Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
188/09.5GBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: MEIOS DE PROVA
RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
VALOR PROBATÓRIO
JULGAMENTO
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127º E 150º CPP
Sumário: 1.- A reconstituição do facto é um meio de prova distinto e autónomo das declarações de arguido e que com elas se não confunde mesmo quando nele participa um arguido que presta informações e/ou apresenta uma versão dos factos que ficam registadas no respetivo auto, pelo que, mesmo nesta concreta situação, a reconstituição do facto não está sujeita ao regime do artº. 357º do C. Processo Penal;

2.- O auto de reconstituição do facto constava do inquérito pelo que, tendo tido a defesa oportunidade de o contraditar, não viola o disposto no art. 355º, nº 1, do C. Processo Penal a sua valoração probatória pelo tribunal a quo, sem que o auto tenha sido lido na audiência de julgamento.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Santa Comba Dão, mediante acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos A..., B..., C..., D...e E..., todos com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em co-autoria material e concurso real, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal e dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), com referência ao art. 202º, b), todos do mesmo código. 

O ofendido F... deduziu pedido de indemnização contra os arguidos com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 549,50 acrescida de juros à taxa legal desde 3 de Outubro de 2009, por danos patrimoniais sofridos.

O ofendido G...deduziu pedido de indemnização contra os arguidos com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 8.490, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

A ofendida H... , Lda., deduziu pedido de indemnização contra os arguidos com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 372 acrescida de juros à taxa legal desde a data da prática do furto.

A ofendida I... Lda., deduziu pedido de indemnização contra os arguidos com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 4379,90 acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido.

Por acórdão de 24 de Julho de 2012, foi decidido:

- Absolver os arguidos C..., D... e E... da prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), com referência ao art. 202º, b), todos do C. Penal.

- Condenar o arguido A..., como co-autor, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de dois anos de prisão por cada um deles, e de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), com referência ao art. 202º, b), todos do mesmo código, na pena de três anos de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de sete anos de prisão.

- Condenar o arguido B..., como co-autor, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de vinte e dois meses de prisão por cada um deles, e de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), com referência ao art. 202º, b), todos do mesmo código, na pena de dois anos e oito meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de cinco anos e dez meses de prisão.

- Condenar o arguido C..., como co-autor, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de vinte e dois meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período de tempo, com sujeição a regime de prova.

- Condenar o arguido D..., como co-autor, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de catorze meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de três anos e três meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período de tempo, com sujeição a regime de prova.

- Condenar o arguido E..., como co-autor, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de vinte e dois meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período de tempo, com sujeição a regime de prova.

            Mais foi decidido:

- Condenar os arguidos no pagamento da quantia de € 322 ao demandante F..., acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

            - Condenar os arguidos A... e B... no pagamento da quantia de € 6.240 ao demandante G..., e absolver os mesmos arguidos do demais peticionado, bem como os restantes arguidos de todo o pedido.

            - Condenar os arguidos no pagamento da quantia de € 372 à demandante H..., Lda., acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento.

            - Condenar os arguidos no pagamento da quantia de € 192,60 à demandante I... Lda., acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.


*

            Inconformado com a decisão recorre o arguido A... – dirigindo o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça –, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            “ (…).

            1. O arguido foi condenado, como autor material, por oito crimes de furto qualificado, na pena única de 7 anos, crimes esses que não cometeu, pelo que deve ser absolvido;

                2. O Tribunal a quo condenou o arguido sem qualquer prova directa, com fundamento, apenas e tão só, em prova documental e pericial, nomeadamente numa reconstituição de factos efectuada por um dos arguidos que não a confirmou em sede de Audiência de Julgamento, o que denota a nítida insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o manifesto erro na apreciação da prova;

3. Perante tal realidade, uma vez instalada a dúvida, o Tribunal recorrido não respeitou o princípio basilar do in dubio pro reo, ou seja, da presunção da inocência e do tratamento mais favorável do arguido;

4. Como bem resulta do teor do Acórdão condenatório, o Tribunal a quo fez uso de meras presunções, juízos de valor, suposições, convicções pessoais e conclusões ou ilações, sem a mais elementar sustentação fáctica;

5. Na fundamentação da sua Sentença, o Tribunal a quo não soube sequer explicar a razão de ser de alguns dos factos imputados ao ora recorrente terem sido "praticados" em conjugação de esforços com outro arguido, e os demais factos também terem sido "praticados" pelo ora recorrente agora em conjugação de esforços com esse outro arguido e com os restantes arguidos, tanto mais que haveria sempre um enorme desfasamento e desencontro entre as "horas" em causa e a sua sequência, omitindo a Sentença recorrida tão essencial matéria, o que também não deixa de ser bem elucidativo da falta (e não só insuficiência) de prova, o que é fundamento de nulidade e, como tal, expressamente se invoca;

6. A Sentença recorrida caiu em contradições insanáveis, quanto aos factos que deu como provados e as conclusões que tirou deles, bastando aludir ao facto ; eloquente de confessar que não há qualquer prova directa e basear o seu raciocínio na circunstância de o arguido – que se remeteu ao seu direito ao silêncio – não ter dado qualquer explicação para o facto de os bens apreendidos se encontrarem em seu poder, quando, como é evidente e na pior das hipóteses para o arguido, devia ter interpretado tal circunstância no sentido de estarmos perante um crime de receptação e não diante de crimes de furto;

7. O Tribunal a quo violou, sem dúvida, o princípio da imediação;

8. O Tribunal a quo fez uso, indubitavelmente, da ciência privada do Juiz, não observando o princípio "quod non est in actis non est in mundo";

9. O Tribunal a quo prejudicou, manifestamente, o arguido por este se ter remetido ao seu direito ao silêncio;

10. Mas mesmo que o arguido tivesse cometido esses crimes (que não cometeu), essa pena de prisão, aplicada em concreto, sempre seria desproporcional e desadequada, pecando por excesso; SEM PRESCINDIR:

11. A condenação do arguido baseou-se muito na circunstância de o recorrente já ter sido condenado anteriormente como autor de crimes da mesma natureza;

12. O mero facto de o recorrente já sido condenado por crimes de furto, não é, de per si, suficiente para que se opte por uma pena de prisão efectiva na sua execução;

13. Entende-se que – uma vez que o arguido ainda é novo, está relativamente bem inserido socialmente, tem dois filhos menores, consegue prover à sua subsistência e dos seus filhos, estamos perante crimes contra o património e não contra as pessoas, de média e mais reduzida gravidade, os valores em causa são comparativamente baixos, não houve consequências demasiado gravosas para os ofendidos, houve recuperação parcial dos bens – uma PENA DE PRISÃO MAIS LEVE, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, e, eventualmente, condicionada ao cumprimento de certos deveres e regras de conduta, se mostra adequada, proporcional e suficiente, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção;

14. É, pois, ainda possível formular um juízo de prognose favorável do arguido, tanto mais que a ameaça de uma pena de prisão é bastante para que sejam acauteladas as exigências de prevenção geral e especial, bem como da punição do ilícito criminal e da sua reprovação jurídico-penal.

Deste modo, o Acórdão recorrido violou e interpretou mal disposto nos artigos 203.º e 204.°, n.º 1, al. f), ambos do C. Penal, artigos 203.°, n.º 1, 204.°, n.º 2, al. a), ambos do C. Penal, este último por referência ao artigo 202.°, al. b), do mesmo diploma [quando devia ter interpretado essas normas, em face do que nada se apurou, no sentido da absolvição do arguido e, na pior das hipóteses, como a prática, por parte do recorrente, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.° do C. Penal], artigo 410.°, n.º 2, al.s a), b) e c), do C. P. Penal, artigo 343.°, n.º 1, artigo 379.°, n.º 1, al. c), primeira parte, estes do C. P. Penal, o que é causa de nulidade da Sentença e que, expressamente, se invoca para todos os devidos e legais efeitos, artigo 32.° da C. R. Portuguesa, artigo 355.° do C. P. Penal, o espírito dos artigos 127.° e 150.° do C. P. Penal, e os artigos 13.°. 50.°, 51.°, 70.° e 71.°, todos do C. Penal, sendo que estas últimas normas, na pior das hipóteses, ou seja, a não se absolver o arguido – como era imperioso que se fizesse – deviam ter sido interpretadas pelo Tribunal recorrido no sentido da suspensão da pena de prisão aplicada, uma esta reduzida à sua justa medida.

Impetrando a procedência do recurso, o recorrente apenas deseja que lhe seja feita JUSTIÇA.

(…)”.


*

            Igualmente inconformado com a decisão recorreu o arguido B..., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            “ (…).

            1 – O arguido ora recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº 203º e 204º nº 1 al. f) e dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº 203º e 204º nº 1 al. a), ambos do Código Penal, na pena individual de 5 anos e 10 meses de prisão efectiva.

2 – Refere o Tribunal ao quo que "(…) os arguidos se remeteram ao silêncio (…) que os arguidos B... e E... não compareceram à audiência de julgamento e que as testemunhas ouvidas, na sua maioria ofendidos nos autos, nada souberam adiantar que ligasse os arguidos aos autores dos factos".

3 – Questionado sobre se conhecia os arguidos, respondeu a testemunha/demandante civil F... (min 1:20 a 1:35) "Eu não os conheço, não os vi".

4 – Também a testemunha G..., quando questionado se conhecia os arguidos referiu (min 1:00 a 1:30) "Penso que não Sra Dra. (…) Não, não Sra Dra."

5 – Questionado sobre se conhecia os arguidos, respondeu a testemunha/demandante civil F... (min 1:07 a 1:24) que "Não (…)" e questionado sobre o vídeo de vigilância refere apenas que (min 5:45 a 6:00) "vê-se a carrinha a chegar (…) um furgão branco (…)".

6 – Questionado sobre se conheciam os arguidos, responderam as testemunhas L... (min 1:00 a 1:19), M... (min 1:50 a 2:05), N... (min 1:43 a 2:05) e O... (min 1:35 a 1:44) que "Não".

7 – Também a testemunha P... respondeu (min 1:27 a 1:44) "Não, não, não conheço ninguém" e a testemunha Q... , referiu "Não conheço ninguém" (min 1:20 a 1:33).

8 – Temos que, nenhuma testemunha ouvida em sede de julgamento, coloca o arguido no circunstancialismo de tempo e de lugar supra referido,

9 – Ou tão pouco adianta algo que ligue o ora recorrente aos autores dos factos.

10 – Perante tal indigência de provas, é impossível o tribunal ter a certeza de que foi o arguido o autor dos factos, e, na dúvida, tem que absolvê-lo.

11 – A não se decidir, em termos de facto, desta forma, violar-se-ia o princípio in dubio pro reo.

12 – Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não procedeu, no caso em apreço, à correcta aplicação do disposto no artº 355° do CPP, dado que aplicou ao arguido uma pena de prisão efectiva, valorando unicamente provas não produzidas em audiência de julgamento, descurando a falta de prova quer documental, quer testemunhal colhida em sede de julgamento. Senão vejamos,

13 – Deu o douto Tribunal como provado que o arguido praticou, em co-autoria, seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº 203° e 204° nº 1 al. f) e dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº 203° e 204º nº 1 al. a), ambos do Código Penal, por factos alegadamente praticados a 3.9.2009, na zona de ..., Santa Comba Dão, a 3.10.2009, na zona de Carregal do Sal e na zona de Santa Comba Dão, e na noite de 13 para 14 de Setembro de 2009, na zona de ..., Santa Comba Dão.

14 – Fundamenta o douto Tribunal tal factualidade no "(…) auto de reconstituição dos factos junto aos autos a fls. 195 a 220, diligência levada a efeito com a colaboração do arguido C..., da qual se pode extrair a participação de todos os arguidos nos mencionados furtos (…) recriando assim o mencionado arguido os acontecimentos de que foram vítimas os ofendidos".

15 – Refere ainda o douto Acórdão, na sua fundamentação, que "A reconstituição do facto feita em inquérito e com observância do formalismo legal, como no caso em apreço, é um meio de prova que pode ser valorado em audiência de julgamento, mesmo quando os arguidos se remetam ao silêncio, não se confundindo com declarações anteriormente prestadas e cuja leitura fosse proibida em julgamento."

16 – Ora, não podemos concordar com tal argumento, desprovido, aliás, de qualquer fundamento legal.

17 – Analisando a norma contida no artigo 150° do CP, podemos esquematizar:

a) como pressuposto – a realização da reconstituição do facto tem subjacente a necessidade de se apurar se determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma;

b) como requisitos, a sua realização exige a reprodução fiel, tanto quanto possível das condições em que (no caso) o recorrente afirma ter ocorrido o facto e, a repetição do modo de realização do facto.

18 – Daqui, cremos resultar óbvio que, nem, no contexto, nem na finalidade, nem na forma, nem no resultado, se pode afirmar estarmos perante uma reconstituição do facto.

19 – O que consta do auto que documenta a realização da diligência, antes, permite afirmar que estamos perante um reconhecimento dos locais onde aquele arguido praticou atentados contra o património.

20 – Este auto retrata uma espécie de visita guiada do arguido aos locais dos crimes.

21 – Assim, não pode aquela diligência valer como reconstituição do facto, antes e tão só, como declarações ilustradas do arguido.

22 – Desde logo, não pode o auto que a reproduz ser lido, por conter declarações do arguido e não estarmos perante nenhum dos 2 casos previstos no artigo 357°, em que é admitida a leitura de declarações do arguido – a sua própria solicitação, ou se prestadas perante um juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência,

23 – Pelo que, estando tais declarações abrangidas na proibição do artigo 356° do CPP, não poderiam ter sido valorada, como efectivamente o foram.

24 – Com efeito, quanto à reconstituição do facto, nos termos do artigo 150º do CPP, apenas pode servir para determinar "se um facto poderia ter ocorrido de certa forma", pelo que da espécie de reconstituição efectuada no inquérito apenas se poderia concluir que os factos poderiam ter ocorrido da forma como o foram, mas não que efectivamente o foram.

25 – A reconstituição é assimilada, na parte que incrimina o co-arguido, a declarações de co-arguido, ou simplesmente é estabelecido um paralelo com elas, para o efeito de se lhe aplicar uma exigência acrescida de prova, aquela exigência que se traduz na corroboração necessária das declarações de co-arguido por outros meios de prova, dada a especial fragilidade dessas declarações.

26 – Pelo que, a reconstituição dos factos não tem um valor probatório por si próprio contra o co-arguido que não colaborou na diligência, salvo se outros meios de prova vierem corroborar os factos.

27 – Não sendo um meio de prova proibido no que respeita ao co-arguido, é no entanto particularmente frágil e não deve ser considerado suficiente para sustentar uma condenação, salvo se houver corroboração por outras provas, pois o arguido que colabora na diligência não presta juramento, não está impedido de mentir e tem interesse em 'sacudir' as suas próprias responsabilidades.

28 – A valoração das reconstituições sem corroboração é ilegal e inconstitucional e deve conduzir à absolvição do arguido.

29 – O princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido – a dúvida resolve-se a favor do arguido.

30 – Conclui o douto Tribunal a quo o seguinte "Feitas estas considerações e conjugando os elementos objectivos incontroversos supra referidos com a ausência de qualquer explicação por parte dos arguidos A...e B... para os mencionados bens se encontrarem na sua posse, não pode o tribunal, à luz das regras da experiência e da lógica, não obstante a ausência de prova directa, deixar de concluir no sentido de terem sido aqueles os autores dos crimes em apreço, já o mesmo não se passando em relação aos demais arguidos em face da inexistência de quaisquer elementos objectivos que apontassem nesse sentido, não obstante dois deles (os arguidos C... e E...) se encontrassem no interior do armazém aquando das mencionadas apreensões".

31 – De facto não poderá concordar-se com tais ilações feitas pela Mma Juiz a quo.

32 – Pois, muito embora os bens se encontrassem guardados num armazém arrendado pelo ora recorrente, o mesmo desconhecia que os bens aí se encontravam, ou a razão pela qual aí se encontravam.

33 – Depois porque os referidos arguidos C... e E... encontravam-se no interior do armazém aquando das apreensões, e não o ora recorrente.

34 – Partindo de tais considerações, entende-se não ter sido produzida prova indiciária (sendo certo que a prova directa se encontra totalmente arredada) necessária ou suficientemente consistente, coerente e sólida de forma a poder o Tribunal concluir pela culpabilidade do arguido, arredando as dúvidas existente sobre a mesma, pairando uma séria incerteza quanto à sua participação/autoria dos factos.

35 – Tal estado de incerteza terá de ser valorado a favor do arguido, com aplicação do princípio in dubio pro reo.

36 – Pelo que o Tribunal a quo julgou incorrectamente todos os factos dados como provados no acórdão recorrido, pois da conjugação dos autos de reconstituição do facto, com o depoimento das testemunhas, e as regras da experiência comum, resulta que os mesmos factos deveriam ali terem sido dados como não provados. Isto porque,

37 – Se o arguido que faz a reconstituição envolve outro arguido, a prova que dai resulta contra este último será havida como corroborada, numa exigência acrescida de prova, se ela for confirmada por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, que, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência, mostrem a veracidade da reconstituição relativamente a esse arguido, que no julgamento optou pelo direito ao silêncio, bem como o que procedeu à reconstituição.

38 – Pelo que, perante um meio de prova nulo, a ausência de prova testemunhal, a ausência de confissão por parte dos arguidos, e tendo o julgamento sido realizado na ausência do recorrente, não poderia o douto tribunal a quo ter condenado o recorrente pela prática dos referidos crimes.

39 – A sede de produção da prova é o Julgamento, e o acto permitido pelo douto Tribunal "a quo" viola frontalmente o disposto no artigo 357º do Código de Processo Penal, acarretando, para além da nulidade do inadmissível acto, a nulidade de toda a Decisão.

40 – Ao condenar o ora Recorrente, em vez de o absolver, como devia ter feito, decidindo como fez, o douto Tribunal "a quo" violou o Princípio da Presunção de Inocência – in dubio pro reo – o disposto nos artigos 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, 355°, 356° e 357º do Código de Processo Penal.

41 – Sem conceder e por mero dever de patrocínio,

42 – Nos termos do disposto no artº 30º nº 1 do C.P. "O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.".

43 – No seguimento da doutrina do Prof. Eduardo Correia, ficou estabelecido no art.30.º, nº 2 do Código Penal que "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente".

44 – E no artº 79° do mesmo Código, que "o crime continuado é punível com pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.".

45 – De acordo com este último preceito a punição do crime continuado determina-se em função da moldura punitiva da infracção mais grave que integra a continuação – ponderando-se os outros factos de menor gravidade da continuação criminosa na medida concreta da pena.

46 – Na verdade, resulta dos autos, quer do próprio acórdão recorrido que o arguido terá agido sempre de forma homogénea, utilizando sempre o mesmo modus operandi, "os arguidos dirigiram-se a (…) aí chegados cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste. retiraram (…), levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas".

47 – O Tribunal a quo considerou como provado que o arguido praticou os crimes de que vinha acusado entre em Setembro e Outubro de 2009, sem no entanto ter considerado que o caso sub judice configura a execução de uma só actuação, totalmente homogénea (quer no modus operandi, quer no tipo e valor dos objectos furtados, quer até em termos espaço temporal) e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente, nos termos definidos pelo art. 30º, nº 2 do C.P.

48 – O acórdão recorrido condena o arguido pela prática de 8 (6+2) crimes de furto qualificado;

49 – No entanto, existindo elementos nos autos suficientes para condenar o arguido como autor material de um crime furto qualificado na forma contínua, como impõe o art. 30º, nº 2 do C.P., o Digno Tribunal a quo optou (erradamente) por desconsiderar a importância dessa factualidade.

50 – Deveria ter sido feita a convolação para um crime continuado, punido pela conduta mais grave, pelo que o douto acórdão fez, a nosso ver, uma errada interpretação e aplicação dos artigos 30° e 79° do C. Penal.

51 – Não foi, tão pouco, valorado, positivamente, o facto do arguido não ter antecedentes criminais.

