Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4064/14.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ( PER )
PLANO DE RECUPERAÇÃO
VOTAÇÃO
LEI NOVA
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 17 F CIRE, DL Nº 26/2015 DE 6/2
Sumário: 1.- A atual redação do art. 17º-F, nº3, do CIRE ( pelo DL nº 26/2015 de 6/2) é de aplicação imediata aos processos de negociação em curso, cuja votação ocorra depois de 2015.03.01.

2.- Tendo o plano sido votado em Abril de 2015, com o voto favorável de credores cujos créditos representam mais de 50% dos créditos relacionados com direito de voto, e mais de metade destes votos corresponde a créditos não subordinados, não se considerando as abstenções, o mesmo não deve ser recusado pela consideração da maioria votante.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

No processo especial de revitalização de I (…), S.A., veio o Administrador provisório comunicar a conclusão das negociações, referindo ter sido aprovado o plano de recuperação e juntar o comprovativo dos votos dos credores e resumo da votação. Junta está ainda a lista definitiva dos créditos reclamados.

O tribunal recorrido entendeu, para efeitos de contagem dos votos do plano de recuperação, que não merece aplicação a nova redação do nº3 do art. 17º F do CIRE dada pelo Decreto Lei 26/2015, de 6 de fevereiro; entendeu, para que a proposta se considerasse aprovada teria de recolher pelo menos dois terços da totalidade dos votos emitidos, ou seja, 66,67% dos mesmos; uma vez que os votos favoráveis correspondem a 51,161%, o plano proposto não foi homologado.


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            Inconformada, a requerente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

I. A douta Sentença/decisão recorrida assenta em erro sobre os pressupostos de facto e sobre os pressupostos de direito, pelo que deve ser revogada.

II. No que concerne aos pressupostos de facto, a douta Sentença/decisão recorrida parte do pressuposto (errado) de que “(…) durante todo o processo negocial (…)” a Lei vigente era a que decorria da redação do nº 3 do artº 17.º-F do CIRE (adotada pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril) e não a que decorria da redação introduzida pela Lei nº 26/2015, de 06 de fevereiro. Daqui concluindo a Mma. Juiz a quo que os credores teriam assentado a formação da sua vontade (expressa no voto) nos condicionalismos da Redação Antiga do nº 3 do citado artº 17.º-F e não na Redação Nova.

III. Sendo certo, no entanto que:

(i) o início das negociações teve lugar a partir de 15 de janeiro de 2015;

(ii) os contactos meramente exploratórios tendentes a avaliar a posição dos credores decorreram em fevereiro e março de 2015;

(iii) em 06 de fevereiro de 2015 foi publicada a Lei nº 26/2015 que veio alterar os quórum da assembleia de apuramento de votos;

(iv) em 09 de março de 2015, o prazo para as negociações foi prorrogado até 15 de abril de 2015;

(v) em 01 de abril de 2015, foi enviado aos credores o primeiro draft do plano de recuperação, a partir do qual os credores lograram conhecer (coletiva ou equiparadamente) os termos da proposta negocial da INEMPI com o que se abriram assim as negociações contratuais, na presença já do objeto da negociação (a proposta de plano da I(…));

(vi) em 07 de abril de 2015 foi enviada aos credores a proposta firme do plano de recuperação da I (…).

(vii) entre 07 de abril de 2015 e 15 de abril de 2015 decorreram as negociações finais e a votação do plano.

IV. Com o DL 26/2015, de 06 de fevereiro, no que respeita à alteração da redação do nº 3 do artigo 17.º-F do CIRE, o Legislador pretendeu cortar com a remissão para os quórum vigentes no âmbito do processo de insolvência, designadamente previstos no artigo 212º do CIRE, autonomizando os quórum em sede de Processo Especial de Revitalização.

V. Foi propósito explícito do Legislador implementar medidas procedimentais mais favoráveis à aprovação de planos de recuperação das empresas;

VI. Fê-lo, por razões de interesse público relevante decorrentes da necessidade de ultrapassar a crise económica e financeira que se abate, sobre as Empresas por culpa dos Estados.

VII. Foi já plenamente dentro do “ambiente” e do quadro da nova intencionalidade político-legislativa e sob orientação da nova redação do artº 17º F, nº 3 do CIRE que se desenvolveu a partir de 06 de fevereiro de 2015 o núcleo essencial da fase de negociações entre a I (…)e os seus credores, que culminaram no período entre 01 e 15 de abril de 2015, durante o qual, confluíram os fatores determinantes da formação da vontade negocial dos credores da I (…).

