Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
332/11.2TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - MANGUALDE - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.496, 566, 805, 806 CC
Sumário: 1.- A incapacidade permanente parcial é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, e até independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto.

2.- Não são de adoptar fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios, antes estes só devem relevar como mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa, principalmente quando está em causa um dano a indemnizar como dano patrimonial, por forma englobante no contexto do “dano biológico”.

3.- Sendo um dos factores a ter em conta para a determinação do valor indemnizatório o do rendimento auferido pelo lesado, no caso de o mesmo não se ter apurado, o valor de base de cálculo a considerar deve ser o que decorre da remuneração mínima mensal legalmente fixada (RMMG).

4.- Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

5.- Sendo o cálculo da indemnização devida pelas perdas salariais, danos futuros e danos não patrimoniais, actualizado à data da decisão proferida, os juros de mora não são devidos desde a data da citação, mas apenas desde o dia seguinte ao da prolação da decisão que os atribuiu.

Decisão Texto Integral:            
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

1 – RELATÓRIO    

FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, veio intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra S (…) e M (…), peticionando a condenação destes a pagar-lhe solidariamente:

- a quantia de €34.991,87, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento; e

– a quantia que se apurar a título de despesas de cobrança a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença.

Fundamenta a sua pretensão invocando, em suma, que no dia 18.02.2009 ocorreu uma colisão entre um motociclo e um ciclomotor, por culpa exclusiva do condutor daquele, aqui Réu S (…), propriedade da Ré M (…), como tudo descreve circunstanciadamente, sem que o mesmo beneficiasse de seguro obrigatório de responsabilidade civil.

Em consequência do acidente resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais para o lesado condutor do ciclomotor e despesas com terceiros que o Autor FGA suportou e suportará e cujo reembolso aqui reclama.

                                                                       *

Contestaram os Réus, defendendo-se por impugnação motivada, alegando em síntese que o acidente não ocorreu por culpa presumida ou efectiva de qualquer dos condutores, antes e só determinado pelo risco inerente à circulação rodoviária, sendo que alguns dos danos reclamados não foram consequência do sinistro e/ou foram sobrevalorizados.

*

Replicou o Autor, respondendo à matéria da contestação.

*

Elaborado despacho saneador (cf. fls.112), seguiu-se a selecção de facto que mereceu oportuna reclamação (cf. fls.124), não atendida (cf. fls.143).

                                                                       *

Foi realizada de seguida a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo (como se alcança da respectiva acta), com discussão nela da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que havia ficado provada a culpa única e exclusiva do condutor do motociclo (1º Réu), de que era proprietária a 2ª Ré, donde a obrigação de reembolso perante o FGA ora A. relativamente à satisfação das indemnizações ao outro interveniente no acidente (condutor do ciclomotor) que o dito FGA garantiu, tendo-se de seguida procedido à ponderada apreciação e fixação dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados pelo A., integrantes do montante que este despendeu, assim se vindo a concluir pelo seguinte concreto “Dispositivo”:

«Pelo exposto, de facto e de direito, decide-se julgar procedente, por provada, a presente acção e consequentemente condenar os Réus a pagar solidariamente ao Autor:

a) a quantia de €34.991,87, acrescida de juros de mora, sobre o montante de €33.515,99, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento;

b) a quantia a liquidar oportunamente correspondente ao custo da realização pelo médico especialista, Dr. (…), do exame e avaliação particular do dano corporal sofrido pelo condutor do CO.

-

Custas pelos Réus.»

                                                           *

Inconformados, apresentaram os RR. recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finalizaram com as seguintes conclusões:

(…)

                                                           *

            Por sua vez, apresentou o Autor Fundo de Garantia Automóvel a sua contra-alegação a um tal recurso, que finalizou com as seguintes conclusões:

«1 – Nos presentes autos foi proferida Sentença pelo Tribunal a quo, que julgou a acção (…)

                                                           *

O Exmo. Juiz que proferiu a Sentença recorrida sustentou a inverificação das nulidades arguidas, conjuntamente com o despacho que admitiu o recurso.

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, bem como por excesso do decidido relativamente ao peticionado (als.b) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil, respectivamente)?;

- incorrecto julgamento da matéria de facto, que se traduziu na incorrecção das respostas dadas aos quesitos 32º e 46º da base instrutória;

            - incorrecto julgamento da matéria de direito, quer quanto aos montantes atribuídos na sentença a título de dano patrimonial e não patrimonial (tendo em conta o que fora efectivamente o conteúdo da indemnização paga pelo A. e por este reclamada na p.i.), quer quanto à condenação pela mora (que só se poderá considerar constituída com o trânsito em julgado da decisão), quer, finalmente, quanto à condenação em quantia a determinar (quanto ao parcial do custo da avaliação particular do dano corporal)?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

1) No dia 18 de Fevereiro de 2009, pelas 19h20m, na Estrada Municipal n.º 595, no Lugar de Pedreles, concelho de Mangualde, ocorreu um embate no qual intervieram o motociclo de matrícula (...) FH e o ciclomotor de matrícula (...) CO .

2) O veículo FH pertencia à ré M (…) e era conduzido pelo réu S (…)

3) O veículo CO pertencia e era conduzido por J (…).

4) Ambos os veículos circulavam no sentido Santar – Pedreles.

5) À frente do FH circulava o CO.

6) O condutor do FH embateu com o braço direito no braço esquerdo do condutor do CO, acabando ambos por se despistarem.

7) Após o embate, o condutor do CO ficou caído na berma direita da faixa de rodagem atento o seu sentido de trânsito.

8) Do local do embate à berma do lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito daqueles veículos, distavam 1,10metros.

9) Do local do embate ao início dos rails de protecção distavam 2,60 metros.

10) Do local do embate ao ponto de intercepção D, assinalado no esboço de fls.20, distavam 2 metros.

11) O local onde ocorreu o embate configura uma recta com um entroncamento à esquerda, atento o sentido de trânsito Pedreles – Santar.

12) A faixa de rodagem tem a largura de 6,70 metros.

13) À data do embate o FH não possuía seguro de responsabilidade civil válido e eficaz, que cobrisse a responsabilidade infortunística inerente à sua circulação.

14) Em 23 de Março de 2010, o autor remeteu aos réus, que as receberam, as cartas, cujas cópias se encontram juntas a fls. 53 a 54, que aqui se dão por reproduzidas, onde consta o seguinte: “o processo foi remetido à Secção de Contencioso para cobrança da vossa dívida ao Fundo de Garantia Automóvel, que actualmente ascende a 33.207,03€, em consequência do acidente de viação ocorrido na data acima indicada (18-02-2009) em Mangualde, originado pelo veículo sem seguro com a matrícula 8898FH. Se no prazo de dez dias contado da data de expedição desta carta não se mostrar efectuado ou não nos tiver sido apresentada, para apreciação, uma proposta de pagamento, daremos imediatamente entrada do processo em Tribunal, pedindo a vossa condenação no pagamento da dívida e juros de mora à taxa legal. Para efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 805.º, do Código Civil, esta carta equivale à interpelação extrajudicial para cumprimento da obrigação”.

15) Em 7 de Junho de 2010, a mandatária do réu S (…), remeteu ao autor, que a recebeu, a carta, cuja cópia se encontra junta a fls. 75 a 77, que aqui se dá por reproduzida, onde conclui referindo que o seu constituinte “não aceita, nem pode aceitar os valores apresentados por V.ª Ex.ª por se encontrarem manifestamente desajustados com o dano real e efetivo sofrido pelo lesado em consequência do acidente, sendo que, várias foram as pessoas que puderam testemunhar o real estado de saúde do mesmo. Não pretende o n/ constituinte furtar-se ao pagamento muito menos à sua responsabilidade, apenas requer a V. Ex.ª que lhe seja imputado o valor real justo e

equitativo do dano que causou. Assim, requer a V. Ex.ª que sejam tidos em consideração os factos supra expostos, atribuindo-se um valor razoável e justo estipulado por lei, sob pena de ter de recorrer às vias judiciais para o efeito”.