52 – Ou que o mesmo se encontre a trabalhar e a residir na Suíça, batalhando por melhores condições de vida, para si e para os seus familiares.

53 – Na verdade, o recorrente considera que o Tribunal a quo ao aplicar-lhe as penas parcelares que aplicou a cada um dos crimes, assim como a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, alheou-se por completo do facto de no caso do arguido não serem elevadas as necessidades de prevenção especial e ressocialização, fazendo tábua rasa de todo o circunstancialismo social e familiar do mesmo, da falta de antecedentes criminais, da falta de prova testemunha ou documental.

54 – Para além de ter também atendido indevidamente ao prejuízo patrimonial que a conduta do mesmo provocou às vítimas, pois no modesto entendimento do recorrente tais elementos já se encontram contemplados no tipo legal de crime imputado ao arguido furto qualificado assim como na respectiva moldura penal;

55 – O arguido não retirou qualquer proveito económico equivalente dos objectos subtraídos;

56 – De todo o modo, sempre se dirá que os objectos de maior valor foram recuperados e entregues aos proprietários, conforme é referido pela testemunha G...(min 4:20 a 4:30) e a testemunha P...(min 4:49 a 5:00).

57 – Acresce que, não teve o douto Tribunal a quo em consideração todos os factos enunciados na escolha e determinação da medida concreta da pena em que o Arguido foi condenado. Senão vejamos,

58 – O recorrente foi condenado a uma pena de prisão efectiva de 5 anos e 10 meses, na absoluta ausência de prova testemunhal, e, unicamente, com recurso a um meio de prova nulo, conforme já exposto supra.

59 – O recorrente não tem antecedentes criminais.

60 – Encontra-se a residir e a trabalhar na Suíça, conforme informação que consta já dos autos.

61 – Refere José Souto Moura in A Jurisprudência do STJ sobre fundamentação e critérios da escolha e medida da pena:

"Assim sendo, quando o art° 71° do C.P. nos diz que a medida da pena é determinada "em função da culpa do agente", será de excluir qualquer entendimento que veja, na expressão, a cobertura para a retribuição da culpa do agente, através da pena. Mas o mesmo art° 71° estabelece como parâmetro da medida da pena as exigências de prevenção. Vem-se entendendo, então, que dentro da moldura penal prevista na lei se encontrará uma sub moldura adequada ao caso e aferida pelas necessidades de prevenção geral positiva. O limite inferior dessa sub moldura corresponderá então ao mínimo de pena suportável pela comunidade, em face do facto, e o limite superior à medida óptima de defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime. Dentro desta sub moldura, configurada pelas exigências de prevenção geral de integração haverá que encontrar então, um "quantum" certo de pena, ditado pelas necessidades de prevenção especial. Conforme se pode ler em acórdão relatado pelo Presidente da 5ª Secção, Conselheiro Carmona da Mota, as necessidades de prevenção geral atendem ao abalo sentido pela comunidade das expectativas na validade da norma violada. A sub moldura aludida estabelece-se entre o ponto óptimo da realização das necessidades preventivas e o absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral sob a forma de defesa da ordem jurídica.".

62 – Pelo exposto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a pena aplicada ao ora recorrente pelo tribunal a quo é absolutamente excessiva e desproporcional, tendo em conta a (ausência) de culpa do agente e das exigências de prevenção.

63 – Não se alcançando o objectivo de tal pena, dada a falta de antecedentes criminais, a falta de prova realizada em sede de julgamento e ainda o facto de o arguido se encontrar plenamente inserido na comunidade onde se encontra a residir e a trabalhar.

                64 – Pelo que, na hipótese meramente académica de se considerar que ao arguido deverá ser aplicada uma pena, sempre se dirá que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 71° do Código Penal, pois, tendo em conta os limites, mínimo e máximo, previstos no artigo 203° e 204°, deveria, ter sido aplicada ao Arguido a pena em medida mais próxima dos limites mínimos.

65 – Sem conceder e por mero dever de patrocínio,

66 – Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não procedeu, no caso em apreço, a uma correcta aplicação da Lei, designadamente, das normas constantes nos arts. 40º, 50º, 70° e 71° do Código Penal.

67 – De acordo com o disposto no artº. 70° do C.P., se ao crime forem aplicados, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

68 – Por seu lado, dispõe o artº 40° do mesmo diploma legal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reinserção do agente. Sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

69 – Conforme estatui o artº, 71° a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na Lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

70 – Tendo por referência tais normativos, é manifesto que a finalidade primária das penas é a de restaurar, e restabelecer, a paz jurídica abalada pelo crime, procurando-se, assim, dar resposta às exigências de prevenção e satisfazer o sentimento de reprovação que a prática de crimes reclama.

71 – No entanto, há que equacionar, e conjugar, as exigências da prevenção geral com a necessidade de ressocialização do agente (prevenção especial positiva ou de integração) e de advertência pessoalizada ao mesmo agente (prevenção especial negativa), dentro dos limites da sua culpa. De facto,

72 – Como é consabido, no sistema jurídico-penal português, as reacções penais não privativas da liberdade assumem preferência sobre as penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam de forma adequada, e suficiente, as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente de um crime na sociedade (artigos 40° e 70° do Código Penal). E,

73 – Segundo o artigo 71° nº 1 do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

74 – De facto, ensina a doutrina e a jurisprudência que o artº. 70° do Código Penal Português "fornece ao julgador o critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa ou pena não privativa da liberdade, e traduz vincadamente o pensamento legislativo do Código de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas, sempre que os fins das penas possam atingir-se por outra via." (in "Código Penal Português – Comentado e Anotado", 17ª Ed., de Manuel Lopes Maia Gonçalves, Almedina, Pág. 248).

75 – Posto isto, considera-se excessiva e desadequada a aplicação da pena de prisão, efectiva, de cinco anos e 10 meses no caso vertente.

76 – Salvo o devido respeito, que é muito, afigura-se-nos que, na eventualidade de o arguido não ser totalmente absolvido do crime por que vem condenado, isto sem prescindir, a pena a aplicar sempre deverá ser próxima dos limites mínimos da moldura aplicável e, neste caso, substituída por multa ou, em última ratio, suspensa na sua execução – tudo em conformidade com o disposto no artº. 50º, do C.P. – assim se acautelando, a esta data, as finalidades de prevenção geral, e especial, em detrimento da perniciosa pena de prisão efectiva, no caso concreto. De facto,

77 – São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações ao nível da culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional, ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação do arguido a deveres destinados a reparar o mal do crime e/ou regras de conduta com o propósito de melhor reinserir aquele socialmente, em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração), se pretende obter – cfr. Ac. do S.T.J., in "Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça", Ano XVI, Tomo I - 2008, pág. 220. E,

78 – Na hipótese meramente académica de se considerar que ao arguido deve ser aplicada uma pena de prisão, e a mesma seja reduzida ao seu limite mínimo, tal instituto é o que melhor se ajusta à situação do recorrente, possibilitando que este possa continuar a trabalhar, e a residir, na Suíça, afastado dos restantes arguidos, como, natural e voluntariamente, o tem vindo a fazer.

79 – Evitando, assim, qualquer futura condenação por este tipo de crime, e cumprindo-se

em absoluto, e naturalmente, a almejada ressocialização e reintegração.

80 – O ingresso no mundo prisional representaria um claro retrocesso no processo de ressocialização e reintegração, já levado a cabo pelo ora recorrente, e que muito provavelmente deitaria por terra tudo quanto já fora alcançado por este a esse título, destruindo a sua estrutura social e familiar. De facto,

81 – Só assim se permite que o arguido prossiga no seu esforço por continuar a encontrar um rumo para a sua vida dentro da sã convivência societária, com respeito pelo dever-ser jurídico-penal vigente, abstendo-se da prática de quaisquer crimes ou de comportamentos não tolerados pelo ordenamento jurídico – exactamente aquilo que tem vindo a fazer, naturalmente, pelo menos nos dois últimos anos, não havendo nenhum registo da prática de qualquer ilícito por parte do recorrente.

81 – Logrando-se atingir, desta forma, e passo a passo, a eminente função de ressocialização, e reintegração que, a par da protecção de bens jurídicos, presidem à aplicação de qualquer pena. Pois,

82 – Acresce, ainda, o facto de o ora recorrente ter apenas 40 anos de idade, tendo todo um futuro à sua frente, o que aumenta exponencialmente a esperança e o grau de probabilidade da sua total e completa reintegração na sociedade. Pelo que,

83 – Deverá ser revogada a pena aplicada ou, caso não seja esse o douto entendimento, a aplicação de uma pena não detentiva da liberdade. Assim se concretizará a realização concreta dos princípios político-criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade das penas de prisão.

84 – Assim, afigura-se-nos que se deverá concluir pela procedência dos argumentos invocados, em favor do ora recorrente, pelo que, conforme já foi reiterado, deve (na eventualidade de o mesmo não ser absolvido) a pena aplicada ao ora recorrente ser reduzida aos limites mínimos legais e suspensa na sua execução – nos termos do disposto no artº. 50°, do C.P. – assim se realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e possibilitando a continuidade da natural reabilitação, ressocialização e reintegração societária do ora recorrente.

85 – Salvaguardando-se, desta forma, o efeito útil do trabalho e esforço desenvolvidos a vários níveis, no sentido de ressocializar, reeducar e reintegrar o ora recorrente.

86 – Com efeito, só através deste entendimento se acautelam, ao mesmo tempo, quer as finalidades de prevenção geral, quer as necessidades de prevenção especial que se manifestam in casu, respeitando-se, igualmente, o limite inultrapassável da medida da culpa da arguida, dando-se cumprimento cabal ao disposto nos já mencionados artºs. 40°, 50°, 70° e 71° do C. P.

87 – A sentença recorrida incorreu, assim, em erro de interpretação da Lei, erro na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violando, entre outras, as disposições legais dos artºs. 30°, 40°, nºs 1 e 2, 50°, 70°, 71° e 79°, todos do C. P, e 410 nº 2 al. a) e c) do CPP.

Nestes termos Deve o presente recurso ser recebido, julgado procedente, e ser proferido douto acórdão que revogue a douta sentença recorrida, no sentido propugnado pelo ora recorrente, absolvendo-o;

Sem conceder, na hipótese meramente académica, de não ser o mesmo absolvido da pena em que foi condenado, ser aplicada uma pena única, pela prática de um crime continuado, próxima dos limites mínimos legais;

Sem conceder, por mero dever de patrocínio, caso venha a ser aplicada qualquer pena de prisão ao arguido, tal deverá reduzida aos limites mínimos da moldura, e ser suspensa na sua execução.

(…)”


*

            Também inconformado com a decisão recorreu o arguido E..., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            “ (…).

            1°– O presente recurso visa a apreciação da decisão, plasmada no sempre Douto Acórdão, de condenar o arguido como co-autor da prática de seis crimes de furto qualificado (previsto e punido pelos artigos 203, 204 n° 1 alínea f) do Código Penal.

2º – O, ora, recorrente e arguido pretende impugnar a matéria de facto dada como provada designadamente a vertida em II, III, IV, V, VI, VII e IX do Acórdão ora posto em crise que se passa a reproduzir.

II- A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 031/10/2009, os arguidos dirigiram-se à Rua ..., ..., Carregal do Sal, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico próprio para armazenamento de garrafas de gás, propriedade da empresa " H..., Lda".

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 11 garrafas, sendo 9 de gás butano e de 13 KG (6 cheias e 3 vazias) e 2 de 11 KG e de gás propano, no valor global de € 372,00, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

III- A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 03/10/2009, os arguidos dirigiram-se à ..., n° 10, Santa Comba Dão, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás, propriedade do Mini-Mercado da empresa "R..., Lda."

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e , do interior deste, retiraram 4 garrafas de gás propano de 13 KG e 1 garrafa de gás butano de 11 KG no valor global de € 170,50, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

IV- A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 03/10/2009, os arguidos dirigiram-se às instalações do Posto de Abastecimento de Combustíveis "S..." sito na ..., Santa Comba Dão, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 4 garrafas de gás propano 6 garrafas de gás butano no valor global de pelo menos € 308,00, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

                V- A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 03/10/2009, os arguidos dirigiram-se às instalações do Posto de Abastecimento de Combustíveis " T...", sito na rua ..., Santa Comba Dão, onde sabiam existir na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 4 garrafas de gás propano de 13 KG, 6 garrafas de gás butano de 13 Kg e 2 garrafas de gás butano light, de 11 Kg, no valor global de € 322,00, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

VI- A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 03/10/2009, os arguidos dirigiram-se às instalações do Posto de Abastecimento de Combustíveis da empresa " I..., Lda", sito na rua ..., Santa Comba Dão, onde sabiam existir na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 3 garrafas de gás propano de 11 Kg e 3 garrafas de gás butano de 13 Kg, no valor global de € 192.60, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

VII- A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 03.10.2009, os arguidos dirigiram-se às instalações do Posto de Abastecimento de Combustíveis da " U...", sito na E.N. 234, em ..., Mortágua, onde sabiam existir na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e. do interior deste, retiraram 8 garrafas de gás butano de 13 Kg e 3 garrafas de gás butano de 11 Kg, no valor global de € 384,05, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

IX- Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas os arguidos agiram em comunhão de esforços e de vontades (nas descritas em I e VIII apenas os arguidos A...e B...) em cumprimento de um plano previamente traçado.

Os arguidos agiram com intenção de fazer seus todos os acima citados objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário. Agiram, em tudo livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser o seu comportamento previsto e punido por lei.

                3° – Na verdade, se atentarmos nos depoimentos das testemunhas da acusação verifica-se que o Tribunal "a quo" não deveria ter dado estes factos por provados e em conformidade deveria ter absolvido o arguido.

4° – Na verdade a prova produzida em julgamento apenas se reporta à data da prática dos factos 03/10/2009 e aquilo que as testemunhas verificaram na manhã do referido dia ao chegarem ao local.

Senão vejamos:

Sobre a questão de conhecer os arguidos.

Respondeu a testemunha e demandante F...(depoimento gravado integrado digital do tribunal – 00.0001 na 00.06.23)

- Eu não os conheço, não os vi;

- Também a testemunha G...(depoimento gravado em sistema integrado digital do tribunal – 00.00.01 a 00.20.56) à mesma questão disse:

- Penso que não Sra. Dra (…) Não, não, Sra. Dra.

5º- E podíamos continuar, o que dispensamos fazer por ser incontroverso que não foi referido por qualquer testemunha, pois é o próprio Acórdão que o refere, com todas as restantes testemunhas arroladas pela acusação e demandantes civis a referirem que não conheciam os arguidos e que não os viram na data da prática dos factos, pois não assistiram aos crimes.

6º- Quanto a qualquer facto que se pudesse conjugar com o constante do auto de reconstituição dos factos, designadamente com o automóvel de marca Iveco referida pelo arguido (carrinha ou furgão);

Questionada a testemunha, N..., disse o seguinte (depoimento gravado em sistema integrado digital do tribunal – 00.00.01 a 00.07.13)

Juiz- Como é que foi feito isso, não sabe não é? Quem foram os seus autores...

T - nós temos câmaras de vigilância...

Juiz- sim

T- saber (qualquer coisa imperceptível) uma carrinha, penso eu, de cor branca, mas que ficou estacionada de tal forma que nós não conseguimos ver a matrícula.

Juiz- Portanto, mas uma carrinha de quê? De fechada?

T- De caixa fechada, sim.

Juiz- Branca.

T- Branca.

Juiz- Esse que foi isso que visionaram.

T- foi isso que visionámos, mas não conseguimos ver nem a matrícula nem…

Juiz- Nem o número de pessoas, nada, não é?

T- Nada

Juiz- Portanto a carrinha, carrinha branca não é?

T - A carrinha era de cor branca ou creme, ou assim desse género.

Juiz- Pode ir à sua vida, está dispensado.

Quanto à testemunha, F... (depoimento gravado em sistema integrado digital do tribunal – 00.00.01 a 00.07.53).

Juiz- O senhor na altura quando apresentou queixa, juntou algum, tem ideia se juntou algum elemento comprovativo do valor?

Test- acho que juntei o filme.

Juiz- Ah, e o que é que se vê no filme?

Test- Vê-se a carrinha a chegar.

Juiz- Que carrinha era?

Test- Era um furgão branco, não sei, já não me lembro qual é a marca, mas é um furgão daqueles compridos, branco.

- Ora em lado nenhum é referida a matrícula e a marca da carrinha, que se sabe ser de caixa fechada, branca ou creme.

7º- Ora refere o próprio Tribunal recorrido que "os arguidos se remeteram ao silêncio, que o arguido ora recorrente não compareceu na audiência de julgamento, (por se encontrar a residir e a trabalhar na Suíça com a sua esposa como demonstrou)," e que as testemunhas ouvidas na sua maioria ofendidas nos autos nada souberam adiantar que ligasse os arguidos aos autores dos factos "(sic).

8º- Ora, face à ausência de prova produzida em sede de julgamento não era possível ao Tribunal, decidir para além da dúvida razoável que o arguido foi co-autor nos factos e na dúvida teria de o absolver, pois ao não ter decidido assim violou o principio básico em direito penal do "in dubio pro reo".

9º- Por outro lado, atendendo a tudo quanto foi dado como provado pelo "Tribunal a quo" socorrendo-se de prova não produzida em audiência, entendemos, com obrigatória modéstia e salvo o devido respeito, que o Tribunal desrespeitou o disposto no artigo 355° do C. P. P., bem como o estatuído nos artigos 356° e 357° do mesmo Código.

10º- Na verdade, fundamenta o douto Tribunal a decisão tomada no "auto de reconstituição dos factos junto aos autos a f1s 195 a 220, diligência levada a efeito com a colaboração do arguido C..., da qual se pode extrair a participação de todos os arguidos nos mencionados furtos (…), recriando assim o mencionado arguido os acontecimentos de que foram vítimas os ofendidos". Mais refere que "a reconstituição do facto feita em inquérito e com observância do formalismo legal, como no caso em apreço, é um meio de prova que pode ser valorado em audiência de julgamento, mesmo quando os arguidos se remetam ao silêncio, não se confundindo com declarações anteriormente prestadas e cuja leitura fosse proibida em julgamento".

11°- Não podemos concordar com a argumentação expendida, não desconhecendo a jurisprudência e alguma doutrina em que se arvora a decisão do Colectivo.

12º- Contudo, desde logo deveríamos atentar no que dispõe a norma do artigo 150° do C.P. P. e verificar se o que se encontra vertido no auto referido pelo Tribunal recorrido se pode considerar como reconstituição dos factos. Parece-nos que não.

13º- O que a lei pretende é que a realização dessa reconstituição tenha por base a necessidade de apurar se um determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma, sendo que essa reconstituição terá de ser fiel, tanto quanto possível das condições em que o facto criminoso haja ocorrido e pressupõe a repetição do modo de realização do facto.

14º- Ora, verificando o auto, o que vemos é uma deslocação do arguido a locais onde ele refere ter praticado factos correspondentes à Acusação e também declarações que são assinadas pelo arguido.

15°- O arguido que se dispôs a essa reconstituição não prestou declarações em sede de audiência o que não permitiu apurar de que modo foi efectuada tal diligência.

16º- Não se reconstituíram factos, indicou o arguido em fotografias o local de passagem e destino (sendo que era o único traçado óbvio para quem se deslocasse a partir da região do arguido) e locais alvos dos furtos, apenas, constando das declarações assinadas pelo arguido que o recorrente e outros teriam tido comparticipação nos crimes praticados.

17°- Pelo que, parece-nos que estamos sob a capa de reconstituição de factos, a ocorrer antes numa prestação de declarações de um arguido que ao serem prestadas na fase de inquérito só poderiam valer como prova nos precisos termos dos artigos 356 e 357° do C. P. P., que assim foram violados.

18°- E não era face a estas declarações que os arguidos teriam de provar a sua absolvição, pois estas declarações só por si nunca demonstrariam de forma indirecta ou directa e só por si, a culpabilidade dos restantes arguidos, tanto mais que era impossível aos restantes arguidos defenderem-se em julgamento e atacarem tais declarações pois o co-arguido não prestou declarações no Tribunal.

