Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
709/23.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRAORDENACIONAL
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
EXTEMPORANEIDADE
CONTAGEM DO PRAZO
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 6.º, 8.º, 32.º, 33.º DA LEI N.º 107/2009, DE 14-09, E 113.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – A impugnação judicial de decisão administrativa de aplicação de coima é apresentada na autoridade administrativa, no prazo de 20 dias após a sua notificação, prazo a que são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal e que não se suspende em férias judiciais – é um prazo contínuo e, quando terminar em dia de encerramento dos tribunais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
II – As notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sempre que se notifique o arguido da decisão administrativa que lhe aplique uma coima.

III – Para além da arguida (no caso, uma sociedade), também o seu advogado deve ser notificado da decisão administrativa, conforme resulta dos arts. 47.º do RGCC e 113.º, n.º 10, do CPPen., contando-se o prazo para impugnação da decisão administrativa a partir da data da notificação efetuada em último lugar.

Decisão Texto Integral:

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A arguida A..., Ldª, veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima no valor de € 1.875,00 pela prática de uma contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 40.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 233.º, ambos do CRC.

                                                             *

A Exm.ª Juíza proferiu o despacho constante de fls. 110 que não admitiu, por intempestiva, a impugnação judicial apresentada pela arguida ora recorrente.

                                                             *

A arguida, notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“A) A arguida não se pode conformar com a decisão proferida, embora douta, nos termos da qual se decidiu rejeitar, por intempestiva, a impugnação judicial da decisão proferida no âmbito de contra ordenação da Segurança Social.

B) A arguido não se pode conformar com a decisão aqui posta em crise, por padecer a mesma de nulidade insanável e inconstitucionalidade, para além de efetuar a mesma uma errónea apreciação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice. Mas vejamos melhor!

C) Importa referir, desde logo e antes de mais, que a arguida invocou na sua impugnação judicial diversas nulidades insanáveis, as quais são de conhecimento oficioso, pelo que, mesmo que se considerasse extemporânea a impugnação, na parte em que se impugna a matéria dos autos, sempre deveriam ter sido conhecidas – OFICIOSAMENTE – as nulidades insanáveis de que enfermam os presentes autos.

D) Desde logo, a decisão impugnada considerou extemporânea a impugnação judicial, porque apresentada para além de 20 dias apos a notificação da decisão. Ora, salvo o devida respeito, tal decisão labora em erro.

E) Na verdade, a arguida considera-se notificada, em 30/01/2023, do ultimo acto decisório no processo administrativa, tendo apresentado a sua impugnação judicial 20 dias após a notificação de tal acto, pelo que sempre deveria ter sido tal impugnação recebida e apreciada.

F) Tal como já se mencionou, a decisão administrativa posta em crise enferma de nulidade e inconstitucionalidade, na exata medida em que viola as garantias de defesa da arguida.

G) Notificada da acusação, a arguida exerceu o seu direito de contraditório, apresentou defesa e arrolou testemunhas. Sucede que, a entidade administrativa cerceou as garantias de defesa da arguida, ao preterir formalidades legais, impedindo a inquirição das testemunhas arroladas pela arguida. Na verdade, agendada a data para inquirição de testemunhas, e mediante impedimento da sua mandatária, foi solicitada alteração da diligência, conforme requerimento junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido. Porém, da nova data designada não foram a arguida, nem a sua mandatária notificadas, motivo pelo qual não foi apresentada a testemunha para depor.

H) Ora, a referida nulidade foi invocada junto da entidade administrativa, tendo sido julgada improcedente, sem qualquer justificação, fundamento ou prova. A referida nulidade foi também invocada em impugnação judicial, e é do conhecimento oficioso, pelo que sempre deveria ter sido conhecida pelo tribunal recorrido.

I) Assim, e uma           vez mais, expressamente se invoca tal nulidade e inconstitucionalidade, para todos os efeitos legais, devendo ser declarada nula a decisão recorrida, e absolvida a arguida.

