Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1108/08.0TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 02/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.146, 150, 182 DA OTM, 234, , 1409, 1410, 1411 DO CPC.
Sumário: I - Os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo, assim iniciado, terminará com uma decisão de mérito, ou que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor.

II. O indeferimento liminar do requerimento de alteração da regulação do poder paternal, para além de não encontrar suporte nas normas processuais aplicáveis (não integra as excepções previstas nas alíneas a) a e) do artigo 234.º do CPC), não se revela admissível por razões formais, na medida em que o poder/dever conferido ao juiz pelo n.º 2 do artigo 1409.º do CPC, permitirá em regra superar eventuais obstáculos que possam pôr em causa a possibilidade de prolação de decisão de mérito.

III. Só após a audição da parte contrária, ou do decurso do prazo que a lei confere para o efeito, poderá o juiz apreciar eventuais nulidades formais do requerimento, podendo nomeadamente determinar o arquivamento do processo (art. 182/5 da OTM).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
A (…) intentou contra B (…), a presente providência que designou como «Nova Relação do Exercício do Poder Paternal», onde alegou em síntese: requerente e requerida são pais do menor C (…); por sentença transitada em julgado foi homologado o exercício do poder paternal do menor, que ficou confiado à guarda e cuidados do pai; a requerida nunca cumpriu os seus deveres, nomeadamente no que respeita a alimentos e regime de visitas, comportando-se como se o menor não existisse; a requerida tem um comportamento inconstante que muito prejudica o menor, pelo que se impõe “a inibição do poder paternal”.
Conclui o seu articulado, formulando o seguinte pedido: «Nestes termos e nos melhores de direito deve o exercício do poder paternal relativamente ao menor C (...), filho da Requerida e do Requerente, ser alterado no sentido do exposto neste articulado, com todas as legais consequências.»  
Pelo M.º Juiz foi proferido o despacho de fls. 18, no qual julgou inepta a petição, declarando em consequência nulo todo o processado.
Não se conformando com a decisão, a requerente veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1.ª - O Requerente, juntando documento comprovativo de um acordo quanto ao exercício do poder paternal datado de 13/Junho/2007, veio a Juízo em 13/Novembro/2ooB alegando determinada factualidade superveniente que na sua opinião torna necessário alterar tal acordo - v.g. artigos 1° a 17° da Petição Inicial -requerendo nova regulação de poder paternal.

2.ª - Entendeu o M.º Juiz “a quo” no seu despacho liminar de 06/Março/2009 que parece o Requerente pretender a limitação/inibição do exercício do poder paternal mas deixa a dúvida se não quer apenas a alteração no que concerne ao regime de visitas e, assim, e sem mais, declara inepta a petição porque o pedido está em contradição com a causa de pedir.

3.ª -Tal incorrecta decisão jamais poderia (ou deveria) ser proferida, já que o julgador entendeu perfeitamente o pensamento do Requerente, podendo a petição ser porventura uma peça desajeitada e infeliz, mas nunca inepta.

4.ª - O Mo Juiz, quando muito, face a eventual dúvida sobre a verdadeira pretensão do Requerente, sempre se poderia socorrer do convite legal para aquele aperfeiçoar o seu articulado ou ordenando a citação da Requerida para alegar o que tivesse por conveniente face ao pedido formulado.

5.ª - O Requerente limitou-se a pedir uma nova regulação do exercício do poder paternal, na qual se abarca a sua alteração no regime de visitas ou a própria inibição do próprio exercício do poder paternal.

6.ª - Como se sabe para que se decrete a inibição não basta alegar e provar determinados factos, pois é também necessário que existe infracção culposa e que dela tenham resultado graves prejuízos para os filhos.

7.ª - O facto de se ter instaurado uma nova regulação do exercício do poder paternal -uma vez que o poder paternal estava já regulado há cerca de um ano nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento - tal não significa que o Tribunal, não venha, a final, alterar o regime de visitas no sentido da inibição do poder paternal ou até restringir as visitas a pequenos períodos temporais (limitando o poder paternal).

