Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2637/20.2S3LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: CONCURSO DE CRIMES E CRIME CONTINUADO
UNIDADE E PLURALIDADE DE RESOLUÇÕES CRIMINOSAS
VÍTIMA ÚNICA
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 30º, 78º, 79º E 203º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL; ART. 29º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Sumário:
I - A unidade de resolução pressupõe uma conexão temporal donde possa concluir-se que o agente executou os vários crimes renovar a intenção de os praticar, mas nem toda a conexão temporal traduz uma unidade de resolução, tudo dependendo das circunstâncias em que os factos são praticados.

II - Sabendo-se, apenas, que a arguida se apoderou de duas peças em duas lojas diferentes e não tendo sido possível apurar quanto tempo mediou entre cada uma das acções, não é possível concluir pela unidade de resolução.

III - Do facto de as peças terem sido furtadas em lojas diferentes resulta ter havido renovação da resolução criminosa.

IV – O facto de a vítima de vários furtos ser a mesma não é critério para a unidade criminosa.


Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral:
Relator: João Abrunhosa
1.ª Adjunta: Helena Lamas
2.ª Adjunta: Teresa Coimbra

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

No Juízo Local Criminal de Castelo Branco, por sentença de 28/06/2023, foi a Arg. [1] AA, com os restantes sinais dos autos, condenada, para além do mais, nos seguintes termos:

“... Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente e, em consequência:

a) Condena a arguida AA pela prática, em 15.12.2020, na loja ..., em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, p. p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa.

b) Condena a arguida AA pela prática, em 15.12.2020, na loja ..., em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, p. p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa.

c) Condena a arguida AA na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de 1.265,00€ (mil, duzentos e sessenta e cinco euros).

d) Condena a arguida AA no pagamento das custas do processo penal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos dos arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

e) Condena a demandada AA no pagamento à demandante I..., S.A. de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos no montante de 19,95€ (dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento.


*

Sem custas quanto ao pedido de indemnização civil, atento o valor (art. 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais). ...”.

*

Não se conformando, a Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões:

“... 1ª O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.

No caso em apreço ninguém viu a arguida retirar as peças, ninguém a viu abandonar as peças, o que resulta dos autos de visionamento de imagens.

Assim, existe uma dúvida quanto aos factos dados como provados, pelo que se devem considerar não provados.

2ª Por outro lado, caso improceda o supra exposto, a arguida foi condenada em dois crimes de furto.

Sucede que as lojas de onde foram retiradas as peças são propriedade da mesma pessoa a demandante, I..., S.A., pelo que se considera que não existe uma pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global da arguida, pois o lesado é o mesmo, desconhecendo-se se as lojas são comunicantes ou não, próximas, distantes, se a roupa é a mesma, etc.

Pelo que, deverá ser absolvida de um crime de furto.

Nestes termos requerer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso revogando a douta sentença em conformidade. ...”.


*

O Exm.º Magistrado do MP respondeu ao recurso, concluindo da seguinte forma:

(…)


*

Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, com o seguinte teor:

(…)


*

A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.

Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis, ou seja, os princípios da verdade material; da livre apreciação da prova e “in dubio pro reo”. Tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está ainda sujeita aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação.

O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:

“... 1.1. FACTOS PROVADOS

O Tribunal, com relevo para a boa decisão da causa, julga provados os seguintes factos:

1) No dia 15.12.2020, pelas 17h20, a arguida AA, acompanhada da sua filha BB, nascida em .../.../2007, deslocou-se ao centro comercial “...”, sito na Avenida ..., nesta cidade ..., tendo retirado e levado consigo, sem pagar, das lojas “...” e “...”, respetivamente, um par de calças, cor cinza, no valor de 19,95€ (dezanove euros e noventa e cinco cêntimos) e um vestido, cor ..., de valor não concretamente apurado.

2) De seguida, na posse de tais bens, puseram-se em fuga, tendo abandonado, tais peças de roupa, na referida avenida, no lado direito da estrada, no sentido ..., no meio do mato, ao lado da ciclovia, por haverem sido perseguidas por um segurança do aludido centro comercial.

3) AA agiu de forma livre, voluntaria, consciente e deliberadamente ao atuar da forma descrita, com intenção de fazer suas as peças de roupa referidas em 1, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que, ao agir daquela forma, atuava contra a vontade dos respetivos proprietários.