16) Respondeu o autor àquela comunicação, por carta que remeteu em 07-09-2010 à  mandataria do réu, que a recebeu, cuja cópia se encontra junta a fls. 79, que aqui se dá por reproduzida onde refere, em síntese, que “mantém a posição já antes reportada (…) pelo que confirmamos o pedido de reembolso que nos assiste como disposto no artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007”.

17) A estrada não dispunha de iluminação que permitisse avistar o CO.

18) O condutor do FH não conseguiu evitar a colisão.

19) O condutor do CO, em virtude do embate, sofreu escoriações da região frontal e traumatismo do tornozelo e pé esquerdos.

20) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas no embate, o condutor do CO foi socorrido no Hospital de S. Teotónio, E.P.E, de Viseu, onde permaneceu internado durante 16 dias.

21) Em 19-02-2009 foi operado ao tornozelo (osteossíntese maleolar e sutura de ligamentos), tendo alta hospitalar para o domicílio em 06-03-2009.

22) O condutor do CO passou depois a frequentar a consulta externa de ortopedia e fez fisioterapia até 03-08-2009.

23) A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 30.06.2009.

24) Em 4-06-2009 o condutor do CO foi internado durante um dia, para retirar o material de osteossíntese.

25) Em consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO apresenta queixas dolorosas no tornozelo esquerdo após marchas prolongadas e alterações climatéricas, inchando, por vezes, ao final do dia.

26) Em consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO sente dificuldade em correr, saltar, subir e descer escadas.

27) Em consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO ficou no tornozelo com uma cicatriz operatória com 8cm na face externa e duas cicatrizes operatórias na face interna com 5 e 6cms, bem assim uma limitação dorsi-flexão (0 a 10º) e limitação da flexão plantar até 30º, tendo o Autor pago ao mesmo, a esse título, uma indemnização no valor de €1.641,60.

28) Como consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO ficou afectado de incapacidade temporária geral total durante 32 dias e uma incapacidade temporária geral parcial durante 100 dias.

29) Como consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO ficou com uma incapacidade temporária profissional total durante 132 dias.

30) Como consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 5 pontos, sendo de esperar, no futuro, uma agravação da mesma em medida não concretamente apurada.

31) Pela incapacidade permanente o Autor pagou ao condutor do CO, a esse título, uma indemnização no valor de €14.312,70.

32) À data do embate o condutor do CO trabalhava indiferenciadamente na construção civil e agricultura, sem carácter regular, para si e/ou quem lhe rogava o seu trabalho, auferindo quantia não apurada.

33) Como consequência das lesões sofridas no embate, para o exercício daquelas actividades o condutor do CO terá esforços suplementares, embora aquelas sequelas sejam compatíveis com o exercício das mesmas, tendo o Autor pago ao mesmo, a esse título, uma indemnização no valor de €12.000,00.

34) Como consequência do embate, o condutor do CO sofreu dores, padecimentos, incómodos e aborrecimentos, sendo o quantum doloris de 3/7, tendo o Autor pago ao mesmo, a esse título, uma indemnização no valor de €820,40.

35) Como consequência das lesões sofridas no embate e pelos dias em que o condutor do CO esteve internado, o autor pagou a esse título uma indemnização de €400,00.

36) Como consequência das lesões sofridas no embate, o condutor do CO pagou 30 sessões de fisioterapia, no valor de €360,00, que o Autor lhe reembolsou; e

37) suportou despesas médicas, medicamentosas e de transportes, no valor total de €124,85, que o Autor lhe reembolsou.

38) O condutor do CO aceitou todos os valores propostos e pagos pelo Autor a título de indemnização pelos danos decorrentes do acidente.

39) O autor pagou ao Hospital de S. Teotónio, E.P.E. de Viseu, o montante de €3.231,14 relativo aos tratamentos e internamento a que foi sujeito o condutor do CO como consequência das lesões sofridas no embate.

40) Para regularização e instrução do processo, o Autor solicitou ao médico especialista, (…), o exame e avaliação particular do dano corporal sofrido pelo condutor do CO, cujo custo ascende a montante não apurado.

41) O condutor do CO, J (…), nasceu no dia 5 de Fevereiro de 1959 (doc.fls.131).

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E os seguintes os factos “não provados” elencados pelo tribunal a quo:

De resto não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa designadamente os Pontos 1, 2, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 40-A e 45 da Base Instrutória.

                                                                       *

3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da sentença.

Começando pela arguição de que tal ocorre por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al.b) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil), diremos o seguinte:

Segundo o dito art. 615º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil, é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Que dizer?

A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.

Desde logo porque quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Sem embargo, importa ter presente que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[2].

Ora, na sentença recorrida encontram-se claramente especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que não vislumbramos como possa ter acolhimento esta concreta causa de nulidade da mesma!

                                                           *

Passando ao argumento da nulidade da sentença por excesso do decidido relativamente ao peticionado (al.e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil), temos que:

Segundo o invocado art. 615º, nº1, al.e), do mesmo n.C.P.Civil, é nula a sentença quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Sustentam os RR./recorrentes que a sentença condenou num valor muito superior ao pedido, no que ao parcial indemnizatório por danos não patrimoniais diz respeito, e, por esta razão, enferma da nulidade prevista na alínea e), do nº1, do citado art. 615º, mais concretamente, que “o Autor peticionou a quantia total de € 2.862,00 (dois mil, oitocentos e sessenta e dois euros) a título de danos não patrimoniais, distribuídos pelas dores sofridas, padecimentos, incómodos e aborrecimentos a que atribuiu o valor de € 820,40, pelo dano estético a quantia de € 1.641,60 e pelos dias de internamento a quantia de € 400,00 (artigos 52.º a 56.º da petição Inicia)”, e, não obstante, foi atribuído a esse título um montante de € 12.500,00.

Efectivamente, na sentença recorrida expendeu-se o seguinte neste particular: “(…) afigura-se mais ajustada a compensação de € 12.500,00 relativamente a todos estes danos não patrimoniais. Indemnização revigorada pela ausência de culpa do lesado, onde se afigura particularmente relevante a melhor descrição das lesões constantes do relatório do IML, sendo claramente insuficiente a compensação paga de € 2.862,00 (€ 820,40 + € 1.641,60 + € 400,00) relativamente a todos estes danos morais.”

Ora, segundo a referida alínea e) do citado art. 615º, nº1, a sentença será nula quando o juiz extravase os pedidos das partes, isto é, seja a sentença condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, isto como decorrência do comando de que o objecto da sentença deve coincidir com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.[3]

Consabidamente estão neste particular em causa os limites da sentença, segundo a regra de que não pode ter lugar pronúncia ultra petitum.

Contudo, a resposta a esta questão é também negativa, por falecer razão aos RR./recorrentes.

É que quanto a esta mesma regra de não poder a sentença exceder o limite do pedido, e a propósito da aplicação de tal princípio, importa referir o entendimento que desde sempre tem sido perfilhado, apelando mais para o limite global do que para o limite parcial tirado das várias parcelas do pedido.[4]

O que tudo serve para dizer que só na aparência foi excedido “in casu” o limite do pedido, pois que o limite global deste foi claramente respeitado, como aliás resultou expressa e literalmente vincado na própria sentença quando se apreciou a questão dos juros, domínio em que ao ter-se obtido uma indemnização total de € 35.244,92, se disse que a condenação “não poderá ultrapassar o valor global do pedido”.

Por outro lado, quanto ao outro argumento invocado nesta sede, o de que a decisão neste particular não se mostra fundamentada, ocorre dizer que tal até se reconduz liminarmente a um outro fundamento de nulidade, a saber, o constante do art. 615º, nº1, al.b) do mesmo n.C.P.Civil, segundo o qual, é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Porém, desde logo quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente, sendo que, claramente, no caso vertente se trataria apenas de uma destas últimas situações…

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelos RR./recorrentes como fundamento para a procedência do recurso.

