Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1250/20.9T8VIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
CESSAÇÃO DA UNIÃO DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 414.º, DO CPC
ARTIGOS 1.º, 1 E 2, DA LEI 7/2001, DE 11/5
ARTIGOS 220.º; 289.º, 1 E 2; 342.º, 1; 346.º; 457.º; 473.º, 1 E 2; 474.º; 478.º; 479.º; 804.º, 1 E 2; 805.º, 1; 806.º, 1 E 2; 940.º E SEG.S; 954.º; 1142.º; 1143.º; 1145.º, 1; 1730.º, 1 E 2; 1766.º, 1, C) E 1791.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: - As relações patrimoniais das pessoas unidas de facto estão sujeitas ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais;
- A composição dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção, deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada àquela composição;
- O princípio da correcta ordenação jurídica dos bens exige que um benefício atribuído em função ou em consideração de um dado estado ou qualidade, deva ser restituído uma vez cessado aquele estado ou extinta esta qualidade;
- O desaparecimento da causa jurídica – a união de facto - á sombra da qual foi realizada uma prestação, dá lugar ao enriquecimento injustificado do beneficiário dessa prestação, determinante da constituição, a favor do empobrecido, de uma pretensão dirigida à restituição desse enriquecimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
AA propôs, no Juízo Central Cível de Viseu, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da última a pagar-lhe a quantia de € 88 107,84 e juros desde a citação até pagamento.
Fundamentou esta pretensão no facto de ter vivido em união de facto com a ré desde .../.../2007 até Agosto de 2019, com economias separadas, repartindo apenas as despesas comuns, de por escritura pública de 24 de Agosto de 2016 ter adquirido por € 38 500,00 o usufruto de uma fracção autónoma de prédio urbano, tendo a ré adquirido, por€ 75 500,00 a nua propriedade, fracção que foi paga com dinheiro próprio, tendo ainda suportado todos os emolumentos e impostos relativos à aquisição, de ter suportado uma dívida da ré, no valor de € 9 601,81 à Autoridade Tributária, e pago o vencimento, no valor de € 152,00 mensais, dos meses de Dezembro de 2018 e Maio e Junho de 2019, da empregada doméstica contratada pela ré para a limpeza da sua habitação, de ter emprestado à ré € 5 256,03, sem ter sido convencionado prazo para o reembolso, e de a última ter ficado enriquecida com a nua propriedade do imóvel e com as quantias que pagou por sua conta, sem causa legítima para tal, na medida em que o relacionamento, união de facto, que o justificou, entretanto terminou.
A ré defendeu-se por excepção dilatória, alegando a nulidade de todo o processo por ineptidão, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, e por impugnação, negando a veracidade dos factos articulados pelo autor, com excepção dos relativos à vivência em comum, mas apenas até Junho de 2019, e afirmando que os valores para a aquisição do imóvel lhe foram doados e que o autor pagou a dívida à Autoridade Tributária e transferiu para a sua conta a quantia de € 5 256,03, com espírito de liberalidade.
Oferecido pelo autor o articulado de réplica - no qual alegou que suportou o pagamento, designadamente, do preço da aquisição do imóvel, dos emolumentos e encargos relacionados com a aquisição, e o vencimento da empregada doméstica apenas porque vivia em união de facto com a ré e que o único pagamento em que alegou um empréstimo é o relativo à quantia de € 5 256,03, mútuo, caso se conclua que existiu, é nulo por falta de forma - a Sra. Juíza de Direito julgou verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e absolveu a ré da instância, decisão que, todavia, foi prontamente revogada por decisão sumária desta Relação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa absolveu a ré do pedido.
É esta sentença que o autor impugna no recurso - no qual pede a sua revogação e substituição por outra que condene a apelada a pagar-lhe a quantia de € 88 107,84 acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa - tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:
I. O Recorrente discorda da decisão do facto do Tribunal recorrido, desde logo por ter sido julgado não provado “Que o Autor tenha entregue à Ré o montante de €5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) a título de empréstimo.” E “Que a Ré tenha dito necessitar de tal montante para fazer face a dívidas contraídas.”
II. Resulta, inequivocamente, do depoimento de parte do A., aqui Recorrente, corroborado nessa parte pelo depoimento das testemunhas CC e DD, que este entregou à Recorrida o montante de €5.256,03 a título de empréstimo, de que esta última necessitava para fazer face às dívidas que resultavam das obras realizadas na sua casa
III. Ao considerar como não provada a existência do empréstimo o Tribunal a quo contradiz flagrantemente a matéria que consta dos pontos 1.21. e 1.22., onde se dão como provados os elementos caracterizadores do contrato de empréstimo.
IV. Nesta conformidade, ao elenco dos factos provados, deverão ser acrescentados dois pontos com o seguinte teor:
1. 48. - “O Autor entregou à Ré o montante de € 5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) a título de empréstimo”, e 1.49. “A Ré disse necessitar de tal montante para fazer face a dívidas contraídas”.
V. Ainda no que toca à matéria de facto, entende o ora recorrente que, dos transcritos depoimentos, de parte do A. e das suas testemunhas, era forçoso que o ponto 1.25. do elenco dos factos provados tivesse uma redacção mais abrangente, de forma a considerar que foi também em razão da união de facto, que o A. efectuou as demais transferências patrimoniais (pagamentos) em benefício da A.. Assim, o ponto 1.25. deverá passar a ter a seguinte redacção:
1.25. “Foi em razão dessa causa - a união de facto - que a R. adquiriu a propriedade exclusiva do imóvel e que o A. efectuou os pagamentos referidos em 1.23”.
VI. Os pontos 1.28., 1.29., 1.30., 1.33., 1.34., 1.35., 1.36., 1.37., 1.38., 1.39., 1.43., 1.46. e 1.47. foram incorrectamente julgados, ao considerar que tudo aconteceu por mero altruísmo e espírito de liberalidade do A., pelo que deverão os mesmos ser expurgados de todas as considerações que justificam a actuação do A. com essa motivação e alguns deles suprimidos in totum, como a seguir se explicita.
VII. Deverá, assim, a redacção desses pontos ser alterada nos seguintes termos: VII.I. 1.28. “Ao tempo em que o autor e a ré viviam em condições análogas às dos cônjuges o autor aumentou os ativos da ré à custa do seu património”.
VII.II. 1.29. “Fê-lo com transferência de dinheiro para as despesas decorrentes da comunhão da vida, para pagamento de compromissos”.
VII.III. 1.30. “A vontade do autor era que a ré tivesse dinheiro para cumprir com os seus compromissos”.
VII.IV. Os pontos 1.33., 1.34., 1.36., 1.37., 1.38., 1.39. e 1.43. devem ser excluídos do elenco de factos provados, até pela sua intrínseca contradição com a demais matéria aprovada.
VII.V. 1.35. “O pagamento do preço do imóvel e demais despesas inerentes à aquisição do mesmo, foi efectuado pelo autor por sua iniciativa”.
VII.VI. 1.46. “O autor, antes da presente ação, solicitou a restituição do imóvel da ... e das restantes quantias com que favoreceu a Ré, designadamente através de email de 10 de janeiro de 2020 e de carta assinada pela sua mandatária”.
VII. VII. 1.47. “O valor de €5.256,03 foi transferido pelo autor para a conta da ré, por sua iniciativa”.
VIII. Mesmo que nenhuma modificação fosse promovida ao acervo factual considerado provado pelo tribunal recorrido, ainda assim, bastaria este para levar à procedência da acção, o que apenas não aconteceu por erro na aplicação das regras do bom direito aos factos, o que se assinala sempre com o respeito que é devido por opinião diversa.
IX. Resultou provado que o Recorrente pagou a dívida da Recorrida à Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de € 9.608,81, assim como lhe entregou € 5.256,03, transferidos para a sua conta bancária, pagamentos que o Recorrente fez em razão da união de facto, e na condição da subsistência dessa relação.
X. O mesmo sucedeu com o imóvel da ..., cujo preço de aquisição foi integralmente suportado pelo A., juntamente com os respectivos emolumentos e impostos, malgrado a nua propriedade tenha ficado em nome da Ré/recorrida, por causa da união de facto, no pressuposto da manutenção dessa relação.
XI. Uma vez que os pagamentos foram feitos no âmbito de uma união de facto, quando esta deixa de existir, como sucedeu no caso em apreço, cessa a causa que os justificavam, presumindo-se, por isso, que eles foram feitos na pressuposição da manutenção da vida em comum. Existe uma presunção natural da não definitividade da atribuição realizada pelo autor em favor da Ré, uma presunção de condicionamento no sentido em que a atribuição fica condicionada à subsistência da relação, ainda que tal condição não esteja explicitada.
XII. Encontram-se, pois, preenchidos todos os pressupostos do enriquecimento sem causa previstos no artigo 473° do CC: existe um enriquecimento da Recorrida, a causa deste enriquecimento - a União de Facto- deixou de existir e este enriquecimento foi obtido à custa do empobrecimento do Recorrente.
XIII. O enriquecimento existe a despeito do A. ter ficado com o usufruto do imóvel, pois ao invés do que concluiu a sentença recorrida, a nua propriedade tem valor e foi, aliás, atribuído o valor da respectiva avaliação na escritura de compra do imóvel.
XIV. Ao decidir que, por existir usufruto, a Ré não viu enriquecido o seu património em virtude de apenas ser detentora da nua propriedade, a decisão recorrida fez incorrecta aplicação do direito aos factos, desconsiderando o carácter temporário do usufruto, interpretando incorrectamente o preceituado nos art°s 473°, 1305°, 1439°, 1443° e seguintes do Código Civil.
XV. Deve, pois, a Recorrida ser condenada no pagamento da quantia peticionada, correspondente ao seu enriquecimento e ao concomitante empobrecimento do A./recorrente, ao abrigo das regras do instituto do enriquecimento sem causa,
A ré na resposta - depois de observar que o recorrente transcreveu o seu depoimento e os depoimentos das testemunhas EE, CC sem indicar o dia sessão do menciona os concretos depoimentos que impunham uma decisão diferente quanto aos factos dados como provados e não provados, não cumprindo, assim, o ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que o recurso deve, nessa parte, ser liminarmente indeferido - concluiu pela improcedência do recurso.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:
1. Factos Provados
(Da petição inicial)
1.1. O A. viveu em união de facto com a R. de .../.../2007 até junho de 2019.
1.2. Viviam em comunhão de cama, mesa e habitação.
1.3. Tomavam junto as refeições, dormiam na mesma cama, partilhavam a mesma casa, sita na Urbanização ..., em ..., ....
1.4. Repartiam as despesas do dia a dia.
1.5. A residência permanente do casal (“casa morada de família”) era a casa do A., sita em ....
1.6. A R. manteve a casa que tinha antes do início do relacionamento com o A., sita em ..., onde ainda hoje reside.
1.7. Em 2016, o A. decidiu adquirir um imóvel na ... para “casa de férias”.
1.8. No cumprimento desse desígnio, através de escritura pública realizada no dia 24.08.2016, A. e Ré adquiriram a fração autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao terceiro andar frente direito, para habitação, com dois lugares de aparcamento automóvel na cave, contando da entrada principal, da esquerda para a direita, designados pelos números 17 e 19, com o valor patrimonial de € 91.294,65 (noventa e um mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos) do prédio urbano, sito em Marginal ..., na Rua ..., ..., lote ..., na Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...25... ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo numero ...40.