19º- Não resulta do auto que os factos assim ocorreram, mas apenas que assim poderiam ter ocorrido, sem que qualquer outra prova o tivesse corroborado no presente processo.

20º- As declarações contidas no auto não foram lidas e só o poderiam ser observados os preceitos do artigo 356º do C. P. P.e a não ser assim violou-se também o artigo 357° do Código Processo penal, ao valorar-se um meio de prova que condenou o ora recorrente, infringindo aqueles normativos legais e também o disposto no artigo 150° do referido.

21°- A valoração da reconstituição dos factos sem qualquer corroboração por outros meios de prova que demonstrem a prática dos factos e ainda para mais com declarações de co-arguido não reproduzidas em julgamento, que incrimina outros arguidos que não colaboraram na diligência é ilegal e inconstitucional e deve conduzir á absolvição do recorrente.

22°- É um meio de prova que atento tudo quanto já foi dito, não pode ser considerado como suficiente para sustentar a Acusação, pois o Arguido investido nessa qualidade, pode até mentir, alijando-se de outras responsabilidades e ao não prestar declarações em Tribunal impede arte a sindicância dos actos e declarações praticadas em sede de inquérito.

23°- A ausência de provas (válidas e legais) produzidas e constantes do processo, ou a dúvida sobre as mesmas no que respeita à prática dos factos pelo arguido só pode conduzir em processo penal á absolvição do arguido, observando-se o artigo 32° da Constituição Portuguesa e a presunção de inocência de que goza o arguido, ora recorrente.

Nestes Termos e nos mais de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, Deve dar-se provimento ao presente recurso e como consequência ser alterada a decisão do Tribunal "a quo", absolvendo-se o arguido.

Assim se fazendo Inteira JUSTIÇA

(…)”.


*

Respondeu aos recursos aos recursos a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da sua contramotivação as seguintes conclusões:

“ (…).

1º O auto de fls. 195 e ss. constitui, quer no título, quer no conteúdo, uma verdadeira reconstituição dos factos, pela reconstituição dos percursos dos intervenientes, avaliando a compatibilidade dos mesmos com a ação no tempo, com o meio de transporte utilizado e com as subtrações denunciadas.

2º Sendo um meio autónomo de prova, foi devidamente valorado;

3º A prova resultante da reconstituição, para os arguidos que nela não tiveram intervenção, não perde, por esse facto, valor probatório, ademais por ser corroborada por outros meios de prova, como testemunhos, fotogramas de videovigilância e apreensões.

4º Não havendo qualquer vício na determinação da matéria de facto provada a apontar ao Acórdão recorrido.

5º As penas concretas encontradas respeitam o limite da culpa dos agentes, satisfazendo, ainda assim, as exigências de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir em grau elevado.

6º O Tribunal ponderou de forma adequada todos os fatores relevantes para determinação da pena concreta, designadamente os elencados nas alíneas a) a f) do nº 2 do art° 71 ° do C. Penal e os fatores de escolha da pena do art° 70°;

7º A forma como foi exaustivamente fundamentada a determinação concreta da pena preenche plenamente a exigência do n° 3 do mesmo art° 71°.

Pelo que, confirmando a decisão recorrida nos seus exactos termos, V. Exas. farão, como habitualmente, Justiça!

(…)”.


*

            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de a prova por reconstituição ter observado os preceitos legais sendo por isso, livremente valorável, de não existir qualquer erro de valoração da prova, de não existir crime continuado e de as penas aplicadas serem adequadas, e concluiu pela manutenção do acórdão recorrido.


*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido A..., reproduzindo a motivação.

           

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


*

*

*

*


II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

            Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:   

           

A) Arguido B...

- A reconstituição do facto enquanto declarações de arguido, a violação do art. 355º do C. Processo Penal e a inconstitucionalidade da valoração probatória da reconstituição do facto não corroborada por outros meios de prova;

- A violação do in dubio pro reo;

            - A continuação criminosa;

            - A excessiva medida da pena de prisão e a suspensão da respectiva execução.

B) Arguido A...

            - A nulidade do acórdão por falta de fundamentação;

- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

            - A contradição insanável da fundamentação; 

- O erro notório na apreciação da prova;

            - A violação do princípio da imediação e a violação do direito ao silêncio;

            - A violação do in dubio pro reo;

            - A excessiva medida da pena de prisão e a suspensão da respectiva execução.

C) Arguido E...

            - A impugnação dos pontos II a VII e IX dos factos provados;

            - A reconstituição do facto enquanto declarações de arguido e a violação do art. 355º do C. Processo Penal;

            - A violação do in dubio pro reo.

 


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevo consta do acórdão recorrido. Assim:

            A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

I. No dia 3.09.2009, cerca das 3.30 horas, pelo menos os arguidos A...e B..., dirigiram-se à Zona Industrial ..., ..., Santa Comba Dão, ao pavilhão da empresa "V...", onde sabiam estar parqueada uma máquina retroescavadora, da marca "Caterpillar", modelo 438C, com o nº de série 2DR03640, com o valor comercial de cerca de €25.000,00, propriedade de G....

Aí chegados, os arguidos introduziram-se no interior do perímetro das instalações, colocaram a máquina em funcionamento e saíram do local, com a mesma, conduzindo-a para local próximo, onde a carregaram para cima de camião, retirando-a, desse modo, do local e fazendo-a sua.

II. A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 3.10.2009, os arguidos dirigiram-se à Rua ..., nº 6, ..., Carregal do Sal, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás, propriedade da empresa " H..., Lda.".

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 11 garrafas, sendo 9 de gás butano e de 13Kg (6 cheias e 3 vazias) e 2 de 11 Kg e de gás propano, no valor global de €372,00, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

III. A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 3.10.2009, os arguidos dirigiram-se à ..., nº 10, Santa Comba Dão, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás, propriedade do Mini-Mercado da empresa " R..., Lda.".

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 4 garrafas de gás propano de 13 Kg e 1 garrafa de gás butano de 11 Kg, no valor global de €170,50, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

IV. A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 3.10.2009, os arguidos dirigiram-se às instalações das Posto de Abastecimento de Combustíveis " S...", sito na ..., Santa Comba Dão, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 4 garrafas de gás propano 6 garrafas de gás butano, no valor global de pelo menos €308,00, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

V. A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 3.10.2009, os arguidos dirigiram-se às instalações do Posto de Abastecimento de Combustíveis "T...", sito na Rua ..., Santa Comba Dão, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 4 garrafas de gás propano de 13 Kg, 6 garrafas de gás butano de 13 Kg e 2 garrafas de gás butano light, de 11 Kg, no valor global de €322,00, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

VI. A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 3.10.2009, os arguidos dirigiram-se às instalações do Posto de Abastecimento de Combustíveis da empresa " I..., Lda.", sito na Rua ..., Santa Comba Dão, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 3 garrafas de gás propano de 11 Kg e 3 garrafas de gás butano de 13 Kg, no valor global de €192,60, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

VII. A hora não concretamente apurada da madrugada do dia 3.10.2009, os arguidos dirigiram-se às instalações das Posto de Abastecimento de Combustíveis da "U..., sito na E.N. 234, em ..., Mortágua, onde sabiam existir, na via pública, um contentor metálico, próprio para armazenamento de garrafas de gás.

Aí chegados, os arguidos cortaram o cadeado que vedava o acesso ao interior do contentor e, do interior deste, retiraram 8 garrafas de gás butano de 13 Kg e 3 garrafas de gás propano de 11 Kg, no valor global de €384,05, levando tais garrafas consigo e fazendo-as suas.

VIII. Em hora não apurada da noite do dia 13 para o dia 14 de Setembro de 2009, os arguidos A...e B... dirigiram-se ao parque de estacionamento do Posto de Abastecimento de Combustíveis da " X...", sito na ..., Santa Comba Dão, onde sabiam estar parqueado o reboque, vulgo "galera", da marca "Montenegro", de matrícula GU-00257-R, com o nº de quadro VST3030EM 000003, propriedade da Firma " Z ...", com sede em San Sebastien, Espanha, no valor de cerca de € 7.500,00, o qual se encontrava carregado, para além de outros objectos sem valor significativo, com 5 atados de ferro, com cerca de 22.500 Kg, atingindo o carregamento um valor não concretamente, mas próximo dos 16.500 €.

Por forma não apurada os arguidos retiram tal reboque do local, fazendo-o seu.

IX. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas os arguidos agiram em comunhão de esforços e de vontades (nas descritas em I e VIII apenas os arguidos A...e B...) em cumprimento de um plano previamente traçado.

Os arguidos agiram com a intenção de fazer seus todos os acima citados objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.

Agiram, em tudo, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser o seu comportamento previsto e punido por lei.

X. O arguido A..., por factos de 18/3/2005, já respondeu pela prática de um crime de furto qualificado e de simulação de crime, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 8/6/2006, numa pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pena esta já declarada extinta.

Por factos de 11/8/2008, foi condenado como autor de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 20/12/2010, numa pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Por sentença transitada em julgado em 21/12/2010, foi condenado como autor de um crime de furto qualificado, na forma tentada, numa pena de 2 meses e 20 dias, substituída por igual número de dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros.

XI. Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos B... e C....

XII. O arguido D... por factos de 31/3/2009 foi condenado por sentença transitada em julgado em 22/3/2010, como autor de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 7,50 euros.

XIII. O arguido E... era delinquente primário à data dos factos.

Por factos de 22/2/2009, foi condenado por sentença transitada em julgado em 3/1/2011, como autor de um crime de furto de uso de veículo, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 450,00 euros, pena esta já declarada extinta por pagamento.

Por factos de 11/8/2008 foi condenado por sentença transitada em julgado em 20/12/2010 como autor de um crime de furto qualificado, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, pena esta igualmente extinta por pagamento.

XIV. Os arguidos A...e D... encontram-se presos preventivamente à ordem do processo 228/12.OGCTND, por furto qualificado, este último desde 30 de Junho do corrente ano.

XV. O arguido A..., antes de detido, encontrava-se a residir sozinho numa casa da avó materna, a si cedida pela família para utilização a título gratuito.

Prestava serviços de mecânico a um empreiteiro de construção civil e obras públicas, sem qualquer vinculação, auferindo, em média, mensalmente, a quantia de 600,00 €.

Tem dois filhos menores, um com 8 anos e idade e outro com cerca de dois anos, este último fruto da relação que ainda mantém com a sua companheira, embora desde há cerca de um ano não partilhem a mesma casa.

O arguido contribui para o sustento dos filhos com a quantia de 100,00 € para cada um.

Possui como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.

XVI. O arguido B... encontra-se a residir e a trabalhar na Suíça.

XVII. O arguido C..., à data dos factos, integrava o agregado familiar da avó materna e também de outros familiares (tios), exercendo a sua actividade profissional na empresa “ K ...”, em Águeda.

Com tal actividade profissional logrou obter alguns meios de subsistência autónomos, conseguindo obter a carta de condução e aquisição de carro próprio.

Nesta fase, aparentemente estável, durante a qual estabeleceu um relacionamento de namoro estável, veio a travar conhecimento/relacionamento com outros indivíduos de comportamentos socialmente desajustados, situação que viria a causar instabilidade ao arguido e que determinou que o mesmo em finais de 2009 se afastasse do meio geográfico de Águeda, tendo ido sem qualquer suporte para o sul do país (Albufeira), onde se manteve até Outubro de 2011, altura em que regressa a Águeda e à família.

Desde esta data o seu agregado familiar é composto pela sua mãe, desempregada, o padrasto, empresário de uma pequena empresa, e a irmã, de dezassete anos, doente do foro oncológico.

Actualmente não se encontra a exercer qualquer actividade profissional, vivendo com a ajuda da família.

Possui como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.

XVIII. O arguido D... encontra-se desempregado há cerca de um ano e meio.

Antes de detido vivia numa casa arrendada com a mãe e uma irmã, sendo o seu sustento suportado pela sua mãe que exerce a actividade de cozinheira.

Possui como habilitações literárias o 6º ano.

XIX. O arguido E... reside na Suíça há cerca de dois anos, juntamente com a respectiva esposa, encontrando-se a trabalhar numa empresa do ramo alimentar, ao abrigo de um contrato de trabalho celebrado em 1/3/2012 e com duração até 15/1/2013.

XX. Dos pedidos de indemnização civil provaram-se ainda os seguintes factos:

- Em consequência da actuação dos arguidos A...e B... descrita em I), o demandante G...teve de proceder ao aluguer de uma máquina com as mesmas características da máquina objecto do furto, no que despendeu a quantia de 6240,00 euros.

- Os demandantes F..., H..., Lda e I... não recuperam as garrafas de gás supra descritas.

- Em consequência dos factos descritos em VIII, o representante legal da empresa Combustíveis I..., Lda. e a sua funcionária deslocaram-se à G.N.R. para apresentação da queixa.

(…)”.

B) Nele foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

            - que os arguidos C..., D... e E... tenham participado nos factos descritos nos pontos I e VIII;

- que em consequência dos factos descritos em V, o demandante F... tenha sofrido um prejuízo de 227,50€, correspondente ao valor da tara das garrafas de gás.

- que a demandante Combustíveis I..., Lda, tenha despendido uma quantia não inferior a 200,00 euros em deslocações à GNR.

- que as duas garrafas de gás de 11Kg furtadas do interior do contentor pertencente ao Posto de Abastecimento de Combustíveis T... fossem de gás propano.

Quanto aos demais factos constantes da acusação e nos pedidos de indemnização civil e não mencionados em A) ou B), os mesmos são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual o tribunal não se pronuncia quanto aos mesmos.

(…)”.

C) Dele consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

A convicção do tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida na audiência de julgamento, em conjugação com a prova documental e pericial já constante dos autos e as regras da experiência comum.

Começando pela factualidade atinente às circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu a subtracção dos objectos supra referidos, às características destes, aos seus respectivos valores, ao modo como foi feita a apropriação por banda dos autores dos factos em cada uma das situações descritas (pontos I a VIII ), valorou o tribunal, desde logo, os depoimentos das testemunhas ouvidas, na sua maioria, os respectivos ofendidos – G... (este simultaneamente demandante civil – proprietário da máquina retroescavadora), L... (sócio-gerente da demandante H..., Lda), Q... (legal representante do Mini-Mercado da sociedade R..., Lda), J...(proprietário das Bombas de Combustível “ S...”), F... (simultaneamente demandante civil - proprietário do Posto de Abastecimento de Combustíveis T...), J...(responsável pelo Posto de Abastecimento de Combustíveis I..., Lda.), N...(sóciogerente

do Posto de Abastecimento de Combustíveis da U...) e P..., funcionário da firma Z ... e responsável pelo reboque/galera) - as quais, de um modo conciso e objectivo, deram a saber ao tribunal as circunstâncias em que tomaram conhecimento dos factos de que foram vítimas, o local onde se encontravam os bens objecto de furto, a forma como se aperceberam do desaparecimento dos bens, concretizando os que lhe foram furtados e os que, na sequência de reconhecimentos em que intervieram, vieram a recuperar, quais os valores aproximados dos objectos furtados, em conjugação também com os autos de busca e apreensão de fls.25/26, 31/32 e 115 e respectivas folhas de suporte, o auto de reconhecimento de fls. 86, os autos de exame directo e avaliação de fls. 87, 92 e 121 e respectivas folhas de suporte, os termos de entrega de fls. 42, 43, 96 e 253 os registos fotográficos constantes dos relatórios de inspecção judiciária de fls.17 a 20 (estes juntos ao apenso 115/09.0 e atinentes ao furto ocorrido no Posto de Combustíveis I..., Lda), 244 a 249 (atinentes ao furto ocorrido no Posto de Abastecimento da U...), 261 a 264 (relativos ao furto ocorrido no Mini-Mercado), 275 a 278 (relativos ao furto ocorrido no Posto de Abastecimento X... “ S...”), 291 a 294 (relativos ao furto ocorrido no Posto de Abastecimento “ T...”), elucidativos dos locais onde se encontravam as botijas de gás subtraídas e dos estragos causados nos respectivos contentores) e 147 a 161 (onde se incluem alguns fotogramas extraídos da câmara de vigilância instalada na empresa X ... onde se encontrava estacionada a máquina retroescavadora).

Foram ainda valorados o documento junto a 6 do apenso 213/09.GCVIS, a respeito do valor global das botijas de gás subtraídas do Posto de Abastecimento S... e as facturas de fls. 344 a 347, com base nas quais o tribunal fixou o valor que considerou como correspondente ao valor do carregamento do reboque, vulgo “galera”, propriedade da empresa “ Z ... Galera.

No que em especial se refere ao valor global que o tribunal considerou como correspondendo ao valor das garrafas de gás subtraídas do Posto de Combustíveis I..., Lda.(192.60 €), sopesou na convicção do Tribunal o depoimento da já identificada testemunha J..., responsável por aquele, a qual, confrontada com os valores vertidos no pedido de indemnização civil formulado por aquela e com aqueles que constavam da tabela de preços junto com o mesmo a fls. 535 (em vigor apenas em Janeiro de 2011), adiantou ao tribunal que não obstante o valor da tara das garrafas fosse o mesmo à data dos factos - quinze euros - já quanto ao valor de cada garrafa de gás este era inferior a essa data, oscilando entre dezasseis e dezassete euros, considerando, por isso, como correcto o valor indicado na acusação pública como correspondente ao valor total do prejuízo sofrido com a subtracção das garrafas de gás propano e butano aí mencionadas.

Já quanto ao prejuízo sofrido pelo demandante G...atinente à quantia que teve que despender com o aluguer de uma nova máquina retroescavadora com as mesmas características da furtada, valorou o tribunal o depoimento da testemunha O..., a qual, depondo de um modo objectivo e isento, não obstante a sua qualidade de mulher daquele, confirmou não só ser o mencionado G...proprietário da máquina, como ainda ter o mesmo tido necessidade de proceder ao aluguer de uma outra para substituir a furtada, atentas as obras que entretanto se encontravam em curso na sociedade de que ela e marido são sócios - a sociedade G...& Filho, Lda - tanto mais que o mesmo não obstante a entrega da máquina, na sequência da sua apreensão, ficou impedido, na qualidade de fiel depositário da mesma, de a utilizar.

Em conjugação com o depoimento da mencionada testemunha valorou ainda o tribunal o teor dos autos de entrega de fls. 42 e 253, dos quais se pode efectivamente extrair que só volvidos dois meses e meio após a data da ocorrência dos factos é que o demandante passou a ter disponibilidade efectiva da máquina retroescavadora, o que à luz das regras da experiência comum torna perfeitamente justificável que aquele, não dispondo de outra, tivesse de proceder ao aluguer de uma nova máquina.

Tal testemunha adiantou ainda ao tribunal que trabalhando juntamente com o marido foi ela quem diligenciou pelo aluguer da nova máquina, dando ainda a saber os contornos que o mesmo envolveu e o seu custo global, no caso 6.240,00 euros, esclarecendo ainda que a factura junta aos autos a fls. 526, com a menção apenas de serviços prestados respeita ao aluguer da nova máquina. Ora, pese embora tal factura tenha sido emitida em nome da sociedade, cremos, porém, que tal não constitui obstáculo a que o tribunal considere ter o prejuízo em apreço sido sofrido pelo demandante, enquanto proprietário da máquina, qualidade confirmada não só por este como pela mencionada testemunha e não infirmada por outros meios probatórios, sendo perfeitamente crível, à luz das regras da experiência comum, que a emissão de tal factura em nome da sociedade de que ambos são sócios se tenha prendido com questões contabilísticas.

Passando agora à autoria dos factos descritos nos pontos I a VIII da factualidade provada, convirá salientar, antes de mais, que os arguidos presentes se remeteram ao silêncio, no uso de um direito que a lei lhes confere, que os arguidos B... e E... não compareceram à audiência de julgamento e que as testemunhas ouvidas, na sua maioria ofendidos nos autos, nada souberam adiantar que ligasse os arguidos aos autores dos factos.

