Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3624/05.6TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: VENDA EXECUTIVA
EXTINÇÃO
ARRENDAMENTO
REGISTO DA HIPOTECA
COISA IMÓVEL
Data do Acordão: 06/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 824º, NºS 1 E 2, E 1057º DO CC
Sumário: I – O artº 824º, nºs 1 e 2, do CC, preceitua que “a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior produzam efeito em relação a terceiros independentemente de registo”.

II – Ao arrendamento deve ser atribuída uma natureza obrigacional, reportando, desde logo, a sua colocação sistemática no CC, onde foi incluído no Livro II, que regula o direito das obrigações.

III – O artº 1057º CC estabelece que na transmissão da posição do locador o adquirente sucede nos direitos e obrigações do anterior, sem prejuízo das regras de registo, o que não pode deixar de significar uma especificidade determinada pela afectação da coisa por esse tipo particular de direito.

IV – É entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência o de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo nº 2 do artº 824º CC.

Decisão Texto Integral:      Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, A...., Lda., sociedade por quotas com sede em ... deduziu os presentes embargos de terceiro, com função preventiva, contra B..., C... Banco..., S.A., D... e E..., alegando, em síntese, que:

1) Por documento particular outorgado no dia 30 de Junho de 2005, o embargado D... arrendou à embargante a fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao R/C Esq. do prédio urbano sito na ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., tendo-se estipulado uma renda mensal de €200,00;

2) Contudo, a embargante já vinha usando e fruindo aquele imóvel adoptando-o como sua sede desde 20.01.2005, aí recebendo correspondência, clientes e fornecedores, negociando muitos dos contratos em que interveio, no âmbito da actividade de compra, venda e arrendamento de propriedades imobiliárias, o que se manteve após a celebração do aludido contrato, até hoje;

3) A venda judicial do imóvel não afecta o contrato de arrendamento que sobre ele incida daí que o art.º 930.º, n.º 3, do Código de Processo Civil estabeleça que a entrega do imóvel ao adquirente consubstancia, quando ele se encontra arrendado, na comunicação ao arrendatário para que respeite e reconheça o direito de propriedade do adquirente;

4) A entrega do imóvel livre e devoluto ao embargado B... perturbaria o direito de uso e fruição do imóvel que decorre para a embargante do aludido contrato de arrendamento, na medida em que impediria que a embargante ali continuasse a exercer a sua actividade.

Com tais fundamentos pediu:

a) que não seja efectuada a diligência até ser proferida decisão na fase introdutória dos presentes embargos;

b) que produzidas as provas que se entenderem, devem os presentes embargos ser recebidos, mantendo-se a suspensão até decisão final; e por via deles, reconhecer-se a embargante como arrendatária do citado imóvel, podendo usá-lo e fruí-lo enquanto tal e, em consequência, revogar-se a decisão proferida a 10/11/2008 nos autos principais no sentido da autorização do auxílio da força pública para a entrega do referido imóvel ao comprador;

c) que se ordene que a sua entrega seja efectuada nos termos do art.º 930.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mediante a comunicação à arrendatária ora embargante para que respeite e reconheça o direito de propriedade do adquirente, o aqui embargado B....

Admitidos liminarmente os embargos e notificadas as partes primitivas para os contestarem, com excepção dos embargados/executados, todos os restantes embargados deduziram contestação.

Alegou o C..., SA que não reconhece à embargante qualquer direito de uso e fruição do imóvel em causa em consequência do alegado contrato de arrendamento junto aos autos.

Alega ainda que os embargados/executados não só participavam – participação essa que mantêm - no capital social da embargante com uma quota de € 1250,00 cada um como também, a par dos restantes sócios e gerentes que subscrevem o alegado contrato de arrendamento, nela ocupam o cargo de gerente com o inerente exercício dos direitos e deveres das funções que lhe são próprios.

Ou seja, o alegado contrato foi subscrito pelo executado D..., enquanto proprietário do imóvel na qualidade de senhorio, e pelos restantes dois sócios não executados, gerentes da embargante e nesta qualidade enquanto arrendatária.

