Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5884/19.6T8VIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
DIREITO DOS SÓCIOS E ACIONISTAS À INFORMAÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL
ELEMENTOS DA CONVOCATÓRIA
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 21.º, N.º 1, AL.ª C), 58.º, N.º 1, AL.ª C), 130.º, 290.º, 291.º E 377.º, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I – O direito à informação dos sócios ou accionistas – o dever de informação deve permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário – é um dos princípios básicos em que assenta o Código das Sociedades, sancionando com a anulabilidade as deliberações tomadas sem que o dever de informação se mostre satisfeito – art.º 58.º-1-c).

II – O art.º 21.º que se refere aos direitos dos sócios, estabelece no seu n.º 1 al. c), que todo o sócio tem direito a obter informação sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato, é um direito que assume relevância na medida em que permite a fiscalização da gestão da empresa pelos seus membros.

III – Quando as informações visam tomar posição a respeito de deliberações complexas, como é o procedimento de transformação de sociedade – em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por acções – previsto nos artigos 130.º e sgs. do CSC, este direito torna-se mais premente e exigente do que aquele que se mostre assegurado nas demais condições de acesso à informação geral, impondo a lei que a informação seja prestada com outro nível de exigência por parte da empresa, sem necessidade que seja o accionista a procurar a informação.

IV – A convocatória, ainda que sucinta, deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objecto decisório.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 5884.19.6T8VIS

 

(Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ...)

Ação de Anulação de Deliberações Sociais

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

I

Autoras: AA, maior, casada, residente na Travessa ..., ... ... e

BB contribuinte n.º ..., residente na Av. ..., ... ...,

Réus: A..., S.A., sociedade anónima, NIPC ..., capital social de € 50.000, com sede na Quinta ..., ..., ... ....

Causa de pedir:

As Autoras colocam uma questão prévia relativamente à distribuição do capital social da sociedade pelos sócios.

Quanto ao cerne da questão alegam que receberam, no dia 30 de Outubro de 2019, uma convocatória para uma assembleia geral da sociedade Ré a realizar no dia 29 de Novembro de 2019, sendo que um dos pontos da ordem de trabalhos era a transformação da sociedade.

Em 11 de Novembro de 2019 solicitaram, por escrito, informações sobre a transformação da sociedade, visando saber em que tipo de sociedade a Ré se iria transformar e em que termos.

Esta informação nunca foi prestada até à data da AG, nem posteriormente.

Na Assembleia Geral de 29 de Novembro de 2019 as Autores apresentaram uma declaração de voto conjunta onde salientavam esse facto e que, por isso, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, principalmente quanto à intenção de transformação da sociedade.

No decurso da Assembleia Geral não foi prestada qualquer informação sobre este assunto, sendo que os pontos da ordem de trabalhos foram aprovados.

As Autoras entendem que as deliberações tomadas nessa Assembleia Geral são anuláveis, por força do disposto no art. 58º, nº1, al. c) CSC.

Pedido:

- Julgar-se procedente por provada a ação e, consequentemente, ser declarada a anulação das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral realizada no dia 29 de Novembro de 2019.

Contestação:

A Ré considera que se deveria suspender a presente instância até haver decisão no Processo nº4156/19...., em que se discute a distribuição do capital social da sociedade pelos sócios.

Impugna os documentos juntos pelas Autoras.

Refere que as Autoras detêm apenas uma participação de 6,25% do capital social, igual à participação dos demais sócios e irmãos, na sociedade criada pelo pai, entretanto falecido.

As Autoras tiveram (e ainda têm) à sua disposição todos os elementos para consulta na sede social da empresa, à qual têm livre acesso, sendo esta circunstância referida na convocatória enviada.

Em 14 de Julho de 2020 foi proferida decisão pela qual se julgou causa prejudicial a que se discutia no processo nº4156/19.... que corria termos no J... deste Juízo de Comércio; tendo-se determinado a suspensão da instância até que seja proferida sentença transitada em julgado nessa ação, nos termos do disposto no nº1 do art. 272º do C.P.C. 

Por força da decisão proferida no processo nº4156/19.... que correu termos no J... deste Juízo de Comércio, foram as Autoras convidadas a, no prazo de dez dias, requererem a intervenção principal provocada dos demais herdeiros da herança aberta por óbito de CC, contitulares das ações da sociedade Ré, o que fizeram.

Foi admito liminarmente a intervenção principal provocada de DD, EE, FF, CC, e GG, os quais foram citados.

Pelo Juízo de Comércio ... - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão:

“Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

- Julgar procedente por provada a presente ação.

- Anular as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral realizada no dia 29 de Novembro de 2019.

Custas pela Ré.

Registe e notifique”.

A..., S.A., não se conformando com tal decisão dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

É a seguinte a questão a resolver será a de aferir se as deliberações em causa foram precedidas do fornecimento, às Autoras, dos elementos mínimos de informação, designadamente, por ter sido dado cumprimento ao preceito legal de disponibilizar aos acionistas os documentos pertinentes à deliberação na sede da sociedade(?)

Foram erradamente considerados provados os quesitos:

- 6 (6. Não obstante tal pedido, a sociedade não forneceu tais informações, nem antes da Assembleia Geral convocada, nem no decurso da mesma, nem até hoje.)

-e quesito 7 (7. As Autoras deram conta do facto referido em 5 e 6 na declaração de voto conjunta que apresentaram no decurso da Assembleia Geral de 29 de novembro de 2019, referindo que, face à falta de resposta aos esclarecimentos solicitados e à não correção das participações sociais dos sócios da Ré, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, nomeada e fundamentalmente quanto à alegada intenção de transformação da sociedade Ré.)

Resultando incumpridos os artigos 288º número 3 e 290º números 1 e 2, ambos do Código das Sociedades Comerciais e o artigo 334º do Código Civil. (devendo ter sido interpretados no sentido em que AA, usando o seu direito de forma moderada e consentânea com o princípio do regular exercício dos direitos, poderiam ter aceite a convocatória para a assembleia geral, na mesma poderia o seu mandatário consultar a documentação e obter todos os esclarecimentos necessários e ainda ter tido acesso a todos os documentos à disposição na sede da R)

Nos termos do previsto nos artigos 132º, nº4, 133º e 134º do Código das Sociedades Comerciais, a transformação da sociedade é competência deliberativa dos sócios. In Casu, quando o assunto sobre o qual deve versar a deliberação dos acionistas é a transformação da sociedade, nos termos do previsto no artigo 132º alínea b) do Código das Sociedades Comerciais, a convocatória deve incluir nos assuntos da ordem do dia a aprovação da transformação.

O Presidente da Mesa da Assembleia convocou, em 29 de outubro de 2019, através de cartas registadas com aviso de receção dirigidas aos acionistas, entre os quais as Autoras, uma Assembleia Geral de Acionistas para o dia 29 de novembro de 2019. A ordem dos trabalhos daquele dia constante da convocatória consistia no seguinte:

-Aprovação do balanço reportado a 30 de setembro de 2019, nos termos do nº1 e 2 do art.º 132º do Código das Sociedades Comerciais.

-Aprovação da transformação.

- Aprovação do contrato pelo qual a sociedade passará a reger se;

Os sócios foram esclarecidos do texto da convocatória que, diga-se, no rigoroso cumprimento do previsto no artigo 377º número 8 do Código das Sociedades Comerciais “Os elementos referidos na ordem de trabalhos, encontram-se à disposição para consulta dos Senhores acionistas, na sede social da empresa.”

Ora, a decisão, douta, muito respeitosamente ora colocada em crise, sustenta-se numa visão estreita e formal (curiosamente auto - adjetivada de ampla) da obrigação da sociedade prestar informação ao socio/acionista, que, muito respeitosamente, nos permitimos discordar.

Não se acompanha este prisma formalista e restritivo porque, no essencial, se desadequa da justiça do caso concreto, fazendo tábua rasa do princípio do regular exercício dos direitos, abrindo portas ao abuso do mesmo.

Ao que acresce que/tanto mais que, in casu, não poderá deixar de se verificar (ainda) que o artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais permite salvaguardar, precisamente, as situações de claro abuso de direito, permitindo aos acionistas a consulta na sede da SA; também o artigo 290º do Código das Sociedades Comercias prevê a possibilidade dos acionistas, ou os seus representantes, solicitarem as informações necessárias durante a própria assembleia geral.

Reitera-se que, as autoras fizeram-se representar por ilustre advogado que se fez presente nas instalações da R. algum tempo (1 hora) antes do início dos trabalhos e, também durante os mesmos poderia ter tido acesso a todas as informações que achasse pertinentes. Também nos dias anteriores poderia ter consultado a documentação que se encontrava à sua disposição na sede da R.

10º

Desta forma, não pode deixar de se considerar incompreensível a sentença, ora em crise.

11º

Tanto mais que, como se percebe, a administradora é a mãe das autoras, aquela, senhora de prodiga idade que interpelou, vezes sem conta, as suas filhas no sentido de lhes fornecer as informações que estas, supostamente, precisavam.

12º

O Presidente da assembleia geral (EE) é irmão das autoras. Estas fizeram-se representar na assembleia geral por um Advogado

13º

Não sendo arriscado afirmar-se que as AA só não tiveram acesso às informações solicitadas por escrito, porque não quiseram, agiram em abuso daquele direito potestativo (da prestação de facere) e, quanto a esta atuação, permitir-se-á, muito respeitosamente, que se remeta para as lições do professor António Menezes que, tal como nós, entendemos que, tal como resulta do nosso direito base (direito Romano) nem sempre a recusa será ilícita (como é, para nós MUITO obvio!).

14º

Pois se, as filhas da presidente do Conselho de administração, irmãs do presidente da mesa da assembleia geral que se fizeram representar na assembleia por mandatário, tendo sido notificadas de que a documentação estava à disposição na sede social, que mandataram profissional forense que se fez presente nas instalações da SA em causa uma hora antes, não poderia ter pedido as informações?

15º

Bem se percebendo que quiseram criar as circunstâncias para depois, em autêntico venire contra factum proprium arguir a nulidade das deliberações?... a resposta das regras de experiência comum será, forçosamente diversa da plasmada na douta sentença, ora em crise.

16º

Neste sentido, mesmo em abstrato, será licita a recusa (que não se confessa), ainda que tácita pois, nos termos gerais (artigo 334º do Código Civil) será ilícito o exercício de um direito quando se mostre abusivo (também nas questões de praticabilidade) nominando estas como as causas de recusa de informação extralegais.2 Menezes Cordeiro, Manual (…) das Sociedades em geral p.674; Código…anotado P.635.

17º

A decisão, ora, muito respeitosamente em crise, torna-se ainda mais estranha quando resulta do seu texto que, cita-se “No nosso caso, a convocatória fez esta última menção, tendo-se demonstrado que os documentos necessários à transformação se encontravam, efetivamente, à disposição dos acionistas na sede da sociedade. “

18º

Decorrendo, inclusive da prova gravada que as AA tinham perfeito conhecimento do teor da convocatória, se fizeram representar por advogado, não receberam a notificação porque não quiseram e que o ilustre mandatário das mesmas nada fez no sentido de ser informado, apesar de já ter preparado o voto de forma fundamentada.

19º

Percebendo-se como erradamente considerado provado o teor dos quesitos 6 e 7 (Não obstante tal pedido, a sociedade não forneceu tais informações, nem antes da Assembleia Geral convocada, nem no decurso da mesma, nem até hoje.) pois, na verdade ninguém pode ser informado se não quiser perceber e receber a informação.

20º

O quesito 7 (7. As Autoras deram conta do facto referido em 5 e 6 na declaração de voto conjunta que apresentaram no decurso da Assembleia Geral de 29 de novembro de 2019, referindo que, face à falta de resposta aos esclarecimentos solicitados e à não correção das participações sociais dos sócios da Ré, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, nomeada e fundamentalmente quanto à alegada intenção de transformação da sociedade Ré.) Não sendo despiciendo afirmar-se que a declaração de voto ia pré feita, o que expõe à evidencia o abuso de direito,

21º

Ainda mais claro ficou o abuso do direito à informação por nenhuma diligência ter sido efetuada no sentido de obter a informação nem antes, nem no decurso da assembleia geral em causa.

Razões pelas quais se pugna pela substituição (nulidade) da sentença, ora em crise, em vista à sua substituição por outra que absolva a R. do Pedido, com o que se fará:

J u s t i ç a.

AA E BB, Recorridas nos autos à margem identificados em que é Recorrente A..., S. A., apresentam CONTRA-ALEGAÇÕES, assim concluindo:

(…).

2. Do objecto do recurso

I-Da matéria de facto;

A 1.ª instância alinhavou, assim, a sua matéria de facto:

Os factos provados:

1. No dia 30 de Outubro de 2019 as Autoras receberam cartas com a convocatória para uma assembleia geral da sociedade a realizar no dia 29 de Novembro de 2019.

2. A convocatória tinha como ordem de trabalhos o seguinte:

“Ponto um – Aprovação do balanço reportado a 30 de Setembro de 2019, nos

termos do n.º 1 e 2 do art. 132º do Código das Sociedades Comerciais;

Ponto dois – Aprovação da transformação;

Ponto três – Aprovação do contrato pelo qual a sociedade passará a reger-se.”

3. Da convocatória constava ainda que: “os elementos referidos na ordem de trabalhos encontram-se à disposição para consulta (…), na sede social da empresa”,

4. Os documentos pertinentes à transformação e referidos na ordem de trabalhos ficaram à disposição para consulta na sede social da empresa.

5. As Autoras, através do seu mandatário, em 11 de Novembro de 2019, enviaram carta registada com aviso de receção a solicitar esclarecimentos e o envio de informações que reputavam de fundamentais para a apreciação dos pontos constantes do anúncio convocatório, nomeadamente: “...quanto ao ponto dois constante da mesma, já que o mesmo apenas refere uma eventual aprovação de uma transformação, não especificando a espécie de transformação, nem em que termos (transformação da sociedade? Neste caso, em que tipo de sociedade?)”

6. Não obstante tal pedido, a sociedade não forneceu tais informações, nem antes da Assembleia Geral convocada, nem no decurso da mesma, nem até hoje.

7. As Autoras deram conta do facto referido em 5 e 6 na declaração de voto conjunta que apresentaram no decurso da Assembleia Geral de 29 de Novembro de 2019, referindo que, face à falta de resposta aos esclarecimentos solicitados e à não correção das participações sociais dos sócios da Ré, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, nomeada e fundamentalmente quanto à alegada intenção de transformação da sociedade Ré.

8. Os pontos da ordem de trabalhos foram votados e aprovados, com os votos contra das Autoras, na Assembleia Geral de 29-11-2019 e com o resultado que consta da ata dessa assembleia

9. Na ação correspondente ao processo nº4156/19.... que correu termos no J... deste Juízo de Comércio foi proferida sentença já transitada em julgado na qual se decidiu: “Julgo a presente ação instaurada por AA contra A..., S.A. (atualmente A..., Lda.), parcialmente procedente e, em consequência, declaro a nulidade da deliberação tomada na assembleia geral da ré, realizada no dia 23 (vinte e três) de julho de 2019 (dois mil e dezanove), na parte em que foi considerado e deliberado que o capital social tinha e passava a ter a representação mencionada no artigo 14º3 (décimo quarto ponto três) dos factos provados, por representar um ato de partilha que não está sujeito a deliberação dos sócios, e absolvo a ré do demais peticionado.”

Factos não provados.

Não se apuraram factos não provados que tivessem interesse para a boa decisão da causa”.

(…).

II- A deliberação foi precedida do fornecimento às Autoras dos elementos mínimos de informação, designadamente, por ter sido dado cumprimento ao preceito legal de disponibilizar aos acionistas os documentos pertinentes à deliberação na sede da sociedade?

As Autoras alinhavaram, assim, a sua causa de pedir:

Alegam que receberam, no dia 30 de Outubro de 2019, uma convocatória para uma assembleia geral da sociedade Ré a realizar no dia 29 de Novembro de 2019, sendo que um dos pontos da ordem de trabalhos era a transformação da sociedade.

Que em 11 de Novembro de 2019 solicitaram, por escrito, informações sobre a transformação da sociedade, visando saber em que tipo de sociedade a Ré se iria transformar e em que termos.

Esta informação nunca foi prestada até à data da AG, nem posteriormente.

Na Assembleia Geral de 29 de Novembro de 2019 as Autores apresentaram uma declaração de voto conjunta onde salientavam esse facto e que, por isso, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, principalmente quanto à intenção de transformação da sociedade.

No decurso da Assembleia Geral não foi prestada qualquer informação sobre este assunto, sendo que os pontos da ordem de trabalhos foram aprovados.

Entendem, por isso, que as deliberações tomadas nessa Assembleia Geral são anuláveis, por força do disposto no art. 58º, nº1, al. c) CSC.

A 1.ª instância decidiu assim:

“…a sociedade deve maximizar o conteúdo concreto dos direitos dos sócios à informação, designadamente, quando se trate de fornecer informação destinada a habilitar o acionista a votar em deliberação para a qual a coletividade dos sócios tenha competência. Ora, um dos casos em que a assembleia dos acionistas tem exclusiva competência, como acima vimos, é a de alterar o contrato social e transformar a sociedade num dos outros tipos societários que a lei prevê.

A sociedade, porém, e não obstante ter recebido a carta das Autoras solicitando as informações e documentos que consideravam indispensáveis para emitir um voto consciente na assembleia de sócios, a sociedade, dizíamos, não enviou às autora qualquer informação. Nesta medida, consideramos que existe uma efetiva violação do direito das Autores à informação.

As Autoras, acionistas, fizeram-se representar nessa assembleia e emitiram uma declaração de voto onde, no essencial, lamentavam a falta de resposta aos esclarecimentos solicitados e manifestavam não estarem em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos.

Ora, de acordo com o disposto na l. c) do nº1 do art. 58º “São anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade nos termos do art. 56º, quer do contrato de sociedade; b) … c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.” E o nº4 do mesmo artigo estabelece que “Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação: … b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.”

No nosso caso, como acima apontamos, foi violado o direito das Autoras à informação preparatória da assembleia dos acionistas, onde se discutia a transformação da sociedade

Assim, a deliberação é anulável pois, em primeiro lugar, encontra-se inquinada pela violação de disposições legais (art. 289º, nº3, al. a) em conjugação com o disposto no nº8 do art. 377º) não sancionadas com nulidade. – art. 58º, nº1, al. a); em segundo lugar, a violação destas normas representa, no caso concreto, a omissão do dever de fornecer aos sócios os elementos mínimos de informação antes da assembleia geral onde a deliberação foi tomada. – art. 58º, nº1, al. c). Cfr. J.M. Coutinho de Abreu in Op. Cit, Vol. I, pag. 672, evidenciando que, por um lado, a anulabilidade prevista na al. c) do nº1 do art. 58º resultava já da al. a) do mesmo preceito; e por outro, que o nº4 do art. 58º “não esgota os elementos informativos (mínimos ou não) cuja falta (antes da assembleia) pode originar a anulabilidade.”

Por fim, a anulabilidade deverá ser declarada porquanto o dever de a sociedade prestar informação aos acionistas previamente à assembleia geral de sócios destinada a discutir a transformação da sociedade é muito exigente. A violação deste dever, quando os acionistas solicitam informações essenciais e não lhes são fornecidas, é particularmente grave, na medida em que afeta seriamente o direito do acionista a participar na assembleia com toda a informação que lhe permitirá um voto esclarecido.

Assim, a violação do dever de prestar informações aos acionistas nos termos que temos vindo a expor traduz-se num vício de procedimento que é relevante e que, por isso, conduz à anulabilidade da deliberação”.

A Apelante não concorda, argumentando:

“5º

O Presidente da Mesa da Assembleia convocou, em 29 de outubro de 2019, através de cartas registadas com aviso de receção dirigidas aos acionistas, entre os quais as Autoras, uma Assembleia Geral de Acionistas para o dia 29 de novembro de 2019. A ordem dos trabalhos daquele dia constante da convocatória consistia no seguinte:

-Aprovação do balanço reportado a 30 de setembro de 2019, nos termos do nº1 e 2 do art.º 132º do Código das Sociedades Comerciais.

-Aprovação da transformação.

- Aprovação do contrato pelo qual a sociedade passará a reger se;

Os sócios foram esclarecidos do texto da convocatória que, diga-se, no rigoroso cumprimento do previsto no artigo 377º número 8 do Código das Sociedades Comerciais “Os elementos referidos na ordem de trabalhos, encontram-se à disposição para consulta dos Senhores acionistas, na sede social da empresa.”

Ora, a decisão, douta, muito respeitosamente ora colocada em crise, sustenta-se numa visão estreita e formal (curiosamente auto - adjetivada de ampla) da obrigação da sociedade prestar informação ao socio/acionista, que, muito respeitosamente, nos permitimos discordar.

Não se acompanha este prisma formalista e restritivo porque, no essencial, se desadequa da justiça do caso concreto, fazendo tábua rasa do princípio do regular exercício dos direitos, abrindo portas ao abuso do mesmo.

Ao que acresce que/tanto mais que, in casu, não poderá deixar de se verificar (ainda) que o artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais permite salvaguardar, precisamente, as situações de claro abuso de direito, permitindo aos acionistas a consulta na sede da SA; também o artigo 290º do Código das Sociedades Comercias prevê a possibilidade dos acionistas, ou os seus representantes, solicitarem as informações necessárias durante a própria assembleia geral”.

Avaliando.

Nestas matérias, cabe aos Tribunais verificar apenas se foram cumpridas as legais formalidades, se foi cumprido o dever de informação, se não foram praticados actos abusivos.

O direito à informação dos sócios ou accionistas - o dever de informação deve permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário - é um dos princípios básicos em que assenta o Código das Sociedades Comerciais – será o diploma a citar sem menção de origem -, sancionando com a anulabilidade as deliberações tomadas sem que o dever de informação se mostre satisfeito - art.º 58.º-1-c).

O art.º 21.º que se refere aos direitos dos sócios, estabelece no seu n.º 1 al. c), que todo o sócio tem direito a obter informação sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. É um direito que assume relevância na medida em que permite a fiscalização da gestão da empresa pelos seus membros.

O CSC não densifica o conceito de ‘informação’, mas seguindo a definição de Ana Gabriela Ferreira Rocha, informação é a possibilidade de acesso a quaisquer dados, de facto ou de direito, relacionados com o andamento dos negócios sociais ou a gestão da sociedade, obtidos de modo directo ou indirecto, independentemente dos meios ou instrumentos utilizados para o seu conhecimento, assim como o conteúdo ou substrato que deriva daquela possibilidade de acesso - “O direito à informação do sócio gerente nas sociedades por quotas”, na Revista de Direito das Sociedades, Ano II, 2011, n.º 4, página 1033.

A lei é prudente: impõe unicamente os elementos mínimos - Pinto Furtado, Deliberações dos sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 411 - adiantando este Autor que “não se vê nenhuma razão para exigir, em geral, relativamente às menções do aviso convocatório, um grau de pormenor tão elevado como o próprio recorte das propostas a apresentar à assembleia - Deliberações dos sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 415.

Adianta ainda, que o Código se contenta, em princípio, com a identificação do thema deliberandum de forma directa e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar - na densificação do critério orientador, a doutrina e jurisprudência defendem que os elementos mínimos de informação atípicos não devem potenciar o sacrifício da segurança e da estabilidade das deliberações dos sócios em função de simples bagatelas.

E, nessa lógica jurídica, ainda que sucinta, a convocatória deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objecto decisório.

Ora, diz-nos a norma do artigo 377.º, além do mais, que o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.

Seguindo a lição de Pinto Furtado - “Curso de Direito das Sociedades”, 4.ª edição, página 230-, o direito à informação ocorre em três níveis ou momentos distintos: a informação permanente, que é prestada a cada momento; a informação intercalar, que é prestada como preparatória de cada reunião da assembleia; e a informação em assembleia, que é prestada, na própria reunião, como elemento instrutório do debate.

De acordo com aquela que julgamos ser a melhor doutrina, o direito à informação tem natureza instrumental, na medida em que através dele é garantido o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente o direito aos lucros, ao voto, à impugnação de deliberações sociais, à eleição dos membros dos órgãos sociais, à sindicância dos negócios sociais, à acção de responsabilidade contra os gerentes, etc.

No que respeita aos accionistas das sociedades anónimas – como é o caso dos presentes autos – o legislador fez a distinção entre um direito mínimo à informação - artigo 288º -, um direito a informações preparatórias da assembleia geral - artigo 289º -, um direito à informação em assembleia geral - artigo 290º - e um direito colectivo à informação - artigo 291º.

Este direito à informação apresenta-se como mais limitado do que nas sociedades de âmbito mais pessoal e não raro é circunscrito à detenção de uma determinada percentagem do capital social, o que se compreende devido ao grande número de acionistas que podem comportar e também à maior facilidade com que se transmitem as acções.

O direito mínimo à informação traduz-se num direito de consulta dos elementos mencionados nas cinco alíneas do n.º 1 do artigo 288º, a saber:

a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei; b) As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos; c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais; d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efectivos do pessoal excedam ou não o número de 200; e) O documento de registo de acções -, é, em regra, exercido na sede da sociedade.

Quanto às informações preparatórias da assembleia geral, denominada informação intercalar, estabelece o art.º 289.º:

“1-Durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, devem ser facultados à consulta dos acionistas, na sede da sociedade:

a) Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização, bem como da mesa da assembleia geral;

b) A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam cargos sociais, com exceção das sociedades de profissionais;

c) As propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração, bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar;

d) Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros dos órgãos sociais, os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das atividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de ações da sociedade de que são titulares;

e) Quando se trate da assembleia geral anual prevista no n.º 1 do artigo 376.º, o relatório de gestão, as contas do exercício, demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal das contas e o parecer do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, conforme o caso, e ainda o relatório anual do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão e da comissão para as matérias financeiras.

2 - Devem igualmente ser facultados à consulta dos acionistas, na sede da sociedade, os requerimentos de inclusão de assuntos na ordem do dia, previstos no artigo 378.º

3 - Os documentos previstos nos números anteriores devem ser enviados, no prazo de oito dias:

a) Através de carta, aos titulares de ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social, que o requeiram;

b) Através de correio eletrónico, aos titulares de ações que o requeiram, se a sociedade não os divulgar no respetivo sítio na Internet.

4 - Se a sociedade tiver sítio na Internet, os documentos previstos nos n.ºs 1 e 2 devem também aí estar disponíveis, a partir da mesma data e durante um ano, no caso do previsto nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 e no n.º 2, e permanentemente, nos demais casos, salvo se tal for proibido pelos estatutos.”

“No caso de a sociedade ter sítio na Internet, os documentos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do CSC devem também aí estar disponíveis durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral; A não divulgação deles no respectivo sítio na Internet não configura violação do direito à informação preparatória da assembleia geral, pois o que a lei prevê, em tal hipótese, é a faculdade de qualquer accionista requerer o seu envio, através de correio electrónico, o que a sociedade deverá cumprir no prazo de oito dias” – Acórdão desta Relação de Coimbra de 25.1.2021 (Relator Emidio Santos).

O art.º 290.º do CSC por seu turno, reporta-se às informações em assembleia geral, com vista à formação de opinião sobre os assuntos sujeitos a deliberação, prevendo o n.º 1 que: “na assembleia geral o acionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”, limitando o n.º 2 os casos em que as informações podem ser recusadas, sendo que a sua recusa injustificada é também causa de anulabilidade da deliberação, de acordo com o previsto no n.º 3.

Daqui resulta que o direito à informação impõe informações verdadeiras, completas e elucidativas, mas também que não é um direito absoluto, podendo ser negada desde que verificados os fundamentos previstos na lei.

O legislador distingue aqui nos art.º 289.º e 290.º o direito à informação preparatória das assembleias gerais, a prestar previamente à sua realização, do direito à informação nas assembleias gerais.

A gradação da forma de obter a informação corrente mostra-se justificada através do peso relativo do(s) accionista(s) na estrutura da empresa, - o que se compreende perfeitamente se pensarmos no capital com que cada um contribuiu e na necessidade de se não criarem constantes bloqueios ao funcionamento da empresa, principalmente por parte de quem menos contribui, em termos accionistas, na estrutura da empresa, deixando no entanto salvaguardados minimamente os direitos à informação geral.

A lei, no entanto, não consagra, em qualquer caso, um direito de informação absoluto, pois que prevê, em certos casos, fundamentos para a recusa de informação, como os indicados no art. 290.º, e que se verificam:

a) quando for de recear que o accionista a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista;

b) quando a divulgação, embora sem os fins referidos na alínea anterior, seja susceptível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas;

c) quando ocasione violação do segredo imposto por lei.

Como se escreve no Acórdão do STJ, de 16 de Março de 2011, no proc. 1560/08.3TBOAZ.P1.S1, pesquisável em www.dgsi.pt : “Só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecida.”

Ainda sobre este tema, lemos:

I - O direito à informação, genericamente previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, onde se preceitua que todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato, é um direito social autónomo e não meramente instrumental, corolário do risco de entrada na sociedade, traduzindo-se numa “ferramenta de controlo social”, que permite a reclamação de dados essenciais à salvaguarda da posição financeira e social do sócio.

II - O direito à informação desdobra-se em quatro vertentes distintas e complementares, integrando: um direito a obter informações; um direito de consulta dos livros e documentos da sociedade; um direito de inspeção de bens sociais; e, embora noutro plano, um direito de requerer inquérito judicial.

III - Há que distinguir entre “direito à informação preparatória das assembleias gerais” previsto no art.º 289.º do CSC e “direito à informação nas assembleias gerais” previsto no artigo 290.º do mesmo diploma legal.

IV - As informações a que se refere o n.º 1 do artigo 290.º do CSC, não se reportam à entrega de quaisquer documentos preparatórios da assembleia, mas sim ao esclarecimento e resposta a todas as dúvidas e questões pertinentes formuladas pelo sócio durante a assembleia” – Acórdão da Relação do Porto de 25.1.2016.

“I - O artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais concretiza o direito social à informação, genericamente previsto no artigo 21.º, n.º 1, b), com vista à preparação do acionista na assembleia geral.

II - O direito à informação do acionista com vista a intervir e votar na assembleia geral tem por objectivo habilitar o sócio a “formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”. III - A recusa injustificada das informações asseguradas pelo referido normativo é causa de anulabilidade da deliberação. IV - Todavia, o vício só assume relevância, de forma a constituir fundamento de anulabilidade de uma deliberação social, se existir relação directa ou nexo lógico entre o objecto da deliberação e a informação sonegada, ou errada ou incompletamente facultada. – Acórdão da Relação do Porto de 7.12.2017;

Ora, dos autos resulta:

3. Da convocatória constava ainda que: “os elementos referidos na ordem de trabalhos encontram-se à disposição para consulta (…), na sede social da empresa”,

4. Os documentos pertinentes à transformação e referidos na ordem de trabalhos ficaram à disposição para consulta na sede social da empresa.

5. As Autoras, através do seu mandatário, em 11 de Novembro de 2019, enviaram carta registada com aviso de receção a solicitar esclarecimentos e o envio de informações que reputavam de fundamentais para a apreciação dos pontos constantes do anúncio convocatório, nomeadamente: “...quanto ao ponto dois constante da mesma, já que o mesmo apenas refere uma eventual aprovação de uma transformação, não especificando a espécie de transformação, nem em que termos (transformação da sociedade? Neste caso, em que tipo de sociedade?)”

6. Não obstante tal pedido, a sociedade não forneceu tais informações, nem antes da Assembleia Geral convocada, nem no decurso da mesma, nem até hoje.

7. As Autoras deram conta do facto referido em 5 e 6 na declaração de voto conjunta que apresentaram no decurso da Assembleia Geral de 29 de Novembro de 2019, referindo que, face à falta de resposta aos esclarecimentos solicitados e à não correção das participações sociais dos sócios da Ré, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, nomeada e fundamentalmente quanto à alegada intenção de transformação da sociedade Ré.

8. Os pontos da ordem de trabalhos foram votados e aprovados, com os votos contra das Autoras, na Assembleia Geral de 29-11-2019 e com o resultado que consta da ata dessa assembleia”.

Salvo o devido respeito pela Apelante, entendemos que no caso ora em devassa, a informação constante do aviso convocatório - Ponto dois – Aprovação da transformação (…)  “os elementos referidos na ordem de trabalhos encontram-se à disposição para consulta (…), na sede social da empresa”, mostram-se insuficientes para o esclarecimento e resposta às dúvidas e questões apresentadas pelas Acionistas/Apeladas. Não se cumpriram, em nossa opinião, as exigências formais a respeito da satisfação do “dever mínimo de informação” para efeitos de votação da transformação da sociedade.

Quando as informações visam tomar posição a respeito de deliberações complexas, como é o procedimento de transformação de sociedade - em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por acções – previsto nos artigos 130.º e sgs. , este direito torna-se mais premente e exigente do que aquele que se mostre assegurado nas demais condições de acesso à informação geral, impondo a lei que a informação seja prestada com outro nível de exigência por parte da empresa, sem necessidade que seja o accionista a procurar a informação.

Nas palavras do Acórdão desta Relação de Coimbra de 19.12.2018 (Relator Arlindo Oliveira), “ o direito à informação está consagrado, de forma genérica, no art. 21 nº1 c) do CSC, pelo qual todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato, e, de modo mais específico, nos arts.288 a 290 CSC, que regulam, respectivamente, o direito mínimo à informação, as informações preparatórias da assembleia geral e as informações prestadas em assembleia geral; o direito às informações preparatórias da assembleia geral ( art.289 CSC) concretiza-se na disponibilização de documentos aos sócios, propostas de accionistas e membros dos órgãos sociais a eleger.

Trata-se de um direito que deve ser exercido, pessoalmente, pelo sócio, que se pode fazer acompanhar de perito e obter a reprodução de elementos que repute essenciais ao seu esclarecimento (arts 214 nº4 e 288 nº3 CSC); por outro lado, como resulta do art.289 nº1 (in fine ) CSC, os elementos facultados para consulta devem-no ser na sede da sociedade, por ser o local onde devem ficar à disposição dos sócios os documentos preparatórios da assembleia geral;  apesar do art.289 nº3, al. a) do CSC permitir o envio, através de carta, dos documentos relativos à preparação da assembleia geral, tal não posterga o direito do sócio a consultá-los na sede da sociedade; o direito à informação, previsto no art.289 CSC, não está condicionado à alegação de motivação, só pode ser exercido na sede da sociedade, podendo a sociedade enviar os documentos por carta, mas desde que o sócio assim o requeira, porque apenas cabe ao sócio o “direito de escolha” acerca do modo de exercício do direito que a lei lhe atribui, bem como de quais os documentos que pretende consultar, e não também à sociedade/ com declaração de voto (Catarina Gonçalves):

 “Tal como referimos supra, o direito à informação preparatória das assembleias gerais destina-se a facultar aos sócios/accionistas a possibilidade de recolherem os elementos e as informações necessárias para tomar posição relativamente aos assuntos que irão ser debatidos na assembleia e para exercer o seu direito de voto de forma consciente e fundamentada; por isso a lei determina a anulabilidade da deliberação que venha a ser tomada sem respeitar aquele direito; a deliberação é anulável porque a falta de informação aos sócios/accionistas é susceptível de afectar e viciar o processo que conduz à formação da vontade que se exprime pelo exercício do direito de voto.

Mas, porque assim é, só deverá conduzir à anulação da deliberação a falta de informação que seja susceptível de afectar e viciar a manifestação de vontade por parte do sócio/accionista relativamente à concreta deliberação que se pretende ver anulada. Isso mesmo se considerou no Acórdão do STJ de 16/03/2011 (proferido no proc. nº 1560/08.3TBOAZ.P1.S1) quando ali se refere que “Só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecido”.

Seguindo o raciocínio de Alexandre de Soveral Martins - Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. V, pág. 201 “no nº3, al. a), [do art. 289º]  - “é imposto à sociedade o dever de enviar no prazo de oito dias, por carta, a acionistas que o requeiram e sejam titulares de ações correspondentes a, pelo menos, 1º do capital social, os documentos previstos no nº1 e 2. / O direito a obter por essa via os referidos documentos acresce ao direito de consulta na sede e, na nossa opinião, não pode ser afastado no contrato de sociedade. Em regra, não parece sequer que o direito a obter o envio por carta seja afastado pelo facto de o acionista ter efetuado anteriormente a consulta na sede ou pela divulgação no sítio da internet.”

Com escreve a 1.ª instância, “a anulabilidade deverá ser declarada porquanto o dever de a sociedade prestar informação aos acionistas previamente à assembleia geral de sócios destinada a discutir a transformação da sociedade é muito exigente. A violação deste dever, quando os acionistas solicitam informações essenciais e não lhes são fornecidas, é particularmente grave, na medida em que afeta seriamente o direito do acionista a participar na assembleia com toda a informação que lhe permitirá um voto esclarecido.

Assim, a violação do dever de prestar informações aos acionistas nos termos que temos vindo a expor traduz-se num vício de procedimento que é relevante e que, por isso, conduz à anulabilidade da deliberação”.

E não vislumbramos que a posição das Apeladas, ao solicitarem esclarecimentos e o envio de informações que reputavam de fundamentais para a apreciação dos pontos constantes do anúncio convocatório, nomeadamente: “...quanto ao ponto dois constante da mesma, já que o mesmo apenas refere uma eventual aprovação de uma transformação, não especificando a espécie de transformação, nem em que termos (transformação da sociedade? Neste caso, em que tipo de sociedade?)” - dando, ainda conta de tal na declaração de voto conjunta que apresentaram no decurso da Assembleia Geral de 29 de Novembro de 2019 - face à falta de resposta aos esclarecimentos solicitados e à não correção das participações sociais dos sócios da Ré, não se encontravam em condições de proceder à votação dos pontos da ordem de trabalhos, nomeada e fundamentalmente quanto à alegada intenção de transformação da sociedade Ré - , tivessem exorbitado do seu direito, muito menos de forma ilegítima, ou que tivessem excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Cumpriram o que lhes era formal e substancialmente exigido, na justificação da prática de tais actos, como actos indispensáveis para a obtenção desse fim, deixando assim fora de hipótese a possível interpretação de que tais actos tivessem correspondido a puros actos emulativos, uma forma de pura e simplesmente prejudicar a sociedade Apelante.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pela Apelante, mantemos o decidido na 1.ª instância.


As conclusões (sumário):
(…).

Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio ... - Juiz ....

Custas pela Apelante.

Coimbra, 12 de Abril de 2023

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira – 1.º adjunto)

( Emidio Santos - 2.º adjunto)