu, arrependimento algum poderia existir.

- O 1.º Réu levou o Autor a assinar um acordo com manifesto erro de vontade, nulo por via disso, designadamente, no que tange à quitação do valor que recebeu, pois, em boa verdade, o Autor não sabia o que estava a assinar, nomeadamente no que diz respeito à eliminação de direitos laborais conquistados ao longo de 20 anos.

-Acresce como causa de nulidade do acordo de cessação a violação do direito constitucional de segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da CRP, e o disposto no artigo 129.º, n.º 1, al. j), do CT, que prevê expressamente a proibição de o empregador fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade, como efetivamente ocorreu no presente caso.

- Outra razão da nulidade do acordo de cessação deriva do vício de vontade do Autor, pois, face à prova produzida, é manifesto que o 1.º Réu, que era o efetivo empregador do Autor desde 2009, usou de reserva mental – fraude, erro sobre os motivos e dolo.

- Os trabalhadores, como o Autor, outorgaram o acordo de cessação na convicção de que aquele seria o único meio de proceder à liquidação da empresa municipal, e só por isso o assinaram, sendo esse um elemento essencial para a formação da sua vontade de firmar.

- Ademais, as partes reconheceram no acordo a essencialidade do motivo, que é outro requisito necessário para que se aplique a norma do artigo 252.º do CC, aplicável in casu, e que o Tribunal a quo descurou.

- Se o Autor conhecesse o verdadeiro estado das coisas jamais teria querido o negócio, como o próprio afirmou em sede de declarações de parte.

- Concomitantemente se diga que 1.º Réu agiu com dolo, pois, empregou um artifício com a intenção e consciência de induzir o Autor em erro e incumpriu com o seu dever de elucidar o trabalhador.

- Aliás, coagindo verdadeiramente os trabalhadores, pois, aquela cessação do contrato de trabalho foi-lhes apresentada como a única forma de manterem os seus empregos

Vejamos:

Impõe-se dizer, desde já, que estas alegações do recorrente assentam em factos que não resultaram provados razão pela qual acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se decidiu:

Porém, também se provou que, em 30.09.2019, foi apresentado ao Autor, pela Companhia das Águas de B..., EM, S.A. um documento denominado “Acordo de cessação do contrato de trabalho por mútuo consentimento”, sendo aquela empresa totalmente detida pelo 1º Réu, “em consequência da entrada da entidade empregadora em processo de dissolução e liquidação, conforme deliberação da Assembleia Municipal ... de 29.12.2017”. – cfr. documento junto como doc. nº 5, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

O referido acordo de cessação foi aceite pelo Autor.

Nos termos do acordo de cessação do contrato de trabalho com a Companhia das Águas das B..., EM, SA,, o Autor recebeu daquela empresa municipal em liquidação, em 26 de novembro de 2019, a título de compensação pela extinção do contrato de trabalho a quantia de 9.720,00€, acrescida de todas as remunerações e subsídios a que tinha direito, vencidos e vincendos, num total de 11.212,35 €; cfr. doc. nº 2 junto com a contestação do 1º Réu que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Em tal acordo e após o recebimento da referida quantia, o Autor declarou que nada mais lhe era devido por efeito da cessação do contrato de trabalho.

Após o dito acordo de cessação, e nos sete dias subsequentes ou depois até à instauração da presente ação, o Autor nada disse acerca da cessação/extinção do contrato de trabalho e aceitou a compensação paga.