4) A arguida AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:

5) As peças de roupa referidas em 1 foram recuperadas e entregues, respetivamente, nas lojas ... e ....

6) A arguida retirou os alarmes do par de calças referido em 1, danificando-o.

7) A arguida é a mais velha de cinco irmãos; é oriunda de uma família de etnia cigana; vive com o companheiro e três filhos, em casa própria; recebe RSI e prestações familiares e sociais, num total de 838,92€; não trabalha.

8) A arguida não tem antecedentes criminais registados.

1.2. FACTOS NÃO PROVADOS

O Tribunal, com relevo para a boa decisão da causa, julga não provados os seguintes factos:

a) O vestido, de cor ..., referido em 1, tinha o valor de 29,99€. ...”.


*

(…)

*

É pacífica a jurisprudência do STJ[2] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[3], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:

I – Reapreciação da matéria de facto;

II – Tipificação da conduta da Arg.


*

Cumpre decidir.

(…)

II – Entende a Recorrente que a sua conduta deve ser tipificada com um só crime de furto.

O tribunal recorrido entendeu que estão em causa dois crimes de furto, para além do mais, nos seguintes termos:

“... No que ao concurso de crimes diz respeito, dispõe o art. 30.º, n.º 1 do Código Penal que “[o] número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

O concurso de crimes distingue-se do concurso de normas (em relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção), pois “já não tem a ver com uma qualquer concorrência – lógica ou formal – de normas abstratamente aplicáveis ao caso sub judice; antes resolvida previamente essa questão de concorrência de normas (…), se depara com uma situação global à qual são concretamente aplicáveis mais que uma norma, ou a mesma norma várias vezes” (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, p. 1005).

Contudo, o concurso de crimes pode ser efetivo ou aparente, sendo certo que o art. 30.º do Código Penal se refere unicamente ao concurso efetivo de crimes, punido nos termos dos arts. 78.º e 79.º do Código Penal, o que se extrai do segmento “crimes efetivamente cometidos”. Por esse motivo, é essencial distinguir quando é que, no caso concreto, se trata de um concurso efetivo ou meramente aparente de crimes. É que a aplicação do regime punitivo previsto nos arts. 78.º e 79.º do Código Penal a uma situação de concurso aparente de crimes viola o princípio constitucional do ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa), pois permitiria que o mesmo sentido de ilicitude fosse duplamente valorado, em desfavor do arguido.

O concurso de crimes pode ser homogéneo (o número de crimes determina-se pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido) ou heterogéneo (o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime preenchidos); real (vários factos violam vários bens jurídicos protegidos por diversas incriminações) ou ideal (o mesmo facto viola vários bens jurídicos protegidos por diversas incriminações).

Na perspetiva de EDUARDO CORREIA, três critérios distintos devem ser tidos em consideração no momento de apreciar a existência de um efetivo concurso de crimes: diferentes valores ou bens jurídicos negados; pluralidade de resoluções criminosas do agente; e conexão temporal entre os vários momentos da conduta do agente.

Assim, para EDUARDO CORREIA, no que ao concurso homogéneo em especial diz respeito, o número de vezes que o mesmo tipo legal de crime foi preenchido deveria contabilizar-se pelo número de juízos de censura da culpa de que o agente se tivesse tornado passível, ou seja, pela pluralidade de resoluções criminosas. Ademais, para afirmar a existência de unidade do processo resolutivo seria necessária uma conexão temporal de tal forma estreita que levasse a aceitar que o agente não renovou o processo motivacional.

Por seu lado, FIGUEIREDO DIAS considera que a unidade ou pluralidade de resoluções criminosas não constitui um critério seguro para aquilatar da unidade ou pluralidade de crimes efetivamente cometidos.

Para este autor, o concurso aparente refere-se a situações da vida em que “preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objetiva e/ou subjetiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e hoc sensu autónomo” (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, p. 1015).

Portanto, o essencial é averiguar se existe ou não uma pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global do agente.

No caso sub judice, à arguida é imputada a prática de dois crimes de furto, p. p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, pois apoderou-se de duas peças de roupa distintas, contra a vontade dos respetivos proprietários.

Apreciados os factos que resultaram provados, conclui-se que a arguida subtraiu um par de calças da loja ... e um vestido da loja ....

No entanto, apesar de ambas as lojas se situarem no ..., a verdade é que a atuação da arguida aponta no sentido da renovação da sua resolução criminosa, porquanto entrou em duas lojas distintas e daí subtraiu duas peças de roupa diferentes.