1.9. A segunda outorgante nesse contrato, BB, aqui R., adquiriu a nua propriedade do imóvel, pelo preço de €71.500,00 (setenta e um mil e quinhentos euros).
1.10. O A. adquiriu o usufruto do mesmo pelo preço de € 38.500,00 (trinta e oito mil e quinhentos euros).
1.11. A. e Ré nunca tiveram contas bancárias conjuntas.
1.12. Cada um manteve a sua conta bancária individual, onde eram creditados os seus rendimentos e de onde pagava as suas despesas, sem que houvesse alguma mistura a esse respeito.
1.13. Os rendimentos do A. eram creditados na conta bancária deste que, por sua vez, se servia dessa conta para pagar as suas despesas.
1.14. Os rendimentos da Ré eram creditados na sua conta bancária, que esta utilizava para pagar as suas despesas.
1.15. A. e Ré tinham economias separadas, repartindo apenas as despesas comuns.
1.16. O pagamento do preço, quer da nua propriedade, quer do usufruto, do imóvel adquirido em 2016 pelo então casal foi efetuado apenas pelo A., através da emissão e entrega ao vendedor do cheque bancário n.° 580O00011O, sacado sobre a sua conta bancária no Banco 1..., com o n° ...64, datado de 08.08.2016, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) e do cheque bancário n.° ...26, no valor de € 90.000,00 (noventa mil euros), sacado sobre a mesma conta da sua titularidade, com dinheiro próprio, fruto dos seus rendimentos e trabalho.
1.17. Foi o A. quem suportou o custo de todos os emolumentos e encargos relacionados com a alienação - imposto de selo e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, a seu cargo, no valor de € 308,00 e € 385,00, emolumentos integrais da escritura, no valor de € 800,00 (oitocentos euros), imposto de selo, no valor de €572,00 (quinhentos e setenta e dois euros), e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, no valor de € 715,00 (setecentos e quinze euros).
1.18.O A. suportou ainda outras despesas da exclusiva responsabilidade da R. e em seu proveito exclusivo, tais como uma dívida da R. à Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de € 9.608,81 (nove mil seiscentos e oito euros e oitenta e um cêntimos), passado à ordem do IGCP, E.P.E. - Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.
1.19. A. e Ré acordaram que seria o A. a pagar a retribuição da empregada doméstica da casa de ... e que a Ré suportaria a retribuição da empregada doméstica da sua casa de ....
1.20. O que sempre aconteceu à exceção de 3 meses.
1.21. No dia 11 de junho de 2015, o A. entregou à Ré o montante de € 5.256,03 (cinco mil duzentos e
cinquenta e seis euros e três cêntimos) transferindo-o diretamente para a conta bancária pessoal desta.
1.22. Este valor foi entregue à Ré sem ter sido convencionado prazo para o reembolso, tendo esta asseverado que o pagaria.
1.23. Todos os pagamentos referidos, no valor global de € 88.107,84 (oitenta e oito mil cento e sete
euros e oitenta e quatro cêntimos), foram feitos única e exclusivamente no interesse da R. e satisfeitos com dinheiro próprio e pessoal do A.
1.24. A Ré foi extrajudicialmente interpelada para restituir o imóvel à esfera patrimonial do A.
1.25. Foi em razão dessa causa - a união de facto - que a R. adquiriu a propriedade exclusiva do
imóvel.
(Da contestação)
1.26. O autor e o filho da ré, que vivia com o ex-casal, incompatibilizaram-se de forma grave, tendo
este ido viver com a avó paterna.
1.27. As circunstâncias de vida do filho da ré, criaram doença neste, o que obrigou a ré a ir viver com o seu filho.
1.28. Ao tempo em que o autor e ré viviam em condições análogas às dos cônjuges o autor, por pura
liberalidade, aumentou os ativos da ré à custa do seu património.
1.29. Fê-lo com transferência de dinheiro para as despesas decorrentes da comunhão de vida, para
pagamento de compromissos, de modo altruísta e sem qualquer intenção de gerar crédito sobre a ré, ou criar nesta a obrigação de restituir outro tanto.
1.30. A vontade do autor era que a ré tivesse dinheiro para cumprir com os seus compromissos e era
que ela fosse a única e exclusiva proprietária do imóvel sito na ..., em causa nos presentes autos.
1.31. A residência permanente do casal sita em ..., era propriedade da empresa
A..., Lda., contribuinte fiscal n° ..., com sede na Zona Industrial ..., Lote ...8, ..., ..., da qual autor é sócio.
1.32. A casa da ré, sita em ..., após a realização de obras de beneficiação e restauro foi
arrendada, o que aconteceu até ao final da relação que teve com o autor, durante mais de 12 anos.
1.33. A vontade do autor sempre foi a de que a ré fosse a única proprietária do imóvel, pagando por
pura liberalidade o preço do mesmo.
1.34. A vontade do autor era, e sempre foi, de que o apartamento e as quantias monetárias pagas
ou transferidas para a conta da ré, fossem propriedade exclusiva desta, sendo indiferente a proveniência do dinheiro.
1.35. O pagamento do preço do imóvel e demais despesas inerentes à aquisição do mesmo, foi efetuado pelo autor por sua iniciativa e com espírito de liberalidade.
1.36. O autor quis oferecer à ré a fração autónoma sita na ..., pela amizade e amor
que sentia por esta há mais de 10 anos.
1.37. O autor ofereceu a propriedade do referido imóvel porque dispunha de economias de que já
não necessitava, para fazer face à sua vida normal.
1.38. O autor ofereceu a nua propriedade do imóvel, reservando para si o usufruto do mesmo.
1.39. A autor sempre se mostrou satisfeito com a liberalidade que tinha feito a favor da ré, sempre
ela ficaria com “um pé de meia”, caso necessitasse de dinheiro sempre poderia vender o apartamento.
1.40. A ré no ano de 2007, logo no inicio da sua relação com o autor, era devedora à Autoridade
Tributária, de quantias relacionadas com dificuldades agravadas com o término do seu casamento e
subsequente divórcio, gerador de contínuos conflitos entre a ré e o seu ex-marido.
1.41. O autor para poupar a ré a tais conflitos e a si próprio, que tinha que ouvir com frequência discussões telefónicas entre a ré e o ex-marido, decidiu acabar com tal situação.
1.42. O autor que foi uma pessoa generosa e com grande disponibilidade financeira, decidiu proceder
ao pagamento da dívida à Autoridade Tributária no montante de € 9.608,81, dessa forma devolvendo paz à
ré e a ele próprio.
1.43. Fê-lo, por vontade própria, por mera liberalidade, de modo altruísta e sem qualquer intenção
criar nesta a obrigação de restituir outro tanto.
1.44. A casa da ré sita em ..., ..., esteve arrendada desde abril de 2015.
1.45. A empregada doméstica referida pelo autor, trabalhou para o ex-casal na casa de ....
1.46. O autor nunca antes da presente ação solicitou a restituição de nenhuma quantia monetária ou
outros valores a título de empréstimo, nem a qualquer outro título.
1.47. O valor de € 5.256,03, transferido pelo autor para a conta da ré, foi por sua iniciativa, de livre vontade e com espírito de liberalidade.
2. Factos não provados.
2.1. Foi o A. quem, nos meses de dezembro de 2018 e maio e junho de 2019, pagou o vencimento, no valor mensal de € 152,00 (cento e cinquenta e dois euros), da empregada doméstica contratada pela R. (Sra. FF) para efetuar a limpeza da sua habitação sita em ..., da qual o A. nunca usufruiu.
2.2. Que o Autor tenha entregue à Ré o montante de €5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) a título de empréstimo.
2.3. Que a Ré tenha dito necessitar de tal montante para fazer face a dívidas contraídas.
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, quaisquer outros factos alegados na petição inicial, sendo que quanto aos demais factos ali alegados o tribunal não se pronuncia por se tratarem de factos repetidos, conclusivos, sem interesse para a resolução jurídica do caso ou revestirem matéria ou conclusões de direito; os artigos da petição inicial e contestação cujo teor aqui não se mostra refletido contêm considerações, declarações, ilações ou juízos de valor, razão pela qual não se faz aos mesmos não se faz qualquer referência.
2.2. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., esta motivação:
Os factos dados como provados resultaram da apreciação da prova documental, junta aos autos, desde logo a escritura e caderneta predial, cópia de cheques e extratos de conta bancária, comprovativo de transferência; imposto de selo e o imposto municipal, comprovativo de pagamento de IMI e demais encargos como resulta do comprovativo de transferência que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, documentos esses junto com a petição inicial e ainda os documentos juntos com a contestação referente ao contrato de arrendamento do apartamento propriedade da ré, sendo que a demais prova apresentada em sede de audiência de julgamento não se revelou de grande importância.
O tribunal valorou, que se revelaram os meios de prova essenciais, as declarações de parte do autor AA e da Ré BB.
Quanto às declarações das partes, desde logo se diga que em pouco divergiram, confirmaram o relacionamento que tiveram, a forma dividiam as despesas, tendo ate sido coincidentes com o fundamento que levou o autor e ré a escriturarem o apartamento que foi adquirido da ... com a nua propriedade para a ré e o usufruto para o autor, confirmando ainda que o preço de aquisição do referido apartamento e demais despesas relacionadas com tal aquisição foram pagos com dinheiro exclusivo do autor, e que o autor pretendia, com a sua atuação, salvaguardar o futuro da ré, pois que sabia que em caso de união de facto, caso o autor, que era mais velho doze anos que a Ré, viesse a falecer, esta não sendo herdeira, ficava “salvaguardada” tendo a propriedade desse apartamento. As únicas divergências nos depoimentos, para além das questões laterais relacionadas com problemas havidos com o filho da ré, prendeu-se com o título a que foram feitos os pagamento à ré das dívidas e das obras realizadas no apartamento da ré, sendo que, e nesta sede, a ré foi coerente e credível nas suas declarações, assumindo que afirmou que riria devolver a quantia ao autor, mas que o autor não pretendia receber tais pagamento e que foram efetuados para auxiliar a Ré e em face do desafogo financeiro do autor, o que este acabou, no geral das suas declarações, por confirmar, não tendo resultado provado que A. e R. tenham, quanto a estas quantias, celebrado qualquer contrato de mútuo ou que fosse essa a intenção de qualquer uma das partes. Mais confirmaram, A. e R. que nunca pensaram, antes de surgirem os conflitos, em cessar o seu relacionamento e união de facto (isto reportado evidentemente à data em que o autor efetuou os pagamento e adquirição o apartamento em causa).