Ao contrário do alegado pelo Autor, não se provou que: “o acordo de cessação do contrato de trabalho apresentado ao Autor, com fundamento no facto de ser “consequência da entrada da entidade empregadora em processo de dissolução e liquidação, conforme deliberação da Assembleia Municipal ... de 29/12/2017”, mais não foi do que um mecanismo encontrado pela 1ª Ré para preenchimento de um requisito de liquidação da empresa municipal, fazendo cessar os vínculos com os trabalhadores dos quadros da empresa extinta; embora com a intenção de manter aqueles trabalhadores ao seu serviço – como manteve – mas ao abrigo de contratos de trabalho temporário, em claro prejuízo da sua antiguidade e do vínculo contratual estabelecido há longos anos; foi assim incutido ao Autor, pelo 1º Réu, que não teria alternativa à cessação daquele acordo, em virtude da extinção da empresa municipal Companhia das Águas de B..., S.A.; e só nesse pressuposto foi aceite pelo Autor que, de outro modo, nunca nele teria assentido; ao mesmo tempo que era apresentado o acordo de cessação do contrato de trabalho era também garantido ao Autor que aquele seria novamente, e de imediato, contratado, nada se alterando quanto à sua categoria, funções, horário, férias e respetivos subsídios; e nunca foi dito ao Autor que a assinatura e aceitação daquele acordo de revogação significariam, de futuro, uma situação de precariedade para o Autor; ao invés, sempre foi transmitido ao Autor, pelo 1º Réu, que não havia intenção de fazer cessar, de facto, o contrato de trabalho; do que aqui se tratou foi de uma verdadeira ficção de rescisão, por parte da 1ª Ré, que não tinha intenção de fazer cessar, de facto, os contratos de trabalho; foi um meio que a 1ª Ré encontrou para preenchimento de um requisito da liquidação da empresa municipal; fazendo com que os trabalhadores deixassem de constar dos quadros, de forma a que deixassem de constar do balanço como uma obrigação e assim encerrar a liquidação.”

E também não se provou que na data da extinção da empresa municipal, data em que estava concluída toda a internalização da atividade do Réu Município, o contrato de trabalho do Autor ainda não tinha sido revogado por mútuo acordo (prova que também competia ao Autor).

Assim, não se vislumbra que a empresa municipal estivesse impedida de fazer cessar o contrato de trabalho por acordo com o Autor, não obstante estar em curso processo de internalização por parte do 1º Réu, ou sequer, que também este estivesse impedido de o fazer, dadas as regras jurídicas do contrato de trabalho aplicáveis no caso.

O acordo de cedência de interesse público dos trabalhadores estava previsto na aprovação da liquidação e cessava no final do prazo de liquidação da empresa municipal, não se tendo apurado que ocorreu após 30.12.2019. O acordo de cedência de interesse público do Autor foi feito nos precisos termos em que foi aprovada em Assembleia Geral da empresa municipal e duraria enquanto fosse necessária para a internalização total da atividade da empresa municipal e incumbia aos liquidatários da empresa municipal promover a extinção dos postos de trabalho, sob a forma prevista na lei, seja por acordo, seja com recurso ao despedimento coletivo ou à extinção individual e concreta do posto de trabalho.

Como é sabido, nos termos do artigo 349.º, n.º 1, do CT, Código empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo (nº 1). Mas segundo o nº 2 do mesmo preceito legal, o acordo de revogação “deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar”. Além disso, o documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação (nº 3). As partes podem, simultaneamente, acordar outros efeitos, dentro dos limites da lei (nº 4). Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta (nº 5).

Temos, pois, que é fundamental para que se verifique a extinção por mútuo acordo ou revogação do contrato de trabalho a existência de um acordo entre as partes nesse sentido. Por definição, se o acordo de vontades que deu vida ao contrato se pode renovar com o fito de pôr fim a esse mesmo contrato, mister é que ele exista para que possa afirmar-se a cessação do contrato por essa via.

 O Autor, em 30.09.2019, concordou na revogação do contrato de trabalho, acordo assinado pelas partes, de onde expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos – 30.09.2019, bem como é aplicável o disposto no art. 349º e ss do CT; mais estabelecendo uma compensação pecuniária global para o Autor referente a créditos vencidos à data da cessação do contrato e exigíveis em virtude desta.

No caso foram verificados os requisitos de forma impostos no art. 349º, do CT.

E nos termos do art. 350º, do CT:

“1 - O trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração.

2 - O trabalhador, caso não possa assegurar a recepção da comunicação no prazo previsto no número anterior, deve remetê-la por carta registada com aviso de recepção, no dia útil subsequente ao fim do prazo.

3 - A cessação prevista no n.º 1 só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho.

4 - Exceptua-se do disposto nos números anteriores o acordo de revogação devidamente datado e cujas assinaturas sejam objecto de reconhecimento notarial presencial, nos termos da lei.”

Vistos os factos dados como provados, o Autor aceitou o acordo, recebeu a compensação, e nada disse em contrário nem nos sete dias subsequentes nem até à data da propositura da presente ação, nem devolveu a compensação recebida por força do acordo de cessação. Verificou-se, pois, a cessação do contrato por acordo das partes e, deste modo, operou-se a extinção do vínculo contratual existente entre o Autor e a Companhia das Águas de ..., EM, SA, desde 2001 até 30.09.2019.

