Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2489/23.0T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
PENSÃO ALIMENTAR PARA OS FILHOS MENORES
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 239.º, N.º 3, AL. B), SUBALÍNEA I), DO CIRE E 1878.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – Na fixação do rendimento disponível haverá que ter-se como referencial e ainda limite mínimo, o correspondente à retribuição mínima mensal garantida.

II – Tratando-se de um valor a fixar casuisticamente pelo tribunal, atentas as específicas circunstâncias do insolvente e do seu agregado familiar, na fixação do rendimento disponível, deve ter-se em consideração as condições pessoais do devedor e do seu agregado familiar (numero de membros, idade, estado de saúde, situação profissional, rendimentos).

III – Os valores recebidos a título de pensão alimentar para os filhos menores, não integram o conceito de rendimento disponível, sendo tidos em consideração unicamente para efeitos de aferição da capacidade de contribuição do outro progenitor para respetivo sustento.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Processo nº 2489/23.0T8LRA-B.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Arlindo Oliveira

2º Adjunto: Catarina Gonçalves

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA, solteira, apresentou-se à insolvência, alegando ser o seu agregado familiar composto por três filhos, recebendo de pensão de alimentos a quantia de 220,00 €, com dívidas de rendas de casa vencidas e não pagas na quantia de 14.500 € e de 1.440,00 € de um empréstimo que contraíra para compra de um carro, auferindo o vencimento mensal de 780 €.

Conclui, formulando pedido de exoneração do passivo restante, alegando factos tendentes a justificar a concessão deste benefício e manifestando a sua disposição de observar todas as condições legalmente exigidas para tal.

Declarada a insolvência da devedora, por decisão de 21 de junho de 2023, a 04 de novembro de 2023 foi proferido Despacho a admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, fixando como valor razoavelmente necessário para o sustento da insolvente o equivalente a um salário mínimo nacional.


*

Inconformada com tal decisão, a Insolvente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1 - A Recorrente foi declarada insolvente em 21/06/2023, requerendo a exoneração do passivo restante.

2 - Na sequência, o Tribunal a quo decidiu:

“No caso em apreço, ponderando os interesses em jogo e as necessidades do agregado familiar da requerente, … entende-se como justo e equilibrado, atenta a situação da requerente, que o rendimento disponível da devedora/insolvente, objeto da cessão, seja integrado por todos os rendimentos que à insolvente advenham a qualquer título desde que em quantia superior a um salário mínimo nacional.”

3 - A decisão é omissa quanto ao agregado familiar da Requerente, que conforme o relatório do Administrador (art.º 155.º do CIRE) é composto por si e pelos seus três filhos menores e que o pai da filha mais nova (BB) não contribui para o sustento da menor.

4 - A Recorrente aufere como rendimentos do seu trabalho, a quantia de 780,00€ ilíquidos e ainda 100,00€, do Fundo Garantia de Alimentos, para o seu filho menor CC, em substituição do pai do mesmo, assim como 120,00€, também de alimentos, para o seu filho DD.

5 - Dado que

“... as pensões de alimentos são “rendimentos”, para os efeitos previstos no artigo 239.º, n.º 3, do CIRE e, por via disso, devem ser incluídos, também, nos mapas da cessão...” in Ac. Tribunal da Relação de Évora, Proc. 7079/15.9T8STB-F.E1 de 23/04/2020 (www.dgsi.pt/jtre), a Recorrente terá que entregar os rendimentos recebidos a título de alimentos, à fidúcia,

6 - A Recorrente tem gastos mensais de cerca de 800,00 €, cf. relatório Administrador Judicial.

7 - O valor fixado na douta na decisão (um salário mínimo disponível), para cessão de rendimento, durante os três anos subsequentes, não permitirá à aqui Recorrente fazer face às suas despesas mensais, impedindo-a de aceder às suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.

8 - O montante fixado não acautela o sustento minimamente digno da aqui Recorrente e do seu agregado familiar (3 filhos)

9 - Estatui o n.º 3 do art.º 239.º do CIRE:

Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

...

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado

familiar ...

10 - A jurisprudência tem recorrido a fórmulas matemáticas, designadamente à escala de Oxford, fixada pela OCDE, para determinação da capitação do rendimento do agregado familiar, em que o índice 1 é atribuído ao primeiro adulto do agregado familiar, o índice 0,7 para os restantes adultos, atribuindo 0,5 por cada criança.

11 - A Recorrente é também doente oncológica.