As testemunhas DD e CC, confirmaram o relacionamento amoroso e união de facto havida entre Autor e Ré, circunstanciando-a no tempo, confirmaram os pagamentos alegados pelo autor (que, ademais, não foram negados pela ré) e a aquisição do apartamento na ..., apartamento esse que foi pago com dinheiro exclusivo do autor tendo ficado a propriedade (nua propriedade) em nome da Ré, com o intuito de a “proteger” no futuro, assim não tendo o tribunal ficado com quaisquer dúvidas quanto ao contexto e motivação dos alegados e comprovados pagamento e da aquisição do apartamento.
As testemunhas GG e HH, confirmaram a relação dos autores, pouco mais sabendo esclarecer quanto à natureza dos pagamentos em causa nos autos, bem como aos demais factos, sabendo dos problemas ocorridos entre as partes.
A testemunha II, confirmou os factos alegados pela ré quanto aos problemas e desentendimentos havidos entre o Autor, a Ré e o filho desta, nada mais de relevante esclarecendo quanto aos factos.
Assim, no conjunto de toda a prova produzida, não tendo havendo divergências relevantes nas declarações e depoimentos, deu o Tribunal por provada a factualidade nos termos supra enunciados.
Quanto aos factos não provados, os mesmos assim foram considerados por falta de prova, tendo inclusivamente sido efetuada prova em contrário, isto designadamente quanto aos invocados “empréstimos” e “acordo de pagamento”.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.° 635.° n.°s 2, 1^ parte, 3 e 5, do CPC).
O autor pediu na acção - e pede no recurso - a condenação da apelada a pagar-lhe a quantia de € 88 107,84 e juros moratórios e ofereceu para este pedido, declaradamente, esta causa de pedir: o enriquecimento sine causa da recorrida, resultante, no seu ver, da cessação da causa justificativa das atribuições patrimoniais que fez à apelada - a união de facto que os ligou, convivência no contexto da qual ocorreram as transferências patrimoniais cuja restituição é pedida e que tiveram por fundamento aquela vivência em comum.
Mas considerada de modo detido a alegação produzida pelo autor logo no articulado de petição inicial, é patente que a par dessa causa de pedir invocou, no tocante à quantia de € 2 526,03 que pretende que lhe seja restituída, uma outra: a que se resolve num contrato que realiza um função de troca - e de troca de dinheiro por dinheiro: o contrato de mútuo que é o contrato pelo qual o mutuante entrega, ou se obriga a entregar, ao mutuário, uma determinada quantia em dinheiro, obrigando-se o mutuário a restituir tanto do mesmo género e qualidade - e a pagar o capital acrescido, no caso de ser oneroso, dos correspondentes juros, que não tenham logo sido deduzidos no valor entregue (art.°s 1142.° e 1145.°, n.° 1, do Código Civil)[1]. Tanto assim é que o apelante na impugnação que dirige contra a decisão da matéria de facto pretende que se dê como provados os factos do contrato de empréstimo daquela quantia. Contrato que, dado o seu valor se deve ter, por inobservância patente da forma legal, comprovadamente por nulo (art.°s 220.° e 1143.° do Código Civil).
Causas de pedir, relativas àquela quantia, que o apelante não hierarquizou numa causa de pedir numa causa de pedir principal e numa causa de pedir subsidiária, mas que devem sê-lo.
A declaração de nulidade - valor negativo que o apelante alegou na réplica - por força do seu carácter retroactivo, dá lugar a uma relação de liquidação: tudo o que tiver sido prestado em execução do negócio declarado nulo deve ser restituído, ou, se a restituição em espécie não for possível, o respectivo valor. (art.° 289.°, n°s 1 e 2, do Código Civil). Esta obrigação de restituição prevalece sobre a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, por força do carácter imperativamente subsidiário desta última, excepto se, segundo a doutrina que se julga preferível, aquela obrigação não assegurar a devolução de todas as prestações realizadas à sombra do contrato nulo (art.° 474.° do Código Civil).
Segundo um princípio de exaustão, o tribunal tem o dever de esgotar todas as possíveis qualificações jurídicas dos factos alegados pelas partes, mas deve respeitar a relação de subsidiariedade das causas de pedir, pelo que, no caso, apenas haverá que apreciar o pedido de restituição da quantia referida, à luz da causa de pedir representada pelo enriquecimento sem causa, se esse mesmo pedido não dever ser tido por procedente à sombra da declaração da nulidade do contrato de mútuo.
A apelada - e bem assim, a sentença impugnada - acham que a ré não se mostra constituída em qualquer dever de restituir dado que as atribuições patrimoniais feitas pelo autor à primeira têm uma causa concreta precisa que as justifica: o contrato ou contratos de doação, ainda que puramente indirectos.
A sentença impugnada julgou improcedente a acção. O apelante mostra-se hostil a este julgamento deste logo, porque, no seu ver, a Sra. Juíza de Direito incorreu, no julgamento da questão facto, num error in iudicando, por erro na aferição ou avaliação das provas, maxime da prova pessoal representada pelas declarações de parte e pelos depoimentos das testemunhas.
Maneira que, considerando os parâmetros da competência decisória ou funcional desta Relação, delimitada pelo modo apontado, as questões concretas controversas colocadas à sua atenção são as de saber se a Magistrada da 1.9 instância incorreu, no julgamento da matéria de facto no error in iudicando que o apelante lhe assaca e se a apelada deve ser vinculada ao dever de restituir ao apelante a referida quantia, acrescida de juros, á taxa supletiva legal, desde a citação.
Entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência para a obtenção da decisão de um caso concreto. Dado que a delimitação da matéria de facto é feita em função da matéria de direito - visto que os factos são recortados e escolhidos segundo a sua relevância jurídica, i.e., segundo a sua importância para cada uma das soluções plausíveis da questão de direito. Dado que no fundo, se trata de saber se se uma atribuição ou transferência patrimonial realizada por uma pessoa no contexto da comunhão de vida instituída pela união de facto confere a um dos membros dessa união, cessada esta, relativamente ao outro, uma pretensão assente no enriquecimento sine causa - justifica-se metodologicamente que a exposição subsequente se abra a análise do regime jurídico aplicável às relações patrimoniais das pessoas unidas de facto, à destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro e, evidentemente, dos pressupostos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, e, por último do contrato de doação.
Adquirido este viaticum, há que ponderar os poderes de correcção da decisão da matéria de facto da 1.^ instância de que dispõe esta Relação e os pressupostos de que a lei faz depender a actuação desses poderes, designadamente o cumprimento pelo recorrente do ónus de impugnação daquela decisão a que está adstrito.
3.2. Regime jurídico aplicável às relações patrimoniais das pessoas unidas de facto e da destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro.
A união de facto é a convivência duradoura, i.e., superior a dois anos, de duas pessoas como se casados fossem (art.° 1.°, n.° 1 da Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, na sua redacção actual); descritivamente, a única diferença entre esta união e o verdadeiro matrimónio será, pois, a falta do vínculo formal do casamento[2].
A conjugação dos direitos de fundação constitucional de constituir família e de contrair casamento mostra que a Constituição não admite a redução do conceito da família à união conjugal, baseada no casamento.
O conceito constitucional de família não compreende, portanto, apenas a família matrimonializada. Do ponto de vista constitucional, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família, ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges[3].
Todavia, nada impõe, constitucionalmente, um tratamento jurídico inteiramente igual das famílias baseadas no casamento e das não matrimonializadas, desde, claro está, que as diferenciações não sejam arbitrárias, irrazoáveis ou desproporcionadas[4].
O princípio da protecção da união de facto - quer decorra directamente da abertura constitucional à união de facto quer do direito ao livre desenvolvimento da personalidade - não exige que o legislador dê à união de facto direitos idênticos aos que dá ao casamento, equiparando as duas situações.
Casamento e união de facto são situações materialmente diferentes: os casados assumem um compromisso de vida em comum, do qual resultam limitações graves aos seus direitos absolutos, pessoais e patrimoniais; os unidos de facto não querem - ou não podem - assumir esse compromisso.
Um tratamento diferente das duas situações, em que as pessoas que vivem em união de facto não tendo os mesmos deveres, não tenham em contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se, portanto, conforme com o princípio da igualdade, que só trata como igual o que é igual e não o que é diferente: o princípio da igualdade não impõe um tratamento igual - mas um tratamento como igual.
A norma que equiparasse, por inteiro, a união de facto ao casamento é que seria, ela sim, constitucionalmente ilegítima. Uma norma que nivelasse a união de facto e o casamento, impondo aos seus membros os mesmos deveres e reconhecendo-lhes os mesmos direitos que impõe e concede às pessoas casadas
seria inconstitucional dado que o violaria o direito de não casar, dimensão ou vertente negativa ineliminável do direito de casar; Se as pessoas não podem casar, porque, por exemplo, existe um impedimento legal ao seu casamento, mal se compreenderia que a união de facto tivesse os mesmos efeitos do casamento que elas não podem celebrar (art.° 2.° da Lei 7/2001, de 11 de Maio, na sua redacção actual); se as pessoas unidas de facto não querem casar, embora lhes fosse lícito contrair casamento, seria violento impor-lhes um estatuto matrimonial que deliberadamente, não desejam: uma tal imposição violaria, abertamente o seu direito de não casar[5].
O direito a não ser forçado a contrair matrimónio, designadamente porque se quer desenvolver livremente a personalidade, ficaria vazio se as consequências jurídicas de viver em união de facto fossem exactamente as mesmas, em termos de deveres e direitos recíprocos, que as derivadas do casamento[6]. Se duas pessoas se recusam a casar são submetidas ao mesmo estatuto de direitos e deveres recíprocos que se aplica às pessoas casadas, que sentido tem recusar-se a contrair matrimónio, e, consequentemente, que sentido tem o reconhecimento do direito a não casar?
Assim, bem se compreende que os membros da união de facto não estejam vinculados aos deveres pessoais que a lei impõe aos cônjuges - seja qual o valor que hoje se deve reconhecer a esses deveres - e que na união de facto não haja um regime de bens, nem tenham aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento, que sejam independentes do concreto regime de bens: neste plano, os membros da união de facto são estranhos entre si, estando as respectivas relações patrimoniais sujeita ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais. As relações entre os unidos de facto são, portanto, as de direito comum[7].
Os unidos de facto não têm, como sucede com os cônjuges, um património comum, i.e., uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela[8], em que cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum - no qual participam por metade - posição que a lei tutela (art° 1730 n°s 1 e 2 do CC), e segundo a expressão da própria lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar[9]. Os unidos de facto não têm, como os cônjuges, bens comuns objecto de uma relação de propriedade colectiva ou de mão comum[10], mas poderão ter - e muitas vezes têm - bens objecto de uma relação jurídica real de compropriedade.