J) Acresce ainda que, a decisão administrativa padece de nulidade insanável, na exacta medida em que os factos provados e que servem de base à condenação se encontram em oposição evidente com o enquadramento jurídico que é efetuado dos mesmos e que sustenta a condenação.

K) Desde logo, da decisão que lhe foi notificada, resulta que a arguida regularizou a situação, ou seja, salvo melhor entendimento, a previsão normativa que consta da imputação que lhe é dirigida não se encontra corretamente enquadrada, na exata medida em que, caso se considerasse verificada a infração, sempre a norma aplicável seria o n.º 6 do art.º 40.º do Código Contributivo, e não o n.º 5.

L) Para além do mais, não resultam dos autos quaisquer elementos que permitam imputar a presente infracção à arguida a título de dolo ou de negligência. A infracção contra-ordenacional pressupõe a imputação do facto ao agente a título de dolo ou de negligência, em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa”. Ora, desde logo, analisando a descrição fáctica, constata-se que nenhum facto subjetivo susceptível de implicar a prática de uma infracção é imputado à arguida, sendo que, tal descrição fáctica sempre seria insuficiente para sustentar uma qualquer condenação (arts. 8.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, b) do RGCO – DL 433/82, de 27/10 e art.º 8.º RJCE).

M) Dispõe o art. 32.º, n.º 8 da Constituição da República portuguesa que “nos processos de contra-ordenação sãoassegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”. Porém, as aludidas garantias de defesa só estarão plenamente asseguradas quando, além do mais, a descrição fáctica se encontre suficientemente realizada, tanto relativamente aos elementos objectivos, como quanto aos elementos subjectivos do tipo de ilícito imputado à arguida.

N) Sem prescindir, sempre se dirá que, a arguida encontra-se em situação económica difícil, atendendo ao facto de se encontrar instalada numa zona desfavorecida do interior, e ainda em decorrência da Pandemia Covid 19 que assolou o país e o mundo, tratando-se de uma empresa de serviços essenciais, e atendendo também à actual conjuntura económica nacional e internacional. A arguida sobrevive a custo, apenas com muita dedicação e trabalho dos seus sócios gerentes, lutando diariamente pela manutenção dos postos de trabalho. Ora, não tendo retirado qualquer benefício económico da prática da infracção, o diminuto grau de culpa, o qual apenas indirectamente lhe poderá ser imputado, inexistindo dolo, sempre a arguida deveria ser dispensada do pagamento de qualquer coima ou, ser a mesma especialmente atenuada.

O) Também neste aspecto, foi invocada a nulidade da douta decisão impugnada, por omissão de pronúncia, na exata medida em que não analisou os pressupostos de aplicação da pena especialmente atenuada, aplicada subsidiariamente nos presentes autos, nulidade esta que expressamente se invocou, que também deveria ter sido conhecida.

P) Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a decisão proferida ser anulada, conhecendo-se e julgando procedente a impugnação judicial apresentada, absolvendo-se a arguida.”

                                                             *

O Ministério Público contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

(…).

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 130 a 131 no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Saneamento

A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação

Matéria de facto com interesse para a decisão:

1 – A decisão administrativa proferida nos presentes autos foi comunicada à arguida por carta recebida na sua sede no dia 06/12/2022 (AR de fls. 90).

2 – A mesma decisão foi comunicada à advogada da arguida por carta recebida no escritório da mesma no dia 13/12/2022 (AR de fls. 87).

3 – No dia 20/02/202 (fls. 7 v.º), a arguida remeteu ao ISS, IP o requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa.

                                           *

                                           *

b) - Discussão

A recorrente suscita as seguintes questões:

1ª – Nulidade e inconstitucionalidade da decisão recorrida.

2ª - Se a presente impugnação é tempestiva.

                                                 *

1ª questão

Nulidade e inconstitucionalidade da decisão recorrida

Alega a recorrente que:

- A arguida não se pode conformar com a decisão aqui posta em crise, por padecer a mesma de nulidade insanável e inconstitucionalidade.