12 - Assim, face a todo o exposto e considerando que o sustento minimamente digno da Recorrente não está devidamente assegurado, não tendo sido considerado o agregado familiar da Recorrente, constituído por 4 pessoas, a própria e 3 filhos menores e adolescentes, e ainda

13 - que o rendimento disponível fixado não é sequer suficiente para fazer face às despesas mensais, deverá ser alterada a decisão inicial da exoneração do passivo restante na parte em que decide que o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir em quantia superior a um salário mínimo nacional deverá ser cedido ao fiduciário, para valor em que se contemple SMN x 0,5 x 0,5 x 0,5, porquanto o rendimento fixado na decisão do tribunal em escrutínio, viola o estatuído em i), al. b), do n.º 3 do art.º 239.º do CIRE.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo alterado o despacho da decisão inicial da exoneração do passivo restante, do tribunal a quo, no sentido de que o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir em quantia superior a um SMN, acrescido de meio salário mínimo nacional mensal por cada filho menor, seja cedido ao fiduciário, para assim se alcançar a devida Justiça!


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se é de alterar a decisão recorrida que fixou o rendimento indisponível no montante equivalente a um salário mínimo nacional.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A decisão recorrida teve em consideração a seguinte a factualidade, com relevo para a questão objeto do presente recurso, e que aqui não é posta em causa:
 1º- A requerente nasceu a .../.../1986.
2º- É solteira.
3º- A requerente é mãe CC, DD e de BB nascidos a .../.../2007, .../.../2009 e .../.../2014, respetivamente.
4º- A requerente encontra-se a trabalhar ao serviço da sociedade M..., Lda. auferindo um vencimento base no valor de €780,00.
5º- À requerente foi diagnosticada uma doença oncológica.
6º- A requerente tem as seguintes despesas:
- o valor de € 270,00 a titulo de renda de casa;
- o valor de € 200,00 com água, eletricidade, gás e telecomunicações;
- o valor de € 250,00 com alimentação e bens essenciais:
- despesas de saúde no valor de € 30,00;
- vestuário o valor € 50,00;
7º- O passivo da requerente ascende a €17.715,98.
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Com base em tais factos, a decisão recorrida fixa o rendimento indisponível no equivalente ao rendimento mínimo mensal garantido, com base no seguinte raciocínio que, assim, se sintetiza:
- na referida subalínea i) da al. b) do nº 3 do art. 239º do CIRE o legislador estabeleceu dois limites: um limite mínimo, a preencher pelo juiz em cada caso concreto em conformidade com a particular condição do devedor, orientado pelo critério geral e abstrato do que seja o sustento minimamente condigno deste e do seu agregado familiar, e um limite máximo determinado por um critério objetivo (o equivalente a três salários mínimos nacionais), limite que poderá ser excecionalmente excedido nos casos que o justifiquem;
 na determinação do que se deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção do legislador foi pois a de utilizar um conceito aberto, que tem por subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar na particularidade da situação do devedor em causa;
não serão simplesmente as despesas enunciadas ou comprovadas que devem justificar o montante do rendimento indisponível no período da cessão, mas apenas aquelas que razoavelmente se justifiquem, traduzindo uma efetiva adaptação do padrão de vida do insolvente ao estatuto que lhe foi conferido;
o valor a fixar terá de levar em consideração as particularidades de cada caso, devendo ponderar-se, por um lado, que se está perante uma situação transitória, durante a qual os insolventes deverão fazer um particular esforço de contenção de despesas e de perceção de receitas de molde a atenuar ao máximo as perdas que advirão aos credores da exoneração do passivo restante e, por outro lado, atender ao que é indispensável para, em consonância com a consagração constitucional do respeito pela dignidade humana (artºs 1º, 59º, nº. 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3 da CRP), assegurar as necessidades básicas do insolvente e do seu agregado familiar;
o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna, cabendo ao tribunal fazer uma apreciação casuística das situações submetidas a escrutínio.
Insurge-se a devedora/Apelante contra tal decisão, sustentando que a mesma não atendeu às necessidades do seu agregado familiar e que, para além do equivalente ao rendimento mínimo garantido lhe deveria ainda ser disponibilizada quantia equivalente a 0,5 SMN por cada um dos seus três filhos menores:
a decisão recorrida é omissão quanto ao seu agregado familiar, composto por si e pelos seus três filhos menores;
o pai da BB (a mais nova) não contribuiu para o sustento da menor;
a requerente tem três filhos adolescentes a seu cargo, com as inerentes despesas de educação a seu cargo;
recebe pensão de alimentos do CC, suportada pelo FGA;
recebe 120 € de pensão de alimentos do pai do DD;
ao ter sido fixado como rendimento disponível, tudo o que é excedente do valor do SMN, a insolvente terá que entregar à fidúcia os valores recebidos a título de alimentos para os seus filhos;