Cessada a união de facto, coloca-se frequentemente o problema da liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e da destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro.
De harmonia com certa doutrina, essa liquidação deve ser actuada de acordo com os princípios das sociedades de facto - quando os respectivos pressupostos se verifiquem[11]. Na jurisprudência, porém, havendo património adquirido com esforço comum, admite-se que a respectiva liquidação seja feita de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa ou com os princípios das sociedades de facto[12].
No entanto, a ausência da finalidade lucrativa da comunhão de vida[13] em que se traduz a união de facto, opõe-se ao uso da construção da sociedade de facto. Nestas condições, a composição dos interesses patrimoniais conflituantes, consequente à extinção da união, deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada ao membro da união de facto que, por exemplo, contribuiu com dinheiro seu para que o outro interviesse como adquirente no contrato de compra e venda de um imóvel ou de um automóvel[14].
É esta, cremos, a orientação dominante, tanto na jurisprudência, como na doutrina[15].
A doutrina e a jurisprudência exigem também, una voce, três requisitos para a verificação do enriquecimento sem causa, que, aliás, se compreendem nitidamente na previsão legal: um enriquecimento; um empobrecimento ou dano; a falta de causa desse enriquecimento (art° 473.°. n.° 1, do Código Civil). A estes requisitos deve adicionar-se um outro: o da existência de um nexo entre o enriquecimento e o dano, dado que se exige que o enriquecimento seja feito à custa de outrem.
De modo deliberadamente simplificador, mas sem erro, podemos, pois, assentar, em que são três os pressupostos cumulativos constitutivos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sine causa: a existência de um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa de quem requer a restituição (art.° 473.°, n.° 1, do Código Civil)[16]. A falta de causa justificativa resolve-se na falta de norma que legitime a aquisição patrimonial que deve ser restituída e compreende tanto a ausência originária de uma causa, com a sua supressão ulterior (art.° 473.°, n.° 2, do Código Civil). A falta de causa justificativa deve ter-se por verificada sempre que, à luz de uma correcta ordenação jurídica dos bens, não exista um facto ou uma relação que legitime o enriquecimento. Este dá lugar uma obrigação de restituição que compreende tudo aquilo com o que se tenha obtido à custa do empobrecido (art.° 479.° do Código Civil).
Por força do carácter da subsidiariedade que a nossa lei - clara, mas discutivelmente - imprime ao enriquecimento sine causa, a acção de enriquecimento não pode ser utilizada sempre que sejam disponibilizados ao empobrecido outros meios para se defender (art.° 474.°, 1g parte, do Código Civil).
Um dos pressupostos do enriquecimento é que seja carecido de causa. Neste ponto, a nossa lei exemplifica diversas hipóteses de ausência de causa, individualizando outras tantas modalidades de enriquecimento (art.° 473.°, n.° 2, do Código Civil).
Em geral, a ausência de causa ocorre sempre que, originaria ou supervenientemente, falte uma norma jurídica que, a título permissivo ou de obrigação, leve a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, i.e., tolerada ou desejada pelo Direito[17]. Assim, por exemplo, se o enriquecido tiver sido investido num direito subjectivo, faltará a causa quando não tenha ocorrido qualquer forma de constituição ou de transmissão a seu favor do direito em causa.
A lei incluiu entre as hipóteses típicas de enriquecimento sine causa o caso de alguém ter realizado uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir, assim fazendo compreender a situação tradicional da condictio ob causam finitam. A particularidade deste caso de enriquecimento injustificado reside no facto de no momento em que a prestação foi realizada existir, efectivamente, uma causa jurídica subjacente, mas posteriormente, se dar o desaparecimento dessa causa jurídica, em termos que legitimam o surgimento de uma pretensão dirigida à restituição do enriquecimento[18]. É o que sucede nos casos em que a comunhão de vida entre duas pessoas, não ligadas entre si pelo vínculo jurídico do casamento, constitui a causa jurídica da realização de uma atribuição patrimonial e, ulteriormente, essa comunhão se extingue, com a consequente cessação daquela causa: o desaparecimento desta causa permite a aplicação da condictio ob causam finitam.
Note-se que o enriquecimento pode ser obtido de forma indirecta, como sucederá nos casos de extinção pelo empobrecido de dívida que o enriquecido tinha para com terceiro. Nesta hipótese, dá-se uma atribuição patrimonial indirecta que dará lugar um enriquecimento também ele indirecto (art.° 478.° do Código Civil). Também neste caso deve reconhecer-se àquele que realizou a prestação devida pelo terceiro ao beneficiário uma pretensão de restituição fundada no enriquecimento sine causa, dado que aquela regra não reveste carácter excepcional, uma vez que a prestação, no sentido em que deve ser entendida no âmbito do enriquecimento sem causa muitas vezes não se refere imediatamente a uma única relação de atribuição entre duas pessoas, mas antes respeita a várias relações de atribuição.
As atribuições feitas por um dos unidos de facto ao outro no contexto da convivência instituída pela união de facto podem, evidentemente, ser feitas a vários títulos, maxime a título gratuito. Dentro dos actos gratuitos avultam, como categoria primária, as liberalidades, i.e., os actos de que resulta intencionalmente para outrem um enriquecimento. O principal tipo de liberalidade, inter vivos, é, naturalmente, a doação (art.° 940 e ss. do Código Civil)[19].
O nosso Código Civil define a doação como o contrato pelo qual uma pessoa, com espírito de liberalidade, e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente (art.° 940.°). Deste preceito resulta, desde logo, a natureza contratual do acto, regra que é ditada pelo principio do contrato, segundo a qual a fonte normal das obrigações é o contrato, sendo excepcional a admissibilidade da sua criação por negócio jurídico unilateral (art.° 457.° do Código Civil). Daquele preceito extraem-se os seguintes elementos estruturais característicos do contrato de doação: como objecto, uma coisa ou direito ou uma obrigação; como função eficiente a transmissão daquele direito ou a assunção desta obrigação; como função económico-social, a liberalidade.
Como resulta da lei, a doação tem geralmente como efeito a transmissão de direitos, seja por efeito imediato do contrato, seja por efeito de um acto posterior (art.° 954.°, a), do Código Civil). Os efeitos obrigacionais para o doador circunscrevem-se à obrigação de entrega, salvo quando esta não seja contemporânea da celebração do contrato, portanto, excepto se a doação não for manual (art.° 954.°, b), do Código Civil).
A definição legal do contrato de doação contém uma referência ao espírito de liberalidade. Este espírito de liberalidade é inteiramente distinto e independente dos motivos do doador[20], que podem ser os mais variados: altruístas, i.e., os potenciados por relação de parentesco ou de amizade ou pela vivência em comum com o donatário - ou mesmo por inimizade com as pessoas excluídas; de gratidão, que equivale à troca livre de uma dádiva passada por uma dádiva actual; de aprovação social ou, por último, egoísticos, i.e., na expectativa estratégica de retribuição a prazo pelo donatário, através de favor pessoal ou de vantagem comercial. Certo é, contudo, que o espírito de liberalidade traz implicados dois requisitos cumulativos negativos: a ausência de contrapartida; a não correspondência ao cumprimento de uma obrigação ou de qualquer outro dever de atribuir, de retribuir ou de prestar. Controverso é, contudo, saber se estes requisitos devem ser tidos como bastantes ou antes como necessários, mas não suficientes.
Segundo uma perspectiva, que se crê maioritária - que define o espírito de liberalidade de modo positivo - não bastam para o espírito de liberalidade, os dois requisitos negativos apontados, sendo ainda necessário um elemento subjectivo complementar: a consciência, vontade ou intenção do doador de beneficiar o donatário, de lhe proporcionar uma vantagem patrimonial[21]; outra perspectiva porém - que define o espírito de liberalidade de modo negativo - é a que decorre ora da simples omissão da exigência de uma intenção específica e da caracterização objectiva da gratuitidade, ora da afirmação explícita de que a intenção liberal não é elemento essencial da doação, porque pertence aos motivos ou se confunde com o consentimento ou de que animus donandi é um elemento complexo, mas negativo. Para esta última perspectiva, a exigência na doação de uma vontade específica de beneficiar o donatário, proporcionando-lhe uma vantagem, nada adianta em relação ao enunciado, pela negativa, do espírito de liberalidade: se a atribuição não tem contrapartida e não tem como finalidade o cumprimento de um dever jurídico, só pode destinar-se a beneficiar.
Ligada com esta controvérsia, surge a questão de saber se a liberalidade - ou o espírito de liberalidade ou o animus donandi - se presume. A orientação maioritária da doutrina - que se julga correcta - é de sentido negativo[22].
Saber se os elementos do contrato de doação se verificam numa dada situação concreta depende, evidentemente, da interpretação dos actos realizados e das declarações emitidas, pelas quais se afere o sentido ou significado daqueles actos, atendendo ao cânones hermenêuticos aplicáveis no caso. A solução será, evidentemente, fácil se as partes declararam dar ou doar alguma coisa ou algum direito; a solução será, comprovadamente mais difícil, nos casos em que alguém se limite a entregar a outrem dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, sem declarações que expressem o título que justifica a entrega, dado que em abstracto, a entrega pode corresponder à formação de um contrato de liberalidade - doação, comodato ou mútuo gratuito - de troca - compra e venda - ou de garantia - penhor - ou ao cumprimento de uma qualquer outra obrigação contratual proveniente de outra fonte. Para se chegar à conclusão de que a entrega é feita a título de doação é necessário, mas suficiente, excluir todos os outros títulos, i.e., provar que não há outro título justificativo dessa mesma entrega. Caso se não prove nenhuma ou se não se provarem todas as conexões da entrega com um acto passado ou com uma obrigação, a solução depende, evidentemente, da repartição do ónus da prova que, no caso, se tenha por correcta, que pode variar consoante a posição processual das partes e a pretensão que tenha por objecto a doação (art.°s 342.°, n.°s 1 e 2, e 346.° do Código Civil e 414.° do CPC). Se para a entrega se não provar título alternativo e se o ónus da prova vincular o receptor, parece adequado que a seu favor se estabeleça a presunção de facto de que a entrega foi feita a título de transmissão gratuita, portanto, a título de doação.
Simplesmente, uma atribuição patrimonial feita por um dos membros da união de facto ao outro através de um ou vários contratos de doação, directos ou indirectos, não exclui, irremissivelmente - ao contrário do parecem pressupor a apelada e a sentença objecto de contestação - a constituição do beneficiário da liberalidade numa obrigação de restituição assente no enriquecimento sine causa: - desde que se prove que a causa remota da liberalidade foi a comunhão de vida instituída pela união de facto: uma vez extinta a união e, portanto, cessada a causa fundamental da liberalidade, desapareceu o fundamento ou o motivo último da atribuição patrimonial, em termos que legitimam o reconhecimento, ao autor da liberalidade, de um direito à restituição do que prestou, assente no enriquecimento sine causa. É que como se observou, o espírito de liberalidade e os motivos do doador, a causa da doação, são coisas distintas e independentes.