Começando pelos furtos das garrafas de gás, matéria a que aludem os pontos II a VII da factualidade provada, valorou o tribunal, desde logo, o auto de reconstituição dos factos junto aos autos a fls. 195 a 220, diligência levada a efeito com a colaboração do arguido C..., da qual se pode extrair a participação de todos os arguidos nos mencionados furtos, as circunstâncias de tempo e modo como os mesmos se desenrolaram e foram executados, o meio de transporte por aqueles utilizado (veículo ligeiro de mercadorias, marca Iveco de cor branca) e quais os bens furtados, recriando assim o mencionado arguido os acontecimentos de que foram vítimas os ofendidos.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág.196, a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução. A reconstituição do facto feita em inquérito e com observância do formalismo legal, como no caso em apreço, é um meio de prova que pode ser valorado em audiência de julgamento, mesmo quando os arguidos se remetam ao silêncio, não se confundindo com declarações anteriormente prestadas e cuja leitura fosse proibida em julgamento. Como referem Leal Henriques e Simas Santos, “este meio de prova pode ser de grande valor, prevenindo as dificuldades de prova que, em circunstâncias específicas, se possam levantar em julgamento quanto, v. g., à verosimilhança da tese da acusação. E quando conte com a colaboração do arguido, v. g., por se seguir à confissão, terá a vantagem de materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo, de algum modo, alterações de estratégia de defesa em audiência” (in Código de Processo Penal Anotado, I volume, 2.ª edição, pág. 794). Também o facto de a reconstituição ser acompanhada de um discurso verbal do arguido sobre o modus faciendi que envolveu a prática do crime, não se reconduz ao conceito processual de “declarações”, sendo antes a verbalização do acto de recriação do acontecimento (neste sentido, Ac. do S.T.J. de 20/04/06, proferido no Processo nº 06P363). No caso em apreço, pese embora o arguido, interveniente na mencionada reconstituição, em audiência de julgamento se tenha remetido ao silêncio, a verdade é que a mesma obedeceu aos requisitos legais e no entender do tribunal tem consistência bastante para se poder concluir, à luz das regras da experiência comum, que os factos se desenrolaram nos termos ai descritos. Com efeito, a versão que dela emerge coincide com a trazida pelos depoimentos testemunhais já chamados à colação, a respeito do circunstancialismo temporal em que os factos ocorreram, do local onde se encontravam os objectos furtados, e do “modus operandi” como ocorreu a subtracção (note-se que todas as testemunhas referiram que as garrafas de gás furtadas encontravam-se no interior de contentores cujo respectivo acesso se encontrava vedado com cadeados que foram cortados), a que acresce ainda a circunstância de na noite da ocorrência dos factos ter sido visualizado um furgão, marca

Iveco, de cor branca (tal como indicado pelo arguido no auto de reconstituição), nos postos de abastecimento de combustíveis “ U...”, “ T...” e “ S...”, como se extrai dos fotogramas de fls. 248/249, 317 a 319 e 441. Por outro lado, no que em especial se refere à participação nos factos dos demais arguidos, também a recriação a tal respeito feita pelo arguido C... - desde o momento como se encontraram na noite da ocorrência dos furtos até ao momento em que os efectuaram - não se mostra contraditada por outros meios probatórios, mas antes credível à luz das regras da experiência comum. Com efeito, se atentarmos, quer no “modus operandi”, quer no curto período temporal em que os factos se desenrolaram, circunstâncias que apontam, à luz das regras da experiência comum, para que os factos em apreço tenham sido levados a cabo por mais do que uma pessoa, quer ainda no facto objectivo de os arguidos serem conhecidos entre si, o que desde logo se inculca do facto de os mesmos, com excepção do arguido D..., se encontrarem juntos no armazém arrendado por um deles aquando da apreensão a que se reporta o auto de fls. 25, armazém esse no qual se encontravam também algumas botijas de gás (atente-se que o contrato de arrendamento tinha como objecto a guarda de veículos rodoviários de mercadorias) ainda que não se tivesse apurado tratarem-se daquelas que foram objecto os furtos em apreço, afigura-se-nos que também nesta sede a versão dos factos adiantada pelo arguido C..., aquando da reconstituição em que interveio se mostra credível, para além de que não foram produzidos quaisquer meios probatórios que a contrariassem, sendo certo que os arguidos presentes se remeteram ao silêncio e os demais não compareceram. E se é certo que do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis aos arguidos, também não pode do seu exercício retirar-se consequências probatórias favoráveis aos mesmos – vg. explicativas, justificativas ou atenuativas que exijam uma atitude proactiva do arguido (neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 21/3/2012). Tudo conjugado, entendeu assim este tribunal dar como provado terem os arguidos sido os autores dos factos descritos nos pontos II a VII da factualidade provada.

Passando agora à autoria dos furtos a que se reportam os pontos I e VIII da factualidade provada, convirá desde já chamar à colação os autos de apreensão de fls. 25/26, 31/32 e 115, dos quais pode extrair-se terem as mencionadas máquina retroescavadora, reboque e objectos existentes no interior deste sido apreendidos na posse dos arguidos A... e B..., no interior de um armazém de que o segundo era arrendatário, cfr. cópia do contrato de arrendamento junto aos autos a fls. 63/65, sendo que relativamente à apreensão da máquina retroescavadora a emissão dos respectivos mandados de busca não constituiu um acontecimento fortuito, mas antes foi precedida e fundamentada numa sucessão de elementos probatórios prévios que apontavam na direcção do arguido A... e que foram determinantes para a deslocação da autoridade policial ao mencionado armazém no qual veio efectivamente a ser apreendida a mencionada máquina.

Ora, resulta fora de qualquer dúvida de tais meios probatórios e dos depoimentos do demandante G...e da testemunha P...:

- que no referido armazém foram apreendidos aos mencionados arguidos bens pertencentes aos ofendidos G...e à firma Z ...;

- que estes os vieram a reconhecer, a última através da testemunha P...;

- que os bens pertencentes aos mencionados ofendidos encontravam-se na posse de tais arguidos contra a vontade dos respectivos donos.

Em matéria de apreciação da prova, o art.127º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Na expressão regras da experiência, incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, in obra citada, pág.127, citando F.Gômez de Liano, La Prueba en el Proceso Penal, 184). Como refere Euclides Dâmaso Simões, no seu artigo “Prova indiciária”, publicado na Revista Julgar,nº 2, 2007 «… a prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico…».

Como salienta Prieto Castro y Fernandiz e Gutierrez de Cabiedes, in Derecho Penal , II , pág. 252 “O indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere impunidade”.

Salienta também J.M Asencio Melado, in “Presunción de inocência y prueba indiciária”, 1992, autor citado por Euclides Dâmaso Simões, in obra citada, pág.205, “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu exponente máximo: a tortura.

Feitas estas considerações e conjugando os elementos objectivos incontroversos supra referidos com a ausência de qualquer explicação por parte dos arguidos para os mencionados bens se encontrarem na sua posse, não pode o tribunal, à luz das regras da experiência e da lógica, não obstante a ausência de prova directa, deixar de concluir no sentido de terem sido aqueles os autores dos crimes em apreço, já o mesmo não se passando em relação aos demais arguidos em face da inexistência de quaisquer elementos objectivos que apontassem nesse sentido, não obstante dois deles (os arguidos C... e E...) se encontrassem no interior do armazém aquando das mencionadas apreensões. Com efeito, contraria as regras da experiência e da lógica que alguém a quem é imputado o furto de determinados bens, comprovadamente encontrados na sua posse, quando confrontado judicialmente com essa imputação e não seja o autor do crime, se remeta ao silêncio sobre a detenção de tais bens omitindo qualquer explicação, tal como fez o arguido A..., ou não compareça na audiência de julgamento, comportamento adoptado pelo arguido B..., o qual foi julgado na ausência, nos termos do art. 333, nº2 do C.P.P.. E ainda que o arguido A..., presente na audiência de julgamento, não fosse obrigado a prestar declarações, pois que usou do direito ao silêncio, não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer – a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo (cfr. Ac. nº 524/97, do Tribunal Constitucional, in www.dgsi.pt). Em face de tudo o exposto, entendeu este tribunal colectivo dar como provado terem os mencionados arguidos A... e B... sido os autores dos furtos a que se reportam os pontos I e VIII da factualidade provada.

No que concerne à ausência de antecedentes criminais e às condenações sofridas por alguns deles, nos termos vertidos na factualidade provada, sopesou na convicção do tribunal o teor dos últimos C.R.C juntos aos autos.

No que concerne às condições pessoais de vida dos arguidos, nos seus aspectos familiares, profissionais e sociais, valorou o tribunal o teor dos relatórios sociais juntos aos autos no decurso da audiência, a respeito dos arguidos A...e C..., sendo que relativamente aos demais arguidos, na impossibilidade de realização dos mencionados relatórios sociais, sopesaram a respeito do arguido D... as suas próprias declarações, as quais não foram infirmadas por outros meios probatórios e quanto aos arguidos E... e B..., respectivamente, os elementos documentais juntos aos autos com o requerimento apresentado em 15/5 (contratos de trabalho e arrendamento) em conjugação com a informação remetida pela equipa do Baixo Vouga no passado dia 4 e o teor do requerimento apresentado pelo arguido B..., cujo respectivo teor também não foi posto em causa por outros meios probatórios.

Por último, no que respeita aos factos não provados, a convicção do tribunal resultou do facto de a prova produzida a tal respeito não ter permitido, nos termos já supra adiantados, concluir nesse sentido.

(…)”.

D) E dele consta a seguinte fundamentação quanto à medida das penas:

            “ (…).

Feito desta forma o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar-lhes.

Os dois crimes de furto qualificado imputados apenas aos arguidos A...e B... são punidos com pena de 2 a 8 anos de prisão. Já os demais crimes de furto em apreço imputados a todos os arguidos são punidos com pena de prisão até 5 anos ou com multa até 600 dias.

Dispõe o art. 40º, nº 1, do C. Penal, que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas, conforme estabelece o seu nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Prevenção e culpa são pois as balizas para a determinação da medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. E a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 214 e ss.).

A medida da pena será então dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente, com o limite inultrapassável da medida da culpa.

O critério de escolha e de substituição da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal. Quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que, verificados os respectivos pressupostos, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. São as finalidades de prevenção geral e de prevenção especial, e não as finalidades de compensação da culpa, que impõem a preferência, no caso concreto, pela pena não privativa da liberdade. A culpa, que no processo de determinação da pena, constitui como vimos, o limite inultrapassável do quantum daquela, nada tem a ver com o prévio problema da escolha da espécie de pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit. 331).

Como defende Adelino Robalo Cordeiro, in Jornadas de Direito Criminal, publicação do Centro de Estudos Judiciários, pág.237, “Determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou uma atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas.

No caso vertente, atenta a conduta dos arguidos na sua globalidade, cremos que apenas a pena de prisão se mostra suficiente para, de forma adequada, realizar as finalidades da punição, não obstante os arguidos B... e C... não terem antecedentes criminais e de à data dos factos não serem conhecidos antecedentes criminais aos arguidos D... e E....

Em face do exposto, opta-se pois pela pena de prisão em relação a todos os arguidos.

Chegados aqui, cumpre, antes de mais, decidir se os arguidos D... e E... deverão, ou não, beneficiar do regime especial para jovens previsto no Dec. Lei nº401/82 de 23 de Setembro, já que, conforme se alcança dos autos, o primeiro ainda contava com 16 anos e o segundo com 17 anos.

O progresso das Ciências Humanas - Psicologia, Sociologia, Antropologia, Criminologia, Pedagogia, etc. – no último século, com a tomada de consciência de carácter sócio-evolutivo da formação da personalidade humana, trouxe a valorização do peso da história pessoal e das características do grupo, onde o delinquente nasceu e se desenvolveu, como dados a ter em conta para entender a sua conduta delituosa e para encontrar a modo de agir pedagógico adequado, visando a sua reinserção social.

Como é sabido, subjazem aos objectivos do regime especial dos jovens imputáveis constantes desse diploma relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal. Efectivamente, conforme resulta expressivamente do preâmbulo de tal diploma (Dec. Lei 401/82), esses objectivos traduzem-se no intuito de, sempre que possível e adequado às exigências concretas de prevenção especial e geral, se optar, relativamente aos jovens imputáveis, por medidas ou sanções que, tendo em conta o processo real de desenvolvimento do jovem, promovam a sua responsabilização e socialização ou ressocialização, sem os riscos evitáveis de efeitos de estigmatização e de marginalização (sempre empobrecedores para o indivíduo e a comunidade ) frequentemente ligados ás medidas institucionais, designadamente ás penas de prisão. Tudo em harmonia com os instrumentos e recomendações da ONU e do Conselho da Europa, os nossos valores e princípios constitucionais e os dados mais significativos da criminologia relativa à delinquência juvenil que inspira a filosofia do nosso sistema.

É que há muito que se vem acentuando a ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, o que vai também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, e entronca ainda na constatação de que a capacidade de ressocialização do homem mais facilmente se obtém quando ele se encontra no limiar da sua maturidade.

Vem sendo entendimento corrente que a atenuação especial resultante da aplicação de tal regime não é de aplicação automática, como se defende, entre muitos outros, nos Acs. do S.T.J. de 15.01.1997, in CJ – STJ – Tomo I, pag. 184, e de 12.01.2000, in CJ – STJ- Tomo II, pag. 164 e da Rel. de Coimbra, de 29.03.2000, in CJ, Tomo II, pag. 57. Aliás, como se refere no primeiro daqueles arestos, vem expressamente consignado no item 7 do preâmbulo de tal Dec. Lei que as medidas ali propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos.

É assim indispensável que se estabeleça positivamente que há razões sérias para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, sem prejuízo da necessidade de prevenção geral.

Impõe-se pois que se formule um juízo optimista sobre a personalidade do arguido, a ponto de se poder afirmar, com alto grau de probabilidade, que o abrandamento da pena contribuirá para a adaptação social do condenado.

Desde logo é de ponderar que o regime especial aqui considerado “ foi pensado tendo em vista uma realidade que tem um campo de aplicação nas situações em que o cometimento do crime constitui um episódio isolado na vida do jovem. “… no conflito concreto entre exigências de prevenção geral e especial e em caso de absoluta incompatibilidade, como é o caso, as exigências (mínimas) de prevenção geral, funcionam como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável no quadro do art.70º do C. Penal e regime penal especial para jovens… A sociedade tolera uma certa “perda” de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se v.g com a aplicação do regime de jovens, mas, quando essa aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a aplicação do regime penal especial para jovens cedem, devendo aplicar-se a pena de prisão (Anabela Rodrigues, in Critério de Escolha de Penas de Substituição no Código Penal, 1988, pág.22 e 231).

Resulta dominantemente sufragado pela jurisprudência superior “ não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no art.4º, do D.L. 401/82, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. Havendo que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes” (Ac. do S.T.J. de 19/12/2002, em que foi Relator, Simas Santos), in www.dgsi.pt).

Feitas estas considerações vejamos então se os mencionados arguidos deverão ou não beneficiar da aplicabilidade do regime em apreciação.

No que se refere ao arguido D... cremos que nada obsta a que se aplique o regime em apreço, tendo em conta que a única condenação entretanto sofrida se prendeu com a prática de um crime de condução sem habilitação legal. Assim sendo, tendo ainda em conta a natureza e modo de execução dos crimes em apreço, cremos existirem razões para crer que da mencionada atenuação resultem vantagens para a sua reinserção social, nada obstando assim à aplicação do mencionado regime.

Consequentemente, cada um dos ilícitos que lhe vem imputado passará a ser punido com pena de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão (arts. 73º,nº1, als. a) e b) do C.Penal e 4º, do D.L. citado).

Já relativamente ao arguido E..., não obstante a sua idade e a ausência de antecedentes criminais à data dos factos, é entendimento deste tribunal que, no caso dos autos, não se detectam razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do mencionado arguido, sendo certo que o mesmo já sofreu, entretanto, outras condenações, designadamente pela prática de crimes de furto qualificado e furto de uso de veículo. Como se refere no Ac. do S.T.J. de 29/4/2009, in www.dgsi.pt, “A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais que, objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização”.

Chegados aqui cumpre agora determinar a pena concreta a aplicar aos arguidos pela prática de cada um dos ilícitos em apreço, dentro das molduras abstractas já adiantadas.

Na determinação da medida da pena há pois que ter em conta a moldura penal abstracta aplicável ao caso, bem como os critérios constantes dos arts. 71º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal, isto é, há que atender à culpa do agente e exigências de prevenção e ainda às circunstâncias do caso que deponham a favor ou contra ele, designadamente o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e gravidade das consequências, a intensidade do dolo, os motivos determinantes do crime e a conduta anterior e posterior ao facto.

Os arguidos actuaram com dolo directo, em todas as condutas que lhe são imputadas, correspondente aquilo que grosso modo se designa por intenção criminosa, em que o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso, dolo esse que foi intenso.

Quanto à ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, considera-se a mesma de grau mediano no que respeita aos crimes a que se reportam os pontos II a VII da factualidade provada, atenta a natureza e valor dos objectos subtraídos, e de grau elevado no que concerne aos demais (apenas imputados aos arguidos A...e B...), atenta a natureza dos bens subtraídos.

O modo de execução dos crimes mostrou-se censurável, revelador de um plano concertado entre os arguidos, os quais procuraram a noite para melhor concretizarem os seus intentos.

Em desfavor de todos os arguidos importa salientar a ausência de qualquer ressarcimento das pessoas prejudicadas pelas suas actuações descritas na factualidade provada.

De salientar ainda que à excepção da máquina retroescavadora e do reboque nenhum outro objecto furtado foi recuperado.

Acresce ainda que tal recuperação não surgiu de um modo espontâneo por banda dos arguidos A...e B..., mas antes na sequência das diligências de inquérito levadas a cabo pela autoridade policial, para além de que aquando da respectiva apreensão tais objectos apresentavam-se danificados.

As exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de reafirmar a validade da norma violada aos olhos da comunidade são acentuadas, atento o alarme social que lhes anda associado, pois que estamos perante um tipo de criminalidade que mina o sentimento de segurança dos cidadãos em geral, impondo-se, pois, reforçar a validade das normas violadas e recriar a confiança da comunidade nelas, num tempo e área geográfica que nos últimos tempos tem sido particularmente fustigada por casos congéneres e que dá conta a experiência quotidiana do tribunal. Os furtos em residências, em estabelecimentos, nas ruas, à porta das escolas sucedem-se a um ritmo preocupante e tem vindo a alastrar-se neste contexto de crise, constatação que, aliás, se compagina com as estatísticas que vêm sendo publicadas.

Contra os arguidos A...e E... importa ponderar as condenações já sofridas, algumas delas pela prática do tipo de crime em apreço, ainda que o último fosse primário à data dos factos.

Ainda em desfavor de todos os arguidos haverá que ponderar a ausência de qualquer assomo de arrependimento, evidenciando que os mesmos não interiorizaram o carácter reprovável das suas condutas. Efectivamente, o arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir – neste sentido, Ac. do S.T.J de 24/11/1993. Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime – Ac. do S.T.J de 15/5/2002.

A favor dos arguidos B... e C... milita o facto de serem delinquentes primários.

Já quanto aos arguidos D... e E..., não obstante a ausência de antecedentes criminais à data dos factos, cremos, porém, não poder extrair-se da mesma a inexistência de propensão para o crime, tendo em conta a idade dos mesmos à data dos factos.

Já em relação ao arguido E...a sua juventude à data dos factos.

A favor de todos os arguidos importa ponderar as suas modestas condições pessoais e o facto de se encontrarem familiar e socialmente integrados.

Num juízo de ponderação sobre a culpa, como medida da pena, segundo a teoria da margem da liberdade, e atentas as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no art.71º, mostra-se adequado aplicar as seguintes penas parcelares:

Ao arguido A...:

- 2 anos de prisão por cada um dos seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts.203º e 204º,nº1,al.f), ambos do C.Penal (pontos II a VII da factualidade provada);

- 3 anos de prisão, pela prática de cada um dos dois crimes de furto qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 203º e 204º,nº2, a), ambos do C.Penal, este por referência ao art.202º,al.b), do mesmo diploma (pontos I e VIII da factualidade provada).