Mais refere que o mútuo hipotecário foi concedido àquele executado em 10.10.1996 e pelo prazo de dez anos. Sabia a embargante que os executados se obrigaram por força do aludido contrato de mútuo a “participar imediatamente ao C... quaisquer factos que afectem o valor, domínio ou posse do bem hipotecado” e a “não dar de arrendamento o bem hipotecado, no todo ou em parte, salvo com o conhecimento e autorização do C....

E não só o C... não deu autorização à constituição daquele ónus sobre o referido imóvel que lhe estava hipotecado, como nunca foi confrontado com qualquer pretensão de terceiro sobre a fracção em causa, podendo tê-lo sido dada a participação social e o cargo exercido pelos executados na embargante.

O contrato em questão terá sido celebrado em 30.09.2005, logo em data posterior à constituição e registo da hipoteca e até mesmo da propositura da execução.

Por outro lado, o mútuo concedido ao executado D... era destinado a obras de beneficiação na sua habitação própria permanente, de acordo com o fim habitacional a que se destinava a fracção hipotecada, pretendendo a embargante agora fazer crer que aí se instalou para exercer uma actividade comercial no ramo imobiliário.

Deverá sem mais considerações manter-se a decisão proferida em 10.11.2008 com vista à entrega efectiva da fracção em causa ao seu comprador, por não se reconhecer à embargante qualquer direito ao pretenso e alegado arrendamento.

Pugna assim pela improcedência dos presentes embargos.

O embargado B... alega que adquiriu a fracção autónoma em causa, conforme título de transmissão emitido pela Sr.ª Solicitadora de execução sendo que essa transmissão se operou em 18.12.2007, tendo sido registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... em 21.12.2007.

Mais alega que nem antes da adjudicação do imóvel nem após a sua transmissão foi dado conhecimento ao embargado de que a fracção em causa se encontrava arrendada.

Os executados são sócios da embargante donde se conclui que a embargante sabia o que se passava e agiu em conluio com os executados simulando um contrato de arrendamento, de manifesta má fé com o objectivo de proteger interesses próprios obstaculizando o processo e prejudicando eventuais compradores, como efectivamente está a acontecer.

A embargante não pode agora apresentar-se como uma simples terceira desconhecedora da situação e surpreendida com a ofensa dos seus direitos em resultado da adjudicação. A execução é pública e muitos dos seus actos também, procedimentos esses que constam dos presentes autos mormente as publicações. Esta simulou um contrato de arrendamento e os contratos simulados são nulos. Por outro lado, se por mera hipótese académica não sabia dos factos deveria sabê-los, configurando a sua conduta um abuso de direito.

Mesmo que assim se não entenda são os presentes embargos extemporâneos porquanto são propostos após a fracção ter sido judicialmente adjudicada.

Ainda que por hipótese se considere válido o contrato de arrendamento, o DL n.º 160/2006, de 08.08, estatui n art.º 5.º, n.º 8, que o arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo. Ora, a presente fracção foi licenciada para uso habitacional com exclusão de qualquer outro, todavia conclui-se que a embargante tem vindo a dar-lhe uso comercial, funcionando inclusive como sede da sociedade embargante e lá desenvolvendo toda a sua actividade comercial.

Pede, a final, que os presentes embargos sejam rejeitados, seguindo-se os ulteriores termos do processo, dando-se posse da fracção ao ora embargado, a qualidade de proprietário da mesma, condenado a embargante e executados a reconhecerem o direito de propriedade do embargado e por via disso e da decisão de rejeição dos embargos de terceiro, reconhecerem também o seu direito à posse da fracção.

Por considerar que podia desde logo conhecer do mérito dos embargos, no despacho saneador, depois de considerar a instância válida e regular, o tribunal a quo proferiu sentença na qual decidiu “julgar totalmente improcedentes os embargos de terceiro deduzidos por A..., Lda. por apenso aos autos de execução comum.”.

… …

Inconformada com esta decisão dela veio interpor recurso a embargante concluindo que:

[...]

Não se encontram nos autos contra alegações dos embargados.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A primeira instância considerou como provados os seguintes factos:

[...]