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3.3 – Dirige-se depois a crítica dos RR./recorrentes ao incorrecto julgamento dos quesitos 32º e 46º, ao primeiro deles por ter sido dada resposta positiva (entendendo que lhe devia ter sido dada uma resposta negativa), e ao segundo deles por a sentença não o determinar como facto provado ou não provado.

Efectivamente, aos ditos quesitos, que tinham o teor literal que se vai passar a reproduzir, foi dada respectivamente a seguinte concreta resposta:

«32. À data do embate o condutor do CO trabalhava na construção civil e auferia um vencimento de €60,00 diários?»

Resposta traduzida no ponto “32)” da Sentença: «À data do embate o condutor do CO trabalhava indiferenciadamente na construção civil e agricultura, sem carácter regular, para si e/ou quem lhe rogava o seu trabalho, auferindo quantia não apurada

                                  

«46. (O Autor pagou) E o montante de €60,00 a médico especialista para avaliação do dano corporal sofrido pelo condutor do CO?»

Resposta traduzida no ponto “40)” da Sentença: «Para regularização e instrução do processo, o Autor solicitou ao médico especialista, (…), o exame e avaliação particular do dano corporal sofrido pelo condutor do CO, cujo custo ascende a montante não apurado.»

Vejamos em primeiro lugar a situação do quesito 32º:

Sustentam os RR./recorrentes que a testemunha JS... – que era precisamente o condutor do ciclomotor envolvido no acidente ajuizado, cujos danos o Autor FGA diligenciou por indemnizar – foi a própria a reconhecer que nunca participou qualquer actividade junto da Segurança Social, donde não poderia o Tribunal o Tribunal a quo considerar que o lesado trabalhava de forma indiferenciada, quando o mesmo nunca exibiu qualquer recibo de vencimento, nem tão pouco participou qualquer actividade junto da Segurança Social, acrescendo que do depoimento dessa testemunha “ressaltam muitas dúvidas acerca da sua credibilidade”.

Importa ter presente que na “fundamentação positiva” da sentença recorrida não se encontra outra e diversa justificação para a convicção que se traduziu na resposta dada, para além da interpretação/valoração do depoimento da dita testemunha no confronto com um elemento documental, relativamente ao que se consignou pela seguinte forma:

«Ressalvada a matéria de facto assente por acordo probatório oportunamente validado em julgamento, no mais a convicção do Tribunal, no tocante à matéria de facto dada como provada, serviu-se:

- do testemunho de JS..., 55 anos, condutor do ciclomotor CO, que descreveu convincentemente as actividades desempenhadas pelo mesmo, sua instabilidade e remuneração, infirmando a declaração de Gil Soares (doc.fls.37) quanto à pretensa regularidade e rendimento constante do trabalho ali atestado.

(…)»

 De referir desde logo que, ao invés do que decorre e está pressuposto nas alegações recursivas, a resposta dada nesta matéria não se pode considerar como “positiva”!

Ora é por assim ser que não nos merece acolhimento a crítica feita neste particular.

Desde logo porque o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (arts. 604º, nº 3 e 607º, nº 5 do n.C.P.Civil).

Sem embargo de que a liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, naturalmente que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros.

De qualquer forma, não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente: na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição; na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.  

Não obstante o vindo de dizer, perfilhamos o entendimento de que quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é impetrada uma decisão à luz do disposto no art. 662º do n.C.P.Civil, a “Fundamentação”/“Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).

Sem embargo, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento”.[5]

E assim o é em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662º do n.C.P.Civil), impõe que a Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no dito art. 607º, nº5 do n.C.P.Civil, o qual vale com idêntica amplitude na 2ª instância.

Acontece que nos segmentos do depoimento da dita testemunha que invocaram, com transcrição respectiva de afirmações esparsas (e cuja relativa fidedignidade se pôde constatar após proceder à audição integral dos mesmos!), não se vislumbra em que medida é que esse meio de prova foi valorado e tido em consideração na apreciação do Exmo. Julgador não o devendo ter sido.

Na verdade, se a própria testemunha não foi peremptória nem completamente assertiva em relação ao que declarou, particularmente quanto ao aspecto da regularidade/estabilidade do seu desempenho profissional, acontece que a resposta dada traduz precisamente uma correspondente menor certeza e grau de afirmação…

Ora se assim é, importa não olvidar que “porque se mantêm vigorantes os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca, de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.”[6]

Daí que – conforme orientação jurisprudencial prevalecente – «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição[7]

Dito de outra forma, «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, [que não compete a este tribunal ad quem sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra] expandidas.»[8]

Em conclusão, mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelos apelantes ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, pois que, à Relação apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou, apontando-se como casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas – v.g. por distracção – determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

Nesta linha de entendimento, já doutamente se concluiu que «A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.»[9]

Assim, se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente dos ora Recorrentes tais depoimentos, não pode esta Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas – os princípios da imediação e oralidade).

Aliás, em consonância com este entendimento se mostra a circunstância de se manter no actual art. 640º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.

Ora, depois da audição integral do depoimento das dita testemunha, o que ressalta é que a mesma, partindo duma afirmação suficientemente credível do desempenho profissional em causa, já contudo nem sequer intentou afirmar que o fizesse apenas na “construção civil”, nem muito menos afirmou que o fizesse diariamente…

Tendo sido afinal este o sentido do depoimento desta testemunha, como sustentar que com base nele outra deveria ter sido a convicção do Tribunal a quo?

Nesta linha de entendimento – que temos por inquestionável e inabalável – onde é que se evidencia o erro de julgamento neste particular?

Salvo o devido respeito, não o vislumbramos!

(…)

Assim, dado que os RR./recorrentes não questionam a convicção probatória propriamente dita alcançada quanto a este particular, mas mais propriamente o sentido da decisão/condenação proferida, relega-se a apreciação que releva para quando infra de tal se cuidar, mantendo a resposta de facto dada, nos seus precisos termos.

                                                                       *                   

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa começar por sublinhar que face ao já sustentado supra aquando da decisão sobre as invocadas nulidades da sentença, no sentido de que não estava vedado ao Tribunal a quo atribuir parcelas indemnizatórias unitariamente superiores às reclamadas pelo A. na p.i. – face ao que, ipso facto, ficou prejudicada a sub-questão de que o A. não poderia receber quantias arbitradas pelo Tribunal a quo que não pagou ao lesado (sob pena de consubstanciar um enriquecimento sem causa) – a apreciação que se vai cuidar de fazer nesta sede confina-se à questão de determinar se os valores indemnizatórios atribuídos ao A., integrantes do reembolso por ele reclamado, eram efectivamente devidos em consequência do acidente.

Sendo certo que não se discute nos autos/recurso o direito ao reembolso em si mesmo, reclamado pelo A., ex vi do art. 54º, nº1, do DL nº 291/2007 de 21 de Agosto (o Autor FGA tem direito de sub-rogação contra o detentor, proprietário e o condutor do veiculo cuja utilização causou o acidente)...

Decidindo então.

4.1 – Do quantum indemnizatório correspondente aos danos patrimoniais pela incapacidade para o trabalho

 Insurgem-se os RR./recorrentes quanto à condenação dos mesmos no parcial de € 3.300,00 a título de perdas salariais (por alegadamente tomar por base de cálculo o valor actual do salário mínimo nacional, de € 485,00, quando esse valor à data da ocorrência do acidente se fixava em € 450,00), e bem assim quanto à condenação dos mesmos no parcial de € 14.000,00 a título de incapacidade permanente (por alegadamente ter sido sem qualquer justificação, sem expressar o seu raciocínio, sem fundamentar a sua motivação nem fazendo referência a qualquer facto considerado provado).

Que dizer?