Ao arguido B...:

- 22 meses de prisão por cada um dos seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts.203ºe 204º,nº1,al.f), ambos do C.Penal (pontos II a VII da factualidade provada);

- 2 anos e 8 meses de prisão, pela prática de cada um os dos dois crimes de furto qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 203º e 204º,nº2, a), ambos do C.Penal, este por referência ao art.202º,al.b), do mesmo diploma (pontos I e VIII da factualidade provada).

Ao arguido C...:

- 22 meses de prisão por cada um dos seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts.203ºe 204º,nº1,al.f), ambos do C.Penal (pontos II a VII da factualidade provada).

Ao arguido D...:

 - 14 meses de prisão por cada um dos seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts.203ºe 204º,nº1,al.f), ambos do C.Penal (pontos II a VII da factualidade provada).

Ao arguido E...:

- 22 meses de prisão por cada um dos seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts.203ºe 204º,nº1,al.f), ambos do C.Penal (pontos II a VII da factualidade provada).

Considerando a pluralidade de crimes cometidos pelos arguidos, aos quais se reportam as

penas de prisão parcelares acabadas de decidir, impõe-se efectuar o cúmulo jurídico de tais penas, nos termos do art.77º,nºs1 e 2 do C.Penal, dentro das seguintes molduras penais abstractas:

- 3 a 18 anos no que concerne ao arguido A...;

- 2 anos e 8 meses a 16 anos e 4 meses no que respeita ao arguido B...;

- 1 ano e 10 meses a 11 anos de prisão no que concerne aos arguidos C... e E....

- 1 ano e 2 meses a 7 anos de prisão, no que respeita ao arguido D....

Para tanto, há que ponderar o binómio factos – personalidade dos arguidos. Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime,1993, pág.290/292, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais da culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.72º,nº1 (actual art.71º,nº1), um critério especial : o do art.77º,nº1,2ª parte. Explicita o autor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factores concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal do conjunta”. E acrescenta que “ de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de

socialização”).

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso (neste sentido, o acórdão do S.T.J. de 9/1/2008, CJ.STJ2008,Tomo I, pág.181).

Na fixação da pena única o tribunal tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da pena do concurso. A sua fixação – tal como resulta da lei – não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto de factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado (Figueiredo Dias, supra citado).

A respeito dos factos importa considerar a pluralidade dos mesmos e a identidade do bem jurídico violado (património).

Estão em causa oito crimes de furto qualificado no que respeita aos arguidos A... e B... e seis crimes no que concerne aos demais arguidos. Ainda sobre os factos há que salientar que na sua globalidade assumiram gravidade, atento o seu modo de execução e as suas consequências, mais concretamente quanto aos prejuízos causados.

Igualmente a respeito dos factos, e para além do já supra referido, importará considerar que no caso dos dois primeiros arguidos foram cometidos num período temporal de um mês e no caso dos demais numa única noite.

Por outro lado, quanto à personalidade dos arguidos, valem as considerações já tecidas, desde logo, por um lado, a ausência de qualquer condenação por parte dos arguidos B... e C..., a existência de uma única condenação por parte do arguido D... por um crime de condução sem habilitação legal e as condenações já sofridas pelos arguidos A...e E..., pese embora este último fosse primário à data dos factos, o que associado ao tipo de delitos objecto dos presentes autos evidencia uma personalidade a carecer de socialização.

Denota assim o mencionado arguido A..., como já atrás se referiu, uma personalidade refractária a uma convivência social de acordo com as regras do direito, tornando, por isso, prementes as exigências de prevenção especial.

De salientar que não obstante o conjunto dos factos praticados demande fortes razões de prevenção, a nível geral e especial, a verdade é que a pena única a encontrar com referência ao conjunto de tais factos não poderá igualmente comprometer, de forma irremediável, a reinserção social dos arguidos.

Assim, tudo ponderado, em face do conjunto dos factos praticados pelos arguidos e da sua personalidade, reputa-se equilibrado, em cúmulo jurídico, condenar os mesmos nas seguintes penas únicas:

O arguido A...: na pena única de 7 anos de prisão.

O arguido B...: na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

O arguido C... e E...: na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

O arguido D...: na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.

No que ao aspecto criminal concerne, uma questão há, ainda, que equacionar. Questão essa que se prende com a possibilidade de se poder fazer ou não um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento dos arguidos C..., D... e E..., no sentido de que a ameaça da pena de prisão seja ou não adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição relativamente aos mesmos.

De acordo com o disposto no art. 50º, nº1 do C.Penal “o tribunal suspende a execução da prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, nos termos do nº2 do mesmo art. “ o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de provas”.

Ora, a suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.

A finalidade político-criminal que a lei visa com este instituto é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, estando aqui em causa uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime”, pág.343).

Estamos assim diante de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, que terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão - medida de conteúdo reeducativo e pedagógico - sempre que concorram os mencionados requisitos.

Nesta matéria de opção por uma pena de prisão efectiva ou suspensa na sua execução são tomadas em conta apenas as exigências de prevenção geral e especial, pois que o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do arguido.

De acordo com o preceito legal citado a suspensão da execução da pena apenas pode subsistir se feita uma análise em concreto sobre a esperança fundada e séria que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente seja de duvidar dessa capacidade.

Para este efeito, é necessário que se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

Tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.

Como diz o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, § 521, “o que aqui está em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco — digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade.” Contudo, “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime»” dado que há que levar em conta “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, pois “só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” (ob. cit. § 520), ou seja, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2008, in www.dgsi.com, “importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.”

Para tal, importa apurar se a substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da pena se continua a justificar do ponto de vista da possível socialização em liberdade do arguido e se a ela se não opõem exigências mínimas de prevenção geral, tudo nos termos do disposto no art.50º,nº1 do C.Penal.

Adiantando, desde já, a nossa conclusão, afigura-se-nos que, no caso vertente, ainda é possível fazer o tal juízo de prognose relativamente aos mencionados arguidos. Com efeito, atendendo, por um lado, às circunstâncias em que ocorreram os crimes pelos quais respondem, a que tais arguidos eram primários à data dos factos e, por outro, à sua integração familiar, a que acresce, em relação ao arguido E..., a sua integração profissional, estamos convictos de que é possível fazer um juízo de prognose favorável, baseados na ideia nuclear do instituto que é a prevenção do crime por meio da reinserção social do delinquente sem recurso a uma pena de carácter institucional.

Em face de tudo o exposto, decide-se suspender na sua execução as penas de prisão aplicadas aos mencionados arguidos por igual período, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sujeitando-se, porém, as mencionadas suspensões ao regime de prova, nos termos do disposto no art. 53º,nº3 do C.Penal, atenta a medida das respectivas penas e a idade dos arguidos D... e E... à data dos factos (inferior a 21 anos) assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.

            (…)”


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            Questão prévia

            No Dispositivo do acórdão recorrido lê-se, além do mais, que todos os arguidos são condenados pela prática, em co-autoria, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, f), do C. Penal – pontos II a VII dos factos provados).

            No enquadramento jurídico-penal feito destes factos no acórdão, lê-se a fls. 874 a 875, que as garrafas de gás subtraídas se encontravam armazenadas nos respectivos contentores metálicos, fechados com cadeados, que os arguidos tiveram que cortar, para efectivarem as subtracções, e daí que tenham praticado cada um seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal.

            Confrontando o teor das alíneas e) e f), do nº 1, do art. 204º do C. Penal, fácil é concluir que, encontrando-se as garrafas de gás acondicionadas em contentores fechados com cadeados, contentores que se encontravam colocados na via pública, a qualificativa preenchida é a da alínea e) [coisa fechada em receptáculo equipado com dispositivo especialmente destinado à sua segurança].     

            Trata-se de ostensivo o lapso de escrita, cuja correcção não importa modificação essencial do decidido.

           

Assim, e nos termos do disposto no art. 380º, nºs 1, b) e 2, do C. Processo Penal, procede-se à correcção do apontado lapso e, em consequência, onde no Dispositivo do acórdão recorrido se lê, «(…) seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. f), ambos do C. Penal (pontos II a VII da factualidade provada) (…)», deverá ler-se, «(…) seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. e), ambos do C. Penal (pontos II a VII da factualidade provada) (…)». 

Consigna-se que no Relatório do presente recurso foi já feita a adequação do que aí consta à rectificação determinada.


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A) Recurso do arguido B...

Da reconstituição do facto que contém declarações de arguido, da violação do art. 355º do C. Processo Penal e da inconstitucionalidade da valoração probatória da reconstituição do facto não corroborada por outros meios de prova

1. Alega o recorrente que tendo sido condenado pela prática de oito crimes de furto qualificado, o tribunal a quo fundou a sua convicção quanto aos factos provados no auto de reconstituição do facto de fls. 195 a 220, onde colaborou o arguido C..., do qual extraiu a participação de todos os arguidos nos furtos e que, continua, face ao disposto no art. 150º do C. Processo Penal, do contexto, da finalidade, da forma e do resultado da diligência efectuada, não se pode considerar ter sido feita uma reconstituição do facto mas apenas uma visita guiada daquele referido arguido aos locais dos crimes com declarações ilustradas do mesmo pelo que, conclui, traduzindo-se a reconstituição efectuada em declarações de arguido, não podiam estas ter sido valoradas por não se verificar qualquer das situações previstas no art. 357º do C. Processo Penal, e não se mostrar a reconstituição corroborada por outros meios de prova, vindo a ser valoradas provas não produzidas em audiência, ao arrepio do disposto no art. 355º do mesmo código, tornando tais valorações ilegais e inconstitucionais.

São pois, várias as questões suscitadas pelo recorrente, que se passam a analisar individualmente.

1.1. O art. 355º, nº 1, do C. Processo Penal, consagrando o princípio da imediação, dispõe que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito e formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência

Este princípio processual, na lição do Prof. Figueiredo Dias, traduz-se na relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão (Direito Processual Penal, 1ª Edição, Reimpressão, pág. 232). Por outras palavras, a lei pretende que a convicção do julgador seja essencialmente alcançada através das provas directamente produzidas perante si em julgamento e devidamente contraditadas.

Não é, porém, um princípio absoluto, prevendo a lei, no nº 2 do art. 355º do C. Processo Penal, excepções, ressalvando as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos arts. 356º e 357º, do mesmo código. Este último artigo permite a leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente feitas pelo arguido, desde que este o solicite [nº 1, a)] ou, quando tendo sido feitas perante um juiz, existam contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas na audiência [nº 1, b)] o que pressupõe que o arguido não tenha, na audiência, exercido o direito ao silêncio [exercendo tal direito, não podem, logicamente, existir contradições ou discrepâncias].

Mas é maioritariamente entendido que no nº 1 do art. 355º do C. Processo Penal se não inclui a prova documental bem como os autos que corporizam os meios de prova e de obtenção de prova – designadamente os autos de reconhecimento de pessoas, de reconstituição do facto, os autos de exame, os autos de revista, os autos de busca, os autos de apreensão e os autos relativos a escutas telefónicas – porque, sendo o inquérito conhecido da defesa pode esta, se assim o entender, contrariar atempadamente o valor probatório, quer dos documentos, quer daqueles autos, assegurando por esta via e de forma eficaz o contraditório (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, pág. 873 e ss., e Acs. do TC nº 87/99, proc. nº 444/98, 1ª secção, em http://www.tribunalconstitucional.pt, e do STJ de 23/02/2005, CJ, S, XIII, I, 210). Assim, podem estes elementos de prova ser invocados na fundamentação da sentença ainda que não tenham sido formalmente examinados em audiência.

Aqui chegados, cumpre dizer que, como resulta das actas de fls. 771 a 777, 800 a 802, 839 a 842 e 900 a 901, na audiência de julgamento não foram lidas quaisquer declarações de arguido [nenhum dos arguidos presentes o requereu e os arguidos presentes exerceram o direito ao silêncio].

Porque é entendimento do recorrente que do auto de reconstituição do facto constam declarações do arguido C..., não tendo sido lidas em audiência, não poderiam as mesmas e, por maioria, a reconstituição do facto, fundamentar a convicção do tribunal.

Vejamos se assim é.

1.2. A reconstituição do facto é um meio de prova que se encontra autonomamente regulado – tal como sucede com os demais meios de prova legalmente admitidos no Livro III, Título II, do C. Processo Penal – no art. 150º deste código.

Há lugar a este meio de prova quando exista a necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, consistindo a reconstituição na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo (nº 1, do citado artigo). Portanto, quando se torne necessário para a investigação confirmar a forma como um determinado facto ocorreu, procede-se à sua repetição tentando nesta reproduzir as mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo em que se supõe que aquele ocorreu, com vista à validação probatória ou não, da descrição feita pelo sujeito ou interveniente processual que está na sua origem.

 

Na reprodução das circunstâncias em que, supostamente, ocorreu o facto, em que consiste a reconstituição, pode intervir qualquer sujeito ou interveniente processual. Não existe qualquer impedimento legal à intervenção de arguido nesta diligência de prova, exigindo-se apenas que a participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento da sua vontade.

Quando na reconstituição do facto participem sujeitos ou intervenientes processuais, v.g., arguido ou testemunha, os contributos individuais por estes prestados – informações, sugestões e declarações – não ganham autonomia transformando-se em declarações de arguido ou prova testemunhal, respectivamente. Pelo contrário, as contribuições individuais vão fundir-se com os demais instrumentos – v.g., fotografias, plantas, croquis – usados, dando o conjunto daí resultante origem a um meio de prova distinto e autónomo, a reconstituição do facto, a valorar em si mesmo, e não em função de cada um dos elementos que o compõem.

Porque as contribuições individuais do arguido na reconstituição do facto relevam apenas para este meio de prova e não passam a valer como declarações de arguido [enquanto meio de prova], não estão – tais contribuições individuais – cobertas pelo direito ao silêncio ou seja, pelo regime legal do direito à não auto-incriminação [nemo tenetur se detegere], como vem sendo entendimento uniforme do nosso mais Alto Tribunal (cfr. Acs. do STJ de 5 de Janeiro de 2005, proc. nº 04P3276, e 20 de Abril de 2006, proc. nº 06P363 e de 14 de Junho de 2006, proc. nº 1574/06-3, todos in www.dgsi.pt, e de 3 de Julho de 2008, proc. nº 824/08-5, in www.stj.pt). 

Na perspectiva do recorrente, o auto de fls. 195 a 220 não constitui, face ao disposto no art. 150º, º 1, do C. Processo Penal, uma reconstituição do facto, mas apenas o reconhecimento dos locais onde o arguido C... praticou atentados contra o património, retratando apenas uma visita guiada daquele arguido a esses locais, não se tendo sequer tentado demonstrar a forma como terá praticado tais factos e por isso, a diligência não vale como reconstituição do facto mas apenas como declarações de arguido. Não cremos que assim seja.

O auto em questão, com o título «Auto de reconstituição dos factos», começa pela solicitação ao arguido C... para que este repetisse e indicasse o modo como os furtos ocorreram, o que o arguido fez, referindo, em síntese: o início da acção, pelas 16h do dia 2 de Outubro de 2009, quando os co-arguidos B... e A..., tripulando uma carrinha de mercadorias, marca Iveco, de cor branca, o foram buscar à sua residência, tendo depois os três ido até Águeda, onde apanharam os co-arguidos E...e D..., após o que foram para Mortágua, deambulando pela localidade e concelho até que foram jantar a um restaurante em Gândara [estão fotograficamente documentadas e comentadas, o local onde o arguido C... entrou na viatura, onde os arguidos E...e D... entraram na viatura, e o estabelecimento onde todos jantaram, a fls. 198 a 200]; a deslocação, cerca das 23h30, para Tábua, onde furtaram bilhas de gás; a deslocação para ..., Santa Comba Dão, onde no posto de combustíveis S..., subtraíram bilhas de gás [está fotograficamente documentada a direcção seguida e o concreto local onde se encontravam os objectos, a fls. 201 e 202]; a deslocação para Carregal do Sal onde subtraíram uma bilha de gás de um estabelecimento comercial e onze bilhas de gás de outro estabelecimento comercial [está fotograficamente documentada a direcção seguida, os concretos locais onde se encontravam os objectos, e a direcção seguida na fuga, a fls. 204 a 208]; a deslocação para Santa Comba Dão onde subtraíram nove bilhas de gás do posto de combustíveis T... e cinco bilhas de gás de um estabelecimento comercial [estão fotograficamente documentados os concretos locais onde se encontravam os objectos, e a direcção seguida na fuga, a fls. 209 a 213]; a deslocação para Mortágua onde subtraíram doze bilhas de gás do posto de combustíveis U... e doze bilhas de gás do posto de combustíveis I... [estão fotograficamente documentados os concretos locais onde se encontravam os objectos, e a direcção seguida na fuga, a fls. 214 a 220]; a deslocação para Águeda os arguidos C..., E...e D... ficaram na área de serviço da U... enquanto os arguidos B... e A... se deslocaram a Aguada de Cima onde venderam os objectos subtraídos; a utilização de tesoura, ora pelo arguido A..., ora pelo arguido E..., para cortarem os loquetes que encerravam os expositores onde se encontravam as bilhas de gás, a condução da carrinha pelo arguido B... e a tapagem das matrículas da mesma nos postos de abastecimento da S..., da T... e da U..., em Mortágua, por aí existirem câmaras de vigilância.      

A reconstituição do facto que vimos referindo teve lugar na fase do inquérito pelo que o juízo sobre a necessidade desta diligência de prova era da exclusiva competência do Ministério Público [sem prejuízo de delegação no OPC]. Notar-se-á porém que este meio de prova pode revelar-se de grande valor em determinadas circunstâncias designadamente quando, seguindo-se a declarações confessórias produzidas no inquérito pelo arguido, este colabora na diligência, prevenindo, de algum modo, alterações de estratégia de defesa em audiência (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 3ª Edição, pág. 1030). 

Por outro lado, como decorre do que supra se deixou sintetizado, com a colaboração do arguido C... foi possível desenhar um quadro aproximado da sucessão dos factos, da sua localização e do modus operandi dos agentes. Podendo admitir-se que o auto de reconstituição do facto não é modelar, ele não deixa de conter o essencial do meio de prova em análise, permitindo apreender o modo como ocorreram os factos na versão descrita pelo arguido, e aferir da sua plausibilidade. Com efeito, estando em causa vulgares crimes de furto tendo por objecto garrafas de gás guardadas em contentores colocados na via pública, com retirada de agentes e bens do local por veículo automóvel, não vemos que outros elementos devessem constar do auto, tendo em consideração a versão dos factos objecto da reconstituição.

Assim, o auto de reconstituição do facto de fls. 195 a 220 observa o estabelecido no art. 150º, nº 1, do C. Processo Penal.

Do que antecede resulta que a participação do arguido C... no auto de reconstituição do facto de fls. 195 a 220 na parte em que descreve a forma como a subtracção das botijas de gás foi efectuada, em cada um dos locais onde ocorreu, e enumera os arguidos que em tais subtracções intervieram e a forma como actuaram, não tinha que ser lida, como não foi, na audiência de julgamento, para que o auto pudesse ser valorado pelo tribunal a quo no processo de formação da sua convicção.

Em primeiro lugar porque a reconstituição do facto é um meio de prova distinto e autónomo das declarações de arguido e com estas se não confunde e nelas não se converte quando um arguido nele participa, prestando informações, ainda que estas fiquem registadas no respectivo auto, o que, nesta concreta situação, subtrai a reconstituição do facto ao regime do art. 357º do C. Processo Penal. Em segundo lugar porque, constando o auto da reconstituição do facto do inquérito, podia a defesa, no exercício do contraditório, sindicar o seu valor probatório o que não fez pelo, ainda que não tenha sido lido aquele auto na audiência de julgamento, nenhum atropelo ao art. 355º do C. Processo Penal foi cometido.

1.3. Derradeira questão suscitada pelo recorrente é a de saber se, como pretende, a reconstituição do facto só poder ser valorada como prova quando corroborada por outras provas, sob pena de inconstitucionalidade. Aqui, o recorrente parte do entendimento de que a reconstituição do facto, quando incrimina um co-arguido, é equiparável às declarações de co-arguido, meio de prova este particularmente frágil que, por isso, exige a corroboração por outros meios de prova para que seja possível a condenação.     

Como atrás vimos, a contribuição individual de um arguido na reconstituição do facto, quando ocorra, é apenas um dos elementos que integra o conteúdo autónomo deste meio de prova, diluindo-se, com os demais elementos, no todo que conforma o seu objecto.

Não se traduzindo a reconstituição do facto em declarações de arguido, inexiste qualquer razão para a pretendida equiparação destes meios de prova relativamente à sua valoração probatória.

Por outro lado, a reconstituição do facto e as declarações de arguido, enquanto meios de prova, estão sujeitos ao princípio estabelecido no art. 127º do C. Processo Penal.

Não desconhecemos a doutrina que refere exige a corroboração das declarações de arguido que incriminam outro arguido, para a sua valoração probatória. Acontece que esta exigência não se encontra formulada no C. Processo Penal [contrariamente ao que sucede, por exemplo, na lei italiana, que prevê uma regra de valoração específica para as declarações de co-arguidos], o que significa que não existe uma proibição de valoração probatória das declarações de co-arguido não corroboradas, ainda que ninguém desconheça as especificidades das declarações de arguido enquanto meio de prova e o melindre da sua valoração.

Em todo o caso, corroboração não significa que tenha que ser feita prova, através de outros meios de prova, da veracidade das declarações do arguido, mas apenas que exista um princípio de prova, através de outras fontes probatórias, que torne plausíveis as declarações do arguido e razoável decidir com base nelas. Tudo se reduz portanto, a uma exigência acrescida de fundamentação.

Por último, não vemos que a não exigência da pretendida corroboração por outros meios de prova se traduza numa violação da Lei Fundamental violação que, aliás, o recorrente não concretiza.

1.4. Ainda assim, não deixaremos de referir que o tribunal colectivo, na exposição feita sobre o processo de formação da sua convicção deixou vincada a corroboração da reconstituição do facto por outros meios de prova que valorou. Com efeito, para além da prova testemunhal que tornou inquestionável a verificação dos furtos das botijas de gás e a forma como, objectivamente, foram executados – fractura dos elementos de segurança dos contentores onde se encontravam os objectos subtraídos – mas que, por si só, nada adianta quanto à autoria, na reconstituição do facto o arguido C... prestou a informação de que tinha sido utilizada uma viatura ligeira de mercadorias, branca, marca Iveco à qual, antes da entrada nos postos de abastecimento de combustíveis S... e T... em Santa Comba Dão e U... em Mortágua, foram tapadas as matrículas porque nesses locais havia câmaras de vigilância, e esta informação veio a ser confirmada pelos documentos fotográficos de fls. 248 a 249, 317 a 319 e 441. Uma vez que não apenas uma, mas três particulares circunstâncias de tempo e de lugar informadas pelo arguido vieram a ser corroboradas por outro meio de prova, a descrição do facto por aquele apresentada merece credibilidade e por isso, torna razoável decidir com base no reconhecimento do facto conjugado com os referidos meios de prova, todos valorados à luz do art. 127º do C. Processo Penal.

 

1.5. Em síntese conclusiva:

- A reconstituição do facto é um meio de prova distinto e autónomo das declarações de arguido e que com elas se não confunde mesmo quando nele participa um arguido que presta informações e/ou apresenta uma versão dos factos que ficam registadas no respectivo auto, pelo que, mesmo nesta concreta situação, a reconstituição do facto não está sujeita ao regime do art. 357º do C. Processo Penal;

- O C. Processo Penal não proíbe a valoração probatória das declarações de co-arguido não corroboradas por outros meios de prova, nem a ausência desta exigência se traduz numa violação da Constituição da República Portuguesa;

- O auto de reconstituição do facto constava do inquérito pelo que, tendo tido a defesa oportunidade de o contraditar, não viola o disposto no art. 355º, nº 1, do C. Processo Penal a sua valoração probatória pelo tribunal a quo, sem que o auto tenha sido lido na audiência de julgamento.


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            Da violação do in dubio pro reo

2. Alega o recorrente que as testemunhas J..., G..., F..., L..., J..., N..., O..., P... e Q..., ouvidas em audiência, perguntadas sobre se conheciam os arguidos, responderam todas negativamente como, aliás, o tribunal a quo reconheceu na fundamentação de facto, ao que acresce a circunstância de o recorrente ignorar que os bens subtraídos – máquina retroescavadora e galera – se encontravam no armazém por si arrendado bem como a razão de aí se encontrarem, pelo que, face à falta de provas – a falta de corroboração da reconstituição do facto, a ausência de prova testemunhal directa e a falta de confissão dos arguidos – só poderia ser absolvido, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo.  

Vejamos se assim é.

O in dubio pro reo decorre do princípio da presunção de inocência consagrado constitucionalmente, no art. 32º, nº 2, da Lei Fundamental, e dá resposta ao problema da dúvida sobre o facto – mas já não, sobre a aplicação do direito – impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.

Esta dúvida, cuja valoração compete apenas ao julgador, pressupõe que, produzida a prova, subsista a incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Escreve Cristina Líbano Monteiro, “O universo fáctico – de acordo com o «pro reo» – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.” (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53).   
O in dubio pro reo é assim um princípio de direito processual penal que, impondo-se directamente ao julgador, só pode ser actuado quando, produzidas as provas, na tarefa de alcançar a verdade material de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, tenha ficado na dúvida, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual. Portanto, quando a dúvida não existe no espírito do julgador, quando a sua convicção foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à sua aplicação.
A detecção de violação ao in dubio pro reo, em sede de recurso, passa pela sua notoriedade face aos termos da decisão isto é, tal violação tem que resultar do texto da decisão, dela deve extrair-se que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o deu como provado.

Não é nesta perspectiva, porém, que o recorrente coloca a questão mas antes, na da insuficiência da prova produzida face à decisão de facto proferida, que é coisa bem diferente e para a qual a lei do processo prevê formas de reacção, v.g. a impugnação ampla da matéria de facto, prevista no art. 412º do C. Processo Penal. E também em sede de impugnação ampla da matéria de facto deveria o recorrente ter introduzido a questão do seu agora alegado desconhecimento de que os bens subtraídos se encontravam no armazém que arrendou e da razão de aí se encontrarem, o que não fez [sendo certo que dos factos provados resulta tal conhecimento].

Por outro lado, percorrido o acórdão recorrido, nele não se detecta qualquer dúvida que tenha existido no espírito das Mmas. Juízas que integraram o tribunal colectivo quanto a qualquer dos factos que consideraram provados. Acresce que, face à motivação de facto que dele consta, também não detectamos qualquer situação determinativa de que nesse estado de dúvida devessem ter ficado.

Em conclusão, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo, e por via dela, o art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

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            Da continuação criminosa

            3. Alega o recorrente que, como resulta do acórdão, terá agido sempre de forma homogénea, utilizando o mesmo modus operandi, nos meses de Setembro e Outubro de 2009, sem que, contudo, tenha sido configurada uma só actuação, embora estejam verificados os pressupostos do crime continuado definidos no art. 30º, nº 2 do C. Penal.

            Sem razão, contudo.


3.1. Preenchendo a conduta do agente mais do que um tipo de crime ou o mesmo tipo de crime mais do que uma vez, existe concurso ou acumulação de infracções. O critério base para distinguir entre a unidade e a pluralidade de crimes é a possibilidade de subsunção de uma concreta relação da vida a um ou vários tipos legais de crimes (Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Reimpressão, pág. 201).
Nos casos em que a conduta do agente preenche uma pluralidade de tipos legais, pode acontecer que a aplicação de uma das normas exclua a aplicação das outras, em função das relações que entre elas se estabelecem – sejam de especialidade, de consumpção ou de subsidiariedade – e estaremos perante um concurso aparente de crimes precisamente porque, o que existe, é apenas um concurso de normas.
Mas também pode acontecer que as várias normas correspondentes aos vários tipos preenchidos devam ser concorrentemente aplicadas, e estaremos no campo do concurso efectivo de crimes que pode distinguir-se em concurso ideal – quando onde uma unidade de acção preenche vários tipos legais (heterogéneo) ou preenche várias vezes o mesmo tipo (homogéneo) – e concurso real – quando uma pluralidade de acções preenche vários tipos legais –, tendo, concurso ideal e concurso real, o mesmo tratamento legal (cfr. art. 30º, nº 1, do C. Penal).

Pode dizer-se que existe uma violação plúrima do mesmo tipo abstracto quando há uma pluralidade de resoluções, uma pluralidade de determinações de vontade de realização de um tipo, a que corresponde uma pluralidade de juízos de censura, sendo critério de aferição da existência da pluralidade de resoluções criminosas para o Prof. Eduardo Correia (ob. cit., pág. 202), o de considerar a forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente e que, de acordo com as regras da experiência, permite aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. Já o Prof. Figueiredo Dias refere a pluralidade de resoluções no sentido de nexos finais, de forma a manter o critério exclusivamente no campo do ilícito-típico (cfr. Direito Penal, Sumários das Lições, 1976, pág. 119).

O crime continuado constitui uma excepção ao concurso de crimes pois, pressupondo embora a ocorrência de várias condutas criminosas que, repetidamente, preenchem o mesmo tipo de ilícito ou preenchem tipos de ilícito que protegem o mesmo bem jurídico, e que por isso deveriam constituir uma pluralidade de crimes, razões de justiça e de economia processual conduziram a considerá-lo como um só crime.
O C. Penal prevê o crime continuado no art. 30º, nº 1, concebendo-o, no entanto e no seguimento da doutrina do Prof. Eduardo Correia (cfr. ob. cit., págs. 208 e ss.), com apertados contornos que esbatem o tratamento mais favorável que para o agente resultaria do afastamento das regras do concurso efectivo.

São pressupostos do crime continuado:
- A existência de uma pluralidade de condutas presididas por uma pluralidade de resoluções, preenchedoras do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que, fundamentalmente, protegem o mesmo bem jurídico;
- A homogeneidade de execução dessas condutas;
- A existência de uma situação exterior ao agente que, facilitando a repetição da conduta, diminui consideravelmente a sua culpa (menor exigibilidade de comportamento conforme ao direito).  
Embora não resulte expressamente da lei, é também pressuposto da continuação criminosa a unidade do dolo, o dolo continuado onde a nova resolução renova a anterior, de forma que todas elas seguem uma linha uma linha psicológica continuada (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 127.

3.2. O recorrente foi condenado pela prática de seis crimes de furto qualificado tendo por objecto botijas de gás guardadas em contentores fechados, colocados na via pública, e pela prática de dois crimes de furto qualificado tendo por objecto uma máquina retroescavadora e uma galera, respectivamente.
Os seis crimes de furto tendo por objecto botijas de gás foram levados a efeito na noite de 3 de Outubro de 2009, em localidades próximas umas das outras, através do corte dos cadeados que trancavam os contentores onde se encontravam as botijas. Existe pois proximidade temporal nas seis resoluções criminosas e homogeneidade de execução. Mas já o mesmo não acontece relativamente ao furto da máquina retroescavadora, ocorrido na noite de 3 de Setembro de 2009 e ao furto da galera, ocorrido na noite de 13 para 14 de Setembro de 2009, pois aqui apenas existe proximidade no que respeita às localidades onde foram cometidos.
Assim, se é certo que nas oito distintas condutas foi sempre violada a mesma norma – de base – e portanto, o mesmo bem jurídico, já só existe homogeneidade na execução relativamente a seis das condutas.
Por outro lado, para além de existirem oito distintos ofendidos, não se encontra provada qualquer factualidade – nem o recorrente especifica qual possa ser ela – reveladora da existência do quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. A falta deste pressuposto da continuação criminosa, é quanto basta para concluir que as apuradas condutas do recorrente não podem ser qualificadas como crime continuado.

Em conclusão, não se verificam todos os pressupostos do crime continuado, previstos no art. 30º, nº 2, do C. Penal.

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            Da excessiva medida da pena de prisão e da suspensão da respectiva execução

4. Alega o recorrente que na determinação das penas, parcelares e única, aplicadas pela 1ª instância não foi valorada a inexistência de antecedentes criminais nem foi considerada a sua situação de trabalhador emigrante e a sua situação familiar pelo que, não sendo elevadas as necessidades de prevenção especial, são tais penas excessivas e desproporcionais, impondo-se a sua fixação em medida mais próxima dos limites mínimos.
Vejamos.

            4.1. É sabido que prevenção – geral [protecção de bens jurídicos] e especial [reintegração social do agente] – e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto, e a culpa, focada na pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 214 e ss.). Assim, a pena concreta resulta da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] –, temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização], e respeitado sempre o limite inultrapassável da medida da culpa.

Em síntese e nas palavras do Mestre citado, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 81). 

O critério de escolha da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal. Quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

           

Escolhida a pena, há que fixar a sua medida concreta. A moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena. Tendo em conta estes limites, a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras circunstâncias, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).


4.2. Enunciados os critérios para a aplicação e determinação da medida da pena, cumpre verificar se foram ou não observados na fixação das penas parcelares aplicadas.

            O recorrente foi condenado pela prática de cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de vinte e dois meses de prisão, e pela prática de cada um de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do mesmo código, na pena de dois anos e oito meses de prisão.

O crime de furto qualificado, previsto pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

Aqui, o tribunal a quo optou, e bem, pela aplicação de pena privativa da liberdade. Com efeito, a acumulação de infracções e a ausência de sinais de ter o recorrente assumido a sua culpa e interiorizado o desvalor das suas condutas, fazendo notar as necessidades de prevenção, dão plena justificação à opção feita.

Os crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, foram praticados na madrugada do dia 10 de Outubro de 2009, em locais relativamente próximos uns dos outros – Carregal do Sal, Santa Comba Dão e Mortágua – e com utilização dos mesmos meios, designadamente, da mesma viatura automóvel, onde todos os co-arguidos se faziam transportar. Foram cometidos sucessivamente, e todos tiveram por objecto a subtracção de garrafas de gás, com valores entre € 170,50 e € 384,05 [note-se que no acórdão recorrido, apenas quanto a estes crimes foi ponderado o valor dos bens subtraídos para o efeito de que cuidamos]. Já os crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do C. Penal comungam apenas a circunstância de terem sido praticados de noite.

Assim, relativamente a todos os crimes não é de desprezar o grau de ilicitude do facto nem a gravidade das suas consequências [como se lê no acórdão, as botijas de gás não foram recuperadas, embora os seus valores não sejam significativos, e a máquina retroescavadora e galera foram apreendidas com danos]. É elevada a intensidade do dolo, reveladora de grande energia criminosa.

São prementes as necessidades de prevenção geral, dada a frequência da prática deste tipo de ilícito, e começam a fazer-se notar as necessidades de prevenção especial pois que o recorrente, não tendo antecedentes criminais e encontrando-se socialmente inserido, desenvolvendo uma actividade profissional na Suíça, não manifestou qualquer comportamento revelador da interiorização do desvalor da sua conduta.

Desta forma, tendo em conta a natureza dos crimes em questão, e relevando o valor de cada furto relativo a botijas de gás, a recuperação da máquina e da galera, ainda que com danos, e a inexistência de antecedentes criminais, entendemos que a censura a exercer sobre o arguido comporta um abrandamento, julgando-se mais adequadas à medida da sua culpa, a pena de um ano de prisão por cada um dos seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, e a pena de dois anos e quatro meses de prisão por cada um de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do mesmo código.

4.3. Ao recorrente foi aplicada, em cúmulo das penas parcelares, a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

No que respeita à pena única, rege o art. 77º, do C. Penal que dispõe:

1– Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.”. 

2– A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes

(…).”.

Começando pela determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso, temos a considerar seis crimes de furto qualificado, e a pena de um ano de prisão por cada um, e dois crimes de furto qualificado, e a pena de dois anos e quatro meses de prisão por cada um pelo que, a moldura abstracta a considerar para a fixação da pena única é a dois anos e quatro meses a dez anos e oito meses de prisão.

            Resulta do nº 1 do art. 77º do C. Penal que o elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única, é a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de se determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, estamos apenas perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota o Prof. Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo de perto (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)

É claro que as repetidas condutas criminosas do recorrente, tendo por objecto as botijas de gás, obedecem a um mesmo padrão de actuação. Por outro lado, a acumulação de infracções da mesma natureza, ainda que num período de tempo limitado – cerca de dois meses – e a ausência de interiorização da culpa, mesmo não existindo antecedentes criminais e estando o recorrente a trabalhar e portanto, inserido socialmente, apontam para uma personalidade com pouca sensibilidade para a manutenção dos valores sociais tutelados pelas normas violadas, mas o quadro geral assim desenhado não permite concluir pelo começo de uma verdadeira carreira criminosa, razão pela qual a acumulação de crimes não deve funcionar como elemento agravante da pena conjunta.

 

Assim, estando apenas em causa apenas crimes contra o património, fixa-se a pena única em 4 anos e 9 meses de prisão.

5. No pressuposto de um abrandamento na concreta censura penal exercida pela 1ª instância por via do presente recurso, pretende o recorrente que as necessidades de prevenção, tendo em conta a circunstância de ter já iniciado o seu processo de ressocialização, trabalhando fora da área de influência dos demais arguidos, permitem ainda a suspensão da execução da pena única de prisão.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio por ter carácter não institucional – o seu cumprimento é feito extramuros – e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão.

Tem como pressuposto formal que a medida da pena aplicada ao agente não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal). E tem como pressuposto material a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

O objectivo de política criminal visado por este instituto é, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 343). 

            Já sabemos que as finalidades da pena são a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal). Fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição). Mas os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. Ensina o Prof. Figueiredo Dias, quanto a este aspecto que a prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (ob. cit., 333).

O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento da suspensão da execução da pena de prisão, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – as condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois que a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Por isso, quando tenha dúvidas sérias sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa (cfr. Cons. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, pág. 444). Se o julgador duvida séria e fundadamente, da capacidade do agente para não repetir a prática de crimes se deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 344).

Revertendo para o caso concreto, atenta a pena única supra fixada, está verificado o pressuposto formal do instituto.

Relativamente ao pressuposto material, a personalidade revelada pelo arguido, face à repetição de condutas e ausência de assunção da culpa, não é seguramente um certificado para a prevenção da sua reincidência. No entanto, o recorrente não tem antecedentes criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, e encontra-se a trabalhar fora do país, o que aponta para um esforço de reinserção e acautela, de alguma forma, a tentação de repetição de condutas.

Admite-se pois que ainda seja possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao recorrente, no sentido de que a substituição da pena de prisão, conjugada com a imposição de deveres, bastarão para o afastar da prática de novos crimes e realiza de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção.

Desta forma, e nos termos das disposições conjugadas dos arts. 50º, nºs 1, 2 e 5 e 51º, nº 1 e sua alínea a), do C. Penal, deve a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão ser suspensa na respectiva execução por idêntico período, mediante o cumprimento dos seguintes deveres:

- Pagamento ao ofendido F... da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 322 e juros de mora] no prazo de quatro meses a contar do trânsito [sem prejuízo de o ofendido poder exercer o seu direito pela via executiva];     

 - Pagamento à ofendida H..., Lda., da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 372 e juros de mora] no prazo de quatro meses a contar do trânsito [sem prejuízo de a ofendida poder exercer o seu direito pela via executiva]; 

- Pagamento à ofendida I..., Lda., da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 192,60 e juros de mora] no prazo de quatro meses a contar do trânsito [sem prejuízo de a ofendida poder exercer o seu direito pela via executiva]; 

- Pagamento ao ofendido G... da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 6.240] no prazo de dois anos e seis meses a contar do trânsito, devendo no prazo de um ano ser paga a quantia de € 2.500 [sem prejuízo de o ofendido poder exercer o seu direito pela via executiva]. 


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 B) Recurso do arguido A...


            Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação

            6. Alega o recorrente não ter o tribunal a quo explicado a razão de alguns dos factos imputados figurarem, uns como por si praticados em co-autoria com um co-arguido e outros como por si praticados em co-autoria com esse mesmo co-arguido e ainda com outros co-arguidos, sendo certo que existiria sempre desfasamento e desencontro entre as horas em causa e a sua sequência, o que é demonstrativo da falta de prova e fundamento de nulidade.

Para além da insuficiência de fundamentação parece que o recorrente aqui invoca também, como causa da apontada nulidade, o erro na apreciação da prova. Porém, aqui, cuidaremos apenas da nulidade do acórdão por falta de fundamentação, sendo a causa sobrante adiante tratada.

            6.1. O dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração no art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e reflecte-se, no processo penal, nos arts. 97º, 194º e 374º, do C. Processo Penal.

O princípio geral está previsto no nº 5 do art. 97º citado, que dispõe que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão

O art. 194º, nº 5 rege para o despacho que aplica medida de coacção ou de garantia patrimonial.

Especificamente para a sentença dispõe o art. 374º, nº 2:

Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

Atentemos neste último preceito que é o que releva para a questão em análise.

A fundamentação da sentença integra dois segmentos:

- A enumeração dos factos provados e não provados; e,

- A exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, que inclui a indicação e o exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

A enumeração dos factos provados e dos factos não provados é a narração metódica dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base, os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda os factos provados que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa. É ela que permite verificar se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.

A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve, de modo completo e conciso, conter a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros. A exposição dos motivos de direito consiste, brevitatis causa, na determinação do direito aplicável aos factos e na sua aplicação ao caso concreto. 

Temos assim que a fundamentação é uma exigência de transparência da sentença que proporciona o auto-controlo de quem a proferiu, permite aos destinatários directos e a comunidade, compreender os juízos de valor e de apreciação nela levados a cabo, e abre a via de controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, quanto à validade da prova e à impugnação da matéria de facto.

Para finalizar, uma referência breve ao regime especial de nulidades da sentença, previsto no art. 379º, do C. Processo Penal.

Nos termos deste preceito, a sentença é nula quando não contenha as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º, o que vale dizer que é nula, além do mais, quando falte a fundamentação.

A sentença é também nula quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos arts. 358º e 359º, e quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – omissão de pronúncia – ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – excesso de pronúncia.

6.2. O acórdão recorrido contém, inequivocamente, a enumeração dos factos provados e não provados. É certo que das concretas oito distintas condutas típicas que constam dos factos provados, apenas relativamente à primeira o tribunal colectivo logrou apurar a hora em que ocorreu. A impossibilidade, quanto às demais, de apuramento da hora em que foram os factos praticados não se traduz numa falta ou insuficiência de fundamentação, sendo até uma situação relativamente frequente, e que a lei expressamente prevê e admite, ao determinar, no art. 283º, nº 3, b), do C. Processo Penal, que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, além do mais, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da prática dos factos.

Por outro lado, estando provado que as condutas mencionadas nos pontos I e VIII dos factos provados foram praticadas, em co-autoria, pelo recorrente e pelo co-arguido B..., e que as condutas mencionadas nos pontos II a VII dos factos provados foram praticadas, por todos os arguidos, em co-autoria [ponto IX dos factos provados], o acórdão recorrido não deixou de explicar, na motivação de facto, a forma como formou a sua convicção quanto a estes concretos aspectos. Com efeito, pode aí ler-se que, quanto aos factos dos pontos II a VII relevou o auto de reconstituição de fls. 195 a 220 [em que teve intervenção o arguido C...], conjugado com os depoimentos dos ofendidos ou dos legais representantes das ofendidas [apenas quanto aos locais onde se encontravam os objectos subtraídos e a forma como foram concretizadas as subtracções] e dos documentos fotográficos de fls. 248 a 249, 317 a 319 e 441 [onde se vê um furgão branco, marca Iveco, nos postos de abastecimento de combustíveis U..., T... e S...], daqui tendo extraído a participação de todos os arguidos na respectiva prática, e que, quanto aos factos dos pontos I e VIII relevou a circunstância de a máquina e o reboque subtraídos terem sido apreendidos na posse do recorrente e do arguido B..., no interior de um armazém de que este era arrendatário conjugada com vários indícios colhidos na investigação e que determinaram a emissão do mandado de busca e a deslocação do OPC ao referido armazém.

O acórdão recorrido contém pois, a indicação dos meios de prova e a explicitação do processo lógico que conduziu o tribunal à decisão de facto, em particular, à decisão de facto relativa à co-autoria, e que permite a qualquer destinatário perceber a razão de assim ter sido decidido e não, de outra forma. Questão completamente distinta, que nada tem a ver com falta ou insuficiência de fundamentação, é a divergência designadamente, do recorrente, quanto à forma como o tribunal valorou os meios de prova e as conclusões que dela extraiu e, consequentemente, quanto à decisão da matéria de facto.

Em conclusão, o acórdão recorrido não padece da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal.


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            Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova



            7. Alega o recorrente ter sido condenado sem prova directa mas apenas com base em prova documental e pericial designadamente, na reconstituição do facto não confirmada em audiência pelo arguido que nela participou, o que constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro manifesto na apreciação da prova, e padecer ainda o acórdão recorrido de contradição insanável entre alguns dos factos provados e as conclusões que deles tirou, como sucedeu com a circunstância de, tendo admitido a inexistência de prova directa do facto, deu o mesmo como provado perante a ausência de explicação pelo recorrente, no exercício do direito ao silêncio, para os bens apreendidos se encontrarem em seu poder, quando esta situação deveria ter sido interpretada como uma receptação e não um furto.

           

Começaremos por dizer que os vícios do art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – são vícios da sentença e não do julgamento, razão pela qual todos têm que, nos termos da lei, resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo.

7.1. Existe insuficiência para a decisão da matéria de provada quando a factualidade provada que consta da sentença não permite, por exiguidade, a decisão de direito isto é, quando a conclusão [decisão de direito] ultrapassa as respectivas premissas [decisão de facto]. Dizendo de outra forma, ocorre o vício quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria de facto contida no objecto do processo relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág. 69).

Este vício não deve ser confundido com a frequentemente invocada situação de insuficiência da prova para a concreta decisão de facto proferida pois que, enquanto ali, a insuficiência se refere à matéria de facto provada, aqui refere-se aos meios de prova e portanto, a um momento logicamente anterior.

A argumentação do recorrente vai no sentido de que se verifica o vício porque não existiu prova directa dos factos dados como provados, pois as testemunhas ouvidas em audiência declararam nada terem visto, como o próprio acórdão reconhece, tendo-se o tribunal socorrido de jurisprudência e doutrina não unânimes para produzir uma condenação de preceito baseada em meros indícios.

Assim, o recorrente deslocou a questão do âmbito do vício para a centrar naquela outra perspectiva, a insuficiência, no caso, a inexistência de prova, para a decisão de facto proferida. Na verdade, atentando nos factos provados que constam do acórdão em crise, é indiscutível que eles preenchem todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime pelo qual, em acumulação de infracções, foi o recorrente condenado, não se descortinando qualquer matéria que devesse ter sido investigada e o não tenha sido, matéria que tão-pouco, o recorrente indica. O que acontece é que o recorrente discorda do decidido porque entende que a prova produzida, ou a falta dela e, sobretudo, a ausência de prova testemunhal – que qualifica de prova rainha – não permite que aqueles factos, preenchedores do tipo mencionado, tenham sido dados como provados.   

Em conclusão, o acórdão recorrido não padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a), do nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal.

7.2. Ocorre a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão na sua manifestação mais evidente, quando existe oposição na matéria de facto dada como provada [v.g., dão-se como provados dois factos que estão entre si, em oposição por se excluírem mutuamente], ou entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto]. Existe também o vício quando se verifica oposição na fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta que, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, seria outra a decisão de facto correcta], ou quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]. 

Quanto a este aspecto diz o recorrente que existe contradição insanável quanto aos factos provados porque se admitiu no acórdão prova directa dos factos para depois se fundar o juízo condenatório, na falta de explicação pelo recorrente de os bens apreendidos terem sido encontrados na sua posse, e não se concluir então, pela verificação de um crime de receptação e não, por crimes de furto. Também aqui não lhe assiste razão.

Do ponto I dos factos provados consta, em síntese, que o recorrente e o arguido B..., no dia 3 de Setembro de 2009, pelas 3h30, na zona industrial ..., ..., Santa Comba Dão, retiraram de um pavilhão uma máquina retroescavadora, com o valor de cerca de € 25.000, pertencente a G..., máquina que levaram consigo, fazendo-a sua. E do ponto VIII dos factos provados consta, em síntese, que os mesmos dois arguidos, na noite de 13 para 14 de Setembro de 2009, a hora não apurada, do parque de estacionamento do posto de combustíveis da «X...», situado na ..., Santa Comba Dão, retiraram uma galera com a matrícula GU-00257-R, pertencente à empresa « Z ...», com o valor de cerca de € 7.500, carregada com cerca de 22.500 kg de ferro, no valor de cerca de € 16.500, galera que levaram consigo, fazendo-a sua. Quer a máquina retroescavadora, quer a galera foram apreendidos na posse do recorrente e do arguido B..., no interior de um armazém de que este último era arrendatário, como resulta dos autos de apreensão de fls. 25 a 26, 31 a 32 e 115, e da cópia do contrato de arrendamento de fls. 63 a 65. São pois estes os factos a que se refere o recorrente, face às ditas apreensões.

Resulta da motivação de facto do acórdão que, relativamente às subtracções da máquina retroescavadora e da galera, a convicção do tribunal colectivo se formou com base nos depoimentos de G..., proprietário da máquina, e P..., empregado da empresa proprietária da galera, mas apenas quanto aos locais onde se encontravam estes bens, antes de subtraídos, quanto à forma como se aperceberam do seu desaparecimento e quanto aos respectivos valores, conjugados com aqueles autos de apreensão, tendo o tribunal colectivo tido o cuidado de referir que estas testemunhas – bem como, aliás, as demais, mesmo relativamente às demais subtracções dadas como provadas – nada souberam adiantar que ligasse os arguidos aos autores dos factos que constituíam o objecto do processo, depois de referir que os arguidos que compareceram na audiência de julgamento exerceram o direito ao silêncio.

Sendo certo, pela prova testemunhal e pela prova documental, que a máquina e a galera foram retiradas aos respectivos donos e contra a vontade destes, o tribunal colectivo considerou o recorrente e o co-arguido B... co-autores das respectivas subtracções porque os bens foram encontrados na posse de ambos, guardados num armazém de que o último é arrendatário. A este propósito escreveu o tribunal, «Com efeito, contraria as regras da experiência e da lógica que alguém a quem é imputado o furto de determinados bens, comprovadamente encontrados na sua posse, quando confrontado judicialmente com essa imputação e não seja o autor do crime, se remeta ao silêncio sobre a detenção de tais bens omitindo qualquer explicação, tal como o fez o arguido A..., ou não compareça na audiência de julgamento, comportamento adoptado pelo arguido B..., o qual foi julgado na ausência, nos termos do art. 333, nº 2 do C.P.P.». Ou seja, apesar de a formular na negativa, o tribunal colectivo recorreu a uma regra da experiência para concluir pela co-autoria do recorrente, regra que se traduz na conclusão de que é normalmente autor do furto quem tenha sido encontrado na posse da coisa subtraída. Esta prova de primeira aparência cede quando se indicie uma distinta justificação para a posse da coisa subtraída pelo agente, mas se apenas ele conhece a justificação, só ele a poderá trazer ao processo. Enquanto tal não suceder, a prova fundada na regra da experiência mantém a sua eficácia.

O recorrente, até porque exerceu o direito ao silêncio, não quis explicar a razão da sua posse relativamente aos bens subtraídos – fosse por os ter receptado [como parece agora pretender], fosse por os ter recebido a qualquer outro título [não necessariamente típico] – e portanto, não afastou aquela regra da experiência e, consequentemente, a prova da sua autoria relativamente aos furtos.

Em suma, face aos meios de prova e à regra da experiência que conjugou, ponderou e valorou, o tribunal colectivo considerou que o recorrente foi um dos co-autores da subtracção da máquina retroescavadora e da subtracção da galera, que fez suas, contra a vontade dos donos e, em consequência, qualificou os factos assim definidos como crimes de furto.

Não existe assim, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão pelo que o acórdão em crise não padece do vício previsto na alínea b), do nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal.

7.3. Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, pág. 74).

Os argumentos aduzidos pelo recorrente quanto a este aspecto são comuns aos invocados para a demonstração, não procedente, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou seja, a ausência de prova directa designadamente, testemunhal, da prática dos factos, tendo o tribunal a quo formado a sua convicção apoiado em juízos de valor e convicções pessoais de quem o integrou, e com recurso a jurisprudência e doutrina não unânimes quanto à valoração da reconstituição do facto em que interveio arguido que se remeteu ao silêncio na audiência.

Mas basta atentar no texto da decisão recorrida para concluir que não enferma do apontado vício pois não se vê que tenha sido violado um qualquer critério legal de prova ou que esta tenha sido valorada contra as regras da experiência comum.

É verdade que, relativamente a todos os crimes de furto pelos quais foi o recorrente condenado, o tribunal colectivo afirmou que as testemunhas, incluindo os ofendidos, nada adiantaram quanto à autoria dos factos. Mas também afirmou que os depoimentos das testemunhas relevaram quanto às circunstâncias em que tiveram conhecimento das subtracções, ao local onde se encontravam os bens subtraídos, à forma como souberam do seu desaparecimento, à forma como foram subtraídos, à sua recuperação e ao seu valor. E depois, conjugou estes depoimentos com os autos de busca e apreensão, com os autos de exame directo e avaliação, com os termos de entrega e com os documentos fotográficos juntos aos autos, com o auto de reconstituição do facto de fls. 195 a 220 feito com a intervenção do co-arguido C... – relativamente aos factos que constam dos pontos II a VII dos factos provados – e com a regra da experiência referida no ponto que antecede – relativamente aos factos que constam dos pontos I e VIII dos factos provados. E desta conjugação de meios de prova resultou demonstrada, na perspectiva do tribunal colectivo, a co-autoria do arguido.

Ora, a prova, como se sabe, é, salvo disposição legal em contrário, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nisto se traduzindo o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do C. Processo Penal). Assim, atento o texto da decisão recorrida, não se vê onde possa ter o tribunal colectivo incorrido em erro notório na apreciação da prova, pois que ela se mostra valorada em estrita obediência ao disposto no art. 127º do C. Processo Penal. O recorrente pode legitimamente discordar desta valoração, por entender que foram incorrectamente julgados alguns ou todos os pontos de facto mas, assim sendo, o remédio que a lei prevê é outro – o previsto no art. 412º do C. Processo Penal – que não o do invocado vício.

            Em conclusão, o acórdão recorrido não padece do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c), do nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal.


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Da violação do princípio da imediação e da violação do direito ao silêncio

           

8. Alega o recorrente que o tribunal a quo fundou a sua condenação em meras presunções, juízos de valor e convicções pessoais, sem qualquer sustentação probatória, com violação do art. 355º do C. Processo Penal e do princípio da imediação, na medida em que a prova documental e pericial constante dos autos não foi reproduzida em audiência e nunca o seu teor lhe foi notificado, como o arguido que fez o reconhecimento de fls. 86 não o confirmou em audiência onde não prestou declarações, e com violação do direito ao silêncio, pois manifestamente prejudicou o recorrente e demais arguidos, que não falaram, dando a entender que apenas estaria em condições de julgar se houvesse depoimentos confessórios.

            Começamos por notar que no auto de reconhecimento de objectos de fls. 86 – onde P... identifica a galera e outros objectos, subtraídos na noite de 13 para 14 de Setembro de 2009 – não intervém qualquer arguido.

            Posto isto.

            8.1. Já no ponto 1.1. que antecede, para onde se remete, foi precisado o conteúdo do princípio da imediação com referência às normas que o regulam no C. Processo Penal pelo que, aqui, apenas se reafirmará a ideia de que tal princípio, em termos gerais, significa que a prova em que se funda a decisão deva ser produzida perante quem a profere, mas não de toda a prova, pois a prova documental e, entre outros, os autos de reconhecimento de pessoas, de reconstituição do facto, de exame, de revista, de busca, de apreensão, e relativos a escutas telefónicas, porque constam das fases preliminares do processo designadamente, do inquérito, são ou podem ser conhecidos da defesa e por esta oportuna e tempestivamente impugnados, dando desta forma plena garantia ao princípio do contraditório.

Assim, podem estes elementos de prova ser invocados na fundamentação da sentença para fundar a convicção do tribunal, mesmo que não tenham sido formalmente examinados em audiência.

Por isso, constando o auto de reconstituição do facto de fls. 195 a 220 dos autos [cremos que é a este auto que o recorrente pretendia referir quando menciona o auto de fls. 86], no qual participou o co-arguido C..., não tinha o recorrente que ser do mesmo notificado sendo certo que, porque a todos era acessível, o eventual desconhecimento do recorrente de tal diligência processual só poderia ter ficado a dever-se a distracção na consulta do processo.

Desta forma, a valoração probatória feita pelo tribunal colectivo do auto de reconstituição do facto em sede da formação da sua convicção, mesmo sem que o auto tivesse sido formalmente examinado na audiência de julgamento, não viola o art. 355º, nº 1, do C. Processo Penal.

Por outro lado, resultando da motivação de facto do acórdão recorrido que a convicção do tribunal a quo se formou com base na conjugação da prova por declarações – demandantes civis e testemunhas – da prova documental – aqui se incluindo agora, por facilidade de exposição, quer os documentos ali referidos, quer os diversos autos, quer os registos fotográficos – e da prova por presunções naturais – o recurso a regras da experiência – nos termos que já se deixaram referidos, é evidente que também aqui se não vislumbra qualquer violação do art. 355º, nº 1, do C. Processo Penal pois, a prova que, nos seus termos, deveria ser imediada pelo tribunal, a prova por declarações, foi-o efectivamente.

Em conclusão, não se mostra violado o princípio da imediação.

8.2. O estatuto processual do arguido encontra-se previsto no art. 61º do C. Processo Penal onde, nos seus diversos números, se enunciam os direitos que lhe assistem e os deveres que o oneram.

Entre esses direitos conta-se o direito ao silêncio, consignado na alínea d), do nº 1, daquele artigo, nos seguintes termos: o arguido goza do direito a não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar. É também sua manifestação a previsão do art. 343º, nº 1, do C. Processo Penal, relativo à fase do julgamento.

O direito ao silêncio, corolário do direito de defesa, consiste pois no direito à não auto-incriminação, na faculdade concedida a cada arguido de não concorrer para a sua incriminação, de acordo com o velho brocado nemo tenetur se detegere. Aliás, é também este o fundamento de a lei não sancionar o arguido que presta declarações sobre os factos que lhe são imputados e falta à verdade.

O exercício do direito ao silêncio, precisamente porque de um direito se trata, não pode desfavorecer juridicamente a posição do arguido, ele não pode ser valorado como indício ou presunção de culpa nem, provada esta, como circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 448 e seguintes). E, como nota o Prof. Germano Marques da Silva, podem ser várias as razões do silêncio do arguido, porventura, dignas de respeito, não podendo esta opção processual prejudicá-lo (Curso de Processo Penal, I, 4ª Edição, pág. 297).

Se o exercício do direito ao silêncio não pode desfavorecer o arguido, certo é também que tal exercício pode muitas vezes significar a não comunicação ao tribunal de circunstâncias que, se deste fossem conhecidas, o beneficiariam. A este propósito ensina o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., pág. 449) que, se o arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o direito ao silêncio, já, naturalmente, o pode ser de um mero ponto de vista fáctico, quando do silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infracção. Então, mas só então, representará o exercício de tal direito um privilegium odiosum para o arguido (cfr. ainda, Acs. desta Relação de Coimbra de 15 de Outubro de 2008, proc. nº 400/06.2GCAVR.C1, e de 21 de Março de 2012, proc. nº 417/10.2JACBR.C1, in www.dgsi.pt).

Não raras vezes, a desconsideração da distinção entre o desfavorecimento jurídico, que a lei proíbe, e o desfavorecimento de facto, está na origem dos equívocos surgidos com o direito ao silêncio e o prejuízo que do seu exercício advém para o arguido.     

In casu, o recorrente exerceu legitimamente o direito ao silêncio. Daqui não pode extrair-se qualquer consequência jurídica que o desfavoreça designadamente, a sua culpa, até porque se presume a sua inocência, nos termos do art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Sucede que o recorrente, ao adoptar esta estratégia processual, privou o tribunal a quo do conhecimento da sua versão dos factos, que a não a pode presumir ou conjecturar. O tribunal a quo ficou limitado aos depoimentos de ofendidos e testemunhas que ouviu na audiência de julgamento, à prova documental existente nos autos e a outros meios de prova designadamente, e em particular, ao auto de reconstituição do facto de fls. 195 e seguintes, e foi com base na valoração conjugada destes elementos e apenas nela, que fundou a sua convicção. Nesta perspectiva, não se vê qualquer razão para o recorrente afirmar que o tribunal colectivo, dando a entender que apenas estaria em condições de julgar se houvesse depoimentos confessórios, o prejudicou. Com efeito, tendo concorrido para a formação da convicção, e de forma relevante quanto à autoria de parte dos factos, aquele auto de reconstituição do facto, a circunstância de nele ter colaborado o co-arguido C..., prestando, além do mais, esclarecimentos e informações que constam do auto, não significa que estejamos perante declarações de arguido, enquanto meio de prova, mas apenas, de um auto de reconstituição do facto, meio de prova completamente autónomo e diverso daquele, como mais desenvolvidamente se deixou já referido no ponto 1.2. que antecede e para onde se remete. Por isso, tendo o arguido C... exercido o direito ao silêncio em audiência, a consideração e valoração do auto de reconstituição do facto pelo tribunal colectivo não viola aquele direito, pela simples e decisiva razão de que as informações e os esclarecimentos prestados pelo arguido não são autonomizáveis do referido meio de prova, não passam a valer apenas enquanto declarações de arguido e por isso, não beneficiam do privilégio que a lei processual confere a este meio de prova quando conjugado com o direito ao silêncio.

Em conclusão, não se mostra violado o direito ao silêncio.


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Da violação do in dubio pro reo

            9. Alega o recorrente que, inexistindo prova directa mas apenas prova documental e pericial, entre elas, a reconstituição do facto não confirmada em audiência pelo arguido que nela participou, instalada a dúvida, o tribunal a quo não respeitou o princípio in dubio pro reo ou seja, o princípio da presunção de inocência e do tratamento mais favorável ao arguido.

           

            No ponto 2. que antecede deixámos referido, com a brevidade imposta, o conteúdo do in dubio pro reo razão pela qual, prevenindo inúteis repetições, para lá se remete.

Assim, dando aqui por reproduzido o que ali se escreveu, resta apenas dizer que também relativamente ao recorrente, lido o acórdão recorrido, nele não detectamos dúvida que tenha ficado no espírito das Mmas. Juízas, sobre qualquer dos factos que consideraram provados, como também não resulta da motivação de facto qualquer situação determinativa de que nesse estado de dúvida devessem ter permanecido.

Concluindo, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo, e por esta via, violado o art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

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            Da excessiva medida da pena de prisão, e da suspensão da respectiva execução

            10. Alega o recorrente que a pena de sete anos de prisão que lhe foi aplicada é desadequada e desproporcional, pois estando em causa apenas crimes contra o património e sem graves consequências, face aos valores dos bens subtraídos e à sua recuperação parcial, foram sobrevalorizadas as suas anteriores condenações por crimes da mesma natureza. 

            Vejamos se assim é.

            10.1. Os critérios de escolha e determinação da medida concreta da pena já se deixaram referidos no ponto 4.1. que antecede para onde remetemos, dando aqui por reproduzidas as considerações ali feitas quanto as estes concretos aspectos, retendo-se apenas que prevenção e culpa são os elementos estruturais a considerar, sendo adequada a pena que respeite as exigências da primeira [prevenção] e não exceda a medida da segunda [culpa].

Tendo pois em conta os critérios estabelecidos nos arts. 40º, 70º e 71º do C. Penal, cumpre verificar se a pena de 7 anos de prisão imposta ao arguido é ou não, excessiva. Trata-se de pena única fixada em cúmulo jurídico e, embora o recorrente não sindique, ao menos expressamente, a medida das penas parcelares cumuladas, a questão suscitada passa também pela análise da medida concreta de cada uma destas penas.

Posto isto.

O recorrente foi condenado, pela prática de cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de dois anos de prisão, e pela prática de cada um de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do mesmo código, na pena de três anos de prisão.

O crime de furto qualificado, previsto pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias. Quanto a ele, tribunal a quo optou pela aplicação de pena privativa da liberdade. Não merece censura a opção feita pois a acumulação de infracções, a ausência de sinais de interiorização do desvalor da conduta, a existência de antecedentes criminais pela prática do mesmo crime – factos de Março de 2005, sancionados em Junho de 2006, com pena de prisão suspensa na sua execução, e factos de Agosto de 2008, que vieram a ser sancionados, em Dezembro de 2010, com pena de prisão suspensa na sua execução – fazem realçar as necessidades de prevenção, justificando-a plenamente.

Os seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, foram todos praticados na madrugada do dia 10 de Outubro de 2009, em locais relativamente próximos uns dos outros, de Carregal do Sal, Santa Comba Dão e Mortágua, e com utilização dos mesmos meios, designadamente, da mesma viatura automóvel, onde todos os co-arguidos se faziam transportar. Foram pois cometidos sucessivamente, e todos tiveram por objecto a subtracção de garrafas de gás, com valores entre € 170,50 e € 384,05.

Não é de desprezar o grau de ilicitude do facto, mas não são graves as suas consequências, ainda que os bens não tenham sido recuperados.

É muito elevada a intensidade do dolo, reveladora de grande energia criminosa.

São prementes as necessidades de prevenção geral, dada a frequência da prática deste tipo de ilícito, e fazem-se notar as necessidades de prevenção especial, pois o recorrente, como se referiu já, não manifestou qualquer comportamento revelador da interiorização do desvalor da sua conduta, e havia já sido sancionado, pela prática de crimes contra a propriedade, com penas de prisão suspensa, que não se revelaram suficiente incentivo para o afastar da criminalidade.

Por outro lado, o recorrente trabalhava com alguma regularidade, embora sem vínculo contratual e, não tendo uma vida familiar estável, contribuía para o sustento dos seus dois filhos menores.

Tudo ponderado e tendo em conta os valores dos bens subtraídos e a circunstância do seu cometimento sucessivo, admite-se um abrandamento da censura a exercer, consideram-se mais adequada à medida da culpa do recorrente a pena de 18 meses de prisão por cada um dos seis crimes de furto.  

Relativamente aos dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do C. Penal, não são de desprezar as suas consequências, não obstante a recuperação dos bens subtraídos.

É igualmente elevada a intensidade do dolo e também aqui, pelas razões supra aduzidas, se fazem notar as necessidades de prevenção, geral e especial.

Por isso, ainda ponderando as referidas condições sociais, e tendo em conta a moldura penal abstractamente aplicável – 2 a 8 anos de prisão –, não merece censura a pena de 3 anos de prisão imposta por cada crime, sendo tal pena perfeitamente suportada pela culpa do recorrente.

10.2. Detenhamo-nos agora na pena única sabido que é, como se deixou dito no ponto 4.3. que antecede e para onde se remete, que, nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2, do C. Penal, na determinação da pena única se impõe relacionar todos os factos entre si para avaliar a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles com a personalidade do agente, operação de onde resultará ou não, uma tendência criminosa, devendo no primeiro a acumulação de crimes funcionar como agravante dentro da moldura proposta, medida esta que é a de 3 a 15 anos de prisão.

É claro que as repetidas condutas criminosas que tiveram por objecto as botijas de gás obedecem a um mesmo padrão de actuação.

            O conjunto de todas as condutas típicas provadas e os antecedentes criminais do recorrente, revelam já uma personalidade com tendência para a prática de crimes de furto, e indiferença pelos valores tutelados pelas normas violadas e a ameaça das respectivas sanções. Não pode, no entanto, dizer-se que estamos já perante uma verdadeira carreira criminosa, para além de ao recorrente não ter sido, até ao momento, aplicada uma pena privativa da liberdade.

Por estas razões, a acumulação de crimes não deve funcionar como elemento agravante da pena conjunta.

Face ao que antecede, considerando que estão em causa apenas crimes contra o património, justifica-se um abrandamento da pena única que por isso, se fixa em 6 anos e 6 meses de prisão.

11. Finalmente, alega o recorrente que a pena de prisão deve ser suspensa na respectiva execução por ser ainda possível a formulação de um juízo de prognose favorável, já que é novo, está relativamente bem inserido, e provê à sua subsistência e à dos dois filhos que tem.

Como já se disse no ponto 5. que antecede, para onde se remete e aqui se dá por reproduzido, a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de um pressuposto formal – a medida da pena aplicada ao agente não pode ser superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal) – e de um pressuposto material – ao tribunal deve ser possível a formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal) – visando essencialmente o instituto prevenir a reincidência.

No caso concreto, é evidente que, face à pena única fixada, não se verifica o pressuposto formal do instituto.

E também se não verifica o pressuposto material, pois a personalidade revelada pelo recorrente, as condutas em apreço nos autos, os seus antecedentes criminais e os factos posteriores, e a ausência da assunção da necessidade de ser censurado pelos seus comportamentos delituosos, não permite a formulação do pretendido juízo de prognose favorável.

Em conclusão, não se verificam os pressupostos de que depende a suspensão da execução da pena única de prisão.


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C) Recurso do arguido E...


Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos II a VII e IX dos factos provados] pela inadmissibilidade da valoração da reconstituição do facto como meio de prova [por conter declarações de arguido e desrespeitar o art. 355º do C. Processo Penal] 

12. Alega o recorrente que não foi produzida prova na audiência de julgamento que sustentasse a sua condenação como co-autor de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, uma vez que as testemunhas inquiridas não conheciam os arguidos, não presenciaram os furtos, não precisaram a hora a que ocorreram, nem nada disseram relativamente ao conhecimento pelos arguidos de que os bens se encontrarem na via pública, tendo-se limitado a enunciar os objectos subtraídos e os locais onde se encontravam guardados, vindo o tribunal a quo a fundar a sua convicção, relativamente aos factos provados II a VII e IX com base na reconstituição do facto de fls. 195 a 220, feita com a colaboração do arguido C..., da qual extraiu a participação de todos os arguidos nos furtos e o modo da sua execução. Mais alega não ser admissível a valoração probatória da reconstituição do facto, por não ter sido alvo do contraditório em audiência, por o arguido que nele participou não ter prestado declarações em audiência, e por as declarações que constam do auto não poderem ter sido lidas em audiência – o que impediu o recorrente de sindicar a forma como foi realizada a reconstituição do facto e de refutar o que o arguido que nela participou declarou – e por não ter sido corroborado por outros meios de prova, sendo, por tudo isto, tal valoração, ilegal e inconstitucional, devendo conduzir à sua absolvição.

Ainda que diga impugnar todos os pontos da matéria de facto que preenchem o tipo do crime pelo qual foi condenado, o que o recorrente pretende é invalidar a valoração probatória do meio de prova reconhecimento do facto feita pelo tribunal a quo com vários argumentos, todos eles também suscitados pelos outros recorrentes e já conhecidos. Assim, para evitar repetições inúteis, para lá serão feitas as necessárias remissões, sem prejuízo do tratamento de pontos específicos que o recorrente coloca à apreciação deste tribunal.

12.1. É verdade que, como diz o recorrente, as testemunhas ouvidas na audiência de julgamento declararam não terem presenciado os furtos das botijas de gás e desconhecerem as pessoas dos respectivos autores e isto mesmo é reconhecido pelo tribunal colectivo, na exposição que fez sobre a formação da sua convicção relativamente à decisão de facto. Não existe pois, prova testemunhal directa dos factos.

Mas a prova testemunhal directa não é a única prova de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção. Esta pode fundar-se em prova indirecta ou circunstancial e o tribunal colectivo expôs de forma clara o processo de raciocínio que conduziu à decisão proferida e que incluiu a conjugação de vários meios de prova, desde a prova testemunhal – apenas quanto ao cometimento dos crimes, seus locais, danos causados, objectos subtraídos, seu valor e recuperação –, a prova documental – designadamente, vários documentos fotográficos – e a prova por reconstituição do facto. Foi da valoração conjugada destes diversos meios de prova que o tribunal colectivo, como mais desenvolvidamente se disse já no ponto 1.4. que antecede e para onde se remete, acertadamente extraiu a conclusão de que também o recorrente participou nos furtos pelos quais foi condenado.

Não se evidencia no auto de fls. 195 a 220 que a prova por reconstituição do facto tenha sido levada a efeito com sujeição do arguido que nela participou a qualquer tipo de coacção [aliás, nem o arguido C... o disse]. E se consta do auto que o arguido fez questão de prescindir de defensor, tendo ele, na data da diligência [28 de Outubro de 2009], 25 anos de idade [no Relatório do acórdão recorrido lê-se que nasceu a 15 de Junho de 1984], a assistência de defensor, embora pudesse ter ocorrido, não era obrigatória (art. 64º, nº 1, do C. Processo Penal) e por isso, a falta de defensor não origina qualquer nulidade.

Por isso, e como se disse já no ponto 1.2. que antecede, a prova por reconstituição do facto levada a efeito no processo e documentada no auto de fls. 195 a 220 observou o disposto no art. 150º do C. Processo Penal, tendo sido legal a sua obtenção.

12.2. Do auto de reconstituição do facto de fls. 195 a 220 constam informações prestadas pelo arguido que nele colaborou, C..., designadamente, quanto à concreta participação dos demais arguidos, recorrente incluído, nos furtos de botijas de gás, quanto ao meio de transporte utilizado e quanto ao modus operandi. Na audiência de julgamento o arguido C... exerceu o direito ao silêncio e nela não foi lido o auto de reconstituição do facto. Na motivação de facto do acórdão recorrido o meio de prova reconstituição do facto foi valorado e fundou a convicção do tribunal colectivo.

Como se disse no ponto 1.2. que antecede, que aqui damos por reproduzido, a reconstituição do facto é um meio de prova típico, regulado no art. 150º do C. Processo Penal, autonomamente valorável em termos probatórios, que não se confunde nem se converte em declarações de arguido – outro meio de prova típico – quando do respectivo auto [da reconstituição do facto] consta o registo de informações prestadas por arguido que participou na diligência.

Daqui decorre que a reconstituição do facto em que participou e colaborou um arguido não está sujeita ao regime do art. 357º do C. Processo Penal relativamente às informações – necessariamente declaradas pelo arguido – que constam do respectivo auto, e por isso, a valoração da reconstituição do facto como meio de prova na sentença não exige a leitura do respectivo auto na audiência de julgamento.

Por outro lado, constando o auto do inquérito, podia o recorrente ter sindicado o seu conteúdo e valor, ficando desta forma assegurado o contraditório pelo que também a valoração probatória da reconstituição do facto na sentença não violou o art. 355º do C. Processo Penal, por não ser exigível o exame formal do auto na audiência de julgamento.

12.3. E como se disse já no ponto 1.3. que antecede, para onde se remete, a reconstituição do facto, mesmo quando o respectivo auto contém informações prestadas por arguido que nela participou que incriminam co-arguido, está apenas sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 127º do C. Processo Penal, não fazendo este diploma qualquer exigência de corroboração por outros meios de prova para a sua valoração.

No entanto, e como também se deixou dito no local supra citado, o tribunal recorrido não deixou de relacionar e conjugar este meio de prova, com outros meios de prova e foi desta ponderação conjunta e global que concluiu pela culpa do recorrente pelo que, in casu, a reconstituição do facto foi mesmo corroborada por outros meios de prova.

12.4. Do que antecede resulta que a reconstituição do facto de fls. 195 a 220 que o tribunal colectivo credibilizou não padece de qualquer invalidade processual, e não existe obstáculo legal à sua valoração como meio de prova, não se traduzindo esta em violação à Constituição da república Portuguesa.

Assim, não devendo a reconstituição do facto ser eliminada da fundamentação de facto do acórdão recorrido, não tendo o recorrente alinhado outras razões que impusessem decisão de facto diversa da recorrida, e tendo esta cabimento face às razões expendidas naquela fundamentação de facto, não existem razões para proceder à pretendida alteração da decisão de facto relativamente aos pontos II a VII e IX dos factos provados.


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Da violação do in dubio pro reo

13. Finalmente, alega o recorrente que a dúvida razoável sobre a sua co-autoria, face às provas existentes, só pode conduzir à sua absolvição, por força dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo, previstos no art. 32º da Lei Fundamental.

Já deixámos dito, no ponto 2. que antecede, que damos por reproduzido, que o in dubio pro reo é decorrência do princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, dando resposta à questão da dúvida sobre o facto e impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.

Tendo em que conta o que expôs no ponto supra referenciado, aqui diremos apenas que em ponto algum da decisão recorrida resulta que o tribunal colectivo tenha ficado na dúvida sobre a verificação dos factos provados ou de algum deles, e nesse estado, assim tenha decidido em, prejuízo do recorrente.

Por outro lado, na motivação de facto não detectamos qualquer situação que devesse conduzir ao pretendido estado de dúvida.

Em conclusão, não se mostram violados os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, previstos no art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em:

A) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B... e, em consequência:

           

1. Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido na pena de vinte e dois meses de prisão por cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão por cada um de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do C. Penal, e em cúmulo das penas parcelares, na pena única de cinco anos e dez meses de prisão.

            2. Condenam o arguido na pena de um ano de prisão por cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão por cada um de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do C. Penal, e em cúmulo das penas parcelares, na pena única de quatro anos e nove meses de prisão.

           

3. Suspendem a execução da pena única de prisão pelo período de quatro anos e nove meses, a contar do trânsito do presente acórdão, sob condição de cumprimento dos seguintes deveres:

- Pagamento ao ofendido F... da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 322 e juros de mora] no prazo de quatro meses a contar do trânsito do presente acórdão [sem prejuízo de o ofendido poder exercer o seu direito pela via executiva];    

 - Pagamento à ofendida H..., Lda., da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 372 e juros de mora] no prazo de quatro meses a contar do trânsito do presente acórdão [sem prejuízo de a ofendida poder exercer o seu direito pela via executiva]; 

- Pagamento à ofendida I..., Lda., da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 192,60 e juros de mora] no prazo de quatro meses a contar do trânsito do presente acórdão [sem prejuízo de a ofendida poder exercer o seu direito pela via executiva]; 

- Pagamento ao ofendido G... da indemnização que foi fixada no acórdão recorrido [€ 6.240] no prazo de dois anos e seis meses a contar do trânsito, devendo no prazo de um ano ser paga a quantia de € 2.500 [sem prejuízo de o ofendido poder exercer o seu direito pela via executiva]. 

4. Confirmam quanto ao mais, e relativamente a este arguido, o acórdão recorrido.


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B) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência:

1. Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido na pena de dois anos de prisão por cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, e em cúmulo – destas penas com duas penas de três anos de prisão, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do C. Penal – na pena única de sete anos de prisão.

2. Condenam o arguido na pena de um ano e seis meses de prisão por cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, e), do C. Penal, e em cúmulo – destas penas com duas penas de três anos de prisão, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, a), do C. Penal – na pena única de seis anos e seis meses de prisão.

3. Confirmam quanto ao mais, e relativamente a este arguido, o acórdão recorrido.


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C) Negam provimento ao recurso interposto pelo arguido E... e, em consequência, confirmam, quanto a ele, o acórdão recorrido.


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            Sem tributação os recursos dos arguidos B... e A..., atento o parcial provimento de ambos (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal).

 


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            Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça devida pelo recurso do arguido E... (arts. 513º, nº 1, do C. Processo Penal e 8º, nº 5, do R. das Custas Processuais e Tabela III do mesmo Regulamento).


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 (Heitor Vasques Osório - Relator)

(Fernando Chaves)