- A arguida invocou na sua impugnação judicial diversas nulidades insanáveis, as quais são de conhecimento oficioso, pelo que, mesmo que se considerasse extemporânea a impugnação, na parte em que se impugna a matéria dos autos, sempre deveriam ter sido conhecidas – OFICIOSAMENTE – as nulidades insanáveis de que enfermam os presentes autos.

- A decisão administrativa posta em crise enferma de nulidade e inconstitucionalidade, na exata medida em que viola as garantias de defesa da arguida.

- Notificada da acusação, a arguida exerceu o seu direito ao contraditório, apresentou defesa e arrolou testemunhas. Sucede que, a entidade administrativa cerceou as garantias de defesa da arguida, ao preterir formalidades legais, impedindo a inquirição das testemunhas arroladas pela arguida.

- A referida nulidade foi invocada junto da entidade administrativa, tendo sido julgada improcedente, sem qualquer justificação, fundamento ou prova. A referida nulidade foi também invocada em impugnação judicial e é de conhecimento oficioso, pelo que sempre deveria ter sido conhecida pelo tribunal recorrido.

- Assim, e uma vez mais, expressamente se invoca tal nulidade e inconstitucionalidade, para todos os efeitos legais, devendo ser declarada nula a decisão recorrida, e absolvida a arguida.

- Acresce ainda que a decisão administrativa padece de nulidade insanável, na exata medida em que os factos provados e que servem de base à condenação se encontram em oposição evidente com o enquadramento jurídico que é efetuado dos mesmos e que sustenta a condenação.

- Foi invocada a nulidade da decisão impugnada, por omissão de pronúncia, na exata medida em que não analisou os pressupostos de aplicação da pena especialmente atenuada aplicada subsidiariamente nos presentes autos, nulidade esta que expressamente se invocou e que também deveria ter sido conhecida.

Apreciando:

Importa dizer, desde já, que ao contrário do alegado pela arguida, tendo sido rejeitado o recurso de impugnação judicial, não se impunha ao tribunal recorrido que procedesse à apreciação de qualquer uma das nulidades invocadas no mesmo.

Na verdade, após a apresentação dos autos ao juiz por parte do Ministério Público (artigo 37.º da Lei nº 107/2009, de 14/09), antes de mais, cumpre ao tribunal rejeitar a impugnação judicial feita fora do prazo legal (artigo 38.º da mesma Lei).

Assim sendo, facilmente se conclui que sendo rejeitado o recurso de impugnação judicial, não se impunha ao tribunal a apreciação das questões suscitadas no mesmo, tais como as apelidadas nulidades insanáveis de conhecimento oficioso.

Acresce que, não vislumbramos que o despacho recorrido sofra, em si mesmo, de qualquer outra nulidade ou inconstitucionalidade que, aliás, a arguida também não concretiza.

Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente.

2ª questão

Se a presente impugnação é tempestiva

Alega a recorrente que:

- A decisão impugnada considerou extemporânea a impugnação judicial, porque apresentada para além de 20 dias após a notificação da decisão mas tal decisão labora em erro.

- A arguida considera-se notificada em 30/01/2023, dia do último ato decisório no processo administrativo, tendo apresentado a sua impugnação judicial 20 dias após a notificação de tal ato, pelo que sempre deveria ter sido tal impugnação recebida e apreciada.

Vejamos:

A decisão recorrida rejeitou a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente, por ser extemporânea, nos seguintes termos:

A contra-ordenação muito grave pela qual a arguida/recorrente foi condenada respeita à não inclusão na declaração de remunerações referente ao mês de 2017/09 do trabalhador AA, prevista e punida pelo artigo 40.º, n.ºs 1, 2 e 5 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, sendo a decisão proferida pela autoridade administrativa impugnável nos termos previstos no artigo 32.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

Notificada que foi da decisão administrativa, em 13 de Dezembro de 2022 (cfr. fls. 81 e ss. e 87), veio a arguida/recorrente apresentar impugnação judicial em 20 de Fevereiro de 2023 (cfr. fls. 7v.).

O Ministério Público propugnou, aquando do recebimento dos autos, pela declaração de inadmissibilidade do recurso por extemporaneidade.