… …

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts.684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil) e que não visam criar decisões sobre matéria nova, a questão suscitada no recurso é a de saber qual o valor do arrendamento que se diz ter sido celebrado entre a embargante e a executada, depois da hipoteca do imóvel mas antes da penhora do mesmo.

Partindo da análise do art. 824 nº1 e 2 do CC, este preceito estabelece que “1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida;

2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior produzam efeito em relação a terceiros independentemente de registo”.

Na interpretação do nº2, no que nos interessa, importa sobretudo apreciar se o arrendamento se pode ou não considerar como incluído nesse normativo, tendo desde já presente que, como no caso em decisão o arrendamento foi constituído em data posterior à do registo da hipoteca se encontra afastada a excepção da segunda parte deste nº 2, valendo apenas a primeira parte e a questão de saber se o arrendamento é um direito real ou se, mesmo não o sendo, se lhe é aplicável o regime desse preceito, isto é, se a venda executiva determina a sua extinção.

A polémica sobre a natureza, de direito real ou não, do arrendamento tem-se mantido em aberto na doutrina e na jurisprudência[1] e dispensando a recensão de todos os argumentos enunciados pelos defensores de cada uma das respectivas teorias, temos para nós que a melhor doutrina é aquela que por um lado atribui ao arrendamento a natureza obrigacional, reportando desde logo a sua colocação sistemática no Cod. Civil onde foi incluído no Livro II que regula o direito das obrigações e no título II, capítulo IV referente aos contratos em especial, não tendo por seu turno a autonomização do arrendamento urbano alterado esta natureza do instituto por ter continuado a ir buscar à Locação como contrato matriz os princípios gerais orientadores, o que se confirma com o regresso ao CC do tratamento legal do contrato de arrendamento urbano (Lei 6/2006 de 27/02), incluindo-o, de novo, no Livro das Obrigações [2].

Cremos que mais importante que a indagação da natureza jurídica do direito de arrendamento é o seu regime, que parte da sua definição e finalidade social, sendo inquestionável que, neste âmbito, a relação que o direito estabelece com a coisa que é objecto do vínculo exige particularidades de regime que a própria lei estabelece.

Assim é que, o art. 1057 do CC fixa que na transmissão da posição do locador o adquirente sucede nos direitos e obrigações do anterior, sem prejuízo das regras de registo, o que, mesmo a não entender que tal seja uma manifestação da sequela própria dos direitos reais, não pode deixar de significar uma especificidade determinada pela afectação da coisa por esse tipo particular de direito.

De igual modo o art. 1037 nº2 do CC ao permitir ao locatário (privado ou perturbado do uso da coisa) o uso, mesmo contra o locador, dos meios possessórios facultados pelo art. 12676 e ss., revela, uma vez mais, a particular natureza do direito de arrendamento e, ainda que tal não atribua a esse direito uma natureza real, adverte para a circunstância de o regime que se lhe aplica, em função do seu significado sócio jurídico, muitas vezes o aproximar e até fazer coincidir com o que é próprio dos direitos reais.

A questão é pois a de decidir se, independentemente da sua natureza não ser real, é aplicável ao direito de arrendamento a disciplina contida no art. 824 nº2 do CC.

Sustentam os defensores da não aplicabilidade, que o art. 1051 do CC, que regula os casos de caducidade do contrato de locação, não contém a referência à venda executiva e que sendo o elenco desse preceito taxativo tal afasta definitivamente a possibilidade de se ter por operativo o art. 824 relativamente ao arrendamento[3].

Esta taxatividade do elenco das causas de caducidade do art. 1057 do CC impressiona, até porque se entende como difícil defender que ele as enuncie apenas exemplificativamente sem qualquer remissão de critério para a verificação de quaisquer outras[4]. Contudo, o argumento da taxatividade não o temos por absoluto e impeditivo da aplicação do art. 824 nº2 porque a função social do direito de arrendamento conjugada com idêntica e relevante função no que diz respeito à venda em execução recomenda uma análise contém em si mesma virtualidades que conduzem a uma interpretação das regras enunciadas no sentido de validar essa aplicação.