Se bem atentarmos obtém-se, no tocante à união de facto, e como consequência da sua extinção, através da actuação do instituto do enriquecimento sem causa, um efeito jurídico fundamentalmente homogéneo ao que se verifica no caso da extinção, por divórcio, do casamento em que se dá caducidade dos benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge, em consideração do estado de casado, e a sua reversão automática ao património do autor da liberalidade (art.° 1766,°, n.° 1, c), e 1791.°, n.° 1 do Código Civil). Com uma diferença de tomo: ao contrário do que sucede com os cônjuges em que a perda daqueles benefícios opera ipso iure, com o simples facto do divórcio, sem que seja necessária uma manifestação de vontade dos interessados, no caso dos unidos de facto a restituição deve ser pedida pelo autor da atribuição patrimonial, demonstrando, além do mais, a verificação no caso dos pressupostos do enriquecimento sem causa, i.e., que aquela atribuição teve por etiologia ou radicou na comunhão de vida inerente à união de facto e que esta ulteriormente se rompeu, com o consequente desaparecimento da causa dessa mesma atribuição. De resto, aquela disposição específica dos efeitos patrimoniais do divórcio, deve ser entendida como um afloramento de um princípio geral: o de que atribuído um benefício em função de um dado estado ou qualidade, cessado aquele estado ou extinta esta qualidade, a causa da atribuição cai ou desaparece devendo ser restituído o que foi atribuído em vista desse mesmo estado ou qualidade.
Do que decorre, como regra, que a união de facto, tal como o casamento, não constitui um simples motivo dos benefícios entre os seus membros, mas, verdadeiramente, uma causa jurídica e, portanto, a união de facto não deve constituir uma fonte de enriquecimento, sem justificação, de um dos membros à custa do outro, nem um título definitivo e indiscutível de retenção das transferências patrimoniais relativamente às quais a convivência ou a comunhão de vida inerente à união fáctica funcionou como causa jurídica.
Como se salientou, a discordância do apelante no tocante à sentença impugnada radica, desde logo, no julgamento da quaestio facti. Há, assim, que tornar patentes os parâmetros e as finalidades a que se mostram subordinados os poderes desta Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1.g instância.
3.3. Error in iudicando por erro em matéria de provas.
3.3.1. Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes desta Relação de correcção da decisão da matéria de facto.
O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras, como finalidade, a reponderação da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar - e substituir - a decisão da 1^ instância, designadamente se a prova produzida - designadamente a prova pessoal produzida na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo - impuser decisão diversa (art.°s 666,°, n° 1, e 640.°, n.° 1, do CPC).
Todavia, os poderes de correção da decisão da matéria de facto são actuados na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão a questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral - mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições - e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há- de ter como base dessa mesma decisão.
Além disso, esse poder de correcção da decisão da matéria de facto orienta-se pelos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova - que visa a demonstração da realidade dos factos - apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (art.° 341.° do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção - i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (art.° 607.°, n° 5, do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos - e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
f) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica - de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[23].
Note-se - de harmonia com a doutrina que se tem por preferível - que se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas - que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas - não há razão bastante - legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1^ instância (art.° 607.°, n° 5, ex-vi art.° 663.°, n° 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1^ instância exige, realmente, que a Relação construa - autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente[24].
A conclusão da correcção ou da incorrecção da decisão da questão de facto do tribunal da 1^ instância exige um juízo de relação ou de comparação entre a convicção que o decisor de facto daquela instância extrai dos elementos de prova que apreciou e a convicção que a Relação adquire da reapreciação dessas mesmas provas. Se a convicção do juiz da 1.9 instância e da Relação forem coincidentes, a decisão da matéria de facto daquele tribunal deve ter-se por correcta, com a consequente improcedência da impugnação deduzida contra ela; se a convicção do decisor da 1.9 instância e da Relação forem divergentes, a Relação deve fazer prevalecer a sua convicção sobre o convencimento do juiz da 19 instância e, correspondentemente, revogar a decisão deste último e logo a substituir por outra conforme aquela mesma convicção[25].
A Relação deve, pois, formar uma convicção verdadeira - e fundamentada - sobre a prova produzida na 1.9 instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se limitando a controlar a legalidade da produção da prova realizada o resultado do exercício da prova - salvo casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo[26].
Resta dizer, que o exercício pela Relação dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Se o facto ou factos que se reputam de mal julgados não se mostrarem relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção, a reponderação deve ter-se - por aplicação do princípio da utilidade a que deve subordinar-se toda a actividade jurisdicional - mesmo por proibida (art.° 130.° do CPC)[27].
3.3.2. Ónus da impugnação da decisão da matéria de facto.
Segundo a apelada, o recurso, no segmento relativo à impugnação da matéria de facto deve ser objecto de rejeição. Motivo: o apelante não indica o dia da sessão da audiência de discussão e julgamento nem a hora em que foram prestadas as declarações de parte nem os depoimentos das testemunhas, nem menciona as concretas passagens da gravação nem os concretos pontos do depoimento que impõem, para os enunciados de facto que reputa de julgados em erro, uma decisão diversa da proferida pela Sra. Juíza de Direito.
O recorrente que impugna a decisão da matéria de facto deve especificar, sob a pena grave de rejeição, nesse segmento, do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo ou da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos e a decisão que, no seu ver, deve ser encontrada para os pontos factos impugnados (art.° 640.°, n.° 1, a) a c), do CPC). Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente proceder à indicação das passagens do registo fonográfico em que funda a impugnação, sem prejuízo da faculdade de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (art.° 640.°, n.° 2, a) do CPC).
Porque se formulou a exigência da especificação, exacta, pelo recorrente dos factos e das provas, que no seu ver, foram mal avaliadas, e das passagens da gravação em que funda a impugnação? Para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente, as provas e os troços ou os segmentos da prova pessoal registada susceptíveis de inculcar o error in iudicando que o recorrente assaca à decisão da questão de facto. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar as provas e os depoimentos gravados - e a sua precisa localização no registo fonográfico - que infirmem as conclusões do recorrente; o tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna (art.° 640.° n.° 2, b) do CPC).
E a exigência de que a indicação seja exacta, precisa, específica, visa, nitidamente - sobretudo nos casos de depoimentos particularmente extensos - permitir, tanto à parte contrária, como ao Tribunal ad quem - uma audição, fácil e célere, das passagens do registo sonoro em que se funda a impugnação, de modo a avaliar, de forma ágil, se os troços do registo apontados pelo recorrente são ou não adequados a inculcar o erro de julgamento que invoca, sem prejuízo, todavia, da actuação, pelo tribunal ad quem dos seus poderes de investigação oficiosa, portanto, da faculdade de proceder à audição de quaisquer outros segmentos do registo, do mesmo ou de outros depoimentos.
No entanto, para que este ónus da impugnação da decisão da questão de facto se tenha por satisfeito, é suficiente que a indicação das passagens do registo seja feita na alegação, não sendo necessária, para que se tenha por cumprido, que seja repetida nas conclusões com o que o recorrente deve rematar aquela a alegação[28].
Realmente, de harmonia com a jurisprudência constante - mas discutível - do Supremo Tribunal de Justiça, há que operar um distinguo, no ónus da impugnação da matéria de facto que vincula o apelante, entre um ónus primário ou fundamental - referido à indicação dos pontos que o recorrente reputa de mal julgados, aos meios de prova que impõem decisão diversa e à decisão que deve ser proferida sobre esse as questões de factos impugnadas - e um ónus secundário - que tem por objecto a indicação exacta das passagens do registo sonoro da prova. Distinção que, relacionada com o ónus de formular conclusões, determina esta solução: a falta nas conclusões, da referência à impugnação da matéria de facto, à menção dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e os meios de prova susceptíveis de inculcar decisão diversa daquela que foi encontrada, para aqueles pontos de facto, pela decisão da 1,g instância, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser proferida, é fundamento de rejeição, total ou parcial, do recurso no tocante à impugnação da decisão da questão de facto (art.°s 635.°, n.°s 2 e 4, 639.° e 641.°, n.° 2, b), do CPC); para que se tenham satisfeitas as restantes exigências dessa impugnação - designadamente a indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda - é suficiente que sejam levadas ao corpo da alegação (art.° 640.°, n.° 1, b) e c), do CPC)[29].
E se é certo que a lei comina, indiferenciadamente, para o não cumprimento dos ónus primários e secundário uma mesma e grave sanção, tem-se por solução preferível - em acatamento do princípio estruturante da proporcionalidade - a da aplicação daquela cominação ao não cumprimento do ónus de impugnação secundário, de modo mais contido e flexível, só a actuando quando, de todo, a omissão impeça a obtenção da finalidade que a lei teve em vista com a exigência: a impossibilidade ou, ao menos, a grave dificuldade do exercício, pelo recorrido do seu direito ao contraditório, ou da reponderação, com segurança e reflexão, pelo tribunal ad quem do julgamento cuja exactidão se impugna[30].
Na espécie do recurso, julga-se claro que a apelante satisfaz, ainda que de modo não inteiramente escorreito, o ónus cuja observância se discute. Realmente, o recorrente individualiza claramente, nas conclusões, além do ponto de facto que reputa de julgado em erro, a decisão que, corrigido este erro deve, no seu ponto de vista, ser encontrada para o facto objecto da impugnação e a prova que, no seu ver, foi mal aferida: as suas declarações de parte e os depoimentos das testemunhas DD e CC.
No plano em que o cumprimento do ónus da impugnação pela apelante não é perfeito é na omissão da indicação da sessão da audiência de discussão e julgamento e da hora em que lhe foram prestadas aqueles declarações e depoimentos, embora localize, no registo fonográfico, os minutos em que as declarações e depoimentos que julga aferidos em erro, sendo certo que procedeu, por excerto, à sua transcrição.
Sendo certo que a omissão da indicação da sessão da audiência final e da hora em que foram produzidas aquelas provas pessoais é facilmente suprível pela leitura da respectiva acta e pela audição do registo sonoro, de harmonia com o entendimento que se tem por preferível, essa imperfeição não impediu o exercício, pela apelada, do seu direito e contradizer a alegação do autor, através, designadamente, da indicação das provas que contraria as inferências que o apelante faz derivar das declarações nas quais funda a impugnação - nem obstacula à actuação, por esta Relação, relativamente aos pontos de facto objecto de controversão, dos seus poderes de correcção da decisão correspondente. Em resumo: desde que a impontualidade do cumprimento pelo apelante do apontado ónus secundário de impugnação da decisão da matéria de facto não impediu a actuação pela apelada do seu direito de contradição, nem impede o bom julgamento do recurso, ela deve ter-se por irrelevante.