8.ª - O simples facto de se ter peticionado a total inibição do poder paternal relativamente ao menor não significa que a mãe do menor não possa em face da OTM reclamar processualmente o direito de visitas e o mesmo lhe vir a ser concedido.

9.ª - Atendendo a que se está perante um processo de jurisdição voluntária, nas providências a tomar o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, em obediência aos artigos 1.4100 e sgs. do Cód. Proc. Civil que se violaram frontalmente.

10.ª - A expressão “em cada caso” foi inserida intencionalmente para significar que, em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de humanidade ou de justiça pura o julgador deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a esses interesses a solução mais conveniente e oportuna.

11.ª - A propósito dos processos de jurisdição voluntária inexiste mesmo uma norma como processo sumário -que possa declarar inepta uma Petição por manifesta contradição entre o pedido e a causa de pedir.

12.ª -Ao decidir como decidiu, violou o Mo Juiz, com a douta decisão recorrida, entre outros, o disposto nos artigos 1.885°, 1.915°, 1.918°, 1.919°, do Cód. Civil, artigos 26°, 36° da Constituição da República Portuguesa, 9° da Convenção dos Direitos das Crianças, 193°, 508°, 1.410°, do Cód. Proc. Civil, 182° e 198° da OTM.
O Digno Magistrado do MP respondeu às alegações do requerente, preconizando a procedência do recurso, invocando em síntese os seguintes fundamentos:

No caso em apreço estamos perante um processo tutelar cível, considerado processo de jurisdição voluntária (art° 150 da OTM). Cujas regras, em matéria de tramitação e julgamento, estão definidas nos arts. 1409 a 1411 do Código de Processo Civil e se caracterizam, em termos gerais: pela sua celeridade; investigação oficiosa dos factos e das provas na medida do estritamente necessário á decisão; não sujeição a critérios de legalidade estrita, “devendo adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, em face dos interesses a regular no caso concreto (art° 1410 do C PC); modificabilidade das decisões (art° 1411)

Mas essa simplificação de procedimentos e de menor vinculação à lei e aos critérios de legalidade não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma sintética.

No caso em apreço se o Sr. Juiz teve dúvida sobre se efectivamente o requerente pretendia apenas a alteração da regulação das responsabilidades parentais no que dizia respeito ás visitas ou pretendia a limitação/inibição do exercício do poder paternal.

Perante tal dúvida devia o Sr. Juiz devia ter convidado o requerente a aperfeiçoar a petição ou ter designado dia para a realização de uma conferência e aí averiguar o que pretendia com tal requerimento nos termos do disposto do art° 1409 do CPC.

Pelo exposto deve dar-se provimento ao recurso.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se é processualmente admissível o despacho de indeferimento liminar impugnado neste recurso.

2. Factualidade relevante
Apura-se dos autos, a seguinte factualidade relevante:
2.1. A (…) intentou contra B (…), a presente providência que designou como «Nova Relação do Exercício do Poder Paternal», onde alegou em síntese: requerente e requerida são pais do menor C (…); por sentença transitada em julgado foi homologado o exercício do poder paternal do menor, que ficou confiado à guarda e cuidados do pai; a requerida nunca cumpriu os seus deveres, nomeadamente no que respeita a alimentos e regime de visitas, comportando-se como se o menor não existisse; a requerida tem um comportamento inconstante que muito prejudica o menor, pelo que se impõe “a inibição do poder paternal”.
Conclui o seu articulado, formulando o seguinte pedido: «Nestes termos e nos melhores de direito deve o exercício do poder paternal relativamente ao menor C (...), filho da Requerida e do Requerente, ser alterado no sentido do exposto neste articulado, com todas as legais consequências.»  
2.2. Sobre o articulado do requerente, recaiu o seguinte despacho proferido pelo M.º Juiz:

Intitulando-a nova regulação de exercício de poder paternal veio o requerente A (…) instaurar contra B (…) a presente acção concluindo que deve o exercício do poder paternal relativamente ao menor C (…) ser alterado no sentido do exposto no articulado.

Ora, do exposto no articulado não vislumbra o tribunal qualquer pedido de alteração da regulação do exercício do poder paternal.

Parece o requerente pretender a limitação/inibição do exercício do poder paternal. Mas conclui deixando a dúvida sobre se efectivamente não pretende apenas a alteração da da regulação do exercício das responsabilidades parentais no que concerne ao regime de visitas.

Nesta medida, o pedido encontra-se em contradição com a causa de pedir pelo que a petição inicial é inepta -artQ 193Q, nQ 2, al. b) do Cód. Proc. Civil.

Assim, declaro inepta a petição inicial e, em consequência, julgo nulo todoo o processo.

Custas pelo requerente. Notifique.

3. O direito
3.1. As normas e princípios que regem o processo
Nos termos dos artigos 146.º d) e 150.º da OTM, trata-se de uma processo de jurisdição voluntária.
O regime processual dos processos de jurisdição voluntária encontra-se previsto nos artigos 1409.º, 1410.º e 1411.º do Código de Processo Civil, sintetizado pelo Professor Manuel Domingos de Andrade[1] pela prevalência de cinco princípios: a) princípio do inquisitório (1409.º, n.º 2); b) predomínio da equidade sobre a legalidade (659.º, n.º 2, in fine); livre modificabilidade das decisões ou providências (1411.º, n.º 1); inadmissibilidade de recurso para o Supremo (1411.º, n.º 2).
Como já ensinava o Professor José Alberto dos Reis[2], no exercício da jurisdição voluntária, o tribunal pode livremente investigar os factos, coligir as provas e recolher as informações que julgar convenientes para uma boa resolução (…). O material de facto sobre que há-de assentar a resolução, é não só o que os interessados ofereçam, mas também o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua própria actividade (…). O juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucedendo quanto aos meios de prova e de informação (…)».
Refere ainda o Professor citado, para ilustrar a menor rigidez de procedimentos nesta jurisdição: «Dispensa-se a forma articulada, quer para a dedução dos fundamentos do pedido, quer para a dos fundamentos da impugnação ou resposta».
Por sua vez, o Professor Antunes Varela[3] traça a distinção entre jurisdição voluntária e contenciosa, através de um critério de grande objectividade e clareza: «Nos processos de jurisdição contenciosa, há um conflito de interesse entre as partes (…), que ao tribunal incumbe dirimir, de acordo com os critérios estabelecidos no direito substantivo. Nos processos de jurisdição voluntária há um interesse fundamental tutelado pelo direito (…) que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes».
Definidas as regras da jurisdição voluntária, concluímos que a tramitação dos processos desta natureza, é campo privilegiado da aplicação do princípio do inquisitório, de acordo com o ensinamento do Professor Antunes Varela[4]: «Em vez da obediência a regras normativas rígidas (…) vigora a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e de oportunidade mais adequadas a cada situação concreta. Prevalência por conseguinte, da equidade sobre a legalidade estrita».
Vigora assim, no que respeita à forma, o princípio da adequação formal, que veio a ter consagração na lei processual, no artigo 265.º - A, a partir da revisão operada com a entrada em vigor do DL 329-A/95 de 12.12, e que permite «a ultrapassagem de eventual desconformidade com as previsões genéricas das normas de direito adjectivo»[5].
Em suma: permite adequar o processo à realização do direito, sendo esta o fim último dos actos processuais, como garante o n.º 2 do artigo 2.º do CPC.

3.2. A inviabilidade do despacho de indeferimento liminar
Na sequência da reforma do processo civil, as situações de possível indeferimento liminar ficaram restringidas aos casos previstos nas alíneas a) a e) do artigo 234.º do CPC, constituindo excepção face à regra geral enunciada no artigo 234.º-A do mesmo código.
No que concerne às providências previstas na O.T.M., nomeadamente à alteração da regulação do poder paternal (artigo 182.º), não está prevista a possibilidade de indeferimento liminar, devendo o Juiz: ordenar a notificação do requerido (art. 182/3; ou determinar a realização de qualquer diligência, podendo nomeadamente convocar os progenitores do menor; ou determinar o aperfeiçoamento do requerimento, caso o mesmo suscite quaisquer dúvidas quanto à definição da pretensão do requerente.
Como refere Abrantes Geraldes[6], os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo assim iniciado terminará com uma decisão de mérito, ou que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor.
Ora, face ao que dispõe o n.º 2 do artigo 1409.º do CPC, o indeferimento liminar do requerimento de alteração da regulação do poder paternal, para além de não encontrar suporte nas normas processuais aplicáveis (não integra as excepções previstas nas alíneas a) a e) do artigo 234.º do CPC), não se revela admissível por razões formais, na medida em que o poder/dever conferido ao juiz pelo citado n.º 2 do artigo 1409.º do CPC, permitirá em regra superar eventuais obstáculos que possam pôr em causa a possibilidade de prolação de decisão de mérito.
Só após a audição da parte contrária, ou do decurso do prazo que a lei confere para o efeito, poderá o juiz apreciar eventuais nulidades formais do requerimento, podendo nomeadamente determinar o arquivamento do processo (art. 182/5 da OTM).
Sobre a ilegalidade do indeferimento liminar nos processos de regulação e alteração do poder paternal, se tem pronunciado a Relação de Lisboa.
Decidiu o referido Tribunal da Relação em acórdão de 17.05.2007[7], cujo sumário se transcreve:
«I. Não há cabimento processual para indeferimento liminar de novo pedido, ou de alteração de pedido, de regulação do poder paternal, previsto no art. 182º da OTM.
II. A lei especial (OTM) não prevê para a situação em apreço a existência de despacho liminar prévio à citação da parte requerida, sendo que por aplicação subsidiária da lei geral (CPC) também não pode, hoje, haver lugar a despacho de tal natureza.
III. Assim, mesmo para o caso de o juiz considerar infundado o pedido ou desnecessária a alteração, não poderá decidir liminarmente, tendo pelo menos de ouvir previamente a parte requerida.»
Consta, nomeadamente, dos fundamentos do douto aresto citado, que o processo é de jurisdição voluntária (art. 150º da OTM e 1409º a 1411º do CPC), facultando ao juiz até a iniciativa de diligências não requeridas pelas partes e a não obediência a critérios de estrita legalidade nas providências a tomar, mas antes a critérios de conveniência e oportunidade.
O mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu em 21.09.2006, uma decisão que vai no mesmo sentido[8]:
«I- Ocorre erro na forma de processo quando se instaura procedimento cautelar comum nos termos do artigo 381.º e seguintes do Código de Processo Civil, por apenso a acção de regulação do exercício do poder paternal, pedindo a atribuição em exclusivo do poder paternal ou, em alternativa, o exercício por ambos os progenitores (…).
II- No entanto, o requerimento não deve ser indeferido liminarmente, antes deve o Tribunal aproveitar o requerimento inicial, determinado que se siga a tramitação processual adequada em conformidade com o prescrito no artigo 199.º do Código de Processo Civil.»
O mesmo entendimento foi acolhido pelo Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 20.01.2004[9], no qual se conclui que, mesmo verificando-se erro na forma do processo, a petição deverá ser aproveitada porque «o juiz, além de ter o poder de direcção do processo, tem o dever de adequar as especificidades da causa à tramitação processual prevista na lei (art.ºs 265º e 265º-A do CPC), tanto mais que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, em que o tribunal não está sujeito a critérios de estrita legalidade, devendo adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna e onde pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (art.ºs 150º da OTM e 1409º, n.º 2 e 1410º do CPC). (…) a nulidade decorrente do erro na forma de processo não acarreta o indeferimento liminar da petição, devendo antes ser aproveitada e ordenar-se o prosseguimento dos autos como acção tutelar de alimentos prevista no art.º 186º da OTM.»
No referido acórdão citam-se os seguintes arestos onde se decidiu em conformidade: acórdãos da RC de 14/6/83, na CJ, ano VIII, tomo 3, pág. 65, da RL de 7/10/93, sumariado em http://www.dgsi.pt/jtrl00012387 e da Relação do Porto de 27/11/95, publicado no BMJ n.º 451, pág. 502.
O mesmo entendimento transparece ainda no acórdão desta Relação, de 15.05.2007[10]
Aderimos à tese subjacente aos arestos citados.