Defendeu o Autor que é irrelevante e nulo o acordo da cessação do contrato de trabalho, porquanto “o acordo de cessação do contrato de trabalho apresentado ao Autor, com fundamento no facto de ser “consequência da entrada da entidade empregadora em processo de dissolução e liquidação, conforme deliberação da Assembleia Municipal ... de 29/12/2017”, mais não foi do que um mecanismo encontrado pela 1ª Ré para preenchimento de um requisito de liquidação da empresa municipal, fazendo cessar os vínculos com os trabalhadores dos quadros da empresa extinta; embora com a intenção de manter aqueles trabalhadores ao seu serviço – como manteve – mas ao abrigo de contratos de trabalho temporário, em claro prejuízo da sua antiguidade e do vínculo contratual estabelecido há longos anos; foi assim incutido ao Autor, pelo 1º Réu, que não teria alternativa à cessação daquele acordo, em virtude da extinção da empresa municipal Companhia das Águas de B..., S.A.; e só nesse pressuposto foi aceite pelo Autor que, de outro modo, nunca nele teria assentido; ao mesmo tempo que era apresentado o acordo de cessação do contrato de trabalho era também garantido ao Autor que aquele seria novamente, e de imediato, contratado, nada se alterando quanto à sua categoria, funções, horário, férias e respetivos subsídios; e nunca foi dito ao Autor que a assinatura e aceitação daquele acordo de revogação significariam, de futuro, uma situação de precariedade para o Autor; ao invés, sempre foi transmitido ao Autor, pelo 1º Réu, que não havia intenção de fazer cessar, de facto, o contrato de trabalho; do que aqui se tratou foi de uma verdadeira ficção de rescisão, por parte da 1ª Ré, que não tinha intenção de fazer cessar, de facto, os contratos de trabalho; foi um meio que a 1ª Ré encontrou para preenchimento de um requisito da liquidação da empresa municipal; fazendo com que os trabalhadores deixassem de constar dos quadros, de forma a que deixassem de constar do balanço como uma obrigação e assim encerrar a liquidação.”

Além de o Autor não ter feito prova destes factos, no âmbito da relação laboral privada estabelecida entre as partes era lícito às mesmas fazer cessar o contrato de trabalho por acordo, como, aliás, fizeram, tendo o Autor, relembre-se, recebido compensação que não restituiu. E não se apurou que tal acordo foi efetuado antes da extinção e conclusão da internalização da atividade do Réu Município; pelo contrário, tudo indica que antes disso já o autor tinha revogado o seu contrato por mútuo acordo com a empresa municipal, pelo que, a nosso ver, afastada está a nulidade do acordo e a efetivação da transmissão do estabelecimento/unidade económica.

Concluindo pela validade da cessação da relação laboral por acordo entre o Autor e a Companhia das Águas de B..., EM, SA; cumpridos os requisitos formais do acordo e tendo o Autor aceite a compensação que lhe foi paga, nada tem a haver do 1º Réu.”

Desta forma improcedem as conclusões do recorrente.

5ª questão

Se os créditos laborais não se encontram prescritos.

Alega o recorrente que:

- Aceite a relação laboral existente ente 01-03-2001 e 17-02-2020 – até porque a nulidade do contrato celebrado entre o Autor e 2.ª Ré foi decretada –, e reconhecido o despedimento ilícito do Autor nesta data, os créditos laborais do Autor não se encontram prescritos em virtude do disposto no artigo 337.º do CT e 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro.

- Assim, são devidos a título de diuturnidades € 2.254,50 (dois mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), a que acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a data de vencimento de cada uma das diuturnidades devidas, até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

- São ainda devidos ao Autor importâncias a que tem legitimamente direito, a saber: 22 dias de férias vencidos em 1 de janeiro de 2019 e não gozados, no montante de € 838,40 (oitocentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos); 22 dias de férias vencidos em 1 de janeiro de 2020 e não gozados, no montante de € 838,40 (oitocentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos); subsídio de férias vencido em 1 de janeiro de 2020, no montante de € 838,40 (oitocentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos). Valores a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal civil de 4% desta a data de vencimento (17-02-2020) até seu efetivo e integral cumprimento.

