Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3496/20.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: OBRIGAÇÕES SLN
PRESCRIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
TRANSMISSÃO DO CRÉDITO
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 324.º, 2, DO CVM
ARTIGOS 259.º, 1; 342.º, 2; 494.º; 496.º, 1 E 4; 566.º; 577.º, 1; 582.º, 1; 805.º, 1 E 806, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
i) Invocado pelo R. a prescrição do direito do A., a ele cabe-lhe o ónus de prova (art. 342º, nº 2, do CC), nomeadamente a data do facto que desencadeia o início da contagem do prazo legal de prescrição;

ii) Se foi o A. em representação da mãe que subscreveu as obrigações SLN 2004 e SLN 2006, e foi ele que recebeu toda a informação incompleta, imperfeita, deficiente e viciada, por parte dos funcionários da R., nos termos do art. 259º, nº 1, 2ª parte, do CC, foi na sua pessoa que ocorreu a ilicitude da informação prestada pelo R.;

iii) Se o crédito do original investidor acabou transmitido ao A., o que inclui outras faculdades/acessórios (art. 577º, nº 1, e 582º, nº1, do CC), é ao transmissário, que se vê, a final, privado do capital investido, que cabe o direito indemnizatório, quando este direito nasceu, por incumprimento do R., já depois da aludida transmissão.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. AA, em ..., intentou acção declarativa contra Banco 1..., S.A., com sede em ..., pedindo seja esta condenada a: a) indemnizar o autor a título de responsabilidade civil, no montante de 100.000 €, acrescido dos juros de mora devidos à taxa legal civil, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações, em 25.1.2014 e 8.5.2016, e até efetivo e integral pagamento, que, até 30.10.2020, ascendem ao montante de 21.002,74 €, por violação do interesse contratual positivo; b) indemnizar o autor a título de danos não patrimoniais, no montante de 5.000 €, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Em suma, o autor alega que é titular de 2 obrigações SLN 2004 e 2006 por lhe terem sido transferidas em Julho de 2012 pelo marido da sua mãe, que as havia subscrito em 2004 e 2006, respetivamente. Que embora tivesse sido a sua mãe quem subscreveu tais obrigações foi sempre o autor que, em sua representação, contactou com a ré e os seus funcionários. Que a conselho dos funcionários da ré foi-lhe aconselhada a subscrição das referidas obrigações que lhe asseguravam maior rentabilidade, as quais lhes foram descritas como sendo em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e mobilizável a qualquer altura e que era um produto do próprio banco, e que o referido produto se tratava de uma aplicação segura e sem qualquer risco. O autor, bem como a sua mãe, não recebeu ou visualizou qualquer prospeto, ficha técnica ou documento informativo acerca do produto em causa. A mãe do autor era uma mera aforradora, com o perfil de investidora conservadora, que aplicava as suas poupanças em produtos financeiros seguros, nomeadamente, depósitos bancários, à ordem e a prazo, bem como em produtos que podiam ser mobilizados em qualquer momento, caso necessite do dinheiro aplicado para qualquer eventualidade. O autor sempre depositou confiança no réu e nos seus funcionários. Assim, o autor, em representação da sua mãe, assentiu em investir o montante de 50.000 € no produto denominado “SLN Rendimento Mais 2004”. Posteriormente, foi, novamente, apresentado ao autor, em representação da sua mãe, por um funcionário do réu, um novo produto em tudo semelhante ao “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” apresentado com as mesmas características do anterior. Confiando no aconselhamento dos funcionários do réu, bem como, na seriedade e idoneidade da própria instituição, o autor subscreveu o produto “Obrigações SLN 2006”. Em 2010, a Sociedade L..., S.A., emitente das obrigações e, até à nacionalização, detentora da totalidade do capital social do Banco 2..., foi transformada em Banco 3..., S.A. e após a data de vencimento de cada uma das obrigações, estas não foram pagas ao autor, aqui já na qualidade de detentor das mesmas, nem posteriormente. O autor e a sua mãe estavam absolutamente convencidos que estavam a aplicar as poupanças daquela num produto do banco, integralmente garantido e sem qualquer risco, e que o poderiam mobilizar a qualquer momento e que o reembolso do capital investido estaria, sempre, assegurado. O autor transmitiu expressamente ao réu, na pessoa dos seus funcionários, que não pretendia investir as poupanças da sua mãe em qualquer produto que não fosse seguro. Se o autor tivesse conhecimento que aquele produto não era do banco, não tinha capital garantido, nem poderia ser mobilizado a todo o tempo, nunca teria dado ordem para a sua subscrição. Esta situação tem provocado uma enorme angústia, ansiedade e perturbação no autor, que não consegue dormir.

Contestou o réu excecionando a prescrição e impugnando os factos alegados quanto à veracidade e licitude das informações prestadas à mãe dos autores.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. dos ....

*

2. O A. recorreu, concluindo que:

A) A decisão proferida pelo Tribunal a quo é ilegal e injusta, na medida em que faz uma incorreta interpretação e aplicação do direito.

B) O Tribunal a quo incorreu, igualmente, em manifesto erro na interpretação e aplicação do direito aos factos.