Além disso, mesmo na conceção de FIGUEIREDO DIAS, em face do contexto situacional, conclui-se existir uma pluralidade de sentidos de ilicitude, à qual corresponde um concurso efetivo de crimes.

Apesar da proximidade temporal, a arguida atuou por duas vezes, em duas lojas distintas.

Portanto, trata-se de dois crimes de furto, p. p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, em concurso efetivo. ...”.

Desde já, adiantamos que, em nosso entender, a tipificação feita pelo tribunal recorrido está correcta.

Na verdade, a unidade de resolução pressupõe uma conexão temporal donde possa concluir-se que o agente executou os vários crimes sem ter de renovar a intenção de os praticar[4], mas nem toda a conexão temporal traduz uma unidade de resolução, tudo dependendo das circunstâncias em que os factos são praticados.

No presente caso, só sabemos que a Arg. se apoderou de ambas as peças, de duas lojas diferentes, e com elas se ausentou do centro comercial em que estas se situavam, não tendo sido possível apurar quanto tempo mediou entre cada uma das acções, desde logo, porque a Arg. não confessou e, portanto, não explicou como, nem quando, nem onde se apoderou das mesmas[5], pelo que não é possível concluir pela unidade de resolução.

Podia ter acontecido que, após se apoderar de uma das peças, a Arg. tendo conseguido ausentar-se da loja sem ser detectada, mais confiante, tenha ido à outra loja apoderar-se da outra peça de roupa, o que implicava uma renovação da resolução.

Aliás, a Arg. nem põe em causa a pluralidade de resoluções, limitando-se a retirar a unidade criminosa do facto de a Ofendida ser a mesma.

Recordemos: “... Sucede que as lojas de onde foram retiradas as peças são propriedade da mesma pessoa a demandante, I..., S.A., pelo que se considera que não existe uma pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global da arguida, pois o lesado é o mesmo, desconhecendo-se se as lojas são comunicantes ou não, próximas, distantes, se a roupa é a mesma ...”.

Mas o facto de a vítima ser e mesma não é critério para a unidade criminosa.

Basta pensar no exemplo do agente que tendo furtado a carteira de uma vítima, se apercebe que, em face disso, esta se dirigiu a um terminal de “Multibanco”, onde levantou mais dinheiro, tendo-lhe, dez minutos depois, o agente furtado também esse dinheiro.

Ou do agente que se introduz sucessivamente em diferentes casas da mesma vítima, donde se apodera de diversos bens.

Ou do agente que, com intenção de matar, dá um tiro na vítima, convencendo-se de que o conseguiu, mas, umas horas depois, tendo-se apercebido que a vítima estava viva, no hospital, ali se desloca e lhe dá outro tiro, com a mesma intenção.

Estaríamos em face de um só furto ou de uma só tentativa de homicídio?

Parece não oferecer dúvidas que não.

Acresce que, no presente caso, se trata de duas lojas de marcas diferentes, o que reforça a probabilidade de haver a renovação da resolução criminosa.

Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.


*****

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos inteiramente a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC.


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Notifique.

D.N..


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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

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[1] Arguido/a/s.
[2] Supremo Tribunal de Justiça.
[3]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[4] Neste sentido, cf. Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, II vol., Almedina, 1971, págs. 202/3, donde citamos: “…Como, porém, determinar a existência de uma unidade ou pluralidade de juízos de censura?
Seguro é que, sempre que possa verificar-se uma pluralidade de resoluções — de resoluções no sentido de determinações de vontade, de realizações do projecto criminoso —, o juízo de censura será plúrimo. Restará ainda, porém, saber em que condições se poderá afirmar uma tal pluralidade de processos resolutivos.
O critério segundo o qual esta pluralidade seria de afirmar sempre que se descortinasse uma qualquer «descontinuidade» na actuação do agente não pode ser seguido: não apenas porque ninguém irá afirmar uma pluralidade de resoluções só porque o agente, v. g., descarregou vários golpes, uns a seguir aos outros, sobre a sua vítima, como, acima de tudo, porque uma série de actos descontínuos pode muitas vezes ficar unicamente a dever-se a uma série correspondente de impulsos mecânicos, a meras descargas automáticas de uma mesma resolução.
Afastado este critério, não nos resta outro, porém, se não o de considerar a forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. E justamente no sentido de que para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação [Nota: Contra isto poderia dizer-se que, assim, atende-se a um critério de normalidade e não ao que efectivamente se passou no espírito do agente. A crítica só seria procedente, porém, se o princípio se afirmasse sem quaisquer limites. Ora, bem ao contrário, tudo parece aconselhar que amplamente se admita prova do contrário daquilo que resulta do índice da conexão temporal. Parece, todavia, que tal prova não deve ser admissível quando a execução de uma certa actividade esteja tão afastada da outra que, à luz do critério de normalidade, seja de concluir ter entre ambas mediado uma renovação do processo motivatório.]. …”.

[5] Entendemos que esta situação se reconduz àquelas em que os Arg. optam pelo silêncio em julgamento. Ora, nestes casos, se é certo que tal silêncio os não pode prejudicar, também é certo que desse silêncio resulta a renúncia a apresentar a sua versão dos factos, nomeadamente, uma versão que permitisse concluir pela unidade da resolução criminosa.

Nesse sentido, veja-se a seguinte jurisprudência:

- acórdão do STJ de 20/10/2005, Processo 05P2939, in www.dgsi.pt, relatado por Simas Santos, do qual citamos: “Nesta sede refira-se que um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.”.;

- acórdão da RC de 04/05/2005, relatado por Oliveira Mendes, proc. 1314/05, in www.gde.mj.pt, do qual citamos: “… De todas estas normas respiga aquilo que se convencionou chamar “o direito ao silêncio” por parte do arguido, não como consagração de que este tem direito a mentir mas tão só e apenas o de que este não pode ser prejudicado se optar pelo silêncio.

No entanto, como refere F. Dias, in Direito Processual Penal, Primeiro Volume, edição da Coimbra Editora, 1981, a pág. 449: “Se o arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o seu direito ao silêncio, já, naturalmente, o pode ser de um mero ponto de vista fáctico, quando do silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infracção. Então, mas só então, representará o exercício de tal direito um privilegium odiosum para o arguido.”.
No mesmo sentido Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, Reimpressão da Univ. Católica, Lisboa, 1981, a pág. 153, quando este refere “... É claro, porém, que o comportamento do arguido que se recuse a esclarecer os factos pode redundar em seu prejuízo; não por virtude de qualquer sanção do seu comportamento, mas pela falta dos esclarecimentos que só ele poderia prestar ...”;
- acórdão John Murray do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, citado por Ireneu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 3ª ed., 2005, p. 139, que decidiu que “O tribunal nacional não pode concluir pela culpabilidade do arguido siplesmente porque este decidiu guardar silêncio. Apenas quando as provas da acusação requerem uma explicação que o arguido está em condições de fornecer, dessa omissão se poderá concluir, por um simples raciocínio de bom senso, que não existe nenhuma explicação possível e que o arguido é culpado.”;
- acórdão da RE de 26/06/2018, relatado por Gomes de Sousa, no proc. 1.075/16.6PAOLH.E1, in www.dgsi.p, com o seguinte sumário: “1 - O arguido pode recusar-se a prestar declarações sem, com isso, ser prejudicado. O seu direito à não auto-incriminação é “sagrado”. O que não pode esperar é que, com isso, seja beneficiado com o “atirar para cima do tribunal” com o seu ónus defensivo. 2 - O pressuposto essencial de um regime acusatório é a autonomia e liberdade do cidadão, mesmo arguido. Aliás, vel maxime o cidadão arguido. 3 - O princípio da investigação não pode ser transformado em princípio do inquisitório, mesmo que encapotado. 4 - E se o recorrente, podendo agir em seu benefício, prefere não o fazer, não pode após vir arguir como nulidade, ou violação de um dever do tribunal, uma sua omissão. E se essa omissão se destina a semear fundamento de arguição de nulidade ou fundamento de recurso, esse é um venire contra factum proprio que não abona a sua posição. 5 - Esta omissão de defesa do arguido não tem reflexo processual nem implica a adopção de medidas positivas, nos termos e para os efeitos do disposto na al. c) do n. 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pois que o arguido teve assistência de advogado constituído no momento determinante para apurar da “efetiva” defesa.”.
Cf., também Manuel Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 129, donde citamos: “…«Se - explicita Kúhl - o arguido exerce o seu direito ao silêncio, ele renuncia (faculdade que lhe é reconhecida) a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo. Para efeitos de valoração de prova, o silêncio figura, assim, como um nullum jurídico (rechtliches Nullum)» ().”.