Vejamos:

Mais uma vez o recorrente baseia as suas alegações em factos que não resultaram provados.

Assim sendo, tendo em conta a matéria de facto provada, acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se decidiu:

Quanto aos créditos laborais peticionados, ainda que não tivesse sido estabelecida uma compensação pecuniária (que foi como vimos e tendo o Autor declarado que nada mais lhe era devido), como defendeu o 1º Réu, tendo o contrato de trabalho cessado, de forma válida e regular, ocorreu a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação ao abrigo do disposto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, uma vez que o contrato de trabalho cessou em de 30.09.2019 e o Autor intentou a presente ação em 17.07.2021.

 Sobre a prescrição dos créditos laborais dispuseram os arts. 38º, nº 1, da LCT e 381º, nº, 1 do CT/2003; e, atualmente, dispõe o art. 337º, nº 1 do CT/2009, sob a epígrafe “Prescrição e prova de crédito” que:

 “1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

2 - O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo”.

Deste normativo legal decorre que (como antes) que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Como acima se concluiu, o contrato de trabalho do Autor cessou, de forma lícita em 30.09.2019. Só a 17.07.2021 é que o Autor, através da presente ação, veio peticionar a indemnização por despedimento ilícito, retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e outros créditos laborais devidos desde 2001.

É certo que o Autor defendeu que o despedimento ilícito ocorreu em fevereiro de 2020, após firmar contrato de trabalho com a 2ª Ré, mas, de acordo com o nosso entendimento e como acima deixámos, o contrato de trabalho que o Autor tinha com a empresa municipal cessou, validamente, por acordo das partes, extinguindo-se aí a relação laboral antes estabelecida.

Assim, prescreveram todos os créditos que o Autor, eventualmente, detivesse perante a empresa municipal em liquidação, que os podia exercer, até 30.09.2020 (e mesmo contando com os 78 dias de suspensão da prescrição como fixado no artigo 7.º da Lei 1-A/2020, a presente ação devia ter dado entrada no Tribunal até ao dia 04.01.2021, o que não aconteceu), ficando, assim, prejudicado o seu conhecimento.

Nessa conformidade, sem necessidade de mais considerandos, terá de proceder a invocada exceção de prescrição que, como é sabido, consubstancia, atento o disposto no art. 493º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, exceção perentória que importa a absolvição do 1º Réu do pedido quanto a créditos laborais peticionados pelo Autor desde 2001 até 30.09.2019.”

Pelo exposto, improcedem as conclusões do recorrente.

6ª questão

Se a indemnização por despedimento ilícito devia ter sido fixada em 45 dias de retribuição por cada ano de trabalho desde 01/03/2001 até 17/02/2020.

Alega o recorrente que:

- Para efeitos do disposto no artigo 391.º do CT, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição por ano, como decretou a primeira instância, é parca face aos especiais deveres de conduta e proteção dos cidadãos a que está obrigado o 1.º Réu e, ademais, ao grau de culpabilidade e ilicitude com que pautou a sua conduta.

- Cremos assim que somente se fará justiça com uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição por cada ano de trabalho, tendo por referência que a relação de trabalho do Autor deve ser atendida entre 01-03-2001 e 17-02-2020.

- Assim, a indemnização decretada ao Autor deverá ser determinada em valor nunca inferior a € 23.846,16 (vinte e três mil, oitocentos e quarenta e seis euros e dezasseis cêntimos).

Mais alega o recorrente que:

- Em virtude do despedimento ilícito do Autor, e para efeitos do disposto no artigo 390.º, n.º 2, al. b), do CT, são aplicáveis as normas de suspensão de prazos em virtude da situação pandémica e impostos pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, pelo que devem ser somente deduzidos os montantes das retribuições relativas ao período decorrido desde 18-02-2020 até 07-01-2021.

A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte:

“Por outro lado, não se concorda com o Autor quando defende que deve considerar-se o contrato de trabalho do Autor como um contrato sem termo, sempre se contando a antiguidade do trabalhador desde o início da prestação do trabalho, isto é, desde o ano de 2001. Como acima decidimos, considerou-se que o vínculo contratual anterior do Autor se extinguiu, validamente, a 30.09.2019, por revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo entre o Autor e o seu empregador – Companhia das Águas de B..., EM, SA, e não com o 1º Réu.