No que ao parcial de € 3.300,00 a título de perdas salariais diz respeito, temos para nós que efectivamente no caso vertente não se mostrou de todo correcto e fundado tomar como base de cálculo um valor que na circunstância até foi de uma vez e meia o salário mínimo nacional (€ 750/mês), como flui da justificação aduzida, a saber:

«Entende-se tomar-se, aqui, como ponto de referência um rendimento próximo do valor equivalente a uma vez e meia o actual salário mínimo nacional, pois dada a sua idade era de prever que atingisse um rendimento líquido não inferior a cerca de €750/mês, o que perfaz um rendimento anual de €9.000,00 (€750/mês x 12 meses).

Afigura-se perfeitamente razoável considerar como base de cálculo este montante médio (4) e que na falta de outros elementos, actualizadamente, melhor se ajusta ao rendimento mensal a considerar.

Socorrendo-nos, aqui, deste valor (€750/mês), mostra-se proporcional e ajustada a atribuição do montante total de €3.300 para a incapacidade temporária profissional total, mas também geral, que o lesado sofreu durante o período de 132 dias.

Ainda que não seja conhecida a ocorrência de perda salarial efectiva nesse período, ajusta-se esse montante indemnizatório correspondente à incapacidade temporária geral e profissional que o lesado sofreu.

(4) - cfr. Calvão da Silva, in RLJ Ano 134, pg.126, aponta para a necessidade de se considerar as variações ulteriores  do rendimento normal e previsível, tendo como base o mais actual ganho médio futuro que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim o considerou também o STJ 17.12.2002 (Consº Silva Salazar) www.dgsi.pt.»

Na verdade, em linha com a melhor jurisprudência, entendemos que o valor de base de cálculo a considerar deve ser o que decorre da remuneração mínima mensal[10], para o período em causa (ano de 2009) efectivamente cifrada em € 450,00[11], donde, para o referido período de 132 dias ( = 4,4 meses) a considerar no caso vertente, teríamos um montante de € 1.980,00.  

Neste quadro e ordem de considerações, tendo em conta que na situação ajuizada está em causa um ainda significativo dano [perda funcional – com natural reflexo na normal capacidade de ganho e de trabalho – durante o período de incapacidade temporária para o trabalho, que na circunstância foi de quase 4 meses e meio], situação de incapacidade que afectou o lesado quanto ao seu desempenho na vertente de trabalho na construção civil/agricultura, reconhece-se maior justeza e equilíbrio, ao montante que se fixa, mais ponderada e equitativamente, em € 2.000,00.

Procede assim parcialmente face ao exposto, o suscitado pelos RR./recorrentes quanto a esta sub-questão.

                                                           ¨¨

  E que dizer quanto ao montante atribuído (€ 14.000) a título da “perda permanente da capacidade de ganho”?

Sabemos que a perícia de avaliação do dano corporal dos autos apurou que o dito lesado ficou com uma IPP de 5%, com possibilidade de agravamento futuro, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua profissão, embora exigindo esforços acrescidos.

A sentença recorrida fixou esse montante equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566.º n.º 3 do C.Civil, em € 14.000,00, depois de ter ensaiado o cálculo correspondente com base em fórmulas matemáticas usadas em alguns significativos arestos jurisprudenciais, por recurso aos quais se chegou a valores diferenciados de € 11.250,00, € 10.687,50 e € 7.372,37.

Para estes cálculos foi considerada a idade de 70 anos como limite da vida activa útil e o rendimento de uma vez e meia o actual salário mínimo nacional (mais concretamente de € 750/mês).

Terá isso sido correcto?

Nesta parte, ficou provado que:

- Em consequência das lesões sofridas no embate, o lesado (condutor do CO) ficou (ao nível do tornozelo) com uma limitação dorsi-flexão (0 a 10º) e limitação da flexão plantar até 30º;

- Como consequência das lesões sofridas no embate, para o exercício das suas actividades o lesado (condutor do veículo CO) terá esforços suplementares, embora aquelas sequelas sejam compatíveis com o exercício das mesmas;

- as sequelas traduzem-se numa IPP de 5%, com possibilidade de agravamento futuro, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua profissão, embora exigindo esforços acrescidos;

- em consequências das lesões sofridas, o lesado sente dificuldade em correr, saltar, subir e descer escadas;

            - o lesado à data do acidente trabalhava indiferenciadamente na construção civil e agricultura, sem carácter regular, para si e/ou quem lhe rogava o seu trabalho, auferindo quantia não apurada.

- o lesado nasceu em 5 de Fevereiro de 1959;

- o acidente ocorreu em 18 de Fevereiro de 2009, a consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 30.06.2009, e a sentença foi proferida em 18.04.2014.

Na medida em que inequivocamente resultou para o dito lesado uma “perda da capacidade de ganho”, e também uma “perda de capacidade de trabalho”, cremos que o mais curial e juridicamente correcto é valorizar este dano a título do que designa por “dano biológico”. 

É efectivamente hoje comummente aceite que este dano integra uma categoria autónoma, cujo ressarcimento deve ser encontrado segundo critérios de equidade, conforme já foi sublinhado em douto aresto, de que se destaca o seguinte ponto: “A lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo (dano biológico), fonte de obrigação de indemnização, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou repercussões patrimoniais de qualquer natureza, cujo critério legal de fixação é a equidade”).[12]

Na verdade, como aí doutamente se salientou, “Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respectivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva.

E, nesta linha, afirma-se o dano corporal ou dano à saúde como um dano autónomo – tertium genus para alguns – com um lugar próprio que não se esgota nem é totalmente assimilado pelo clássico dualismo patrimonial (em sentido estrito) - não patrimonial.

Acrescenta-se ainda, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos; pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional, tenha ou não havido qualquer rebate anátomo-funcional”.

Contudo, importa que a avaliação autónoma deste dano seja acompanhada duma correcta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições ou super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado).

E, na verdade, o apelo às linhas jurisprudenciais para o cálculo diferenciado de montantes indemnizatórios, invocadas e operacionalizadas na sentença recorrida, cobra mais plena e integral justificação quando se pretende, uma indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente, que haja de corresponder [como é entendimento jurisprudencial nesse particular] a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que se extinga no final do período provável da vida.

Tenha-se presente que quanto a esta concreta questão, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial[13], tal compensação do “dano biológico” tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.

O que cremos ter toda a pertinência num caso como o ajuizado em que o A. se encontra condicionado para o exercício futuro da sua profissão – IPP de 5%, com possibilidade de agravamento futuro, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua profissão, embora exigindo esforços acrescidos…

Em todo o caso, quanto a nós, embora aderindo no essencial aos pressupostos em que assenta o critério da indemnização com referência ao tempo de provável vida activa e da representação de um capital de rendimento, rejeita-se a aplicação automática das fórmulas matemáticas propostas (e que a pouco e pouco se têm vindo a complexificar[14]) para o cálculo “a se”, de um “dano biológico”, pois que essas fórmulas, para além de não serem infalíveis e de realização de justiça assegurada, acabam precisamente por ignorar o grande critério que a lei consagrou – o da equidade.

Ainda assim, como mera referência, caso se aplicasse a tabela referenciada no acórdão do STJ por último citado[15], havia que tomar em consideração quer a idade da reforma, quer a da esperança de vida.

Ora, no caso do A., enquanto nascido em 1959, e considerando a data da alta (2009), teríamos uma vida activa de 15 anos à data da prolação da sentença de 1ª instância[16] (a considerar-se que é de 65 anos a idade para aceder à Pensão de Velhice nos termos do Regime Geral – cfr. Artº 22º do DL nº 329/93 de 25.09.), mas se considerarmos como hoje é até mais razoável que o autor, em vez de trabalhar até aos 65 anos, terá que o fazer até mais próximo dos 70 (já considerados na esmagadora maioria dos acórdãos proferidos pelo STJ), teríamos uma vida activa de 20 anos.

Já quanto à esperança de vida, segundo os dados da Pordata referentes ao ano de 2009[17], com última actualização em 2014.06.02, tal é de 76,2 anos para o sexo masculino e de 82,2 anos para o sexo feminino, o que revertendo ao caso do A., enquanto nascido em 1959, nos dá uma esperança de vida para o mesmo, também à data da prolação da sentença de 1ª instância, de mais 26 anos.

De uma forma singela, poder-se-ia considerar que sendo o rendimento anual do A. o de € 5.400,00 [como considerado supra, com referência à RMMG aplicável], tendo em conta a incapacidade permanente geral de 5%, resulta para o mesmo uma perda de rendimento anual no montante de € 162,00 (= € 5.400,00 x 0,03), sendo certo que teria de se considerar esse valor pelo período de vida activa que lhe resta (20 anos).

Por outro lado, face à taxa de inflação dos últimos cinco anos e às taxas de juro e de remuneração praticadas por instituições bancárias e financeiras, considerar-se-á uma taxa de juros de capital de 3%.

E aplicando uma regra de três simples para determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro de 3%, se obter o rendimento anual de € 162,00, chega-se ao seguinte resultado:

100 -----------------3

X -------- € 162,00

Isto é: 162,00 x 100/3 = € 5.400,00

Desta forma, encontramos o valor de € 5.400,00.

Só que aqui chegados, importa tomar em consideração os factores correctivos, que a melhor prática jurisprudencial vem considerando.

Entre eles, temos que a circunstância da incapacidade não originar uma diminuição efectiva dos rendimentos do trabalho do A., justifica que àquele valor se desconte ¼[18] , donde um valor parcelar de € 4.050,00 (= € 5.400,00 - € 1.350,00).

Finalmente, tal como a jurisprudência tem vindo a considerar, a antecipação do recebimento do capital constitui um benefício para quem o recebe, por não ser a mesma coisa receber uma quantia de uma só vez ou recebê-la em diversas parcelas ao longo do tempo; o recebimento da totalidade da indemnização num mesmo momento permite a sua aplicação, de modo a que tal montante gere rendimentos, coisa que não se consegue se se receber o mesmo valor durante 10 anos, em pequenas prestações mensais; assim, deverá, também por este motivo, proceder-se a uma (segunda) redução de ¼.

Assim, temos € 3.037,50 (= € 4.050,00 -  € 1.012,50).

Donde, seguindo estes termos, obtínhamos a quantia de € 3.037,50 que, como resulta do que se foi dizendo, é meramente indicativa para o juízo de equidade que importa fazer.

Se se seguisse o critério constante da dita tabela do acórdão do STJ de 04-12-2007[19], teríamos o seguinte resultado preliminar:

€ 5.400,00 x 14,87747 x 0,03 = € 2.410,15

Também aqui haveria que fazer funcionar factores correctivos, pois que só eles permitem o justo equilíbrio da situação face às ponderáveis que importa acrescidamente considerar, a saber:

Desde logo, se o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido, haverá que descontar a importância que o lesado gastaria com ele próprio, mesmo não havendo acidente, sendo que se tem vindo a entender que para uma pessoa casada [caso do A.], esse desconto seria de ¼ dos rendimentos.

Assim, teríamos o valor de € 1.807,62 [(€ 2.410,15 - (€ 2.410,15 x ¼)] = (€ 2.410,15 - € 602,53)

Depois, e num passo seguinte, é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade; daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

Enfim, estamos novamente reconduzidos ao valor e critério da equidade.

Neste quadro e ordem de considerações, tendo em conta que na situação ajuizada está em causa um pouco significativo dano [ficou ao nível do tornozelo com uma limitação dorsi-flexão (0 a 10º) e limitação da flexão plantar até 30º, sendo certo que estas ditas sequelas se traduzem numa IPP de 5%, com possibilidade de agravamento futuro, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua profissão (trabalhador na construção civil e agricultura), embora exigindo esforços acrescidos], sem embargo de ser esta uma situação de incapacidade que se prolongará até ao final da vida do lesado, sendo que o factor do avanço na idade só tornará a situação naturalmente ainda mais penalizante para o próprio, importa afirmar que não se reconhece justeza e equilíbrio, em geral, ao montante fixado na sentença recorrida, isto é, os ditos € 14.000.00…

E muito menos ao total parcial pago pelo A. e reclamado na p.i., a saber, de € 26.312,7 (€ 14.312,70 + € 12.000,00)…

Assim sendo, reduz-se a indemnização a este título para o montante mais justo e equitativo de € 3.500,00.

Procede assim nos termos expostos, o suscitado pelos RR./recorrentes quanto a esta sub-questão.

                                                           *

4.2 – Do quantum indemnizatório correspondente ao dano não patrimonial:

Insurgem-se os RR./recorrentes quanto à condenação a favor do A. no montante de € 12.500,00, que foi operada na sentença recorrida, sustentando que esta qualifica e quantifica juridicamente os danos não patrimoniais do lesado sem fundamentar o  apuramento daquele valor (de € 12.500,00).

Assistir-lhes-á materialmente razão?

Cremos que quanto a estas categorias de danos, importa proceder a um mais compartimentado enquadramento e definição doutrinal.

Entre os chamados danos de natureza “não patrimonial” é efectivamente possível distinguir como significativos e mais importantes o chamado “quantum doloris” (que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o “dano estético” (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e de recuperação da vítima), o “prejuízo de afirmação pessoal” (dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes – familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, em que se valoriza os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e conta na expectativa da vida) e, finalmente, o “pretium juventutis” (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida).

Vejamos com o necessário detalhe e pormenor os factos efectivamente a relevar para este efeito:

- o lesado (…), nasceu no dia 5 de Fevereiro de 1959 (ou seja, tinha 50 anos de idade à data do acidente, 18.02.2009);

- sofreu escoriações da região frontal e traumatismo do tornozelo e pé esquerdos;

- foi socorrido no Hospital de S. Teotónio, E.P.E, de Viseu, onde permaneceu internado durante 16 dias;

- em 19-02-2009 foi operado ao tornozelo (osteossíntese maleolar e sutura de ligamentos), tendo alta hospitalar para o domicílio em 06-03-2009, passando depois a frequentar a consulta externa de ortopedia e fez fisioterapia até 03-08-2009;

- em 4-06-2009 foi internado durante um dia, para retirar o material de osteossíntese;

- apresenta queixas dolorosas no tornozelo esquerdo após marchas prolongadas e alterações climatéricas, inchando, por vezes, ao final do dia;

- sente dificuldade em correr, saltar, subir e descer escadas;

- ficou no tornozelo com uma cicatriz operatória com 8cm na face externa e duas cicatrizes operatórias na face interna com 5 e 6cms, bem assim uma limitação dorsi-flexão (0 a 10º) e limitação da flexão plantar até 30º;

- à data do acidente trabalhava indiferenciadamente na construção civil e agricultura, sem carácter regular;

- sofreu dores, padecimentos, incómodos e aborrecimentos, sendo o quantum doloris de 3/7;

- a consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 30.06.2009.

Ora, face a este conspecto fáctico, a liminar conclusão que importa retirar é a de que apenas alguns dos referidos e consagrados componentes do dano não patrimonial se expressam, no caso vertente – mas ainda assim em dose relevante – tendo em conta a especificidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado [consegue-se discernir com relevância danos na vertente do “prejuízo de afirmação pessoal” e do “prejuízo da saúde geral e da longevidade”], acrescendo, ainda, os constrangimentos pessoais decorrentes da assistência médica e hospitalar mas também do subsequente repouso doméstico, dores associadas e consequentes à intervenção médica a que foi submetido, incómodos da perda funcional e constrangimentos pessoais de nível psicossomático, é certo que tudo com natural reflexo directo no bem estar geral.

Consabidamente, no que toca à indemnização de danos não patrimoniais, temos o disposto no artigo 496º, nº 1 do C.Civil que dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, face ao que são irrelevantes, designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.

Na verdade, a doutrina e a jurisprudência, quase unanimemente, fazem uma interpretação concretizadora desta postulada “gravidade”, limitando a indemnização àqueles casos que tenham efectiva relevância ética e moral por ofenderem profundamente a personalidade física ou moral, designadamente as ofensas à honra, à reputação, à liberdade pessoal, à integridade física e saúde, e aos demais direitos de personalidade.[20]

Assim, não serão indemnizáveis os simples incómodos ou pequenos desgostos, sendo, no entanto, objecto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indirectamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos[21].

            Temos então que a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos, como uma sensibilidade exacerbada ou requintada, e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente.[22]

            Importa também ter presente que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[23], jurisprudência esta que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de “jurisprudência temática” disponível no sítio do STJ.[24]

            Por outro lado, o montante da indemnização a atribuir é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo C.Civil, sendo certo que este dispositivo estabelece uma limitação da indemnização no caso de mera culpa ou negligência referindo que a indemnização poderá ser fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

            Revertendo estas considerações para o caso ajuizado, não pode considerar-se que os danos sofridos pelo lesado em causa se traduzam em meros transtornos, incómodos ou preocupações, mas sim danos com suficiente gravidade para, de acordo com as circunstâncias em que se verificaram, merecerem a tutela do direito.

            Nem, aliás, os RR./recorrentes enfocam o seu recurso por aí, antes dissentem quanto ao quantum indemnizatório que foi fixado pelo tribunal recorrido!

Contudo, percorrendo o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito cível junto aos autos, verificamos que aí se releva o “Défice Funcional Temporário” (o Total fixável num período de 32 dias e o Parcial fixável num período de 100 dias), sendo que o “Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total” é fixável num período total de 132 dias.

Acresce ainda, o quantum doloris, correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido pelo lesado durante o período de incapacidade temporária, atendendo “às lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados”, foi fixado, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, no grau 3.

À luz destes elementos de facto, se nos socorrermos do constante da Portaria 377/2008, de 26 de Maio[25], constata-se que sob a epígrafe de “danos morais complementares”, se estatui sob o art. 4º que, além dos direitos indemnizatórios previstos no artigo anterior, o lesado tem ainda direito a ser indemnizado por danos morais complementares, autonomamente, nos termos previstos no anexo I da mesma Portaria, nas seguintes situações:

- por cada dia de internamento hospitalar;

- pelo dano estético;

- pelo quantum doloris;

- quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente absoluta para a prática de toda e qualquer profissão ou da sua profissão habitual;

- quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual;

- quando resulte uma incapacidade permanente absoluta para o lesado que, pela sua idade, ainda não tenha ingressado no mercado de trabalho e por isso não tenha direito à indemnização prevista na alínea a) do artigo anterior.

            Assim e se atentarmos no anexo I da citada Portaria 377/2008[26], temos, de acordo com a factualidade provada e apenas se considerando os parâmetros que estejam verificados:

internamento: no caso do lesado esteve este internado durante 16 dias, donde um valor a considerar entre € 20,00/dia e € 30,00/dia.

Ou seja, atingir-se-ia, apenas, um resultado entre € 320,00 e € 480,00!

            Mas, com sinceridade, será este um valor justo e equitativo?

            Cremos bem que não, não sendo difícil encontrar valores superiores para um qualquer crime de ofensa simples ou até de injúria.

            Aliás, como se escreve no relatório que precede a publicação da Portaria n.º 377/2008, “o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas”.

            Sendo certo que – e como de resto já se referiu – as tabelas a que se vem fazendo referência servem sim de guia orientador, sendo que, em sentido contrário ao que vinha defendendo a esmagadora maioria da nossa jurisprudência, parece ter existido o propósito de nivelar por baixo todas as indemnizações, quando estão em causa pequenas incapacidades.

Quem não se lembra dos “miserabilismos indemnizatórios” a que se reporta o tão citado acórdão da RL, de 15/12/94 (in CJ, ano XIX, tomo 5, a págs. 136)?

Será defensável, por exemplo, que o quantum doloris fixado até ao grau 3 não seja objecto de qualquer indemnização ou que a repercussão na vida laboral apenas seja indemnizável se for superior a 10 pontos?

            Regressando ao caso vertente, ninguém pode duvidar que a assistência médica e hospitalar prestada ao lesado (tratamentos a que foi submetido por força do acidente de viação), constituíram causa inequívoca para um relevante sofrimento físico e psicológico.

            Sendo certo que as dores e sequelas se prolongam até ao presente, e, tanto quanto é possível extrair da factualidade provada, persistirão no futuro.

            Acresce ainda o apurado condicionamento – ao nível da autonomia pessoal – para a realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual, para além do referente à realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social.

            Temos presente que o lesado tinha direito a uma compensação adequada às sequelas decorrentes do acidente que sempre o afectarão, sendo para esse fim que deve servir o constante aumento dos prémios dos seguros.

Efectivamente, assim tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, como lapidarmente pode ver-se no seguinte sumário de um seu recente acórdão: “I - O objectivo essencial do aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido em Portugal no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação não é o de garantir às companhias seguradoras a obtenção de lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas”.[27]

            Sem embargo, afigura-se que o montante fixado na sentença recorrida se encontra um pouco acima do que vem sendo praticado pela actual Jurisprudência, particularmente a dos Tribunais Superiores.

Em arestos recentes do Supremo Tribunal de Justiça, quer numa situação em que o lesado ficou com incapacidade permanente, carecendo doravante de auxílio de terceira pessoa, quer numa outra situação em que houve um período de internamento hospitalar efectivo, para além de incapacidade permanente, fixou-se em ambos a indemnização pelos danos não patrimoniais no montante equitativo de € 10.000,00.[28]

Portanto, situações objectivamente com objectiva maior gravidade e relevo do que a ajuizada, na qual, recorde-se, apenas houve um menos significativo dano permanente (défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos), nomeadamente sem haver qualquer dano estético permanente[29]…  

Obviamente que com a indemnização aqui em causa não se pretendia fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstractamente, considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, mas sim proporcionar ao lesado meios económicos susceptíveis de lhe propiciarem alguma satisfação e que, de algum modo, o compensem do desgosto sofrido.

Tudo ponderado, e tendo sempre em consideração que o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente ora co-Réu S (…) (única na produção do acidente), a situação económica dos demandados e do lesado[30], a idade deste (50 anos à data do acidente) e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade, entende-se ser de alterar/reduzir para o montante de € 9.000,00 – por ser efectivamente mais justo e equitativo para a situação ajuizada do que a quantia atribuída na sentença recorrida (isto é, o fixado montante de € 12.500,00) – a indemnização a pagar pelos RR. ao Autor a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia esta que não destoa da jurisprudência mais recente dos nossos Tribunais Superiores.

Procede assim, parcialmente, o suscitado pelos RR./recorrentes quanto a esta questão.

                                                           *

Por força do já decidido neste recurso, a que acresce o montante atribuído na sentença recorrida a título de “danos emergentes” [parcial de € 3.715,99, decorrente dos factos provados sob 36), 37) e 39)], o qual não foi objecto de recurso, obtém-se um total a reembolsar de € 18.215,99 (= € 3.715,99 + € 2.000,00 + € 3.500,00 + 9.000,00).

Mas será esse o efectivo e final montante em que os RR./recorrentes são condenados?

É o que se verá nos dois pontos que seguem.

                                                           *

4.3 – Do quantum indemnizatório correspondente aos juros:

Na sentença recorrida foram fixados juros pela seguinte forma:

«Somados os valores indemnizatórios apontados, encontramos um montante de €33.515,99 (€3.715,99+€12.500+€3.300+€14.000) correspondente ao valor global da indemnização que se afigura ajustada, a que acrescem os juros de mora reclamados, à taxa legal em vigor em cada momento (arts. 566º e 806º, nº1 e 2 do C.Civil), desde a data da respectiva interpelação em 23 de Março de 2010 8, arbitrando-se os vencidos até à propositura da acção em 7.07.2011 no valor total de €1.729,92, o que perfaz uma indemnização total de €35.244,92, mas que no caso não poderá ultrapassar o valor global do pedido.

Acrescem ainda os juros de mora reclamados, à taxa legal em vigor em cada momento (arts. 566º e 806º, nº1 e 2 do C.Civil), sobre o montante de €33.515,99, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.»

Discordamos de uma tal linha de entendimento.

Na verdade, dispõe o art. 805º, nº 3, do C.Civil, que "[s]e o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número".

Na sequência de interpretações contraditórias proferidas sobre a questão em apreço foi tirado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 de 9/05/2002[31], que definiu uma interpretação restritiva deste nº 3, estabelecendo a doutrina de que "[s]empre que a indemnização pecuniária por facto nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."

E bem se compreende porque assim se decidiu: se os juros de mora desde a citação visam precisamente corrigir o desfasamento causado pela depreciação monetária na obrigação de cumprimento, então a condenação no pagamento de juros desde tal data quando o cálculo da indemnização é actualizado ao momento da prolação da decisão, constituiria uma compensação em duplicado por via do mesmo facto: o decurso do tempo.

Neste particular, sustenta-se o seguinte no dito acórdão: «Sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º teve em vista “combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco”, se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário.»

E se é assim quanto aos danos não patrimoniais – relativamente aos quais não colhem quaisquer dúvidas de que a indemnização atribuída é sempre efectuada por via de uma decisão actualizadora, já que o respectivo quantum só é encontrado com referência ao momento em que o tribunal procede à respectiva apreciação – o mesmo se passa quanto ao cálculo da indemnização devida relativamente aos danos patrimoniais futuros.

Na verdade, tal montante é, em regra, calculado segundo os dados e variáveis que o julgador considera adequados ao tempo da decisão, tanto mais que esses já são conhecidos e, como tal, se lhe impõe a respectiva apreciação, nos termos do citado art. 566º, nº 2, do C.Civil.

No caso dos autos, os valores indemnizatórios supra encontrados – aqui se incluindo o parcial de € 2.000,00 atinente a “perdas salariais” – foram efectuados com base em dados actualizados à data desta decisão, conforme os respectivos cálculos espelham, razão pela qual “é inadmissível a cumulação dos juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização[32], donde decorre que os mesmos apenas serão devidos desde o dia seguinte à presente decisão e não desde a data da interpelação e/ou da citação[33].

Pelo exposto, quanto aos montantes indemnizatórios ora encontrados a título das perdas salariais, dos danos futuros e dos danos não patrimoniais, apenas são devidos juros de mora nos termos referidos e não desde a data da interpelação e/ou da citação; excepção é assim feita apenas quanto ao parcial de € 3.715,99 (devido a título de “danos emergentes”), relativamente ao qual os juros serão devidos desde a interpelação feita em 23 de Março de 2010.

 Procede nos termos vindos de decidir, o suscitado pelos RR./recorrentes quanto a esta sub-questão.

                                                                       *

4.4 – Da condenação em quantia a determinar:

            Está em causa o reembolso do parcial do custo da avaliação particular do dano corporal, relativamente ao que o A. reclamou ter despendido o valor de € 60,00[34], tendo na sentença sido proferida condenação no que se vier a liquidar, com o que os RR./recorrentes discordam.

            A nosso ver – e releve-se o juízo antecipatório! – também lhes assiste razão.

É que perfilhamos o entendimento de que a condenação “no que vier a ser liquidado”, a proferir nos termos do art. 609º, nº2 do n.C.P.Civil, está conexionada com o que se prescreve, quer no artigo 704º, nº6 do n.C.P.Civil, quer, especialmente, no art. 556º do n.C.P.Civil; resultando destes três preceitos que a condenação “no que vier a ser liquidado” (de que fala o art. 609º, nº2 do n.C.P.Civil) se articula com o conceito/expressão “pedido genérico” contida no citado art. 556º do n.C.P.Civil, isto é, a expressão pedido genérico é utilizada, em nosso entender, no sentido de pretensão respeitante a um direito indemnizatório de quantitativo não apurado ou a um direito real ou de crédito a uma universalidade de facto ou de direito; sendo nestes restritos e taxativos casos que o tribunal pode/deve fazer uso do referenciado art. 609º, nº2 do n.C.P.Civil e proferir uma sentença que, ao contrário do “normal acontecer”, não condenará de modo certo, concreto e determinado.

            Dito de outra forma: para os demais casos e mormente para quando tão simplesmente não se logrou provar um custo/valor de dispêndio alegado, não tem qualquer sentido conceder à parte que alegou, uma 2ª hipótese de vir a provar tal – proferindo para o efeito condenação “no que vier a ser liquidado”…[35]

            Assim sendo, o que importa fazer em tais casos é tão simplesmente e sem mais proferir um julgamento “ex aequo et bono” dentro dos limites que se encontram provados – nos termos aplicáveis do art. 566º, nº3 do C.Civil.

            Passando a fazê-lo, importa ponderar que tinha sido alegado um custo/valor de € 60,00, apenas resultando do correspondente facto provado que  «Para regularização e instrução do processo, o Autor solicitou ao médico especialista, (…), o exame e avaliação particular do dano corporal sofrido pelo condutor do CO, cujo custo ascende a montante não apurado.».

            Assim, tendo em conta o que está em causa, e sendo certo que não se tratando de uma prestação de serviços normalmente gratuita, também em norma corresponderá a um valor padronizado, tanto mais que está em causa uma relação entre entidades que presuntivamente já mantêm relacionamento comercial, entende-se fixar como valor justo e equitativo o montante de € 50,00.

                                                                       *

            Obtém-se assim um valor de reembolso final de € 18.265,99 ( = € 18.215,99  + € 50,00), sendo que em relação a este último parcial de € 50,00, no tocante a juros de mora, por igualdade de razões e dando aqui por reproduzido o supra expendido, também apenas serão eles devidos desde o dia seguinte à presente decisão.

            Desta forma conclui-se, a final, pela revogação da sentença proferida na 1ª instância (condenação no montante de € 34.991,87, acrescido de juros sobre um parcial, e de quantia que vier a ser liquidada oportunamente), pois que não subsistiu em qualquer dos parciais integrantes do reembolso accionado e que tinham sido impugnados em sede do recurso deduzido.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A incapacidade permanente parcial é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, e até independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto.

II – Não são de adoptar fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios, antes estes só devem relevar como mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa, principalmente quando está em causa um dano a indemnizar como dano patrimonial, por forma englobante no contexto do “dano biológico”.

III – Sendo um dos factores a ter em conta para a determinação do valor indemnizatório o do rendimento auferido pelo lesado, no caso de o mesmo não se ter apurado, o valor de base de cálculo a considerar deve ser o que decorre da remuneração mínima mensal legalmente fixada (RMMG).

IV – Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

V – Sendo o cálculo da indemnização devida pelas perdas salariais, danos futuros e danos não patrimoniais, actualizado à data da decisão proferida, os juros de mora não são devidos desde a data da citação, mas apenas desde o dia seguinte ao da prolação da decisão que os atribuiu.  

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, acordam a final em dar procedência à apelação, revogando a sentença recorrida, e, por via disso, condenam os RR. a reembolsar o Autor num valor total de € 18.265,99, acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4%, sendo que quanto ao parcial de  € 3.715,99, são eles devidos desde a interpelação feita em 23 de Março de 2010, mas já sobre o restante parcial de € 14.550,00, esses juros são devidos a partir da data desta decisão.

Custas em ambas as instâncias pelo Autor e pelos RR., na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em ½ para cada um deles.

                                                                       *

Coimbra, 3 de Março de 2015

                                              

Luís Filipe Cravo (Relator)

António Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carvalho Martins
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] cf., “inter alia”, o Ac. deste mesmo T.R. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[3] Cf., mais desenvolvidamente sobre a questão, LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, a págs. 681-682, com entendimento doutrinal perfeitamente transponível para o novo regime do processo civil após a reforma empreendida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[4] Assim nos acórdãos do S.T.J. de 28.02.1970 e de 11.06.1980, respectivamente no B.M.J. nº 294 (a págs. 283) e no nº 298 (a págs. 238).
[5] Citámos o Ac. do T.R de Coimbra de 17-04-2012, proc. nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, que embora tendo sido prolatado na vigência do C.P.Civil, perfilha um entendimento perfeitamente transponível para o actual n.C.P.Civil; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar”, nº 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.T.J. de 15-09-2010, proferido no proc. nº 241/05.4TTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, relativamente ao qual também se invoca a actualidade do entendimento nele perfilhado.
[6] Citámos agora o acórdão do T.R. do Porto de 19/09/2000, in C.J., Ano XXV - 2000, tomo 4, a págs. 186.
[7] Cf. o acórdão do T.R. de Coimbra de 25/5/2004, proferido no proc. nº 17/04, cujo texto integral está acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[8] Cf. acórdão do T.R. de Coimbra de 25/11/2003, proferido no proc. nº 3858/03, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[9] Assim no acórdão do S.T.J. de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, cujo texto integral pode ser acedido em www.dgsi.pt/jstj.
[10] Cf , na jurisprudência do S.T.J., inter alia, os Acs. de 24-11-2009, na Revista n.º 455/06.0TCGMR – 6.ª secção; de 16-09-2008, na Revista n.º 939/08 – 7.ª Secção; de 16-10-2008, na Revista n.º 3114/08 – 7.ª secção; de 30-10-2008, na Revista n.º 3237/08 – 2.ª secção; e de 17-09-2009, na Revista n.º 111/03.0TBCTX.S1 – 1.ª secção.
[11] O valor da remuneração mínima mensal foi fixado pelo DL n.º 242/2004, de 31.12, em € 374,70, para vigorar no ano de 2005; pelo DL n.º 238/2005, de 30.12, em € 385,90, para vigorar no ano de 2006; pelo DL n.º 2/2007, de 03.01, em € 403,00, para vigorar no ano de 2007; pelo DL n.º 397/2007, de 31.12, em € 426,00, para vigorar no ano de 2008; pelo DL n.º 246/2008, de 18.12, em € 450,00, para vigorar no ano de 2009; e pelo DL n.º 5/2010, de 15.01, em € 475,00, para vigorar no ano de 2010; previa-se entretanto que a retribuição mínima mensal ascendesse aos € 500,00 no ano de 2011, na medida em que a retribuição mínima mensal garantida (RMMG), havia sido objecto de um acordo tripartido sobre a sua fixação e evolução, assinado em Dezembro de 2006, pelo Governo e pelos parceiros sociais, no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social do Conselho Económico e Social, no qual havia sido assumido como objectivo de médio prazo atingir o valor de 500 Euros em 2011; mas também foi assumido que este objectivo seria ponderado de forma flexível - quer quanto ao montante anual quer quanto ao período de referência dos aumentos -, tendo em conta índices concretos definidores da situação económica para o período em causa, razão pela qual, em face da crise económica vivida, o DL 143/2010, de 31 de Dezembro, veio estabelecer que aquele objectivo seria atingido de forma faseada, estatuindo no seu artigo 1.º que a RMMG seria fixada em € 485,00, com efeitos a 1 de Janeiro e, posteriormente, sujeita a duas fases de avaliação; como é sabido tal evolução não foi possível, mantendo-se desde então e até ao terço final do transacto ano de 2014, pois que por força do DL nº 144/2014 de 30 de Setembro, a dita RMMG se cifra agora no valor de € 505,00 (para o período de 1 de Outubro de 2014 a 31 de Dezembro de 2015).
[12] Citámos o Ac. do T.R.Coimbra de 06.03.2012, no proc. nº 1679/04.0TBPBL.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.  
[13] Na verdade, há quem defenda – cremos que minoritariamente – que o ressarcimento do denominado “dano biológico” deve ser feito em sede de dano não patrimonial, casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial; desenvolvendo e explicitando esta segunda perspectiva, afirma-se que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana, pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., neste sentido, os acórdãos do STJ de 20-01-2010, no proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1 e o de 13-04-2010, no proc. nº 4028/06.9TBVIS.C1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.; desenvolvendo largamente esta problemática e propendendo para esta segunda perspectiva, cf., ainda, o acórdão do STJ de 20-01-2011, no proc. nº 520/04.8GAVNF.P2.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[14] Dando nota de uma tal situação e da dificuldade em que se encontra colocado o julgador (e o intérprete do direito em geral) e intentando contrariá-la, através da sugestão para a utilização de uma tabela de cálculo mais simplificada, que para o efeito é fornecida no mesmo, veja-se o acórdão do STJ de 04-12-2007, correspondente ao proc. nº 07A3836, acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[15] Cf nota [15] antecedente.
[16] Isto é, o dia 9 de Abril do ano de 2014, enquanto sendo a data do “encerramento da discussão”, cf. o art. 611º, nº1 do n.C.P.Civil.
[17] Cf. sítio www.pordata.pt.
[18] Veja-se neste sentido o Ac. do T.R.Coimbra de 02.03.2010, no proc. nº 370/04.1TBVGS.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.
[19] Melhor identificado e referenciado supra nas notas [15] e [16].

[20] Cf. ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, a págs 572 e VAZ SERRA, in “Reparação do Dano Não Patrimonial”, BMJ 83.º, a págs. 69;  na jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12 de Outubro de 1973, in BMJ 230.º, a págs.107e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26 de Junho de 1991, in BMJ 408.º, a págs. 538.

[21] Neste sentido VAZ SERRA, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, anos 105.º e 108.º, página 37 e segs. e 223; também com pertinência neste particular, vide CAPELO DE SOUSA, in “O Direito Geral de Personalidade”, a págs. 555.
[22] Conforme desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, como se extrai, inter alia, do Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460.º, a págs. 444.
[23] Cfr. Ac. do STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, a págs. 65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, a págs.181.
[24] Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, no Proc. n.º 298/06.0TBSJM.S1, acessível em www.dgsi.pt/stj.

[25] Através da qual se fixaram “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal”.
[26] De referir que foi entretanto publicada a Portaria nº 679/2009 de 25 de Junho, que cuidou de proceder à revisão/actualização legalmente prevista na Portaria em referência, mas aquela não é aplicável no caso vertente, tendo em conta a data do acidente (18 de Fevereiro de 2009).
[27] Citámos o Ac. STJ de 05-07-2007, Revista n.º 1734/07 - 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt/jstj.

[28] Cf. os acórdãos do STJ de 31-05-2012, no proc. nº 1145/07.1TVLSB.L1.S1 e o de 28-06-2012, na Revista n.º 1692/05.0TBMCN.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[29] Assim se conclui no mesmo relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, a fls. 93.
[30] Sendo que apenas a deste último é efectivamente, ainda que somente em parte, conhecida...  
[31] publicado no DR n.º 164, Série 1-A, de 27-06-2002.
[32] Cf.. acórdão do STJ de 17-12-2009, na Revista n.º 197/2002.G1.S1 - 2.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[33] Neste sentido, pelo acórdão do STJ de 02-07-2009, na Revista n.º 2759/08 - 7.ª Secção, foi decidido que  “sempre que a indemnização pecuniária tenha sido, à data da sentença, actualizada vence juros de mora a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.”

[34] Consabidamente a sub-rogação do FGA abrange o reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso (art.54º, nº1, do DL nº 291/2007 de 21 de Agosto).
[35] Mais aprofundadamente sobre a questão, vide “Código de Processo Civil Anotado”, de LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, a págs. 682-684.