VIII. Assim, ao contrário do que se afirma na douta Sentença/decisão recorrida, foi completamente à luz da Nova Redação do nº 3 do artº 17.º-F do CIRE que os credores assentaram os motivos determinantes da sua decisão de voto; (o período de reflexão que antecedeu a votação ocorreu entre 01 e 15 de abril de 2015).

IX. O erro descrito sobre os pressupostos de facto que estiveram presentes na fundamentação da decisão recorrida, impõe a revogação da mesma.

Sem prescindir, a verdade é que a douta Sentença/decisão recorrida também não fez uma boa e correta interpretação da Lei. Efetivamente:

X. O nº 3 do artº 17.º-F do CIRE é uma norma claramente processual ou procedimental, que regulamenta ou adjetiva o exercício do direito de voto dos credores e a formação da maioria necessária à aprovação do plano de recuperação.

XI. As normas processuais ou procedimentais são aquelas que traçam o caminho que deve ser percorrido para que se alcance um resultado, traduzindo aquelas normas uma sucessão ordenada e concatenada de atos e formalidades, estrutural e funcionalmente distintas umas das outras, relativas à formação, manifestação e execução da vontade.

XII. O artigo 17.º-F do CIRE disciplina o procedimento que há-de conduzir a “proposta do plano de recuperação “ desde a sua aprovação até à sua homologação judicial.

XIII. O modo como se exerce o direito de voto; o quórum constitutivo; o modo como se contam os resultados da votação (com créditos impugnados ou não; com créditos condicionados ou não; com créditos subordinados ounão); e como é que se formam as maiorias qualificadas para a aprovação (“quórum para a deliberação”). Constituem regras processuais ou procedimentais tendentes a apurar a vontade coletiva da assembleia de voto integrada pelos credores da revitalizanda. Como ensina MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, o não cumprimento do artigo 212º do CIRE no que concerne ao quórum, constitui vício de violação das regras procedimentais.

XIV. Ao contrário do que se afirma na douta Sentença/decisão recorrida, a norma do nº 3 do artigo 17.º-F do CIRE não é uma norma substantiva, que é aquela que confere direito e atribui deveres.

XV. Ao contrário do que se afirma na douta Sentença/decisão recorrida, a modificação dos conteúdos dos créditos dos credores não resulta da norma do nº 3 do artigo 17.º-F do CIRE mas da vontade coletiva manifestada pelos credores na assembleia de voto. Se para se alcançar, procedimentalmente, com maior facilidade, uma vontade coletiva mais favorável à recuperação da empresa, se diminuem as percentagens do quórum deliberativo, tal representa um alteração da norma que adjetiva o exercício do direito.

XVI. Como a douta Sentença/decisão recorrida muito bem aceita, uma vez que estamos perante uma norma processual, procedimental ou adjetiva, “dúvidas inexistiriam que seria de aplicar a nova redação” – sic. – por aplicação do artº 136º do C.P.C.. Mas:

XVII. Ainda que se considerasse que continha “troços” de natureza prosubstantiva, ainda assim, a alteração da regra da determinação do quórum

deliberativo previsto no nº 3 do artº 17.º-F do CIRE, sempre seria de aplicação às votações que ocorressem após 01 de março de 2015, data da entrada em vigor da NOVA REDAÇÃO.

XVIII. O facto jurídico relevante é a votação. A Lei que regula esta votação não pode deixar de ser a Lei que vigora no momento da prática do ato da votação.

XIX. Tratando-se de uma situação jurídica objetiva (quórum deliberativo em assembleia de voto), que deriva diretamente da vontade imperativa do Legislador, aplica-se às votações que ocorram após a entrada em, vigor da NOVA REDAÇÃO como dispõe o artigo 12º do Código Civil.

XX. Os requisitos da validade da votação e dos seus efeitos, são regulados pelo LEI NOVA e só se aplicam (para o futuro) às votações (factos novos) que ocorram após a entrada em vigor da LEI NOVA.

XXI. A douta Sentença/decisão recorrida ao pretender que se aplique à votação ocorrida em 15 de abril de 2015 uma Lei Revogada a partir de 01 de março de 2015, viola frontalmente o disposto no artº 12º do Código Civil.

XXII. Ao contrário do que a douta Sentença/decisão recorrida pretende afirmar, os credores da INEMPI não adquiriram à data do início do processo negocial – 15 de janeiro de 2015 – um “direito subjetivo” que se traduzisse na garantia de que as regras procedimentais que presidiram àquele processo negocial se manteriam intangíveis até à votação final, mesmo contra a vontade do Legislador.

XXIII. Sendo certo que, durante todo o processo negocial e mesmo depois da votação, não houve um único credor que tivesse vindo manifestar ter sido induzido em erro (erro sobre os motivos ou circunstâncias legais e que assentou a decisão de votar).