C) Entendeu o Tribunal recorrido, que o direito de indemnização constituiu um direito autónomo em relação ao título transmitido e não um direito acessório, como tal não pode por isso considerar-se abrangido nessa transmissão.

D) Socorrendo-se desde logo, de um acórdão STJ de 16.06.2020, em fundamentação integral, cujo caso em análise é manifestamente diferente de ora em crise.

E) Desde logo, na medida em que o A. na presente acção foi o receptor da informação prestada, independentemente da natureza da sua intervenção e mediante a qual foi subscrito o produto em questão.

F) O que não sucedeu no caso objeto do referido Acórdão.

G) Apesar do Autor não ter sido o subscritor inicial das obrigações em causa, a verdade é que este foi quem negociou com o Réu e a quem foram prestadas as informações por parte do Réu.

H) Conforme se extrai das declarações do Autor AA (vd. Passagens do CD Ref. 20211014143053_4005604_2870939, sessão de 30/09/2021, com início às 10h19m05s e termo às 10h30m59s de 01m00s a 01m53s) e do depoimento da testemunha BB (vd. Passagens CD Ref. 20211014143053_4005604_2870939, sessão de 14/10/2021, com início às

14h10m02s e termo às 14h24m27s de 00m51s a 02m16s e 03m24s a 04m51s), funcionário do Réu que comercializou este ao Réu que ao longo de todo o seu depoimento referiu que vendeu o produto ao Autor e não à sua mãe.

I) Sendo certo que, como tal, sendo o destinatário da informação, quando foi concretizada a cessão do crédito, tinha conhecimento do conteúdo da informação prestada pelo Réu, tendo-as recebido nesse pressuposto mental.

J) Na verdade, e conforme se extrai de toda a prova produzida nos autos, a mãe do Autor subscreveu as obrigações porque o filho indicou para que o fizesse com base das informações que foram prestadas a este pelo Réu, tendo-se limitado a escrever o seu próprio nome nos documentos que lhe foram colocados à frente e que desconhecia o seu teor, uma vez que não sabia ler. Tendo sido a este que foram prestadas as informações incorretas/incompletas.

K) Conforme também se extrai dos pontos 11, 12, 18, 19, 21 e 24 dos factos provados.

L) Ora, no caso em apreço, o Autor não é um mero detentor de crédito por força da cessão de créditos, mas sim o verdadeiro recetor de toda a informação incorreta e incompleta prestada pelo Réu.

Mesmo que assim não se entenda,

M) A cessão de um crédito consiste na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional.

N) Sublinhe-se que não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado ativo (Almeida Costa, Obrigações, 269).

O) Ora, com a transferência das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e Obrigações SLN 2006 o Autor ingressou na posição que lhe foi transmitida por seu pai, que já anteriormente recebeu da mãe do Autor, com referência ao investimento efetuado, através de uma substituição de sujeitos num dos lados da relação estabelecida, tornando-.se credor.

P) Termos em que é de admitir que ao Autor assistem, efetuada a transmissão, os direitos e deveres que cabiam ao respetivo transmitente, em toda a sua extensão.

Com a cessão de créditos o cessionário assume a posição contratual do cedente sem qualquer tipo de limitação.

Q) O mesmo sucede caso se perspetive o caso como de transmissão de posição contratual nos termos do artigo 424º e ss do CC.

R) Não poderemos em momento algum separar o direito de indemnização do respetivo direito de crédito, sob pena de se enfraquecer o direito de crédito.

S) Ora, se com a cessão de crédito o cessionário não mantiver todos os direitos do cedente estamos a permitir que o devedor incumpra nas suas obrigações sem qualquer tipo de consequência.

T) Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.02.2019 no âmbito do processo nº1613/17.7T8LRA.C1 (disponível em www.dgsi.pt) “Se aquele cliente investidor transmitiu a terceiro a sua posição contratual/crédito, o que fez junto do banco intermediário, é ao cessionário/transmissário, que se vê, a final, privado do capital investido, que cabe o direito indemnizatório.

U) Salvo o devido respeito, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido não merece a nossa concordância.

Vejamos,

V) De acordo com o entendimento proferido pelo Tribunal a quo, no panorama prático, a partir do momento em que ocorre a cessão de créditos o devedor fica desvinculado de toda e qualquer responsabilidade contratual e até mesmo extracontratual.

W) Pois permitir-se-ia que o devedor incumprisse no contratualmente estabelecido sem que tivesse de indemnizar o credor do crédito (cessionário), pois de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, o direito de indemnização é um direito autónomo do direito de crédito e não é transmitido com a transmissão do crédito.

X) Quer se perspetive o caso como de transmissão de posição contratual nos termos do artigo 424º e ss do CC, ou apenas de um crédito nos termos do artigo 577º e ss do mesmo Código.

Y) E provando-se que o Autor ingressou na posição que lhe foi transmitida por seu pai que recebeu essa posição da mãe do Autor, com referência aos investimentos realizados, através de uma substituição de sujeitos num dos lados da relação estabelecida, tornando-se credor, teremos que admitir que ao autor assistem, efetuada a transmissão, os direitos e deveres que cabiam ao respetivo transmitente, seu pai e mãe.

Z) E é aqui que, de acordo com factualidade oportunamente alegada, o Autor invoca a violação, ao tempo da inicial vinculação, do dever de informação pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro, perante o investidor seu cliente (o transmitente para o Autor, em cuja posição este ingressou por força da cessão realizada).

AA) O Tribunal a quo incorreu, igualmente, em manifesto erro na interpretação e aplicação do direito aos factos.

BB) Entendeu o Tribunal recorrido, que o direito de indemnização constituiu um direito autónomo em relação ao título transmitido e não um direito acessório, como tal não pode por isso considerar-se abrangido nessa transmissão.

CC) Ora, a cessão de um crédito consiste na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional.

DD) Sublinhe-se que não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado ativo (Almeida Costa, Obrigações, 269).

EE) Ora, com a transferência das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e Obrigações SLN 2006 o Autor ingressou na posição que lhe foi transmitida por seu pai, que já anteriormente recebeu da mãe do Autor, com referência ao investimento efetuado, através de uma substituição de sujeitos num dos lados da relação estabelecida, tornando-.se credor.

FF) Termos em que é de admitir que ao Autor assistem, efetuada a transmissão, os direitos e deveres que cabiam ao respetivo transmitente, em toda a sua extensão.

GG) Com a cessão de créditos o cessionário assume a posição contratual do cedente sem qualquer tipo de limitação. O mesmo sucede caso se perspetive o caso como de transmissão de posição contratual nos termos do artigo 424º e ss do CC.

HH) Não poderemos em momento algum separar o direito de indemnização do respetivo direito de crédito, sob pena de se enfraquecer o direito de crédito. Ora, se com a cessão de crédito o cessionário não mantiver todos os direitos do cedente estamos a permitir que o devedor incumpra nas suas obrigações sem qualquer tipo de consequência.

II) Salvo o devido respeito, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido não merece a nossa concordância.

JJ) Ao absolver o Réu dos pedidos, o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do direito aos factos provados, violando o disposto nos arts. 7º, 304º, 312º e 314º do CVM, na redação vigente à data dos factos, bem como, nos arts. 577 e ss, 798º, 483º e seguintes do Código Civil.

KK) Termos em que, deve a sentença ora recorrida ser revogada, por incorreta interpretação e aplicação do direito, sendo substituída por acórdão que condene o Réu a indemnizar o Autor a título de responsabilidade civil, no montante de €100.000,00 (Cem mil euros), acrescido dos juros de mora devidos à taxa legal civil, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações, em 25.10.2014 e 08.05.2016, e até efetivo e integral pagamento, que, até 30.10.2020, ascendem ao montante de €21.002,74 (vinte e um mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos), por violação do interesse contratual positivo e a indemnizar o Autor a título de danos não patrimoniais, no montante de €5.000,00 (Cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;

Só assim se fará Justiça!

3. O R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

 

II - Factos Provados

1. O Autor é detentor de:

i) Uma obrigação no valor de €50.000,00 (Cinquenta mil euros) do produto “SLN Rendimento Mais 2004”;

ii) Uma obrigação no valor de €50.000,00 (Cinquenta mil euros) do produto “SLN 2006”;

Tais obrigações haviam sido subscritas pela Sra. CC em 2004 e 2006, respetivamente, as quais, após o seu falecimento, que aconteceu em .../.../2009, passaram para a titularidade do seu marido, Sr. DD, o qual posteriormente as transferiu para a conta do autor, o que aconteceu em julho de 2012

2. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objeto social o exercício da atividade bancária e todas as outras que por lei sejam permitidas aos bancos.

O atual Banco 1..., S.A., ora Réu, foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco 1..., S.A., no Banco 2..., S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro.

3. A Ré, à data denominado Banco 2..., S.A., foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela Sociedade L..., S.A., e, até 11/11/2008, foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo Banco 2....

A Ré, enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na C M V.M. como intermediária financeira.

4. A Ré colocou, a 25 de outubro de 2004 e a 08 de maio de 2006, respetivamente, as obrigações da referida Sociedade L..., S.A. no mercado através da comercialização, junto dos seus clientes, dos produtos denominados “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” e “Obrigações SLN 2006”.

5. A Ré comercializou esses produtos, junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que os mesmos eram um investimento seguro, que o capital investido estava integralmente garantido e que seria livremente transacionável.

6. A Ré comercializou os produtos junto dos seus clientes, transmitindo que dispunham das mesmas características de um depósito a prazo, no que se referia à salvaguarda do capital investido.

7. Tal política de “venda” constituiu uma ordem expressa e direta da administração da Ré, dirigida aos seus funcionários.

E resultava, também, da Nota Interna emitida pela Direção de Comunicação Institucional e Marketing, dirigida a toda a rede comercial da ré, e com conhecimento de toda a sua administração, relativa à comercialização do produto “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, na qual se refere, expressamente, como característica da subscrição, que o produto tinha “capital garantido: 100% do capital investido”. E, ainda, refere, como argumento a aplicar na sua comercialização, que “O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido…”.

8. Assim como, resultava da Nota Interna relativa à comercialização do produto “Obrigações SLN 2006”, na qual se refere, expressamente, no argumento a aplicar junto dos clientes, “Capital garantido”

9. Desde há muitos anos, que a sua falecida mãe, a Sra. CC, era titular duma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... ora Réu, que foi aberta quando a Ré ainda se denominava Banco 2..., S.A.

10. Não obstante, a conta bancária pertencer à Sra. CC, foi sempre o Autor que contactou com a Ré e os seus funcionários, representando-o e gerindo as suas poupanças.

11. O Autor sempre considerou a Ré, enquanto instituição bancária nacional de referência, uma entidade séria e credível, sentimento que o Autor estendia aos funcionários da Ré,

Nesse sentido, tendo em vista aconselhá-lo a investir os valores que tinham depositados, cerca de 50.00,00€, foi apresentado, por um funcionário do balcão de ... da Ré, um produto denominado “SLN Rendimento Mais 2004”, que assegurariam uma maior rentabilidade.

12. A quantia investida corresponde a grande parte das poupanças que a mãe do Autor conseguiu angariar ao longo da sua vida,

A Sra. CC, por si e por intermédio do Autor, sempre procurou aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas, acima de tudo, seguros e garantidos, o que sempre foi transmitido aos funcionários da Ré.

13. O funcionário da Ré assegurou que o produto em causa, “SLN Rendimento Mais 2004” tinha todas as características de um depósito a prazo, concretamente, assegurou que o capital investido estaria integralmente garantido, à data do vencimento, que o produto era facilmente mobilizável.

14. Que era um produto do próprio banco.

15. O funcionário da Ré assegurou que o referido produto se tratava de uma aplicação segura, de capital garantido, com o pagamento de juros remuneratórios à taxa de Euribor a 6 meses, acrescido de 1,75%, e com prazo de vencimento de 10 (Dez) anos, mas com possibilidade de o mobilizar em qualquer altura.

16. O Autor, bem como a sua mãe, não recebeu ou visualizou qualquer prospeto, ficha técnica ou documento informativo acerca do produto em causa.

17. O funcionário da Ré também não transmitiu qualquer outra informação acerca da natureza do produto “SLN Rendimento Mais 2004”

18. O Autor e a sua mãe são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos ou nenhuns conhecimentos nas áreas da economia e finanças. A Sra. CC era uma mera aforradora, com o perfil de investidora conservadora, que aplicava as suas poupanças em produtos financeiros seguros, nomeadamente, depósitos bancários, à ordem e a prazo, bem como, em produtos que podiam ser mobilizados em qualquer momento, caso necessite do dinheiro aplicado para qualquer eventualidade.

19. O Autor, em representação da sua mãe, assentiu em investir o montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros) no produto denominado “SLN Rendimento Mais 2004”, confiando no aconselhamento dos funcionários da Ré, bem como, na seriedade e idoneidade da própria instituição, a Autora subscreveu o produto SLN Rendimento Mais 2004”,

No seguimento, a importância de €50.000,00 (cinquenta mil euros) foi transferida da conta à ordem titulada pela Sra. CC, e aplicada na subscrição do produto “SLN Rendimento Mais 2004”.

20. Em nenhum momento dos contactos levados a cabo pela Ré, o Autor ou a sua mãe foram informados que estava a subscrever um instrumento financeiro emitido por uma terceira entidade, e cujo risco recaía, exclusivamente, sobre essa sociedade emitente e relativamente ao qual a Ré não assumia qualquer responsabilidade pelo respetivo cumprimento,

Nem foram informados que o produto só poderia ser mobilizado mediante endosso a outro cliente interessado na sua subscrição.

21. Posteriormente, foi, novamente, apresentado ao Autor, em representação da sua mãe, por um funcionário do balcão de ... da Ré, um novo produto em tudo semelhante ao “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, tendo em vista rentabilizar as poupanças que aqueles tinham depositadas na sua conta à ordem.

O funcionário da Ré assegurou novamente ao Autor que o produto em causa tinha todas as características de um depósito a prazo, nomeadamente, que era um produto com capital garantido.

O produto apresentado pelo funcionário da Ré denominava-se “Obrigações SLN 2006”. Tal como no caso do produto “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, o funcionário da Ré assegurou ao Autor que o produto “Obrigações SLN 2006” se tratava de uma aplicação segura, com o capital integralmente garantido, com o pagamento de juros remuneratórios à taxa de Euribor a 6 meses, acrescido de 1,50% e com prazo de vencimento de 10 (Dez) anos, mas com possibilidade de o mobilizar em qualquer altura.

22. Mais uma vez, nem o Autor, nem a sua mãe receberam ou visualizaram qualquer prospeto, ficha técnica ou documento informativo acerca do produto em causa,

23. Nem lhes foi transmitida qualquer outra informação acerca da natureza do produto “Obrigações SLN 2006”.

24. Face à confiança que sempre depositaram na Ré e nos seus funcionários, bem como, face às, supostas, características do produto, o Autor, em representação da sua mãe, assentiu em investir o montante de €50.000,00 (Cinquenta mil euros) no produto denominado “Obrigações SLN 2006”

No seguimento, a importância de €50.000,00 (Cinquenta mil euros) foi transferida da conta à ordem titulada pela Sra. CC, e aplicada na subscrição do produto “Obrigações SLN 2006”.

25. Em 11 de Novembro de 2008, tendo como fundamento “o volume de perdas acumuladas pelo Banco 2..., S.A., doravante designado por Banco 2..., a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro”, o Estado nacionalizou todas as ações representativas do capital social do Banco 2..., através da Lei nº62-A/2008.

Em 2010, a Sociedade L..., S.A., emitente das obrigações e, até à nacionalização, detentora da totalidade do capital social do Banco 2..., foi transformada em Banco 3..., S.A.

26. Após a data de vencimento de cada uma das obrigações, estas não foram pagas ao Autor, aqui já na qualidade de detentor das mesmas, nem posteriormente.

27. No dia 29 de Junho de 2016, foi declarada a insolvência da sociedade Banco 3..., S.A., no âmbito do processo de insolvência nº23449/15...., que corre os seus termos na Comarca ..., ... - Instância Central - 1ª Secção de Comércio - ....

28. Esta situação tem provocado uma enorme angústia, ansiedade e perturbação no Autor.

29. O Autor transmitiu expressamente à Ré, na pessoa dos seus funcionários, que não pretendia investir as poupanças da sua mãe em qualquer produto que não fosse seguro.

30. Se o Autor tivesse conhecimento que aquele produto não era do banco, não tinha capital garantido, nem poderia ser mobilizado a todo o tempo, nunca teria dado ordem para a sua subscrição.

*

Factos não provados:

(…)

5. O Autor interpelou a Ré para que aquele procedesse ao pagamento das referidas obrigações e dos respetivos juros acordados. Nessa altura, o Autor foi informado que, relativamente àquele produto, o dever de liquidar a obrigação pertencia à sociedade Banco 3..., S.A., enquanto entidade emitente, e que, como tal, o risco pelo não pagamento recaía inteiramente sobre a Banco 3..., S.A., não assumindo a Ré qualquer responsabilidade pelo capital investido.

(…)

7. Por causa desta situação o Autor não consegue dormir.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Prescrição do direito invocado pelo A.

- Responsabilidade civil do R.

2. De acordo com o art. 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários (na redacção em vigor à data dos factos e na data da contestação do R., no qual invoca a prescrição), salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.

O recorrido invocou a prescrição do direito do A. no seu articulado de contestação (arts. 2º a 11º). Nessa peça o recorrente alegou, em suma, que o A. conheceu desde logo que haviam sido subscritas obrigações SLN, e desde logo, pelos extractos mensais periódicos, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza, pelo que o direito dos AA., a existir, prescreveu há muito.

Ao recorrido cabia o ónus de prova da ocorrência da prescrição (art. 342º, nº 2, do CC).

O que realmente relevava era o apelado provar, como estava obrigado, factualidade que permitiria fixar a data a partir da qual se iniciaria o prazo de contagem da prescrição, ainda que esta fosse hipoteticamente de apenas 2 anos. O que o apelado não logrou, pois da matéria apurada nada se retira que permita a sua dedução conclusiva que o A. conhecia “os respectivos termos” do negócio como exige o apontado art. 324º do CVM.  

Desconhecendo-se a data do início da contagem da prescrição, ainda que fosse hipoteticamente de 2 anos, não pode concluir-se que a prescrição ocorreu.

Não procede, pois, esta parte do recurso.    

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Atenta a causa de pedir invocada pelo autor – violação de deveres da ré enquanto intermediária financeira -, estamos perante um caso de responsabilidade contratual.

Assente a causa de pedir, importa apurar se a ré violou algumas das obrigações contratuais e/ou legais que assumiu com a mãe do autor. Na afirmativa se essa violação impõe o dever de indemnizar pelos danos invocados. Sendo que a obrigação de indemnizar está sujeita aos pressupostos gerais previstos no art. 483.°, do Código Civil: o facto; a ilicitude; a culpa efetiva ou presumida; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e dano.

No caso em concreto, está em causa a violação por parte da ré de deveres de informação que levou a mãe do autor a subscrever uma aplicação financeira.

Sem necessidade de muitas considerações gerais, por a matéria estar já suficientemente tratada na jurisprudência 5Cf. por todos o recente Ac. do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022 (DR I série, de 3.11.2022) que uniformizou jurisprudência. podemos assentar que a ré, como banco e intermediária financeira estava sujeita para além dos deveres gerais, aos previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos e vinculado às normas do que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros, designadamente deveres de informação, nos termos consignados nos arts. 304.º e 312.°, ambos do Código dos Valores Mobiliários 6Aprovado pelo Decreto-Lei n.° 486/99, de 13 de Novembro. (CVM).

Resulta do art. 7.º, do CVM, que "a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação (...)” deve ser "completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.". Como se refere, no acórdão acima referido (nota 2) “É, contudo, uma norma de conduta incompleta, porque não estabelece deveres concretos nem as consequências jurídicas da sua eventual violação”. Sendo, ainda seguindo o referido aresto, que “O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente”. Concluindo, com o que concordamos em absoluto, que “quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação” sem nunca afastar a necessidade do investidor “adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento 7Cf. no mesmo sentido o Ac. STJ de 10.09.2020 (Rel. Cons. Ilídio Sacarrão) e Ac. STJ de 10.12.2019 (Rel. Cons. Maria do Rosário Morgado) ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/”.