Importa, pois, proceder à reponderação da exactidão do julgamento dos pontos de facto que é impugnado no recurso.
3.3.3. Reponderação das provas.
O resultado da actividade de julgamento da matéria de facto, como se notou já, pode, numa perspectiva essencialmente gnoseológica, exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática - embora deva ser uma verdade assente nunca convicção, objectivável e motivável, portanto, capaz de se impor aos outros. No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Estão nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal e a prova por declarações de parte.
A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse mesmo facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[31]. As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade - não ontológica, mas jurídico-prática - de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
A verdade oferecida pela prova, dado que é alcançada por aplicação das normas e técnicas que valem no processo é, sempre, uma verdade contextual, obtida nas condições que a relação processual permite
Se isto é assim em geral, mais o deverá ser nos casos em que a prova, pela peculiaridade dos factos que constituem o seu objecto, se revela particularmente difícil como comprovadamente sucede, nos casos em que tem por objecto factos relativos ocorridos no interior de relações marcadas pela intimidade ou reserva. Realmente, a prova em juízo nunca é fácil e é, por certo, muito mais difícil, quando o seu objeto são factos situados no âmago da intimidade dos membros da vida familiar, quer se trate da família matrimonializada quer não, ou ao menos da vida doméstica ou, que relevam do foro interno ou do plano psíquico das partes em conflito, como propósitos, intenções, expectativas, etc.
Para ultrapassar esta dificuldade, justifica-se uma utilização intensiva de regras de experiência e de critérios sociais - do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede[32] - e, mesmo, em última extremidade, de uma prova prima facie, i.e. de uma prova em que a tipicidade da inferência probatória é de tal modo forte que só cede perante dúvidas fundadas, quer dizer, perante uma contraprova também ela prima facie ou perante a prova do contrário[33].
O apelante assaca a Sra. Juíza de Direito um erro de julgamento, desde logo, dos enunciados seguintes, que julgou não provados: “Que o Autor tenha entregue à Ré o montante de €5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) a título de empréstimo.” E “Que a Ré tenha dito necessitar de tal montante para fazer face a dívidas contraídas”. No ver do apelante, uma sã e prudente avaliação das suas declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas DD - professora e amiga do recorrente e da apelada - e CC - comercial e também amigo de ambas as partes - tais afirmações de facto devem julgar-se provados.
Quanto estes pontos de facto, o problema transcende o mero erro na avaliação ou aferição das provas.
Realmente, a Sra. Juíza de Direito julgou não provado - 2.2. dos factos não provados - que o apelante tenha entregue à apelada o montante de € 5 256,03 a título de empréstimo - mas do mesmo passo julgou provado - em 1.21. e 1.22. que no dia 11 de junho de 2015, o A. entregou à Ré o montante de € 5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) transferindo-o diretamente para a conta bancária pessoal desta e que este valor foi entregue à Ré sem ter sido convencionado prazo para o reembolso, tendo esta asseverado que o pagaria, respectivamente. Quer dizer: a sentença dá como demonstrado e como indemonstrado um mesmo enunciado de facto.
A resposta negativa do tribunal da audiência sobre a prova de um facto não implica que se tenha demonstrado o facto contrário, pelo que tudo se passa como se o facto não tivesse sido articulado, devendo o juiz da sentença resolver a questão contra a parte onerada com a prova (art.° 414.° do CPC)[34]. Mas nem esse é o caso, dado que se julgou expressamente provado e não provado um mesmo facto.
Esta patente e de todo desrazoável contradição ou desarmonia resolve-se fazendo prevalecer a decisão positiva sobre a realidade do facto sobre a decisão negativa do facto inverso, dado que a decisão  positiva é a que encontra nas provas produzidas o grau de confirmação exigível, segundo um critério prudente de avaliação da prova.
Realmente, o autor nas suas declarações, interrogado pela Sra. Juíza de Direito, asseverou que ela pediu-me dinheiro emprestado e que me pagava quando começasse a fazer, a receber rendas, que me pagava com as rendas, esse dinheiro transferi directamente para a conta da BB.
É verdade que uma prova cuja determinação da exacta força persuasiva levanta algumas dificuldades é as declarações de parte (art° 466.°, n° 3, do CPC). Prova que, por declaração expressa da lei, está submetida à livre convicção do juiz, salvo, naturalmente se o depoimento conduzir à confissão (art.° 466.°, n.° 3, do CPC). As declarações de parte podem, na verdade, redundar na obtenção de meio de prova de natureza distinta e com diferente valor probatório: confissão; reconhecimento de factos desfavoráveis que não possam valer como confissão; demonstração de factos favoráveis - caso em que as declarações de parte são livremente valoráveis pelo juiz (art.°s 352.° e 381.° do Código Civil e 466.° n.° 3, do CPC).
No entanto, não falta quem sustente que as declarações de parte se reconduzem à figura do início de prova e não à de um meio probatório em sentido próprio. Como o princípio de prova é o menor grau de prova - dado que sé vale apenas como factor corroborante da prova de um facto - as declarações de parte não são suficientes para estabelecer por si só, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos, a prova do facto: a sua função seria, assim, eminentemente integrativa e subsidiária ou supletiva[35].
Seja como for, as declarações da própria parte - pela natureza das coisas, dado o perigo de parcialidade - devem ser avaliadas com particular prudência. O que bem se compreende: por força da qualidade de parte é natural a tendência do depoente para exprimir pontos de vista que o favoreçam e mesmo a inexigibilidade de dizer a verdade que conhece. Nalguns casos, o depoente reiterará as alegações que produziu nos articulados porque está sinceramente convencido de que a sua versão é a verdadeira. É o caso de boa fé; outras vezes, apesar de reconhecer que essa versão não é verdadeira, confirma-a por fraqueza de ânimo. Pode, finalmente, suceder, que nos articulados a parte tenha atraiçoado a verdade, tenha produzido alegações cientemente falsas: neste caso o mesmo impudor que o levou a faltar à verdade levá-lo-á a reiterar no seu depoimento essas alegações. Tudo, portanto, a aconselhar vivamente a prudência - muita prudência - na avaliação das declarações da própria parte.
Mas ainda que se deva ser sensível a um entendimento restritivo do valor probatório das declarações de parte - i.e. que lhe assinala um valor meramente integrativo ou supletivo, portanto, carecido de corroboração por outros elementos de prova - a verdade é também que, no caso, aquelas declarações encontram noutras provas um grau elevado de confirmação ou corroboração. É o que, patentemente, sucede com os depoimentos das testemunhas DD e CC.
Efectivamente, a primeira daqueles intervenientes acidentais, foi pronta em garantir que lembro-me da D. BB dizer, também nessa altura em que andava com as obras, que depois quando vendesse a quinta, pagaria ao Sr. AA, a quantia de aproximadamente € 5 000,00 e, perguntada pela Exma. Mandatária da apelada, se a D. BB sentia na obrigação de pagar fosse o que fosse ao Sr. AA, que lhe devia dinheiro, a testemunha afiançou que em relação a estas quantias, no que diz respeito às obras na casa, sempre.
Por seu lado, a testemunha CC assegurou, a perguntas do Exmo. Advogado do recorrente que ouvi dizer varias vezes da boca da D. BB ela dizer que quando vendesse a quinta pagava as dívidas ao Sr. AA, acho que ela até dizia, utilizava o termo “pago o que te devo”, ou coisa parecida, afirmação que reiterou a passo mais adiantado do seu depoimento, declaração que foi confirmada pelo autor: ela disse quando vender a quinta eu liquido as dívidas contigo, pago o que te devo.
Assim, mesmo abstraindo das declarações concordantes do autor, considerando o conteúdo dos depoimentos destas testemunhas e a razão de ciência que os anima, a fonte do seu conhecimento - as declarações da apelada, ela mesma - não viola qualquer regra prudencial de avaliação da prova julgar provado que, realmente, a quantia de € 5 256,03 foi entregue à apelada a título de mútuo, pelo que devem manter-se intocados os pontos de facto 1.21 e 1.22, eliminando-se, para harmonizar intrinsecamente o julgamento, o ponto de facto 2.2.
Não se julga útil a reponderação da correcção do julgamento do ponto de facto 2.3 - declarado não provado - dado qua a causa da finalidade de contracção do mútuo, em nada releva para a decisão da causa, segundo o único enquadramento jurídico exacto do seu objecto. O mesmo sucede com o enunciado contido no ponto de facto 1.46: o exame da exactidão do seu julgamento em nada concorre para a decisão da causa, uma vez que o apelante pede a indemnização da mora desde a citação da apelada para a acção e não desde momento anterior ao da sua propositura e não há que ponderar o problema da inexistência de prazo para a restituição da quantia objecto do contrato de mútuo - e, portanto, do seu vencimento - dado que a obrigação de restituição do dinheiro mutuado deve operar por força da nulidade, por vício de forma, daquele contrato de troca, pelo que a indemnização moratória sempre seria devida apenas com a citação da demandada para a causa.
De resto, a desatenção e a falta de rigor da decisão da matéria de facto é notória num outro ponto.
A Sra. Juíza de Direito declarou não provado - 2.1. - Foi o A. quem, nos meses de dezembro de 2018 e maio e junho de 2019, pagou o vencimento, no valor mensal de € 152,00 (cento e cinquenta e dois euros), da empregada doméstica contratada pela R. (Sra. FF) para efetuar a limpeza da sua habitação sita em ..., da qual o A. nunca usufruiu - julgamento cuja correcção o apelante não controverte no recurso. Simplesmente, a Sra. Juíza de Direito declarou provado- em 1.23. - Todos os pagamentos referidos, no valor global de € 88.107,84 (oitenta e oito mil cento e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), foram feitos única e exclusivamente no interesse da R. e satisfeitos com dinheiro próprio e pessoal do A. Como aquela quantia - que corresponde ao pedido condenatório deduzido pelo apelante - compreende também os valores que alegou ter pago à empregada doméstica da apelada, é igualmente notória a colisão, contradição que deve ser desfeita, subtraindo àquela quantia o montante das despesas que foram julgadas não provadas, reduzindo-a assim ao valor de € 87 651,84.
Está assente - por não ser objecto de controversão no recurso - que a apelada adquiriu a propriedade da fracção autónoma em razão da união de facto, que foi essa a causa da liberalidade correspondente (ponto 1.25) - o que torna, de todo, irrelevantes os depoimentos das testemunhas II e GG, invocados pela apelada na resposta ao recurso, que asseveraram o oferecimento pelo apelado da - nua propriedade - da fracção, afirmações que são probatoriamente assépticas, dado que o se controvertia na acção era a causa dessa atribuição patrimonial e não o seu carácter de liberalidade, ainda que indirecta. E a causa da liberalidade da fracção de edifício é extensível, quanto mais não seja por uma razão de pura lógica às despesas com emolumentos e satisfação de obrigações tributárias feitas com a sua aquisição. Também deve ter-se por assente - pelas razoes já expostas - que a quantia de € 5 256,03 foi traditada para a apelada a título de mútuo. Resta assim, verificar se o pagamento feito pelo apelante de dívida tributária da apelada ao Estado teve por causa próxima ou eficiente a união de facto.
O autor, nas suas declarações de parte, interrogado pela Sra. Juíza de Direito, foi terminante na afirmação de que eu e a BB morávamos em união de facto, eu sempre pensei que esta união de facto ia durar para sempre, nunca passou sequer pela cabeça que a união de facto fosse interrompida e que são € 9 000, o valor total do que emprestei à Sra. BB para pagar as dívidas tributárias.
Declarações que são corroboradas pelo depoimento da testemunha JJ, que garantiu que ele partia do principio que essa relação ia durar toda a vida; ele pensava que iam viver até ao fim dos seus dias, até lá - à separação - nunca acreditava que houvesse uma separação e, portanto, ele acreditou sempre que a D. BB nunca saía de casa.
Pergunta-se: a regra da avaliação prudencial da prova é violada se se declarar que também aquela atribuição patrimonial teve por causa ou justificação em vivência em comum - e a expectativa da sua perdurabilidade - entre o apelante e o apelado? Não, não é. A decisão contrária é que assenta numa convicção que não foi alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir de forma correcta[36].
Note-se que esta conclusão é harmónica, por um lado, com aquilo que normalmente sucede e, portanto, com regras de experiência e critérios sociais - segundo os quais as pessoas que vivem em comunhão de vida, mesmo no contexto da convivência conjugal, fazem atribuições patrimoniais, recíprocas ou não, em função dessa situação familiar e na expectativa da sua tendencial perpetuidade, ou ao menos, perdurabilidade - e por outro, com dados de facto já adquiridos, sem controversão para o processo, que inculcam que a comunhão entre o apelante e a apelada era uma comunhão de vida, mas não de patrimónios ou sequer de economias, dado que tinham economias separadas, limitando-se a partilhar as despesas comuns. Há, deste modo, que fazer intervir aqui uma presunção natural que aponta no sentido de que a atribuição patrimonial é condicionada á subsistência da união de facto[37].
É exato que, nas suas declarações a apelada - como salienta na sua alegação - sustentou, como era expectável, ponto de vista contrário. Mas não é menos que esse ponto de vista não encontra noutros meios de prova ou nas apontadas regras de experiência um grau de confirmação ou corroboração exigível.
O conjunto de considerações exposto, apesar do modo como esta Relação conheceu das provas pessoais - através da audição do registo sonoro e da leitura, fria e inexpressiva dos troços transcritos pelas partes - é suficiente para mostrar que o decisor de facto da 1.9 instância incorreu na avaliação das apontadas provas - documental e pessoal - relativamente aos factos referidos, no error in iudicando acusado pela apelante, pelo que há que fazer prevalecer a convicção que esta Relação extrai dessas provas sobre o convencimento, erróneo, que sobre elas formou a decisora da 1.9 instância.
Importa, pois, reconformar, correspondentemente, a decisão da matéria de facto dos pontos impugnados, julgando não provado os enunciados contidos nos n.°s 1.33, 1.34, 1.36, 139 e 143, e bem assim, o espírito de liberalidade, contido nos n.°s 1.35 e 1.47, e alterando a redacção dos n.°s 1.29. e 1.30., julgando correcto que lhes seja impresso o conteúdo sugerido pelo apelante: 1.29. “Fê-lo com transferência de dinheiro para as despesas decorrentes da comunhão da vida, para pagamento de compromissos” e 1.30. “A vontade do autor era que a ré tivesse dinheiro para cumprir com os seus compromissos”. Pelos mesmos motivos, importa corrigir o valor referido no ponto 1.23, reduzindo-o para € 87 651,84, e imprimir ao ponto 1.25 este conteúdo: Foi em razão desta causa - a união de facto - que a R adquiriu a propriedade exclusiva do imóvel e que o A. efectou os pagamentos referidos em 1.23.
3.4. Concretização.
É indiscutível, em face dos que se devem ter por definitivamente para o processo que o apelante e a apelada viveram um com o outro em união de facto. Também é irrecusável que no contexto da relação de convivência e de comunhão instituída pela união de facto, e por causa desta, que o apelante fez várias atribuições patrimoniais à apelada e mutuou-lhe a quantia de € 5 256,03, mútuo que, por vício de forma, se encontra ferido de nulidade. É igualmente insofismável que aquela união de facto se rompeu e que, com ruptura da união, se deu o desaparecimento daquela causa, pelo que há reconhecer ao apelante o direito, no tocante a quantias diversas da mutuada, com fundamento no enriquecimento sine causa, a que lhe sejam restituídas essas mesmas quantias, sob pena de a apelada com elas se enriquecer, à custa de um simétrico empobrecimento da apelante.
De resto, mesmo que não houvesse fundamento para modificar, nos termos apontados, o julgamento da matéria de facto, a acção sempre deveria proceder quanto à restituição do valor do preço, pago pelo apelante, da nua propriedade da fracção autónoma.
Não o entendeu assim, a Sra. Juíza de Direito, já que no seu ver o autor, apesar de não ser proprietário do andar, apenas se encontra privado do respetivo “ius abutendi” (sic), ou seja, da possibilidade de dispor dele, embora goze da faculdade de o usar e fruir, livremente, incluindo de o dar de arrendamento, sem prejuízo da alteração da sua forma ou substância, que ao invés, a autora (sic) está impedida de o usar ou fruir, como o fazia, anteriormente, para qualquer fim, pelo que assim, não é sustentável a tese do réu (sic) quando defende que se encontra empobrecido, em valor igual ao da nua propriedade da autora (sic), pois que apenas não pode dispor do bem, usufruindo-o plenamente.
Este argumento é completamente desacertado. Como é evidente, dado que o preço da aquisição pela apelada do direito real de propriedade, ainda que onerado ou gravado com o direito menor de usufruto, foi pago pelo apelante, é notório que a apelada experimentou um aumento - enriquecimento - do seu património à custa da correspectiva diminuição - empobrecimento - do património do apelante.
Importa, pois, condenar a apelada a restituir ao apelante as quantias objecto das transferências patrimoniais, excepto as relativas aos pagamentos das remunerações da empregada doméstica da recorrida visto - como se fez notar - que o primeiro não demonstrou tê-los feito. Como era o apelante que estava vinculado ao respectivo ónus da prova, há que decidir contra ele a questão de facto correspondente (art.°s 342.°, n.° 1, e 346.° do Código Civil, e 414.° do Código de Processo Civil).
A indemnização, correspondente aos juros civis à taxa supletiva legal, pelo atraso no cumprimento da obrigação de restituição deve ser computada desde a citação - tal como é pedido pelo apelante - dado que a apelada só com aquele acto de processo se constituiu na situação de mora (art°s 804.°, n.°s 1 e 2, 805.°, n.° 1, e 806.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Do conjunto da argumentação exposta extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:
- As relações patrimoniais das pessoas unidas de facto estão sujeitas ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais;
- A composição dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção, deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada àquela composição;
- O princípio da correcta ordenação jurídica dos bens exige que um benefício atribuído em função ou em consideração de um dado estado ou qualidade, deva ser restituído uma vez cessado aquele estado ou extinta esta qualidade;
- O desaparecimento da causa jurídica - a união de facto - á sombra da qual foi realizada uma prestação, dá lugar ao enriquecimento injustificado do beneficiário dessa prestação, determinante da constituição, a favor do empobrecido, de uma pretensão dirigida à restituição desse enriquecimento.
Apelante e apelada sucumbem, reciprocamente, no recurso. Essa sucumbência recíproca torna, um e outra, responsáveis, na medida do respectivo decaimento, pela satisfação das custas (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se, correspondentemente, a sentença impugnada, e condena-se a apelada, BB, a pagar ao    apelante, AA, a quantia de € 87 651,84 acrescida de juros civis, á taxa legal supletiva, desde a citação até pagamento.
Custas da acção e do recurso pelo apelante e pela apelada, na proporção da respectiva sucumbência.
2023.09.12



[1]             João Redinha, Contrato de Mútuo, Direito das Obrigações, 3° volume, sob a coordenação de Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, págs. 187 a 190.
[2] Guilherme de Oliveira, A família e os Menores, Enciclopédia Legal, Selecções do Readers Digest, Lisboa, 1987, pág. 19, e Manual do Direito da Família, Almedina, Coimbra, reimpressão, 2021, pág. 354, e Francisco Manuel Pereira Coelho, Filiação, UC, FD, Coimbra, 1978, pág. 123.
[3] Há, assim, senão uma obrigação, pelo menos uma abertura constitucional à relevância jurídica das uniões familiares de facto. Neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa, Anotada, art.°s 1.° a 107.°, vol. I, Coimbra Editora, pág. 581; contra, Francisco Manuel Pereira Coelho - Casamento e Família no Direito Português, in Temas do Direito da Família, págs. 9, e RLJ, Ano 120, pág. 375 - para quem a norma constitucional não pretende referir-se à união de facto, respeitando, exclusivamente, à matéria da filiação, decorrendo o princípio da protecção da união de facto do direito de matriz constitucional ao livre desenvolvimento da personalidade (art.° 26.° da CRP).
[4] J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa, Anotada, art°s 1.° a 107.°, cit., pág. 581.
[5] Francisco Manuel Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, CDF, Curso de Direito da Família, vol. I, Introdução do Direito Matrimonial, 2^ edição. Coimbra Editora, 2001, págs. 89 e 90.
[6] Para uma enumeração dos efeitos - favoráveis, neutros e desfavoráveis - da união de facto, Nuno de Salter Cid, A Comunhão de Vida à Margem do Casamento, Entre o Facto e o Direito, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 674 a 691. A lei mantém uma clivagem entre o estatuto social da união de facto - invocação da relação perante terceiros, maxime entidades públicas sempre que isso convier aos interessados para efeitos de benefícios sociais, laborais, etc. - e o seu estatuto privado, relativo aos direitos e deveres recíprocos, às exigências de solidariedade, cooperação e responsabilidade, aos efeitos da ruptura, alimentos, etc. Ao reconhecimento público da união de facto não correspondeu uma responsabilização mínima dos seus membros nas suas relações recíprocas e para com a sociedade. A reivindicação da consagração para os unidos de facto apenas de direitos ficou a dever-se a uma propensão para a dependência face ao Estado que cada vez mais evidente na sociedade portuguesa. Todas as contas feitas, pode retirar-se esta conclusão: a união de facto não envolve a responsabilidade e a solidariedade inerentes ao compromisso matrimonial: Rita Lobo Xavier, Notas sobre a União “More Uxori” em Portugal, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCP, 2002, págs. 1392 a 1406.