Não esquecendo o argumentário dos que sustentam que os valores em presença não permitem a aplicação analógica ou a interpretação extensiva do art. 824 nº2, podendo-se ler nesse sentido o já citado ac. do STJ de 27-3-2007, temos por mais decisivo que se diga como se faz no ac. do STJ de 5 de Fevereiro de 2009, para um caso idêntico ao que agora se julga que: “ O Decreto n.º4511, de 17.4.1919, dispôs, no § 1.º do artigo 36.º, que os arrendamentos sujeitos a registo “subsistem à transmissão do prédio por via executiva, se estiverem registados anteriormente ao registo do acto ou facto de que a transmissão resultou.” Com a reforma de 1930, o artigo 1022.º do Código de Seabra passou a ter a seguinte redacção: “Os ónus reais com registo anterior ao de qualquer hipoteca, penhora ou arresto…acompanham o prédio alienado.” A expressão “ónus reais” era também a preferida no artigo 856.º do Código de Processo Civil vigente ao tempo. Sendo certo que o artigo 949.º, do Código Civil, então vigente, ao enumerar os ónus reais, incluía o “arrendamento por mais de um ano, havendo adiantamento da renda, e por mais de quatro anos não o havendo.” .

Mas tal expressão foi abandonada, no artigo 907.º do Código de Processo Civil de 1939, com preferência pela de “direitos reais”: “Os bens serão transmitidos livres dos direitos reais que não tiverem registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou hipoteca, salvo os que, tendo sido constituídos em data anterior, produzam efeito em relação a terceiros independentemente de registo.” Logo se constatou, todavia - como se pode ver detalhadamente em Alberto dos Reis (Processo de Execução, 2.º, 395 e seguintes) - que a nova designação de “direitos reais” não correspondia totalmente aos direitos assim habitualmente designados. Razões de ordem histórica assentes nos preceitos supra citados e consideração de que se mantinha noutros do Código de Processo Civil a referência a “ónus reais” - nomeadamente naquele que mandava citar os credores a favor de quem existir registo de qualquer “ónus” e no outro que determinava que os eram adjudicados livres de “ónus e direitos que devam caducar” assim levavam a pensar. “A verdade é que o dote e o arrendamento nas condições da alínea e) do § 2.º do artigo 949.º nem são direitos reais de gozo, nem direitos reais de garantia. São contudo ónus reais; e não se compreende que sobrevivam à arrematação, quando registados posteriormente a qualquer hipoteca, penhora ou arresto”- refere, a dado passo e já concretizando, aquele Autor.

Como se vê, com clareza, do cotejo dos respectivos textos, o dito artigo 907.º constituiu a base do nº2 do artigo 824.º do Código Civil de 1966. Este surgiu como opção pela inclusão em diploma substantivo do que é substantivo, mas sem manifestação de qualquer rompimento com o se vinha entendendo.

Entretanto, vigorava o artigo 843.º do Código de Processo Civil que dispunha sobre a administração dos bens penhorados. Ali se previa, na falta de acordo, o arrendamento dos prédios, mas se tinha a cautela de estipular que o depositário não poderia fazer o arrendamento por prazo superior ao um ano. Evoluiu substancialmente a relação locatícia no sentido da duração do arrendamento e dos direitos do arrendatário à renovação contratual, de sorte que aquele prazo de um ano deixou de ter razão de ser. Eliminou-o o legislador com a reforma de 1967 e não o substituiu noutros termos. Daqui pode extrair-se o argumento de que os arrendamentos celebrados pelo depositário caducam, nos termos do artigo 1051.º, alínea c) do Código Civil. Está aqui, por um lado, uma confirmação do que vinha sendo entendido e, por outro, um avanço no sentido de se dever ter como terminada a distinção – para efeitos do n.º2 do artigo 824.º - entre arrendamentos (a não ser os arrendamentos constituídos em data posterior à do registo da penhora, constante do próprio texto legal). Nessa sequência deve ser entendida a nova redacção do artigo 819.º, ainda deste código, ao determinar que, sem prejuízo das regras do registo são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados. Esta redacção veio a lume depois de efectivados os contratos que se discutem nos presentes autos, mas face à discussão, doutrinária e jurisprudencial, que vinha tendo tido lugar, bem pode considerar-se interpretativa do direito anterior - mormente daquele n.º2 do artigo 824.º - então com os efeitos do artigo 13.º, n.º1, ainda do mesmo código.