Atentos os factos provados, designadamente o agora aditado (n. 30) e de acordo com a jurisprudência uniformizada no referido Ac. STJ n. 8/2022, haveria de proceder o pedido.

Impõe-se, contudo, por uma questão de precedência lógica, apreciar uma outra questão.

No caso presente, o autor é titular das obrigações SLN 2004 e 2006 não por as ter subscrito ao balcão da ré, mas por as mesmas lhe terem sido transmitidas por DD que já as havia recebido, após o falecimento da mãe do autor, que aconteceu em .../.../2009. Tal transferência ocorreu em julho de 2012.

Assim, podemos, com facilidade, concluir que não foi o autor que subscreveu as obrigações junto do banco, mas sim a sua mãe. Ou seja, e apesar de, na altura o autor acompanhar a mãe e ter intervindo ativamente na subscrição das obrigações, o recetor das informações que o banco prestou foi a sua mãe. A vontade, viciada como alegado, de subscrever as obrigações foi de sua mãe, ainda que aconselhada pelo autor.

Perante estes factos impõe-se apurar se ao autor assiste o direito de invocar estes vícios da vontade de sua mãe motivados pela informação, alegadamente, imperfeita dos funcionários da ré.  – o tamanho da letra, o sublinhado e o itálico são nossos.

Entendemos, tal como já apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça 8Ac. de 16.6.2020 (Rel. Cons. Pinto de Almeida) e disponível im www.dgsi.pt que “Ocorrida a cessão de valores mobiliários (obrigações) antes da data do seu vencimento, tal não implica a concomitante transmissão do direito de indemnização que tenha por sujeito passivo o intermediário financeiro: esse direito não constitui um direito inerente, representado através dos títulos, nem estaria perfeito à data da cessão, uma vez que o dano (perda do investimento) apenas se consumou depois, com o incumprimento definitivo pela entidade emitente”.

Isto é, o eventual direito de indemnização que a mãe do autor tivesse com fundamento em informações falsas ou deficientes não se transmite com a cedência das obrigações. Desde logo porque esse direito à indemnização não constitui um direito inerente às obrigações; nem tal direito já existia à data da transmissão, porque o dano apenas ocorreu com o não pagamento na data de vencimento de cada uma das obrigações.

Pela clareza e completude, passo a citar o referido acórdão, sendo meus os carregados:

“Decorre do disposto no art. 348º, nº 1, do CSC que obrigações são valores mobiliários que conferem direitos de crédito.

Assim, a obrigação, como valor mobiliário, representa um direito de crédito sobre a entidade emitente, tendo subjacente um típico contrato de mútuo: o credor obrigacionista tem o dever de entregar fundos à entidade emitente e esta fica obrigada a restituir o montante que lhe foi entregue (mutuado) e a satisfazer os juros convencionados (cfr. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3ª ed., 139; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos valores Mobiliários,158; Nuno Barbosa, Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coord. de Coutinho de Abreu), Vol. V, 777).

A titularidade de valores mobiliários confere legitimação activa de exercício, como se estabelece no art. 55º, nº 1, do CVM: quem for titular de direitos relativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhe são inerentes.

Nos termos do nº 3 desta disposição legal, são direitos inerentes aos valores mobiliários, além de outros que resultem do regime jurídico de cada tipo:

a) Os dividendos, os juros e outros rendimentos;

b) Os direitos de voto;

c) Os direitos à subscrição ou aquisição de valores mobiliários do mesmo ou de diferente tipo.

Explica Paulo Câmara (Ob. Cit., 123 e 124) que "na sua configuração mais comum, o valor mobiliário representa direitos subjectivos. Como tal, as situações jurídicas representadas através deste instrumento podem ser múltiplas. A cada uma dessas situações usa denominar-se direito inerente, que mais não é que a situação jurídica activa que, em conjunto com outras, está representada, em termos unitários, através de um valor mobiliário".

Estas situações inerentes constituem, assim, o "conteúdo" dos valores mobiliários; "não é possível transmitir valores sem que aquelas sejam transmitidas; as situações inerentes são as que constam da definição legal do tipo, da categoria dos valores mobiliários e das condições de emissão" (A. Brandão da Veiga, Transmissão de Valores Mobiliários,159).

Esta caracterização permite-nos afirmar que o direito de indemnização reconhecido nestes autos não constitui um direito inerente. Saliente-se que esses direitos serão os que se encontram representados no valor mobiliário, integrando o respectivo conteúdo; têm, pois, a ver com esse conteúdo.

Tratando-se de Obrigações, como é característico destas, esses direitos traduzem-se para o credor obrigacionista, sobretudo, no direito de reembolso do capital e aos juros convencionados.

Ora, como se decidiu, o referido direito de indemnização tem como fonte a responsabilidade do intermediário financeiro pela sua actuação ilícita, violadora dos deveres a que estava adstrito nessa qualidade e que foi determinante na decisão, por parte do pai da autora, de subscrever as Obrigações, daí derivando, adequadamente, o prejuízo sofrido, ou seja, a perda do investimento, que se tinha por (falsamente)garantido.

O dever de indemnização impende, pois, sobre terceiro, com intervenção directa e activa na aquisição dos aludidos valores mobiliários, mas no âmbito da relação, de intermediação, que para esse efeito se estabeleceu, diferente da que se constituiu entre a entidade que emitiu os valores mobiliários e o respectivo credor.

A relação de intermediação financeira gera para o intermediário um conjunto de deveres que este tem de satisfazer, sob pena de poder vir a ser responsabilizado pelos danos causados com esse incumprimento, como se considerou no caso. Todavia, como parece evidente, essa responsabilidade é estranha ao título, não se integrando nas situações jurídicas por este representadas.

O direito de indemnização, assim gerado, constitui um direito autónomo em relação ao título; não lhe é inerente.

Daí que, efectuada a transferência das Obrigações do pai da autora para esta, essa transmissão não fosse susceptível de, por si, operar, concomitantemente, a transmissão do direito de indemnização sobre o intermediário financeiro.

Será de referir, aliás, que a cessão de créditos determina, como mero efeito do contrato, a transmissão do direito para o cessionário (art. 577ºdo CC).

E, por regra, importa também a transmissão para o cessionário das garantias e acessórios do direito transmitido (art. 582º, nº 1, do CC), aí se incluindo, como é pacífico, o direito de indemnização por incumprimento, impossibilidade culposa da prestação ou incumprimento defeituoso, quer estas situações se verifiquem antes, quer depois da cessão (Cfr. Menezes Leitão, Cessão de créditos, 336 esegs; LM Pestana de Vasconcelos, Dos Contratos de Cessão Financeira(Factoring), 304; C. Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 162).

Repare-se, porém, que, como se referiu, o direito de indemnização reconhecido na sentença constitui um direito autónomo sobre o intermediário financeiro; não é um acessório do direito cedido, não resultando da violação ou incumprimento de quaisquer obrigações incorporadas nos valores mobiliários transmitidos; não pode, por isso, considerar-se abrangido nessa transmissão.

Aliás, ao aludir-se aos efeitos da cessão, é comum dizer-se que esta "opera, imediatamente, a transferência do direito à prestação do cedente para o cessionário, com todas as faculdades que lhe sejam inerentes"(Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, T IV, 222).

Ora, com a cessão, a autora ingressou na posição jurídica do cedente quanto a todos os direitos inerentes aos valores mobiliários cedidos, mas nestes não estaria, de qualquer modo, abrangido o direito de indemnização que teria por sujeito passivo o intermediário financeiro.

Por outro lado, importa notar que esse direito de indemnização, reconhecido na sentença, não existia ainda à data da cessão, uma vez que o dano, que se materializou com o incumprimento das Obrigações, apenas se verificou quando estas já pertenciam à autora.

Assim, a não existência ainda desse direito constituiria, desde logo, um óbvio obstáculo à cessão do mesmo, não podendo esta envolver, como refere o recorrente, a transmissão de um mero conjunto de actos ilícitos e/ou culposos de que o cedente foi vítima”.

Estas considerações, de que comungamos, têm aplicação ao caso que nos ocupa em que a transmissão das obrigações para o autor operaram por intervenção de um terceiro que não o subscritor inicial das obrigações. E em data em que não havia, ainda, ocorrido o incumprimento definitivo.

Assim, e sem necessidade de outras considerações, designadamente quanto à verificação, em concreto da violação dos deveres de informação por parte da ré, a ação tem que improceder porque o autor não é titular do direito à indemnização com a causa de pedir que invoca.”.

O apelante discorda pelas razões constantes das suas conclusões de recurso.

3.1. Se a sentença inicialmente se apresenta como correcta a merecer a nossa adesão, depois desvia-se por razões que não acolhemos, crendo-se que o recorrente tem razão, havendo que afastar a argumentação da sentença recorrida, por três razões essenciais.

I) está provado que o A. em representação da mãe subscreveu as ditas Obrigações. E foi o A. que recebeu toda a informação incompleta, imperfeita, deficiente e viciada, por parte dos funcionários da R. Informação ilícita, pois.

Ora, nos termos do art. 259º, nº 1, 2ª parte, do CC, é na pessoa do representante que deve verificar-se o conhecimento/ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio. Portanto a ilicitude da informação prestada pelo R. ocorre na pessoa do A., na sua esfera, e não na pessoa da mãe deste. Ou seja, em termos semânticos mais práticos, foi o A. que foi “vítima” da actuação ilícita da R.

Só por esta realidade, se vê que os pressupostos de facto em que assentou a decisão do STJ de 16.6.2020, transcrita na decisão recorrida, não se pode aplicar ao nosso caso. Aí, a ilicitude ocorreu na pessoa cedente das obrigações  

e nesta residia o direito à indemnização. Cremos, pois, que a decisão apelada, como se vê da sua transcrição, onde exactamente menciona esta situação - veja-se o nosso sublinhado, itálico e tamanho de letra a pág. 10 deste acórdão -, aderiu acriticamente a tal aresto do STJ, não tendo atentado que o nosso caso era diferente no plano factual.

II) continuando, diremos que em casos similares aos dos presentes autos sempre entendemos (o relator e adjuntos) que o Banco tinha tido um comportamento ilícito (vide os vários acórdãos proferidos, quer pelo relator com outros adjuntos, quer pelos adjuntos, como relatores, em www.dgsi.pt).