3.3. O despacho de aperfeiçoamento preconizado
Refere o Apelante nas suas conclusões (3.ª e 4.ª), que «[…]o julgador entendeu perfeitamente o pensamento do Requerente, podendo a petição ser porventura uma peça desajeitada e infeliz, mas nunca inepta (…). Quanto muito, face a eventual dúvida sobre a verdadeira pretensão do Requerente, sempre se poderia socorrer do convite legal para aquele aperfeiçoar o seu articulado […]».
Também o Digno Magistrado do MP preconiza o convite ao aperfeiçoamento, nestes termos: «No caso em apreço se o Sr. Juiz teve dúvida sobre se efectivamente o requerente pretendia apenas a alteração da regulação das responsabilidades parentais no que dizia respeito ás visitas ou pretendia a limitação/inibição do exercício do poder paternal. Perante tal dúvida devia o Sr. Juiz devia ter convidado o requerente a aperfeiçoar a petição ou ter designado dia para a realização de uma conferência e aí averiguar o que pretendia com tal requerimento nos termos do disposto do art° 1409 do CPC.»
Revela-se manifesta a razão que lhes assiste.
Na eventualidade de o requerimento apresentado suscitar dúvidas sobre a sua interpretação, o M.º Juiz poderia ter proferido despacho a determinar a notificação do ora Apelante, com vista a aperfeiçoar o seu requerimento.
O que não podia, salvo o devido respeito, era proferir despacho de indeferimento liminar, atentos os fundamentos que se expenderam supra.
Revela-se assim totalmente procedente o recurso, que merece provimento.
     *

Sumário a que se refere o n.º 7 do artigo 713.º do Código de Processo Civil:
I. Os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo assim iniciado terminará com uma decisão de mérito, ou que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor.
II. O indeferimento liminar do requerimento de alteração da regulação do poder paternal, para além de não encontrar suporte nas normas processuais aplicáveis (não integra as excepções previstas nas alíneas a) a e) do artigo 234.º do CPC), não se revela admissível por razões formais, na medida em que o poder/dever conferido ao juiz pelo n.º 2 do artigo 1409.º do CPC, permitirá em regra superar eventuais obstáculos que possam pôr em causa a possibilidade de prolação de decisão de mérito.
III. Só após a audição da parte contrária, ou do decurso do prazo que a lei confere para o efeito, poderá o juiz apreciar eventuais nulidades formais do requerimento, podendo nomeadamente determinar o arquivamento do processo (art. 182/5 da OTM).
*

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual se concede provimento, e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Sem custas


[1] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 72
[2] Processos Especiais, Vol II, Coimbra Editora, 1982, pág. 399
[3] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 69
[4] Obra citada, pág. 71
[5] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, pág. 255
[6] Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, pág. 255
[7] Proferido no Processo n.º 4130/2007-6 (disponível em http://www.dgsi.pt)

[8] Proferida no Processo n.º 4926/2006-8 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[9] Proferido no Processo n.º 0326458 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[10] Proferida no Processo n.º 1216/06.1TBACB.C1 (disponível em http://www.dgsi.pt)