[7]  Apesar de ser particularmente problemático a aplicação das normas reguladoras das compensações patrimoniais conjugais, v.g., por contribuições para os encargos da vida familiar, designadamente, com trabalho doméstico, uma vez que a relações patrimoniais dos unidos e facto estão sujeitas ao regime comum - obrigacional ou real, conforme o caso - admite-se, todavia, o relevo de critérios próximos aos estabelecidos para as relações entre cônjuges, nomeadamente através das regras do enriquecimento sem causa. Neste sentido, Carlos Pamplona Corte-Real e José Silva Pereira, Direito da Família, Tópicos para uma Reflexão Crítica, 2.^ edição, pág. 188, Francisco Manual de Brito Pereira Coelho, Dissolução da União de Facto e Enriquecimento sem Causa, RLJ, Ano 145, págs. 123 a 125, e Estatuto Patrimonial da União de Facto, Revista Julgar, n.° 40, págs. 115 e 116 e, para o trabalho doméstico, o Ac. do STJ de 14.01.2021 (1142/11.2BBCL.1.G1.S1). Sobre as dificuldades da aplicação analógica do regime do casamento às relações entre os unidos de facto, Carlos Pamplona Corte-Real, Relance Crítico sobre o Direito de Família Português, em “Textos de Direito da família para Francisco Pereira Coelho”, pág. 120-122, Cristina Araújo Dias, Dissolução da União de Facto. Anotação ao Acórdão do TRG de 29.09.2004, Cadernos de Direito Privado, n.° 11, págs. 74 a 76, João Cura Mariano, O Direito de Família na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Julgar, n.° 21, pág. 31, Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho, Estatuto Patrimonial da União de Facto, Julgar, n.° 40, pág. 99 e seg., Os Factos no Casamento e o Direito na União de Facto: Breves Observações, em “Textos de Direito da família para Francisco Pereira Coelho”, pág. 83 e ss.
[8] Francisco Manuel Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, cit., pág. 397.
[9] A comunhão conjugal constitui um património de mão comum ou propriedade colectiva. Trata-se de uma situação jurídica que, manifestamente, não cabe na compropriedade dela se distinguindo de forma clara e inequívoca. Essa distinção assenta, além do mais, no facto de os direitos dos contitulares não incidir sobre cada um dos elementos que constituem o património - mas sobre todo ele, como um todo unitário. Aos titulares do património colectivo não pertencem direitos específicos - designadamente uma quota - sobre cada um dos bens que integram o património global, não lhes sendo lícito dispor desses bens ou onerá-los, total ou parcialmente. Na partilha dos bens destinada a por fim à comunhão, os respectivos titulares apenas têm direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada bem concreto objecto da partilha. O que bem se compreende, visto que existe um direito único sobre todo o património. cf. Pires de Lima, Enciclopédia Verbo, Comunhão e Ac. da RP de 19.04.1983, CJ VII, II, pág. 259.
[10] Antunes Varela, Direito da Família, pág. 436.
[11]            Pereira Coelho, “Casamento e família no direito português”, Temas de Direito da Família, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 17, e RLJ, Ano 120, pág. 80, e Acs. do STJ de 07.01.2010, www.dgsi.pt., e de 09.03.2004, CJ, STJ, XII, I, pág. 112. Segundo Geraldo da Cruz Almeida - Da União de Facto, Convivência “More Uxorio” em Direito Internacional Privado, Lisboa, Pedro Ferreira - Editor, 1999, pág. 214 - essa opinião parecia ser a dominante em 1999 na doutrina portuguesa.
[12] Acs. da RL de 18.12.1985, 29.09.2007, 15.11.2011, 18.01.2011 e de 22.11.2011., www.dgsi.pt.
[13]           Telma Carvalho, “A união de facto: a sua eficácia jurídica”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, FDUC, Vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pág. 234
[14] Júlio Gomes, O Enriquecimento sem causa e a união de facto, CDP, 58-5, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Reimpressão, AAFDL, 2008, pág. 657, F. Brito Pereira Coelho, Dissolução da união de facto e enriquecimento sem causa, RLJ, Ano 145.°, pág. 11, e Tiago Nuno Pimentel Cavaleiro, A União de Facto ni Ordenamento Jurídico Português, Análise de Alguns Aspectos de índole Patrimonial, FDUC, 2015, págs. 35 e 36 ; Acs. da RL de 07.01.2021 (6947/16.5T8FNC.L1-6), da RG de 29.09.2004 (1289/04.1), e da RC de 11.05.2004 (712/04).
[15] Assim, v.g., título de exemplo, os Acs. do STJ de 11.04.2019 (219/14), de 27.06.2019 (944/16) e de 04.07.2019 (2048/15); Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 5.^ ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, pág. 92, Rita Lobo Xavier, Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges, Almedina, 2000, pág. 475-476, nota 84, e O “Estatuto Privado” dos Membros da União de Facto, RJLB, Ano 2, n.° 1, pág. 1528-1531, Margarida Silva Pereira Direito da Família, 2.^ ed., AAFDL, 2018, pág. 616, Júlio Gomes, O Enriquecimento sem Causa e a União de Facto, Cadernos de Direito Privado n.° 58, pág. 3 e segs., Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho, Dissolução da União de Facto e Enriquecimento sem Causa, R.L.J. n.° 145, pág. 109­125, Estatuto Patrimonial da União de Facto, Revista Julgar, n.° 40, pág. 99 e seg., e Os Factos no Casamento e o Direito na União de Facto: Breves Observações, em “Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho”, pág. 77 e segs., Sandra Passinhas, A União de Facto em Portugal, Actualidad Jurídica Iberoamericana, n.° 11, Agosto de 2019, pág. 124, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 7.^ ed., Gestlegal, 2020, pág. 657, Cristina Araújo Dias, Dissolução da União de Facto. Anotação ao Acórdão do TRG, de 29.09.2004, Cadernos de Direito Privado, n.° 11, págs. 78 a 80, e Rossana Martingo Cruz União de Facto versus Casamento, Gestlegal, 2019, págs. 558-578.
[16] Assim, v.g., na jurisprudência, o Ac. do STJ de 04.07.2019 (2048/15.1T8STS.P1.S1), e na doutrina, Mário Júlio de
Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7.^ edição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 423.
[17] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2° volume, AAFDL, 1980, págs. 55 e 56.
[18] Menezes Leitão, O Enriquecimento sem causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, (176), Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1996, pág. 504; Ac. da RL de 19.12.2017 (1920/16.6T8FNC.L1-2) e do STJ de 04.07.2019 (2048/15.1T8STS.P!.S1).
[19] Mota Pinto, “onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro na doutrina da falência e da impugnação pauliana”, RDES, Ano XXV, n° 3-4, págs. 236 e 237, e Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Lisboa, AAFDL, 1995, págs. 481 e 482.
[20]  Antunes Varela, Anotação ao Ac. do STJ de 20.06.1972, RLJ, Ano 106.°, pág. 250.
[21] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.^ edição, Coimbra, 1987, págs. 240, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, 6.^ edição, Coimbra, pág. 176, Maria do Rosário Palma Ramalho, “Sobre a doação modal”, in o Direito, 122.° ano (1990), pág. 721, e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XI, Contratos em Especial, Almedina, 2019, pág. 424.
[22] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lisboa, 1979, pág. 195, F. Brito Pereira Coelho, Causas objectivas e motivos individuais no negócio jurídico, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, III, A Parte Geral do Código e a Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2006, pág. 423 e ss. (pág. 433, nota 22) e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, cit., pág. 176 e ss.
[23] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[24] João Paulo Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3^ edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 638.
[25] Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia - Ac. do STJ de 24.9.2013, Proc. 1965/04, in Cadernos de Direito Privado, n° 44, Outubro/Dezembro 2013, págs. 33 e ss.
[26]  António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7^ edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 350.
[27]   Acs. do STJ 09.02.2021 (26069/18.3T8PRT.P1.S1), 30.09.2020 (4420/18.6T8GMR.G2.S1) e 14.03.2019 (8765/16.1T8LSB.L1.S2).
[28] António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.^ edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, pág.
196.
[29] Assim, entre muitos, os Acs. de 16.12.2020 (8640/18.5YPRT.C1.S1), 09.06.2021 (10300/18.8/8SNT.L1.S1), 25.03.2021 (756/14-3TBPTM.L1.S1), 07.07.2021 (682/19.OT8GMR.G1.S1) e 02.02.2022 (1786/17.9T8VZ.P1.S1).
[30] Assim, v.g., os Acs. do STJ de 19.02.2015 (288/05.6TBMGD.P2.S1), 14.10.2021 (374/17.4T8FAR.E2.S1) e 19.01.2023 (2387/20.0T8STR.E1.S1).
[31] Antunes Varela, RLJ, Ano 116, pág. 330.
[32] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[33] Para a prova da simulação por indícios - necessitas, affectio, habitus, e interpositio - Luís Filipe Pires de Sousa, Prova da Simulação, Julgar, número especial, 2013, págs. 71 a 88, e Acs. da RP 23.03.2020 (17.5T8VFR.P1) e da RG 09.07.2020 (10458/15.8T8VNF.G1).
[34] Ac. da RE de 16.12.1993, BMJ n.° 432, pág. 453.
[35] Carolina Braga da Costa Henriques, Declarações de Parte, pág. 48, disponível em wwwestudogeral.sib.uc.pt, Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum á Luz do Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 278, e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 357, e Acs. da RP de 15.09.2014, 20.11.2014, 17.12.2014, 26.06.2014 e 30.06.2014; criticamente, Miguel Teixeira de Sousa, entrada de 20.01.2017, acessível em https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudência-536.html#links; diferentemente, contra a degradação antecipada do valor probatório das declarações, por não ter fundamento legal, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos da prova legal, Luís Pires de Sousa, As Malquistas Declarações de Parte ("Não acredito na parte porque é parte")»,         disponível       no                    sítio                 do                                          STJ
http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios STJ/CPC2015/painel 1 articulados audiencialuissousa.pdf; Catarina Gomes
Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil/Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito do Minho, 2014, pág. 145, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, Elisabete Fernandes “Nemo Debet Esse Testis in Propria Causa?” Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este Propósito, Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 36., Acs. da RP de 23.03.2015 e de da RE de 12.03.2015, www.dgsi.pt. e, por todos, Ac. da RL de 26.04.2017 (18591/15.OT8NT.L1-7).
[36] João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 521.
[37] Ac. do STJ de 17.06.2021 (1129/18.4T8PDL.L2.S1) e Pereira Coelho, RLJ, Ano 145, pág. 123.