Entretanto face às centenas de acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação sobre esta questão, foi tirado um AUJ, nº 8/2022, no DR I-A, em 3.11, que, no seu sumário, reza assim:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.

Ou seja, hoje temos jurisprudência uniformizada sobre a aludida temática da ilicitude, no ponto 2., do referido sumário.

Ora, face aos factos provados 3. a 8., 10. a 24. e o teor do aludido AUJ temos por certo que se verificou a questionada ilicitude por parte do apelante. Assim como está demonstrado, no facto 26., o dano do A.

E, agora, sobre a questão do nexo de causalidade, face à transcrita jurisprudência uniformizada sobre a mencionada questão, nos pontos 3. e. 4., do referido sumário, e apontados factos provados 29. e 30., demonstrado se encontra a ocorrência do questionado nexo de causalidade.

III) o direito crédito da titular original, a mãe do A., relativamente às referidas obrigações, passou para o marido e depois para o A., em Julho de 2012, conforme facto provado 1.  

Tratou-se, pois, de uma transmissão de créditos, que opera, como mero efeito do contrato, a transmissão do direito para o cessionário, com todas as faculdades que lhe sejam inerentes (art. 577º, nº 1, do CC).

E, por regra, importa também a transmissão para o cessionário das garantias e acessórios do direito transmitido (art. 582º, nº 1, do CC), aí se incluindo, como é pacífico, o direito de indemnização por incumprimento, impossibilidade culposa da prestação ou incumprimento defeituoso, penas convencionais, direitos potestativos, etc (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota ao referido art. 582º, pág. 567, Menezes Leitão, Cessão de Créditos, págs. 336/340 e Menezes Cordeiro, Tratado de D. Civil, II, T. IV, pág. 222).

Ora, esse direito de indemnização, passou a existir após a data da cessão, uma vez que o dano, que se materializou com o incumprimento do pagamento das Obrigações, verificou-se depois de Julho de 2012 (facto provado 26.), quando estas já pertenciam ao A. O dano produziu-se, por isso, já na sua esfera jurídica (vide, também, neste sentido o Ac. da Rel. de Coimbra, de 12.2.2019, Proc.1613/17.7T8LRA, in www.dgsi.pt, onde se sumaria, sob 5.: “Se aquele cliente investidor transmitiu a terceiro a sua posição contratual/crédito, o que fez junto do banco intermediário, é ao cessionário/transmissário, que se vê, a final, privado do capital investido, que cabe o direito indemnizatório”.  

Aqui chegados, podemos afirmar que procede o peticionado, tendo o R. o dever de indemnizar o A. pelas perdas deste, nos termos a que alude o art. 562º do CC, já que está estabelecido o nexo causal entre o facto e o dano. O R. tem, assim, de ser condenado a pagar ao A. a quantia de 100.000 € (correspondente às 2 obrigações SLN 2004 e SLN 2006).

3.2. O A. pediu, ainda, juros de mora à taxa legal civil, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações, em 25.1.2014 e 8.5.2016, até integral pagamento, que, até 30.10.2020, ascendem ao montante de 21.002,74 €.

Não se provaram as aludidas datas de vencimento. Portanto o A. tinha que ter interpelado o R. extrajudicialmente ou judicialmente (art. 805º, nº 1, do CC). O A. ainda alegou a interpelação extrajudicial, mas não logrou prová-la (facto não provado 5.).  

Assim, os juros só são devidos, à taxa legal civil (art. 806º do CC), como pedido, desde a interpelação judicial, que ocorreu com a citação do R. verificada em 4.11.2020 (cfr. fls, 26 dos autos). 

3.3. Finalmente o A. peticionou indemnização a título de danos não patrimoniais, no montante de 5.000 €, mais juros.

Para tanto, o A. alegou e provou que esta situação lhe tem provocado uma enorme angústia, ansiedade e perturbação (facto provado 28.).

Alegou mas não provou que por causa desta situação não consegue dormir (facto não provado 7.).
Ante aquele quadro fáctico apurado, aqueles sentimentos de angústia, ansiedade e perturbação, perfeitamente compreensíveis, dada a quantia em jogo ser alta, e que foram causados pela impossibilidade de uso do dinheiro aplicado, traduzem já um dano – não patrimonial – com gravidade suficiente para merecer, em termos de reparação/compensação efetiva, a tutela do direito.
Tudo ponderado, afigura-se-nos adequado, em equidade (cfr. o disposto nos arts. 496º, nº 1 e 4, 494º e 566º, nº 1, todos do CC), fixar a indemnização ao A. no montante de 2.000 €. Mais juros, à taxa legal civil desde a referida citação.

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente o recurso, e, em consequência, condena-se o R. a pagar ao A. a quantia de 100.000 €, de capital, mais juros à taxa legal civil, desde 4.11.2020, mais 2.000 €, a titulo de dano não patrimonial, com juros à referida taxa e desde a mencionada data.    

*

Custas pelo A. e R. na proporção do vencimento/decaimento.

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Coimbra, 27.6.2023

                                                                    Moreira do Carmo

                                                                    Rui Moura

                                                                    Carlos Moreira