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            Não foram apresentadas contra alegações.

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            A questão a decidir é relativa à aplicabilidade do art.17º F do CIRE, com a redação dada pelo DL nº26/2015, de 6 de fevereiro, ao processo de votação do plano deste processo.

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Os factos a considerar são os seguintes (não destacados em 1ª instância):

O processo negocial dos autos decorreu entre 15.01.2015 e 15.04.2015.

A 1 de Abril de 2015, o Sr. Administrador enviou e colocou à consideração de todos os credores a primeira versão do plano de recuperação.

As votações do plano ocorreram em Abril de 2015.

Votaram 92,189% dos créditos reconhecidos.

Abstiveram-se 7,811% dos créditos reconhecidos.

Votaram favoravelmente o plano 51,161%.


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Decorria o processo negocial do plano destes autos quando, a 1 de março de 2015, entrou em vigor a alteração do art.17º-F do CIRE, feita pelo DL nº26/2015, de 6 de fevereiro.

O tribunal recorrido entendeu que esta alteração não se aplicava ao processo em curso.

Entendemos nós o contrário e que a razão está do lado da recorrente.

Conforme o seu preâmbulo e art.1º, a lei referida procurou “adotar medidas que promovem um enquadramento mais favorável à reestruturação e revitalização de empresas.

O artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (denominado CIRE), aprovado pelo Decreto -Lei n.º 53/2004, de 18 de março, passou a ter a seguinte redação:

«(...) 3 — Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera -se aprovado o plano de recuperação que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de

créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º -D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou

b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

Relativamente a esta alteração já se pronunciou o acórdão da Relação de Lisboa, de 17.06.2015, no processo 949/14, (www.dgsi.pt), defendendo a natureza interpretativa da nova norma e, portanto, de aplicação imediata.

Não se concorda inteiramente com a sua fundametação mas entendemos que a nova norma é de aplicação imediata aos processos negociais em curso, cuja votação decorra já no tempo de vigência daquela.

Não concordamos, nomeadamente, com a sua afirmação de que a nova alínea b) do artigo em questão é destituída de utilidade.

Na ponderação das maiorias possíveis, facilmente podemos detetar que é mais fácil atingir mais de 50% dos créditos reconhecidos do que 2/3 dos votantes, no caso de todos eles votarem. Votando todos, 2/3 deles são 66,666%, bastante mais do que 50%.

Acima dos 75% de votação já terá utilidade a nova alínea b) da norma.

Poderá ter sido a consideração de excesso, neste caso de participação ampla dos credores, que terá levado o legislador a admitir a alternativa de uma maioria simples.

No caso da alínea a), porque a votação é menos ampla (1/3 dos créditos), a lei acautela a sua força decisória com o voto favorável de 2/3 dos votantes. 

Ora, considerando:

A evolução histórica no sentido de se promover um enquadramento favorável à reestruturação e revitalização de empresas (DL nº16/2012) e, depois, de favorecer ainda mais esse enquadramento (DL nº26/2015);

A alternativa expressa na norma, na procura de maiorias ponderadas, no caso da alínea b) de uma maioria simples face à ampla participação de votantes;

Esta nova alínea b) não se basta com um mínimo de reunião e, por isso, não impõe uma maioria qualificada;

A natureza procedimental da norma, pois regula o processo de (negociação/votação) obtenção da decisão coletiva;

A lei nova deve atingir os factos novos (art.12º do Código Civil);

No caso, o momento crítico na formação da vontade dos credores ocorre já em abril de 2015, vigorava já o novo artigo referido, há um mês.   

A votação do plano é facto que ocorre no domínio da nova lei.

Por tudo isto, a avaliação da maioria deve ser feita segundo os critérios da nova lei.

Assim, obtidos os votos favoráveis de 51,161% dos créditos relacionados com direito de voto, correspondendo mais de metade desses votos a créditos não subordinados, não se considerando as abstenções, não havia razão para recusar o plano com base na consideração da maioria obtida.

Por fim, devemos considerar que ficou (formal e expressamente) uma questão prejudicada em primeira instância, não sendo possível a esta Relação substituir-se àquela instância, também na verificação da eventual ocorrência de circunstâncias que obstem à homologação do plano, suprimindo um grau de jurisdição.       


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            Decisão.

           

Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida, devendo ser verificada, na 1ª instância, a questão considerada prejudicada e a eventual ocorrência de outras circunstâncias que obstem à homologação do plano.

            Custas pelo vencido a final.

            Coimbra, 2015-09-15

Fernando Monteiro ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira