Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
374/10.5 TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
NATUREZA JURÍDICA
RESPONSABILIDADE
BANCO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 540.º, 796.º, N.º 1, 799.º, N.º 1, 1144.º, 1185.º E 1205.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. O depósito bancário, consistindo num depósito em dinheiro junto de um banqueiro, assume a natureza jurídica de um contrato de depósito irregular sendo-lhe assim aplicáveis, na medida do possível, as regras do mútuo (art.ºs 1185.º e 1205.º do Código Civil);

II. Deste modo, por via da transferência do domínio da coisa e, consequentemente, do risco de perecimento, não ilidindo a instituição bancária a presunção de culpa que sobre ela impende, mantém-se a obrigação a seu cargo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 540.º, 796.º, n.º 1, 799.º, n.º 1 e 1144.º, todos do mesmo diploma legal.

Decisão Texto Integral: No Tribunal Judicial da Marinha Grande,

A..., divorciada, desempregada, residente na Rua (...), Marinha Grande, na qualidade de legal representante de seus filhos menores B..., com o NIF (...) e C..., com o NIF (...),

Veio instaurar contra

D..., com agência da (...), Marinha Grande, acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré a restituir aos menores a quantia de € 10 560,00 (dez mil, quinhentos e sessenta euros), acrescida dos juros de mora que se venceram desde a data em que tal quantia foi indevidamente removida da conta, que computa em € 633,02, e nos vincendos até à regularização final da situação, e ainda no pagamento da quantia de € 5 000,00 a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, sobre a qual reclama igualmente juros desde a data da citação.
Em fundamento alegou, em síntese útil, ser a mãe dos menores B... e C..., cabendo-lhe o exercício do poder paternal respectivo. Na qualidade de legal representante dos menores celebrou com a ré, na agência da Marinha Grande, a abertura de contas poupança tituladas por cada um dos seus identificados filhos, nas condições de movimentação que especifica. Sucede, porém, que tendo consultado as contas dos menores no dia 1/9/2008, verificou que as mesmas haviam sido irregularmente movimentadas, tendo sido retirado da conta de seu filho B... o montante de € 7 560,00 e da conta titulada por sua filha C... a quantia de € 3 000,00. Porque tais movimentos não foram por si efectuados ou autorizados, a ocorrência dos mesmos ficou a dever-se a fragilidades do sistema informático da demandada, sobre quem recai a obrigação de proceder à respectiva reposição por força do vínculo contratual estabelecido com os demandantes. Porque a situação vem causando ansiedade, preocupações e perturbações no sono, quer da autora, quer dos seus representados, estamos perante dano de natureza não patrimonial, cujo ressarcimento igualmente reclama.
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Citada a ré, apresentou a contestação que consta de fls. 39 a 51, peça na qual se defendeu por impugnação e também por excepção.
Em sede exceptiva arguiu a incompetência territorial do Tribunal judicial da comarca da Marinha Grande, defendendo a competência dos juízos cíveis da comarca de Lisboa, e ainda a irregularidade da representação dos menores, dada a ausência na lide do seu progenitor e atento o disposto no art.º 10.º, n.º 2 do CPC.
Por impugnação, alegou que os movimentos em causa foram, todos eles, efectuados com recurso à utilização do serviço D... Directa on-line, ao qual a autora aderiu em Dezembro de 2006. Deste modo, porque as transferências foram validadas com o nr. de contrato, código de acesso e números do cartão matriz solicitados, o que só foi possível por inserção da própria autora ou por outrem a quem tivesse, voluntária ou involuntariamente, divulgado tais elementos, inexiste responsabilidade por banda da contestante.
A autora replicou, respondendo à matéria das excepções (e não só).
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Afirmada a competência territorial do TJ da Marinha Grande, foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a aí (incorrectamente) denominada excepção dilatória “da ilegitimidade de B... e C...” e, tendo sido dispensada a organização da base instrutória, prosseguiram os autos para julgamento.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal proferido a decisão sobre a matéria de facto constante de fls.143 a 149, sem reclamação das partes. Foi depois proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré do pedido.
Inconformados, os AA interpuseram o presente recurso e, tendo produzido as alegações, delas extraíram as necessárias conclusões de que se destacam, por relevantes, as seguintes:
“I. Não há sistemas informáticos perfeitos e imunes a devassas por intrusos e a sabotagens, sendo certo que cabe, exclusivamente, à Ré implementar os seus meios informáticos, escolher os seus sistemas operativos, fiscalizando, alterando, e vigiando os seus sistemas antivírus e anti introdução abusiva nesse sistema, pelo que lhe cabe suportar o ónus de furtos feitos informaticamente, salvo se provar que foi o cliente que dolosamente a isso deu azo, o que no caso dos autos não provou e a culpa não se presume;
ii. A Ré age no mercado de forma profissional altamente organizada, que supostamente domina em alto grau as tecnologias de ponta da informática, cabendo-lhe assegurar a regularidade do funcionamento do sistema, para além do controlo dos meios técnicos utilizados, compreendendo-se assim que sobre ela recaia o risco de esse mesmo sistema gerar danos não imputáveis a culpa dos seus utilizadores. A prestação feita, ainda que indevidamente, a terceiros, não dispensa a Ré de uma nova prestação, agora perante o credor.
iii. A A. não agiu com culpa, nem com negligência, pois não está provado ter sido ela quem procedeu, ou ordenou, ou autorizou, ou permitiu, que fossem efectuados movimentos nas contas dos filhos, sendo que o ónus de o provar pertencia à Ré;
iv. Não basta à Ré tentar impor a um cliente proposições pré-elaboradas para a generalidade de candidatos a clientes. Cabe-lhe o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva à parte que utilize essas cláusulas gerais, quer as iniciais, quer as subsequentes alterações. E para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique. E a Ré não fez essa prova;
v. Só as contas bancárias de depósitos à ordem podem ser movimentadas a débito e a crédito sem limitações, desde que não se ultrapasse o valor do que está depositado; consequentemente, nas contas de depósito a prazo, os movimentos a débito só podem ser feitos nos prazos acordados, salvo acordo com a Ré, e neste caso com penalizações;
vi.  As contas dos autos dos filhos da A., embora denominadas contas poupança, eram “contratos de contas a prazo” (,,,) e, por isso – pois a Ré não os forneceu - não podiam ser movimentadas através de cheque, de cartão de débito, ou de caderneta com PIN nas máquinas que a Ré coloca à disposição (pontos 5 a 7 dos factos assentes); assim, as contas só podem ser movimentadas a débito ou a crédito pela presença pessoal no balcão de quem as possa movimentar (ponto 8. dos factos assentes) e cláusulas 17.1 e 18 das condições gerais);
vii. Nos termos da cláusula 20 das ditas condições gerais para abertura e movimentação das contas dos filhos da A. “ a utilização de meios telefónicos ou telemáticos na movimentação da conta rege-se por contratos especiais”. E a Ré não fez prova, e esse ónus cabia-lhe, de ter havido algum contrato especial, que não fez, ou ter havido alteração das cláusulas 17.1 e 18;
viii. A A., mãe dos menores, aderiu em 21/12/2006 a um contrato de utilização do serviço D... directa, mas fê-lo exclusivamente para uma sua conta pessoal de que é titular. No ponto 1 deste contrato de adesão consta expressamente que só funciona para “ a aquisição de serviços, realização de consultas e de operações bancárias relativamente a contas de que seja a única titular, ou co-titular em regime de solidariedade e que possa livremente movimentar utilizando, para o efeito, canais telemáticos…internet… ou outras formas de acesso a ser definidas pela D...”;
ix. A Ré não é titular ou co-titular da conta dos filhos, pelo que se há acesso telemático, através da conta de que a A. é titular, pelo sistema do D... directa, à conta dos filhos, ao arrepio manifesto e claro do que dispõem as cláusulas 17.1, 18 e 20 das condições gerais e de movimentação (conclusões 7.ª e 8.ª acima), é clamorosa falha do sistema da Ré, a ela exclusivamente imputável;
x. A Ré não provou documentalmente quem devassou e como devassou o seu sistema informático e movimentou abusivamente as contas dos filhos da A., e não lhe é legítimo presumir que tenha sido feito através do computador da A;
 xi. Tendo em conta os documentos juntos aos autos, e de acordo com as citadas cláusulas das condições gerais dos contratos de adesão, devem em conformidade ser alteradas as seguintes respostas dos factos dados como provados sob os pontos 7., 8. e 25., introduzindo-se sob os n.ºs 26 e 27 os factos que propõe.
xii. Como a resposta ao ponto 26. dos factos assentes está em manifesta contradição com o ponto 1 das cláusulas do contrato de adesão da D... directa e cláusula 20 das condições da abertura e movimentação das contas dos menores, ambos juntos aos autos e aceites pelas partes, esta resposta deve ser eliminada;
xiii. As respostas dadas aos pontos 27. a 31. dos factos assentes referem-se a obrigações existentes entre a Ré e a A exclusivamente enquanto titular de uma conta de depósito à ordem que tinha na Ré e não como mãe dos menores dos autos, pelo que devem ser eliminadas;
xiv. Não havendo contrato especial para utilização de meios telemáticos para movimentação das contas dos menores filhos da A. e não tendo a Ré demonstrado, como era seu ónus, culpa da A, pois não se provou que foi a A quem procedeu, ou ordenou, ou autorizou, ou permitiu que fossem efectuados movimentos nas contas de seus filhos, é a Ré responsável pela reposição inteira nas contas a prazo dos filhos da A das quantias de que ficaram privadas, acrescidas dos juros devidos calculados à taxa então em vigor; Conforme ao disposto nos artigos 476.º- 2 e 770.º do Cód. Civil.
xv. A descrita situação [de desapossamento dos menores das suas economias] tem causado à A. e a seus filhos, preocupações, tristeza, perdas de sono, stress à A e aos filhos, que são danos não patrimoniais que tem a tutela do direito e, como tal devem ser indemnizados;
xvi. O tribunal a quo não valorou, nem sopesou, o teor das cláusulas aplicáveis aos factos dos autos, constantes das “condições de abertura e movimentação de contas de menores e de utilização do sistema de D... directa on line”, de que não é admissível prova em contrário, e deu como provado um facto contrário a essas normas (que a A. podia livremente movimentar as contas a prazo dos filhos pelo sistema D... directa, conforme resposta dada no ponto 26. - em contradição manifesta com as resposta 5. a 8. dos factos provados, as contas só poderem ser movimentadas pessoalmente no balcão). Há pois manifesta contradição nas respostas, estão em violação com a documentação junta e não impugnada. Acresce que foi dada como provada matéria que nada tem a ver com os presentes autos.
xvii. Há assim excesso de pronúncia, deficiência e contradição na matéria de facto dada como provada, o que fundamenta e justifica a pedida alteração das respostas dos factos provados e a eliminação de outras, conforme artigo 653.º-4 do CPC, a que acresce estarem os fundamentos em oposição com a decisão, deixando a M. Juiz de se pronunciar sobre questões que devia pronunciar-se e apreciou questões que não devia apreciar nem conhecer. Há, assim, fundamento para a presente apelação.
Com tais fundamentos pugna pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que condene a ré no pedido formulado.
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A ré apelada contra alegou, pugnando naturalmente pela manutenção do decidido. Cautelarmente, e para o caso de procederem as razões invocadas pela apelante, e em sede de ampliação do objecto da apelação, requereu fosse dada como assente a matéria por si alegada em 36.º da contestação, em conformidade “com os depoimentos prestados pela testemunhas Srs. F... e G..., ouvidas respectivamente aos factos alegados nos n.ºs 3, 4, 7 a 17, 21 a 23, 25, 28, 29, 31 a 36 e 39 e aos factos n.ºs 15 a 28 e 31 a 36 da contestação, depoimento este que se encontra gravado no sistema habilus media studio, e que foi prestado na sessão de julgamento de 24.05.2012”.
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Assente que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso (art.ºs 684.º n.º 3 e n.º 1 do art.º 685.º-A do CPC), as questões colocadas à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
i.  da questão prévia da admissibilidade do documento oferecido com as alegações;
ii. da alteração da matéria de facto;
iii. da natureza jurídica do contrato de depósito bancário e da responsabilidade da instituição bancária.
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i. Da questão prévia da admissibilidade do documento oferecido com as alegações:
Compulsados os autos, verifica-se que os apelantes fizeram juntar com as suas alegações uma certidão, datada de 28 de Maio de 2012, extraída do inquérito criminal pendente nos serviços do Ministério Público junto da comarca de Alentejo Litoral, secção de processos de Santiago do Cacém, sob o n.º 212/08.9 JASTB, em que são queixosos os aqui AA.
Opôs-se a demandada, com fundamento na sua intempestividade e irrelevância para a decisão.
Apreciando:
Destinando-se os documentos a fazer prova dos factos (vide o art.º 341.º do Código Civil), consoante se destinem à prova dos fundamentos da acção ou da defesa, assim devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, consoante dispõe o n.º 1 do art.º 523.º do Código do Processo Civil. No entanto, logo o n.º 2 do preceito vem permitir que a junção ocorra até ao encerramento da discussão em 1.º instância, mediante a condenação da parte em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado respectivo.
Fora do âmbito de aplicação do citado art.º 523.º, só nos casos escolhidos previstos no art.º 693.º-B será permitido às partes juntar documentos às alegações. Tais situações excepcionais são, por força da remissão para o art.º 524.º, aquelas em que a junção dos documentos não foi possível até ao encerramento da discussão; os casos em que os documentos oferecidos se destinam a fazer prova de factos posteriores aos articulados; ou ainda aqueles em que a sua apresentação se tornou necessária por virtude de ocorrência posterior (n.ºs 1 e 2 deste preceito). Por último, tal possibilidade vem ainda prevista para os casos em que a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, não interessando por ora, dada a sua manifesta inaplicabilidade, as excepções consagradas na parte final do citado art.º 693.º-B.
Identificados os grupos de situações em que é possível juntar documentos com as alegações, constata-se que os apresentantes não intentaram sequer justificar o oferecimento tardio, e se é verdade que a certidão ostenta uma data posterior ao encerramento da discussão da causa não é menos certo que os requerentes não fizeram prova de que a não tivessem podido obter em momento anterior uma vez que, conforme justamente assinala a apelada, se trata de inquérito pendente desde 2008 (ainda que não encerrado, consoante asseverado na aludida certidão).
Acresce que a admissão de qualquer documento depende da formulação, por banda do julgador, de um juízo de pertinência (cf. art.º 543.º). Ora, da análise do documento oferecido, não resulta que o mesmo forneça qualquer contributo para a decisão da causa, posto que das diligências levadas a cabo no âmbito daquele inquérito não terão ainda resultado elementos suficientes para imputar aos investigados a prática do indiciado crime de burla informática. Daí que, por não cumprir igualmente o requisito da pertinência e necessidade, sempre a admissão do documento seria de rejeitar.
Atento o exposto, por intempestivamente oferecido e impertinente, não se admite a certidão oferecida pelos apelantes com as alegações, ordenando-se, consequentemente, o seu desentranhamento e entrega à parte apresentante.
Custas do incidente a cargo dos AA, com taxa de justiça reduzida ao mínimo legal.
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II. Da alteração da matéria de facto
Pretende a apelante a alteração da decisão proferida a propósito da matéria de facto quanto aos pontos 7, 8 e 25 da sentença recorrida, pugnando ainda pela eliminação dos pontos 26 a 31 e requerendo a final o aditamento de dois factos, que tem por indevidamente desconsiderados. Em seu entender, as alterações aos primeiros pontos impõem-se face ao teor “dos documentos juntos aos autos e de acordo com as condições gerais para abertura e movimentação das contas dos menores”; a eliminação do ponto 26. por se encontrar em manifesta contradição com o ponto 1 das cláusulas do contrato de adesão da D... directa e cláusula 20 das referidas condições de abertura e movimentação de contas de menores; a desconsideração dos restantes por nenhum interesse terem para os autos. Daqui extrai ainda a apelante a conclusão de que a decisão proferida [sobre a matéria de facto] padece de excesso de pronúncia, deficiência e contradição, tendo a Mm.ª juíza deixado de se pronunciar sobre questões que devia, tendo apreciado outras que lhe estava vedado apreciar e conhecer.
“Prima facie”, há que referi-lo, tendo as partes sido notificadas da data da publicação da decisão proferida nos termos do art.º 653.º do CPC, nenhuma compareceu, assim renunciando a dela reclamar no acto com algum dos fundamentos previstos no n.º 4 do preceito.
Visto ainda o teor da alegações e conclusões expostas, constata-se que a apelante não especifica quais as questões sobre as quais foi omitida pronúncia, nem tão pouco aquelas em relação às quais ocorreu excesso, o que inviabiliza a apreciação desta arguição por banda deste Tribunal de recurso.
Quanto à pretendida modificação:
Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 712.º do CPC “A decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa”, não interessando agora as situações previstas nas demais alíneas.
Esta al. a) prevê dois distintos grupos de casos, e apenas quanto àqueles a que se reporta a segunda parte se impõe a reapreciação pela Relação dos depoimentos gravados em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, isto sem prejuízo de atender oficiosamente a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
No que diz respeito à pretendida alteração aos referidos pontos 7. e 8., que se imporia face ao que consta do documento oportunamente junto pelos apelantes denominado “Condições Gerais de abertura de conta em nome de menor, interdito, inabilitado”, contrato de adesão em uso na Ré e subscrito pela mãe dos menores, nomeadamente quanto às condições de movimentação das contas por estes tituladas (cláusulas 17.1, 18. e 20.)[1], invocando os apelantes um documento junto aos autos, no qual se terá baseado a Mm.ª juíza “a quo”, embora não o tenha especificamente discriminado -e isto porque os depoimentos das testemunhas a que faz alusão nada referenciaram em contrário quanto a este específico aspecto- nada obsta ao controle da decisão por banda deste Tribunal nos termos da primeira parte da al. a) do n.º 1 do art.º. 712.º supra transcrita.
É o seguinte o teor dos aludidos pontos da matéria de facto: “7. Com estas cadernetas não pode ser levantado dinheiro, movimentando as contas a débito, nas máquinas automáticas que a Ré coloca ao dispor dos seus clientes; 8. Estas contas podem ser movimentadas a débito pela presença pessoal no balcão de quem as possa movimentar”.
Pois bem, ressentindo-se eventualmente da ausência de organização da base instrutória, não terá a apelante notado que os factos ali vertidos provêm do que a própria alegou nos art.ºs 7.º e 8.º da petição inicial, aí se tendo referido apenas à movimentação a débito das aludidas contas. Por assim ser, ao proferir a decisão sobre a matéria de facto conteve-se a Mm.ª juíza, como devia, nos limites do alegado. Daí que não haja fundamento para proceder ao aditamento pretendido -no sentido de contemplar também as condições de movimentação a crédito- que, para além do mais, nenhuma relevância assume para os termos da discussão.
No que concerne ao facto assente sob o n.º 25., do qual consta que “A A. subscreveu em 21.12.2006 a utilização do serviço D... Directa on line”, pretende a apelante o aditamento da identificação da conta a que se reporta a adesão ao serviço de D... directa “on-line” e, bem assim, da menção de que é a única titular da mesma.
O aludido facto provém do alegado em 7.º da contestação, com o seguinte teor: “A A. sabe perfeitamente que os movimentos a débito efectuados nas contas foram transferências bancárias efectuadas com recurso à utilização do serviço D... directa on-line, serviço que subscreveu em 21.12.2006”, remetendo a contestante para o doc. que junta sob o n.º 3. E este documento, que se mostra assinado pela autora, não foi impugnado, o que lhe confere o valor probatório consignado no artigo 376.º do Código Civil. Deste modo, dele constando que respeita efectivamente à conta com o n.º (...), titulada por A... querendo a ré prevalecer-se do respectivo conteúdo, terá de se ter igualmente por assente a aludida menção. Daí que assista, neste particular aspecto, razão à apelante, sendo certo que nada obstava à consideração do facto, atento o teor do art.º 659.º, n.º 3, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 712.º.
Pugna ainda a recorrente pela eliminação do facto assente sob o n.º 26, por abertamente contrariado, quer pelo n.º 1 das cláusulas do contrato de adesão da D... directa, quer pela cláusula n.º 20 das condições de abertura e movimentação de contas de menores.
O facto em referência provém, também ele, de alegação da ré -art.º 8.º da contestação, com o seguinte conteúdo: “A autora omitiu no descritivo da petição inicial que podia movimentar a débito aquelas contas bancárias através do serviço D... Directa on line, ou seja, mediante a utilização de um computador com ligação à internet”. Tal alegação mereceu por banda do Tribunal uma resposta restritiva, dando-se apenas por assente que “O serviço referido em 25. [ D... directa on line] permite a movimentação a débito das contas referidas em 1. e 2. [as tituladas pelos menores], através da utilização de um computador com ligação à internet”.  E face ao respondido, desde já se adianta, não se vê razão para que tal facto não possa subsistir no confronto com os aludidos documentos, ambos de natureza particular. Com efeito, uma coisa é a realidade, o que efectivamente é; coisa eventualmente diversa é o que deveria ser. Admite-se a razoabilidade da argumentação da apelante, quando defende que o contrato de adesão ao serviço D... directa on line que subscreveu respeitava a conta por si titulada, distinta das tituladas pelos menores, e que estas, nos termos das condições que invoca, não poderiam, sem alteração prévia das respectivas condições de movimentação, ser movimentadas naqueles termos. Daqui não resulta, todavia, que tal movimentação não pudesse ocorrer no plano fáctico, tal como, de resto, se terá verificado. Daí que não exista a apontada impossibilidade de coexistência do facto dado como assente com os assinalados documentos, de natureza particular, repete-se, nem tão pouco se justifica a pretendida eliminação, por se tratar de facto com relevância para a decisão, atenta a defesa oferecida.
Bate-se também a apelante pela eliminação dos factos elencados de 27. a 31.[2], por irrelevantes. Sem razão o faz, porém. Tais factos procedem da alegação da ré (artigos 9.º a 11.º, 13.º e 14.º da contestação), que neles assenta a tese de que a movimentação das contas se terá ficado a dever a conduta da própria autora, assim pretendendo ver excluída a sua responsabilidade. Se assim é, trata-se obviamente de factos essenciais à defesa, não procedendo a pretensão da sua eliminação, sem prejuízo da valoração que dos mesmos venha a ser feita em sede de enquadramento jurídico.
Finalmente, pretende a autora a consideração dos factos que discrimina: um ponto 26., extraído do aludido doc. n.º 3 oferecido pela ré, com a seguinte redacção: “Conforme às condições de utilização do serviço D... directa, este pode ser utilizado relativamente às contas de que a aderente seja única titular ou co-titular em regime de solidariedade e que possa livremente movimentar”, e um ponto 27. contendo a afirmação de que “A A. não é titular, nem co-titular em nenhuma das contas dos filhos”.
No que se refere ao primeiro facto proposto, considerando que o documento se encontra nos autos, encontrando-se estabelecido, como referido, o seu valor probatório, nada obsta a que este Tribunal o considere e dele extraia quanto tenha por relevante (cf. art.º 659.º, n.º 3, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 713.).
Já quanto ao facto proposto sob o n.º 27. é o mesmo inútil e redundante. Com efeito, conforme consignado nos contratos de abertura de conta juntos pela demandada sob os n.ºs 1 e 2, em ilustração do alegado nos art.ºs 3.º e 4.º da contestação, quer a autora, quer o pai dos menores, se encontram apenas e tão somente autorizados a movimentar as contas por estes tituladas, facto que integrou o elenco factual dado como assente, aí tomando o n.º 3, reflectindo o teor da alegação. Daí que o aditamento proposto mais não seja que uma repetição inútil e pouco rigorosa dos factos efectivamente alegados, sendo assim de indeferir.
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A ré, por seu turno, pretende que o facto por si alegado em 36. da contestação resultou demonstrado mediante os depoimentos das testemunhas que identifica e, querendo dele prevalecer-se, requer, em sede de ampliação da apelação, que o mesmo seja aditado ao elenco dos factos assentes.
É o seguinte o teor da alegação da ré: “Não é possível ter conhecimento de todos estes códigos [os códigos de autenticação referidos nos artigos anteriores, a saber, o nr. do contrato, o nr. do código de acesso e os 63 nr, compostos de 3 algarismos cada, que compõem o cartão matriz] por outra forma que não seja a sua inserção pela própria autora ou por alguém a quem tenha voluntária ou involuntariamente divulgado tais códigos”.
O assim alegado foi desconsiderado na decisão proferida, não integrando os factos provados nem os não provados, o que ocorreu seguramente devido ao seu carácter genérico e eminentemente conclusivo. Com efeito, o que relevava para a defesa da ré era saber se a própria autora tinha validado as referidas transferências a débito das contas dos menores seus filhos mediante a introdução dos aludidos códigos, se tal se devia a conduta de terceiro a quem os facultara, ou ainda se, por via de utilização descuidada -a concretizar, mediante a alegação da adequada factualidade- havia fornecido involuntariamente a terceiros tais elementos. Tais eram os factos que importava alegar, contexto no qual relevaria eventualmente o alegado em 15, 33, 34 e 35, todos omitidos, omissão com a qual a apelante se conformou[3].
Em face do exposto e porque, dada a sua formulação, a alegação vertida no aludido art.º 36.º não releva para a decisão, prejudicada resulta a requerida apreciação da prova testemunhal indicada pela apelante.
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II. Fundamentação
De facto
Agora estabilizada a matéria de facto, são os seguintes os factos a considerar:
1. A A. negociou com a Ré, em 30/11/1998 e na agência desta na Marinha Grande, um contrato de abertura de conta poupança a favor de seu filho menor, B..., a que foi atribuído o nº (...);
2. A A. negociou com a Ré, em 15/04/2004 e na agência desta na Marinha Grande, um contrato de abertura de conta poupança a favor de sua filha menor, C..., a que foi atribuído o n.° (...);
3. As contas referidas em 1 e 2 são tituladas, respectivamente, por B... e C..., estando autorizados a movimentá-las E... e A....
4. O movimento destas contas poupança reporta-se a entregas irregulares, quanto a datas e quantias, para seu crédito;
5. Não foram fornecidos nem cheques, nem cartões de débito ou crédito relativos a essas contas;
6. Foi fornecida uma caderneta por cada conta.
7. Com estas cadernetas não pode ser levantado dinheiro, movimentando as contas a débito, nas máquinas automáticas que a Ré coloca ao dispor dos seus clientes;
8. Estas contas podem ser movimentadas a débito pela presença pessoal no balcão de quem as possa movimentar.
9. Tendo consultado as contas de seus filhos em 01/09/2008, a A. apercebeu-se de que as mesmas estavam a ser movimentadas irregularmente;
10. Na conta n.º (...), titulada por seu filho B..., apareceram os seguintes movimentos:
a) - Em 29.08.2008 um movimento a débito no montante de 5.000,00;
b) - em 30.08.2008 um movimento a crédito no montante de 3.000,00;
c) - em 30.08.2008 um movimento a débito no montante de 5.000,00;
d) - Em 31.08.2008 um movimento a crédito no montante de 2.200,00;
e) - Em 31.08.2008 um movimento a crédito no montante de 1.690,00;
f) - Em 31.08.2008 um movimento a débito no montante de 4.450,00;
11. Em consequência destes movimentos, ficou a conta do filho B... com um saldo inferior ao que antes tinha no montante de 7.560,00;
12. A conta de sua filha menor, C..., foi movimentada a débito em 30.08.2008 pelo montante de 3.000,00;
13. Resultante deste movimento, esta conta de sua filha C... ficou com um saldo inferior ao que antes tinha no montante de 3.000,00;
14. No dia 01/09/2008 a A. apresentou, na agência da Ré em Leiria, reclamação relativa aos movimentos feitas nas contas de seus filhos;
15. No dia 04/09/2008 a A. apresentou reclamação ao Banco de Portugal;
16. A Ré tomou conhecimento da reclamação apresentada no Banco de Portugal, referida em 15, conforme carta que dirigiu à A. com data de 16/09/2010 informando estar a investigar;
17. Em 13/10/2008 a A. informou o Banco de Portugal de que a Ré não tinha resolvido a pendência, enviando-lhe cópia da carta com data de 16/09/2008 recebida da Ré;
18. Em 24/04/2009 a A. apresentou outra reclamação junto do Banco de Portugal, queixando-se de que a Ré ainda não tinha resolvido a situação;
19. Por carta, com data de 22/05/2009, dirigida pela Ré à A., a Ré comunica-lhe, em síntese, que " não se mostra possível atender o pedido de reembolso de € 10.560,00";
20. A Ré não procedeu a nenhum lançamento a crédito de qualquer montante nas contas dos filhos da A.;
21. A A. apresentou nos serviços do Ministério Público participação dos factos, sendo atribuído ao processo o n.° 652/09.6PBLRA.
22. Foi a A. notificada pelos serviços do MP de que processo referido em 21, foi remetido à Comarca de Santiago do Cacém a fim de ser incorporado no inquérito nº 212/08.9JASTB;
23. Foi dado conhecimento informal à A. de que teria havido outros movimentos irregulares em outras contas de clientes da ré, semelhantes aos que aconteceram nas contas dos filhos da A.
24. A situação tem causado preocupações, tristeza, perdas de sono, stress à A. e a seus filhos;
25. A A. subscreveu em 21.12.2006 a utilização do serviço D... Directa on-line relativo à conta n.º (...), da qual é titular.
26. O serviço referido em 25. permite a movimentação a débito das contas referidas em 1. e 2., através da utilização de um computador com ligação à internet.
27. Foi fornecido à A. na activação do serviço referido em 25. um número de contrato, bem como um código de acesso e também um cartão matriz com um conjunto único de 64 números de 3 algarismos, que funciona como um elemento de segurança adicional para as operações realizadas no serviço D... Directa on-line.
28. Todos estes elementos são absolutamente pessoais e secretos, não devendo em circunstância alguma ser divulgados seja por que forma for pelo utente do serviço.
29. A A. tomou conhecimento, aquando da subscrição do serviço D... Directa on-line, que estava obrigada a cumprir com as recomendações de segurança que a D... amplamente divulga no seu site www. D....pt .
30. Para que o serviço D... Directa on-line seja seguro é necessário que a A. dele faça uso respeitando integralmente as recomendações de segurança de que tomou conhecimento aquando da subscrição do serviço.
31. O cumprimento das recomendações de segurança inviabiliza que hackers acedam ao computador pessoal do cliente, tomando conhecimento dos seus códigos de autenticação, ou seja, número de contrato, código de acesso e números do cartão matriz.
*
De Direito
ii. da natureza jurídica do contrato de depósito bancário e da responsabilidade do banqueiro
Resulta da factualidade assente nos autos que a autora negociou com a Ré, em momentos distintos, contratos de abertura de contas poupança a favor dos seus filhos menores, B... e C..., à quais foram atribuídas, respectivamente, os n.ºs (...) e (...), ambas domiciliadas na agência da Marinha Grande, e nas quais foram sendo creditadas quantias várias (vide pontos 1. a 4. da matéria de facto assente).
Estamos perante a celebração com a apelada de contratos de depósito bancário, qualificação jurídica na qual as partes não dissentem.
“O depósito bancário, em sentido próprio, é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro”, tratando-se de operação associada a uma abertura de conta[4]. Porque se trata de uma operação bancária, enquanto realizada por entidade bancária, é um contrato de natureza comercial, sendo-lhe todavia aplicáveis, no que não esteja previsto em normas de direito comercial, o que a propósito estipular a lei civil (cfr. art.ºs. 2.º, 362.º e 3.º do Código Comercial).
Vem sendo discutida a natureza jurídica do depósito bancário[5], inclinando-se todavia a doutrina e jurisprudência maioritárias para a sua caracterização como contrato de depósito irregular, entendimento do qual não vemos razões fundamentadas para divergir.
O contrato de depósito vem definido no art.º 1185.º do Código Civil (diploma ao qual pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção da sua origem) como “o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e restitua quando for exigida.”.
O art.º 1205.º, por seu turno, define depósito irregular como o “…que tem por objecto coisas fungíveis”, sendo-lhe aplicáveis, na medida do possível, as regras do mútuo, por força da disposição contida no preceito imediato. Assim, o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue (por força da aplicação do art.º 1144.º). Por assim ser, “o risco do que possa suceder na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro (…)”[6]. Numa outra formulação, “Através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário, enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição”[7].
Deste modo, por via da transferência do domínio da coisa e, consequentemente do risco do perecimento (vide n.º 1 do art.º 796.º), não ilidindo a instituição bancária a presunção de culpa que sobre ela impende, mantém-se a obrigação de restituição a seu cargo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 540.º, 796.º, n.º 1, 799.º, n.º 1 e 1144.º[8]. De referir que a solução será a mesma para quem entenda dever distinguir entre a natureza dos depósitos a prazo, abarcando as denominadas contas poupança, e as contas à ordem, constituindo aquelas verdadeiros contratos de mútuo.[9]  
Tendo em vista eximir-se da aludida obrigação, a apelada chama à colação o clausulado do contrato de adesão ao serviço de D... Directa on line, documento subscrito pela autora e não impugnado, em ordem a prevalecer-se das condições gerais ali consignadas sob os n.ºs 9.º a 11.º, com o seguinte teor:
“9.ª Sempre que uma operação seja realizada mediante os procedimentos referidos na cláusulas anteriores e no guia de utilizador, presume-se que o foi pelo aderente.
10.ª Se, no entanto, se provar que a operação foi realizada por terceiro, presumir-se-á que tal foi consentido ou culposamente facilitado apelo aderente.
11.º- Não poderão ser feitos valer perante a D... erros ou deficiências derivados do meio de acesso utilizado pelo aderente”.
A propósito, cumpre assinalar que, em bom rigor, não resulta do acervo factual apurado nos autos que os movimentos a débito registados nas contas dos menores e aqui em causa hajam sido efectuados com recurso aos procedimentos atinentes ao serviço da D... directa on-line contratados pela progenitora. Mas mesmo que assim tivesse ocorrido, haveria a destacar quando consta da condição 1.ª do invocado contrato, nos termos da qual “o Serviço de D... Directa consiste na faculdade conferida ao cliente, que seja pessoa singular e que ao mesmo adira, de estabelecer relações com a D... consistentes, designadamente, na aquisição de serviços, realização de consultas e de operações bancárias relativamente a contas de que seja o único titular, ou co-titular em regime de solidariedade e que possa livremente movimentar, utilizando, para o efeito, canais temáticos, telefone, internet ou outras formas de acesso que venham a ser definidas pela D...”.
Não subsistindo dúvida, como não subsiste, que estamos perante clausulado cujo conteúdo foi previamente elaborado pela apelada, sem que o seu destinatário, a aqui autora, no que tange às mencionadas cláusulas, o tivesse podido influenciar, o aludido contrato encontra-se sujeito à disciplina do DL 446/85, de 25 de Outubro, na redacção introduzida pelo DL 249/99, de 7 de Julho (Regime Jurídico da Cláusulas Contratuais Gerais). E por assim ser, dada a proibição, por força deste diploma erigida em princípio geral, de toda e qualquer cláusula contrária à boa fé (cf. art.º 15.º), assim se entendendo a cláusula injusta e geradora de graves desequilíbrios na relação negocial, fundadas dúvidas se suscitam quanto à licitude das mencionadas cláusulas 9.ª e 10.ª[10].
A questão da invalidade das cláusulas -ainda que aparentemente fundada na violação do dever de comunicação- foi suscitada pelos apelantes nas suas alegações, insurgindo-se a ré contra o seu conhecimento por se tratar de questão nova, não suscitada perante o Tribunal “a quo”. Pois bem, se é verdade que a ré invocou as cláusulas em causa na sua contestação, sem que os AA lhe tivessem oposto em sede de réplica qualquer objecção quanto à respectiva validade, não é menos verdade que o Tribunal “a quo”, embora sem invocar expressamente o clausulado em questão -tal como, de resto, omitiu a invocação de qualquer argumento de natureza jurídica em ordem a fundamentar a solução encontrada, assim preterindo o dever consignado no n.º 2 do art.º 659.º, padecendo a sentença da nulidade a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC - acaba por nele assentar a sua decisão, ao consignar a final “não ter a autora feito prova de que não tivesse sido a própria quem procedeu, ordenou, autorizou, ou permitiu que fossem efectuados movimentos nas contas dos filhos B... e C..., através do serviço D... directa on line”, assim concluindo pela improcedência da acção, “sem necessidade de mais amplas considerações”.
Resultando do exposto ter a decisão recorrida feito valer o aludido clausulado, nada obstava a que, em sede de recurso, os apelantes suscitassem, como fizeram, a validade das cláusulas aplicadas, francamente questionável atendendo ao disposto n.º art.º 21.º, n.º 1, al. g) do RJCCG, nos termos do qual são absolutamente proibidas as cláusulas inseridas na contratação com os consumidores finais que modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova. Todavia, a verdade é que o referido contrato de adesão não respeitava às contas onde foram registados os movimentos maliciosos, donde serem inaplicáveis ao caso as convocadas cláusulas. Vejamos:
Conforme resulta do acervo factual apurado, as contas em causa são tituladas pelos menores, encontrando-se os progenitores apenas e só autorizados a movimentá-las. O acordo mediante o qual a autora aderiu ao sistema da D... directa on line, em ordem a passar a beneficiar dos serviços por esta facultados, dizia respeito à conta identificada no mesmo contrato, titulada pela subscritora, sendo aqui de invocar a supra transcrita cláusula 1.ª. Vale isto por dizer que a possibilidade, que pelos vistos existia, das contas tituladas pelos menores serem, também elas, movimentadas ao abrigo do mesmo contrato e servindo de códigos de validação os atribuídos àquela outra conta, não resulta de qualquer vínculo contratual estabelecido entre os titulares das contas, ainda que por intermédio dos seus legais representantes, e a instituição bancária apelada, sendo por isso tal extensão indevida e não coberta pela mera autorização de movimentação das contas dos menores, de que eram beneficiários ambos os progenitores. Daí a inaplicabilidade ao caso do contrato invocado, mormente das ditas cláusulas 9.ª e 10.ª, o que nos dispensa da apreciação da respectiva validade.
Resulta do exposto que ao permitir a movimentação das aludidas contas através do sistema D... directa on-line, a apelada incumpriu o acordo celebrado com os respectivos titulares, uma vez que as condições de movimentação eram as que resultam do especificado de 5. a 8., não tendo aquela logrado demonstrar que as mesmas tenham sofrido alteração. Tal incumprimento, que se presume culposo, nos termos do já citado art.º 799.º, seu n.º 1, presunção não ilidida, torna a demandada responsável prelos prejuízos causados, nomeadamente pela reposição das quantias irregularmente debitadas[11].
Peticionam ainda os demandantes juros moratórios sobre a aludida quantia, computando-os à taxa moratória supletiva legal e liquidando os vencidos à data da propositura da acção no montante de € 633,02.
A este respeito, no entanto, atendendo à natureza da obrigação de restituir que impende sobre a apelada (vide n.º 1 do art.º 1145.º), os juros a contabilizar serão os contratualmente estabelecidos para a retribuição das quantias depositadas nas contas em causa, eventualmente deduzidos dos encargos bancários acordados- tudo se passando como se os saldos existentes antes da movimentação indevida não tivessem sofrido qualquer alteração.
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Reclamam os autores indemnização por danos de natureza não patrimonial, peticionando a este título o montante de € 5 000,00.
No concernente à indemnização pelos danos desta natureza, perfilhando nós o entendimento, que cremos pacificado em termos jurisprudenciais, de que os mesmos são indemnizáveis ainda quando nos movemos no domínio da responsabilidade contratual[12], impõe todavia o art.º 496.º que sejam graves, porquanto apenas esta característica garante a tutela do Direito. A gravidade dos danos é apreciada objectivamente, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto.
Analisado o acervo factual assente nos autos, nomeadamente a matéria vertida nos pontos 14. a 24., dele resulta ter a autora encetado toda uma série de diligências, apresentando sucessivas reclamações, quer à aqui ré, quer ao BdP, e até denúncia criminal, sem que tivesse sido atendida, vindo a apelada comunicar, apenas em Maio de 2009, que não se mostrava possível proceder ao reembolso da quantia de € 10 560,00 transferida das contas tituladas pelos menores. A situação em causa, conforme é natural, provocou na autora e seus filhos preocupações, tristeza, perdas de sono e stress, o que releva em relação aos menores, autores na acção. Estamos assim perante situação perturbadora do quotidiano dos AA, dano que não se teria verificado não fora o incumprimento contratual protagonizado pela apelada, assumindo gravidade bastante para merecer a tutela do direito.
Assim tendo concluído pela ressarcibilidade do dano, olhando à (relativa) gravidade do mesmo e atentos os critérios fixados no art.º 494.º, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do art.º 496.º, em juízo de equidade fixa-se em € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) o montante indemnizatório para compensação dos danos desta natureza, já actualizado com referência à data desta decisão.
Deste modo, procedendo todas as conclusões recursivas, impõe-se a revogação da sentença recorrida.
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Da má fé
Os apelantes requereram a condenação da apelada como litigante de má fé por ter invocado infundadamente a ausência de motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quando a verdade é que a decisão a este propósito proferida se mostra proficientemente fundamentada.
Na resposta a apelada esclareceu que a referida arguição se devera a lapso manifesto, propiciado pela circunstância da dita decisão não ter sido disponibilizada na plataforma Citius com a mesma referência da acta da respectiva publicação, em contrário do procedimento correntemente adoptado.
Ora, face ao esclarecimento prestado, é óbvio que a apelada não usou de má fé processual, sequer na modalidade de negligência, uma vez que o lapso cometido -de resto prontamente reconhecido- é perfeitamente desculpável. Daí que não seja de aplicar qualquer sanção à apelada.
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III. Decisão
Em face a todo o exposto, e na procedência da apelação, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em revogar a sentença recorrida, condenando em conformidade a apelada D... a restituir aos menores B... e C..., aqui representados por sua mãe A..., a quantia de 10 560,00 (dez mil, quinhentos e sessenta euros), acrescida dos juros que teriam vencido desde 1/9/2008 até à sua reposição, à taxa contratualizada, e ainda o montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de indemnização.
Custas nesta e na 1.ª instância a cargo dos apelantes e apelada na proporção dos seus decaimentos (art.º 446.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)
I. O depósito bancário, consistindo num depósito em dinheiro junto de um banqueiro, assume a natureza jurídica de um contrato de depósito irregular sendo-lhe assim aplicáveis, na medida do possível, as regras do mútuo (art.ºs 1185.º e 1205.º do Código Civil);
II. Deste modo, por via da transferência do domínio da coisa e, consequentemente, do risco de perecimento, não ilidindo a instituição bancária a presunção de culpa que sobre ela impende, mantém-se a obrigação a seu cargo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 540.º, 796.º, n.º 1, 799.º, n.º 1 e 1144.º, todos do mesmo diploma legal.
                                                       *
Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida

[1] Com o seguinte teor: “17.1 – As entregas para depósito deverão ser realizadas nos locais e pelo modo estabelecido pela D....

18 – A D... fixará, em relação a cada tipo de conta, as respectivas formas de movimentação a débito, podendo as mesmas consistir em recibo acompanhado de caderneta, ordem escrita, cartão de débito (apenas nas contas movimentadas pelo titular, caderneta com NIP (Número de identificação pessoal) ou outro meio telemático.”

20 – A utilização de meios telefónicos ou telemáticos na movimentação da conta rege-se por contratos especiais”.

[2] Com o seguinte teor: “27. Foi fornecido à A. na activação do serviço referido em 25. um número de contrato, bem como um código de acesso e também um cartão matriz com um conjunto único de 64 números de 3 algarismos, que funciona como um elemento de segurança adicional para as operações realizadas no serviço D... Directa on-line.

28. Todos estes elementos são absolutamente pessoais e secretos, não devendo em circunstância alguma ser divulgados, seja por que forma for pelo utente do serviço.

29. A A. tomou conhecimento, aquando da subscrição do serviço D... Directa on-line, que estava obrigada a cumprir com as recomendações de segurança que a D... amplamente divulga no seu site www. D....pt .

30. Para que o serviço D... Directa on-line seja seguro é necessário que a A. dele faça uso respeitando integralmente as recomendações de segurança de que tomou conhecimento aquando da subscrição do serviço.

31. O cumprimento das recomendações de segurança inviabiliza que hackers acedam ao computador pessoal do cliente, tomando conhecimento dos seus códigos de autenticação, ou seja, número de contrato, código de acesso e números do cartão matriz”.

[3] Afigura-se que no caso dos autos a organização da base instrutória, implicando a delimitação precisa dos termos do litígio e aplicação das regras de repartição do ónus da prova, teria contribuído para facultar às partes uma melhor compreensão do “thema decidendum”, propiciando uma mais límpida instrução da causa e facultando 0 efectivo controle sobre a selecção feita pelo Tribunal da factualidade tida por relevante.
[4] Prof. Menezes Cordeiro, “Manual de direito bancário”, 3.ªed., Almedina 2008, págs. 470 e seguintes, “maxime” 480 a 482.
[5] V., por todos, Paula Ponches Camanho, in “Do contrato de depósito bancário”, “Almedina”, págs. 145 e seguintes, embora a autora acabe por optar pela sua caracterização como mútuo.
[6] Assim, Prof. Menezes Cordeiro, ob. e loc. citados.
[7] Do aresto do STJ de 10/11/2011, processo n.º 1182/09.1 TVLSB.SP.L1., disponível em www.dgsi.pt.
[8] A idêntica solução se chegaria por aplicação do regime do depósito (cf. art.ºs 799.º, n.º 1, 1185.º, 1205.º, 1206.º e 1161.º, alínea e), todos do Código Civil.
[9] V., sobre a questão, ainda o Prof. Menezes Cordeiro, a págs. 482 da obra citada, para concluir pela inapropriedade de uma cisão dogmática da categoria, mantendo, “(…) tudo visto, o depósito bancário como figura unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente, do depósito irregular”. Tal entendimento, todavia, conforme se assinalou na nota anterior, não altera os termos da solução. 
[10] A questão foi amplamente versada no acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 192119/11.8 YIPRT, disponível em www.dgsi.pt, que se debruçou sobre situação similar, e aí decidida em desfavor da instituição bancária.

[11] De referir que a solução seria a mesma ainda que tivesse sido acordada a possibilidade de movimentação das aludidas contas através do sistema da D... directa on-line. Com efeito, ante a invalidade das cláusulas que estabeleciam a inversão do ónus da prova, e porque a ré não logrou demonstrar uma das afirmadas únicas possibilidades para justificar a movimentação das contas, a saber, ter sido a mãe dos menores a efectuar os movimentos, ou terem sido terceiros com o seu conhecimento e autorização, ou sem este conhecimento ou autorização, mas culposamente facilitada tal movimentação pela própria, sempre subsistiria a responsabilidade da apelada, a quem inequivocamente compete assegurar a fiabilidade daquele sistema. Acresce que também não resultou demonstrado que as possibilidades enumeradas pela apelante fossem as únicas capazes de explicar a irregular movimentação das contas dos menores, não tendo de modo algum resultado arredada a hipótese de tal ter tido origem em fragilidades do sistema informático da própria instituição bancária, por mais que esta afirme a sua estanquicidade.
[12] V., por todos, ac. Relação do Porto de 1/12/2003, proferido nos autos de recurso n.º 0335731, disponível em www.dgsi.pt).
Tendo sido controvertida a questão de saber se a reparação dos danos de natureza patrimonial se deve circunscrever ao domínio da responsabilidade extracontratual ou se a reparação cobre igualmente os danos não patrimoniais decorrentes de uma relação contratual, cremos que se aceita hoje de forma generalizada o entendimento defendido na decisão.
Antunes Varela tem defendido de forma persistente a não ressarcibilidade dos danos morais sofridos pelo credor no âmbito da responsabilidade contratual, apoiando-se em razões de ordem sistemática e prática, uma vez que “admitir a ressarcibilidade dos danos desta natureza no domínio da responsabilidade contratual seria introduzir uma intolerável nota de insegurança no comércio jurídico por serem numerosos os interesses desta natureza cuja violação as partes poderiam invocar” (vide A. Varela e Pires de Lima, CC anotado, vol. 1.º, 1987,Coimbra Editora). Pese embora o reconhecimento do peso da argumentação expendida, entendemos que a razão está com os autores que defendem solução diversa, dado que os argumentos aduzidos por A. Varela são contornáveis. Assim, apesar da localização sistemática do art.º 496.º, na sua génese está um princípio geral cuja “ratio” justifica a sua extensão à responsabilidade contratual. Por outro lado, as invocadas razões de ordem prática são ultrapassáveis pelo recurso ao próprio critério da lei, já que só os danos desta natureza que assumam gravidade são merecedores da tutela do direito (v., sobre esta problemática, Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, Coimbra, Almedina, 1990, nota 77 da pág. 32, Vaz Serra “Reparação do dano não patrimonial”, BMJ n.º 83, pág. 69 e seguintes, Mário Júlio Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9.ª ed., págs. 552 a 554 e, por todos, Rui Soares Pereira, “A responsabilidade por danos não patrimoniais – do incumprimento das obrigações no direito civil português”, destacando-se a síntese conclusiva de págs. 329 a 333).