Nestes termos, é nosso entendimento que dever-se-á considerar o contrato de trabalho do Autor com o 1º Réu como um contrato sem termo desde 02.10.2019.

Aqui chegados, e tendo-se concluído que o Autor prestou o seu trabalho ao 1º Réu – utilizador - com base em contrato de trabalho sem termo desde 02.10.2019, importa saber se o mesmo foi ou não ilicitamente despedido e a resposta tem de ser afirmativa.

(…)

Ante o exposto, não há dúvidas de que ocorreu um despedimento de facto e ilícito – art. 381º, als. b) e c), o que se reconhece e declara.

(…)

Cumpre, então, retirar as consequências advenientes do despedimento ilícito operado pelo 1º Réu com o qual o Autor estabeleceu (ope legis) um contrato de trabalho sem termo desde 02.10.2019.

O Autor pediu: as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do disposto no artigo 390º do Código do Trabalho; uma indemnização por despedimento em substituição da reintegração, devendo a mesma ser fixada, atenta a especial gravidade dos atos praticados pelas Rés no montante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade;

(…)

Havendo cessação do contrato de trabalho, e tratando-se de um despedimento ilícito, cumpre, em seguida, apreciar as suas consequências jurídicas, de acordo com o plasmado nos artigos 389.º, nº 1, 390.º e 391.º, todos do Código do Trabalho.

A este propósito, dispõe o artigo 389.º do Código de Trabalho que: “1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais; b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º. 2 - No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.os 1 e 3 do artigo 356.º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 391.º”.

 Em face da ilicitude do despedimento, e da opção pelo Autor da indemnização, há que ponderar o cálculo da indemnização devida e das retribuições que deixou de auferir, nos termos do disposto nos artigos 388º a 391º do CT.

Preceitua o n.º 1 do artigo 390º, que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, às quais se deduzem, nos termos do n.º 2, as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

As retribuições a pagar são as correspondentes à retribuição base ilíquida (artigo 262.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho) na medida em que resulta do preceito legal mencionado que “a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais. Nesta situação compete ao empregador fazer os devidos descontos legais, bem como reter e pagar, quer a nível de contribuições para a Segurança Social, quer a nível de IRS” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/05)2016, no processo n.º 659/12.6TTMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt).

O pagamento das retribuições intercalares inclui a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22.02.2017, no processo n.º 659/12.6TTMTS.P2-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Já não se inclui no referido pagamento o subsídio de alimentação na medida em que o Autor não alegou nem provou que o valor que excede os gastos normais que o trabalhador suporta com a sua alimentação quando vai trabalhar (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22.02.2017, no processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Discutida a causa apurou-se que o trabalhador foi despedido a 17.02.2020, não mais tendo trabalhado. Contudo, só intentou a ação a 17.07.2021, pelo que, e além do mais, têm de ser deduzidas as retribuições relativas ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação (de 18.02.2020 até 17.06.2021).

Assim sendo, deve o 1º Réu ser condenado a pagar ao Autor as retribuições intercalares que incluem a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal (base) que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, às quais devem ser deduzidas, à data, as retribuições recebidas pelo Autor a título de subsídio de desemprego que o 1º Réu deve entregar à Segurança Social e, bem assim, deduzidos os montantes que, entretanto, o Autor passou a auferir com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como, as retribuições relativas ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação (de 18.02.2020 até 17.06.2021).

Como já acima deixámos, o Autor optou pela indemnização a que alude o artigo 391.º do Código do Trabalho.

Estabelece o artigo 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que “Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º”,

A indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, devendo atender-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial (n.ºs 2 e 3).

Considerando o critério da ilicitude do despedimento, entende-se que não se pode aplicar uma indemnização próxima do limite máximo por se considerar que está reservado para situações mais gravosas do que a do presente processo como sejam os despedimentos com invocação de motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos ou com invocação de factos, não provados, que integrem crimes.

Deverá, ainda, atender-se à antiguidade do Autor (trabalhou 4 meses e 15 dias) e ao tempo decorrido desde o despedimento.

Tudo ponderado entende-se que uma indemnização correspondente a 30 (trinta) dias de retribuição base se mostra adequada, proporcional e justa, o que equivale a um montante total de 2.430,00€ (810,00€x 3 meses de salário).”

Tendo em conta a matéria de facto provada acompanhamos a sentença recorrida pouco mais se impondo dizer.

Na verdade, tendo em conta todo o circunstancialismo que rodeou o despedimento, afigura-se-nos adequada e proporcional a indemnização correspondente a 30 dias de retribuição, inexistindo fundamento legal para fixar a mesma em 45 dias, posto que, pese embora seja baixo o valor da retribuição também o é o grau de ilicitude.

Quanto ao mais:

Por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 (e respetivas alterações), todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, sendo que, a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. 

Assim sendo, são os prazos para a prática de atos processuais que ficam suspensos, constituindo a situação excecional causa de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade.

Ora, a dedução prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 390.º do CT não consubstancia qualquer prazo para a prática de ato processual, pelo que, não lhe é aplicável a suspensão prevista na citada lei.

Assim, tal como conta da sentença recorrida devem ser deduzidas as retribuições relativas ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, ou seja, de 18/02/2020 até 17/06/2021.

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente.

7ª questão

Se devia ter sido fixada uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a € 3.500,00.

Esta questão encontra-se prejudicada por força da apreciação da 2ª questão do recurso interposto pelo Réu e na qual se concluiu pela improcedência do pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado pelo Autor.

8ª questão

Se o Réu deve ser condenado a pagar ao Autor a quantia peticionada a título de crédito de horas de formação.

Alega o recorrente que:

- O Autor provou que jamais lhe foram prestadas horas de formação nem sequer o pagamento dos respetivos créditos que ascendem ao montante de € 580,65.

Por outro lado, foi aditada à matéria de facto um ponto com o seguinte teor:

BBBB) O Réu não assegurou ao Autor quaisquer horas de formação.

Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.

Conforme resulta dos artigos 131.º, n.º 2 e 132.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CT, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua (40 horas a partir de 01/10/2019, data da entrada em vigor da Lei n.º 93/2019, de 04/09), sendo que, as horas de formação previstas no n.º 2 do artigo 131.º que não forem asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador.

Acresce que, <<o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição>> – n.º 6 do artigo 132.º do CT.

E, <<cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação>> - artigo 134.º do CT.

Por outro lado, como se decidiu no acórdão da RP, de 03/06/2019, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:

<<Não obstante a redação do artigo 134.º do CT/2009 permitir, dada a utilização da locução “ou”, mais do que uma leitura, a interpretação que mais se aproxima com o espírito da norma não pode deixar de ser aquela que impõe que, em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido), quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.>>

Assim sendo, tendo em conta que o contrato se iniciou em 02/10/2019 e cessou no dia 17/02/2020, o Autor apenas tem direito ao número de horas proporcional ao tempo de duração do contrato, ou seja, a 15 horas.

Cumpre, então, apurar o valor da retribuição horária, sendo que, nos termos do disposto no artigo 271.º do CT, esta retribuição é calculada segundo a fórmula (Rm x 12) : (52 x n), sendo Rm o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal.

Pelo exposto, o A. tem direito a receber a quantia total de € 80,10 (€ 5,34 (€ 810,00x12:52x35) x 15 h), a título de horas de formação não ministrada.

Procedem, assim, parcialmente, as conclusões do recorrente.

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Na parcial procedência das conclusões dos recorrentes impõe-se a manutenção e revogação da sentença recorrida em conformidade.

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                                                             *

IV – Sumário[3]

(…).

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                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência dos recursos, acorda-se:

- em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o Réu Município ... a pagar ao Autor a quantia de € 1.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se o Réu deste pedido;

- em condenar o Réu Município ... a pagar ao Autor a quantia de € 80, 10 (oitenta euros e dez cêntimos) a título de horas de formação não ministrada e, no mais,

- em manter a sentença recorrida.

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Custas do recurso do Réu: a cargo deste e do Autor na proporção de 5/6 e 1/6, respetivamente.

Custas do recurso do Autor: a cargo deste e do Réu na proporção de 7/8 e 1/8, respetivamente.

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Coimbra, 2024/11/08

                                                                           

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(Paula Maria Roberto)

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(Mário Rodrigues da Silva)

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  (Felizardo Paiva)


[1] Relator – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                   – Felizardo Paiva

[2] Acórdão do STJ, de 14/01/2010, disponível em www.dgsi.pt.
[3] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.