Este nº2 do artigo 824º, não distingue entre penhora e hipoteca, pelo que, consideramos extensiva a esta o entendimento que acabamos de traduzir. Relativamente à hipoteca, ainda há a considerar, em reforço, o artigo 695º, o qual mal se compreenderia se a oneração ali referida (nomeadamente a hipoteca) pudesse subsistir à venda executiva.

O entendimento, que vimos sustentando, de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo nº2 do artigo 824.º é, aliás, esmagadoramente maioritário, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Assim e sem preocupação de exaustão, temos o estudo detalhado e que, parcialmente, serviu de orientação para a argumentação supra expendida, de Oliveira Ascensão (ROA, Ano 45, 345 e seguintes), Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, 140) José Alberto Vieira (em Estudos em Homenagem ao Professor Galvão Teles, IV, 437) e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano, 2.ª edição, 189). Na jurisprudência, os Acórdãos deste Tribunal de 3.12.1998 (BMJ 482, 219), 6.7.2000 (CJ STJ, VIII, II, 2000), 6.4.2006, 31.10.2006 e 15.11.2007, estes em www.dgsi.pt.”.

Parece-nos ser esta também a melhor decisão para a questão suscitada e, como assim, avocando todos estes argumentos concluímos igualmente pela caducidade do arrendamento nos termos do artigo 1051º, alínea c) do Código Civil e pela aplicação, ao caso, do art. 824nº2 do CC, improcedendo as conclusões da Apelação e confirmando-se a decisão recorrida.

Por último diga-se que o objecto do presente recurso é, exclusivamente, a decisão proferida em primeira instância nos embargos e não qualquer outra, pelo que, não cabe aqui analisar qualquer eventual decisão da primeira instância que tenha ou não determinado a entrega do imóvel ao comprador judicial através dos meios aludidos no art. 901 do CPC ou autorizado o auxílio para esse efeito da força pública, por tal matéria exorbitar do âmbito da decisão recorrida.

Ainda que se afirme que aquilo que o Tribunal determinou configuraria um despejo de terceiro e perturbaria o direito de uso e fruição do imóvel que decorre para a embargante do aludido contrato de arrendamento, tal é matéria que, como vimos, é alheia à de decidir se um determinado arrendamento é aplicável ou não o art. 824 nº2 do CC, razão pela qual o tribunal a quo, porque a decisão dos embargos não versava sobre qualquer outra matéria, não tinha de se pronunciar sobre ela.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.


[1] A favor da tese realista contam-se Paulo Cunha, in Direirtos Reais p. 227; Luís Pinto Coelho, Direitos Reais, p.127 ss; Dias Marques, Direitos reais, p. 25 e 127; Oliveira Ascensão Direitos Reais.p. 519 e ss; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, vol. II p. 938.  A favor da tese personalista/obrigacional enumera-se Galvão Telles Arrendamento – Lições , p.305 a 307; Pinto Loureiro, Contrato de Locação p. 146 e 147; Gomes da Silva, Curso de Direitos Reais; Fernando Pires de Lima  CC anotado; A. Varela RLJ 119º-249; Pinto Furtado Manual de Arrendamento Urbano, 2º ed. p. 52. Na defesa de uma tese dualista que sustenta no entanto a aplicabilidade do art. 824, apresentam-se Henriques Mesquita Obrigações Reais e ónus reais, p. 175/186; Cunha Gonçalves Tratado de Direito civil vol. IX ,p. 61; Almeida Ribeiro Natureza do Direito do Arrendatário, ROA p. 105/200. 
[2] Vd. Ac. STJ de 27-3-2007 in CJ/STJ tomo I p. 146.

[3] Vd. ac STJ de 27-3-2007 in CJ/STJ tomo I p. 146
[4] Sobre a taxatividade do art. 1057 CC cfr. Menezes Cordeiro ROA, 40ª – 61 e 349.