Cumpre apreciar e decidir.

Resulta do disposto no artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 19 de Junho, que:

“1 - A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir.

2 - A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.”

Por seu turno, dispõe o artigo 8.º do citado diploma legal que:

“1 - As notificações em processo de contra-ordenação são efectuadas por carta registada, com aviso de recepção, sempre que se notifique o arguido do auto de notícia, da participação e da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação.

2 - Sempre que o notificando se recusar a receber ou assinar a notificação, o distribuidor do serviço postal certifica a recusa, considerando-se efectuada a notificação.

3 - A notificação por carta registada considera-se efectuada na data em que seja assinado o aviso de recepção ou no 3.º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando.”.

Acresce que, nos termos do disposto no artigo 6.º do citado diploma legal:

“1 - À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.

2 - A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais.”, pelo que cumpre chamar à colação o disposto nos artigos 104.º do CPP e 138.º do CPC.

As decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são susceptíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem (cfr. artigo 33.º do citado diploma lega); sendo que, no caso em apreço, a decisão proferida a 30 de Novembro de 2022 não se trata de decisão provisória mas antes da decisão final de aplicação da coima e, portanto, estamos perante decisão prevista no artigo 32.º, passível de impugnação no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.

Conforme impressivamente sintetiza o Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Julho de 2013 (disponível em www.dgsi.pt):

“I – O artº 33º/2 da Lei 107/09, de 14/09, tem por objecto apenas o prazo de dedução da impugnação judicial das decisões condenatórias proferidas pelas autoridades administrativas no âmbito do procedimento das contra-ordenações, e o prazo de 20 dias aí previsto está sujeito à regra da continuidade decorrente do estatuído no artº 144º/1 do CPC.

II - O prazo de impugnação judicial da decisão da ACT e do ISS que condene uma pessoa individual ou colectiva pela prática de uma contra-ordenação laboral ou contra a segurança social não se suspende aos sábados, domingos e feriados (artºs 6º/1 da Lei 107/09,; 104º/1 do CPC; e 144º/1 do CPC), do mesmo modo que não se suspende durante as férias judiciais.”.

Acresce que, conforme se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Dezembro de 2020 (disponível em www.dgsi.pt e também citado pelo Ministério Público):

“I – Conforme o disposto no artigo 32.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é susceptível de impugnação judicial.

II – Esta (impugnação) é apresentada na autoridade administrativa, no prazo de 20 dias após a sua notificação (n.º 2 do artigo 33.º da citada Lei), prazo ao qual são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal e que não se suspende durante as férias judiciais (artigo 6.º da mesma Lei), ou seja, é um prazo contínuo e quando terminar em dia que o tribunal estiver encerrado transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (artigo 138.º do C.P.C., ex vi do artigo 104.º do C.P.P.).

III - As notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sempre que se notifique o arguido da decisão administrativa que lhe aplique uma coima – n.º 1 do artigo 8.º da citada Lei n.º 107/2009.

IV - Uma vez que o AR foi assinado por pessoa diferente do advogado destinatário e que é inaplicável o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, posto que a notificação por carta registada aí prevista respeita apenas ao arguido e aos actos e decisões aí discriminados, por força do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do CPP, a notificação do advogado da arguida presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio, ou seja no dia 03/07/2020, data a partir da qual se conta o prazo para impugnação da decisão administrativa, visto que foi a notificação efetuada em último lugar (n.º 10 do artigo 113.º do CPP).”.

Assim, iniciando-se a contagem do prazo a 13 de Dezembro de 2022 (data da notificação da IM da arguida – cfr. artigo 8.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 19 de Junho), os vinte dias para interposição do recurso contam-se a partir de tal data (cfr. artigo 33.º, n.º 2 do RPCOLSS), pelo que, a apresentação da impugnação em 20.02.2023 está, manifestamente, fora de prazo, sendo, por isso, extemporânea.

Concordamos ainda com o referido pelo Ministério Público quanto à pretendida interrupção do prazo com a invocação da nulidade e o requerimento da junção do email comprovativo da designação de data da inquirição das testemunhas, já que, “além de não poder ser deferido por falta de fundamento legal (e pelos fundamentos aduzidos na decisão que, a esse propósito, o ISS tomou), tal requerimento é já apresentado depois de findo o prazo de impugnação judicial (é apresentado apenas em 04.01.2023).”

Em face do exposto e com os fundamentos supra, por manifestamente intempestivo, rejeita-se o recurso de impugnação judicial interposto por “A..., Lda.” (cfr. artigo 38.º da RPCOLSS).

Custas pela arguida/recorrente, com taxa de justiça fixada em uma unidade de conta (cfr. artigo 8.º do RCP e Tabela III Anexa).

Notifique e deposite.”

                                                             *

A recorrente não se conforma com esta decisão pelos motivos supra expostos.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Conforme o disposto no artigo 32.º da Lei n.º 107/2009 de 14/09, <<a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é susceptível de impugnação judicial>>.

Por outro lado, esta é apresentada na autoridade administrativa, no prazo de 20 dias após a sua notificação (n.º 2, do artigo 33.º da citada Lei), prazo ao qual são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal e que não se suspende durante as férias judiciais (artigo 6.º da mesma Lei), ou seja, é um prazo contínuo e quando terminar em dia que o tribunal estiver encerrado transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (artigo 138.º, do C.P.C., ex vi do artigo 104.º, do C.P.P.).

Este entendimento ficou, aliás, consagrado no acórdão para fixação de jurisprudência n.º 5/2013 de 17/01/2013, nos seguintes termos:

“Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, correndo o prazo de forma contínua, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados.” – sublinhado nosso.

Acresce que, as notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sempre que se notifique o arguido da decisão administrativa que lhe aplique uma coima – n.º 1 do artigo 8.º da citada Lei n.º 107/2009.

E, <<a notificação por carta registada considera-se efectuada na data em que seja assinado o aviso de recepção ou no 3.º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando>> - n.º 3 do mesmo artigo 8.º, pessoa singular, acrescentamos nós.

Na verdade, conforme se decidiu no acórdão da RP, de 16/01/2012, disponível em www.dgsi.pt[2]:

Mantendo embora em 20 dias o prazo de interposição do recurso [cfr. Art.ºs 59.º, n.º 3 do RGCO e 33.º, n.º 2 do RJPCOLSS], parece que o RJPCOLSS inovou quando mandou aplicar à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as regras previstas no processo penal, embora estabeleça que não há suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais, como dispõe o seu Art.º 6.º, acima transcrito. Assim, são aplicáveis em matéria de contagem de prazos dos atos a praticar em processo contraordenacional as normas que diretamente regulam a matéria em sede de processo penal, bem como as regras de processo civil para que aquelas remetam.

Por outro lado, a disciplina constante dos dois números transcritos do Art.º 8.º do RJPCOLSS parece aplicar-se apenas às notificações a efetuar ao arguido e apenas dos atos aí previstos, por um lado e por outro, apenas nos processos em que o arguido seja uma pessoa singular. Na verdade, a regra geral sobre as notificações encontra-se no antecedente Art.º 7.º e, noutra vertente, o segmento constante do n.º 3 do Art.º 8.º “quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando” revela que o legislador se quis referir apenas a pessoas singulares, uma vez que as pessoas coletivas só podem agir através de pessoas físicas.

In casu, sendo a disciplina do referido Art.º 8.º do RJPCOLSS aplicável apenas a arguidos que sejam pessoas singulares, não poderá a ora recorrente servir-se da norma do n.º 3, pois o notificado foi o seu defensor e não a própria arguida e, mesmo que fosse esta, o resultado não seria diferente, uma vez que ela é uma pessoa coletiva, sociedade.”

Desta forma, facilmente se conclui que a arguida deve considerar-se notificada da decisão administrativa proferida nos presentes autos na data em que foi assinado o AR, ou seja, no dia 06/12/2022.

Por outro lado, a Lei n.º 107/2009, de 14/09, como já referimos, regula a forma das notificações (artigos 7.º a 9.º), referindo-se à notificação do defensor do arguido no artigo 9.º (notificações na pendência do processo não referidas no n.º 1 do artigo 8.º), nomeadamente, no seu n.º 6 e no sentido de que “sempre que o arguido se encontre representado por defensor legal as notificações são a este efetuadas”.

Acresce que, por força do disposto no artigo 60.º da mesma Lei 107/2009, continua a ter aplicação o RGCC, nomeadamente, no que concerne ao instituto das notificações, desde que este regime geral não colida com o daquela lei mas desta seja meramente complementar.

Assim sendo, resulta do disposto no artigo 47.º do RGCC (DL n.º 433/82, de 27/10, atualizado pelos Decretos Lei n.º 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12)):

<<1. A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.

2. A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.

3. No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.

4. Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.>>

Acresce que, por força do disposto no artigo 41.º deste RGCC, são também aplicáveis, subsidiariamente, as disposições do processo criminal, nomeadamente, o disposto no artigo 113.º do CPP.

Assim:

<<1 – As notificações efetuam-se mediante:

a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrando;

b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;

c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos (…)

2 – Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.

(…)

10 – As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, (…), as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.

11 – As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1, ou por telecópia. (…)>>. – sublinhado nosso.

Posto isto, dúvidas não existem de que, para além da arguida[3], também o seu advogado deve ser notificado da decisão administrativa, conforme resulta dos artigos 47º do RGCC e do artigo 113.º, n.º 10 do CPP, contando-se o prazo para impugnação da decisão administrativa a partir da data da notificação efetuada em último lugar.

Como já referimos, a arguida foi notificada em 06/12/2022 (data constante do AR de fls. 90).

Por outro lado, a decisão administrativa foi também comunicada à ilustre advogada da arguida por carta registada com AR, datado de 13/12/2022 e assinado por BB.

Desta forma, uma vez que este AR foi assinado por pessoa diferente do advogado destinatário e que é inaplicável o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, posto que a notificação por carta registada aí prevista respeita apenas ao arguido e aos atos e decisões aí discriminados, por força do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do CPP, a notificação do advogado da arguida presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio, ou seja, no dia 07/12/2022 (cfr. fls. 81), data a partir da qual se conta o prazo para impugnação da decisão administrativa, visto que foi a notificação efetuada em último lugar (n.º 10 do artigo 113.º do CPP).

Assim, o prazo de 20 dias previsto no n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, para impugnação judicial da decisão administrativa, terminou no dia 27/12/2022.

E mesmo que se considerasse a ilustre advogada da arguida notificada daquela decisão na data da assinatura do AR (13/12/2022), aquele prazo de 20 dias findou a 02/01/2023.

Uma vez que a impugnação apresentada pela arguida deu entrada na ACT no dia 20/02/2023 (fls. 7 vº), facilmente se conclui que o foi fora do prazo legal que a arguida recorrente dispunha para o efeito.

E em nada belisca o que ficou dito o facto de a arguida ter vindo invocar a nulidade da decisão perante a autoridade administrativa, desde logo, porque quando o fez, em 04/01/2023, já havia decorrido o citado prazo de 20 dias, pelo que, e independentemente de outras considerações, nunca o prazo para interposição do recurso de impugnação poderia ser suspenso.

Improcede, assim, a conclusão da arguida no sentido de que se considera notificada em 30/01/2023.

Face a tudo o que ficou dito, improcede o presente recurso interposto pela arguida, impondo-se a manutenção da decisão recorrida que rejeitou a impugnação judicial por extemporânea.

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V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na improcedência do recurso, em manter a decisão recorrida.

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Custas a cargo da arguida, com taxa de justiça que se fixa em 3 Uc`s.

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    Coimbra, 2023/12/13
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(Paula Maria Roberto)

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(Jorge Loureiro)

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(Mário Rodrigues da Silva)



[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Jorge Loureiro
                      Mário Rodrigues da Silva
[2] Relatado pelo saudoso Desembargador Ferreira da Costa.
[3] Desde logo, por força do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.