a jurisprudência tem recorrido a fórmulas matemáticas, designadamente à escala de Oxford, fixada pela OCDE, para determinação da capitação do rendimento do agregado familiar, em que o índice 1 é atribuído ao primeiro adulto do agregado familiar, o índice 0,7 para os restantes adultos, atribuindo 0,5 por cada criança.
 Desde já, adiantamos ser de dar parcial razão à Apelante.
Concordando com os princípios genérica e abstratamente enunciados na decisão recorrida, discorda-se da aplicação que dos mesmos é feita à situação em apreço.
Com efeito, embora aí se saliente que o montante equivalente ao rendimento mínimo mensal garantido, tido como limite mínimo de subsistência condigna, é um mero valor referencial e que o montante a fixar deve levar em consideração as particularidades de cada caso, a decisão recorrida ignora, ou não dá relevo, ao facto do agregado familiar da devedora ser composto, não apenas por ela própria, mas ainda pelos seus três filhos adolescentes menores, que consigo vivem, fixando o rendimento indisponível no equivalente a 1 SMN – decisão que se nos afiguraria correta se a devedora vivesse sozinha e não tivesse mais ninguém a seu cargo.
Mas não é assim.
Sendo o seu agregado familiar composto por si e por três filhos menores, um de 16, outro de 14 e uma de 9 anos de idade, que consigo residem – facto que se adita à matéria de facto dada como provada[1] –, é de presumir que, não só as despesas comuns de gestão de uma casa (de água, luz, gás, alimentação) são mais elevadas, como tem de suportar despesas acrescidas ao nível do vestuário, saúde e ainda todas as relacionadas com a frequência da escolaridade obrigatória a que os menores se encontram sujeitos.
Tendo os menores a seu cargo, é a requerente que tem de providenciar e garantir a satisfação das suas necessidades essenciais, onde se incluem a alimentação, vestuário, educação, saúde, calçado e habitação (artigos 1878º nº1, do Código Civil).
Por outro lado, é de atender também que, como auxílio para o sustento dos menores, recebe 100,00 € de pensão alimentar para o CC, pagos pelo ... e 120,00 € de pensão alimentar suportados pelo pai do DD – factos estes que se têm igualmente como provados. A existência, ou não, de pensão de alimentos, deverá ser tida em consideração para efeito das despesas que terá de suportar, uma vez que, vivendo os menores consigo, é sobre a devedora que recai o encargo de os sustentar, na íntegra, ou com o auxílio económico do outro progenitor.
Contudo, chama-se a atenção para o facto de que a pensão de alimentos que receba em nome dos menores não pode ser considerada como rendimento próprio da insolvente, e como tal, não contabilizável para efeito de determinação do rendimento mensal disponível, ou seja, na hora de determinar qual o valor que, mensalmente, o devedor terá de ceder.
Como se afirma no Acórdão do TRG de 18-06-2013, “O insolvente só está obrigado a ceder ao fiduciário o rendimento disponível que venha a auferir, a título próprio, e já não quais quaisquer valores que receba de que não seja titular, por não lhe pertencerem[2]”.
A afirmar-se no nº3 do artigo 239º do CIRE que integram o rendimento do devedor todos os rendimentos “que advenham a qualquer título ao devedor”, quis-se salientar que neles estão incluídos todos os rendimentos por si percebidos, independentemente da sua fonte, ou seja, não apenas os rendimentos do trabalho, mas também rendas, pensões, subsídios, de que o mesmo seja titular.
No caso de o insolvente receber do progenitor/a do alimentando uma prestação de alimentos, deve considerar-se que este valor pertence ao alimentando e que o insolvente apenas o gere, pelo que, nunca poderá ser incluído no raciocínio de apuramento do rendimento a ceder[3].
Socorrendo-se a lei do salário mínimo nacional para definir o limite máximo isento da cessão do rendimento disponível, também se deverá atender a esse mesmo salário mínimo nacional para, no caso concreto, a partir dele, e juntamente com a avaliação dos gastos necessários à subsistência e custo das necessidades primárias do devedor e do seu agregado familiar, determinar qual o quantum considerado compatível com o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar[4].
A ele se recorrendo como mero referencial, a doutrina e a jurisprudência[5] vêm assentando em que, de qualquer modo, não se deverá, nunca, fixar um quantitativo inferior ao salário mínimo nacional que esteja em vigor.
Na fixação do rendimento disponível, deve ter-se em consideração as condições pessoais do devedor e do seu agregado familiar (idade, estado de saúde, situação profissional, rendimentos), pelo que o valor a excluir não poderá deixar de ter em consideração o número de membros do agregado familiar e respetivos rendimentos, auferidos independentemente da sua natureza. Neste âmbito, como e bem salienta a Apelante, é corrente a jurisprudência[6] recorrer a fórmulas matemáticas, nomeadamente a escala de Oxford, fixada pela OCEDE, para a determinação da capitação dos rendimentos do agregado familiar – em que o índice 1 é atribuído ao 1º adulto do agregado familiar, o índice 0,7, para os restantes adultos, atribuindo 0,5 por cada criança. Outras decisões partem do valor equivalente a um salário mínimo por adulto do agregado e 0,5 por cada criança (atendendo-se, ainda, no caso de insolvência de só um dos progenitores, à capacidade do outro progenitor de contribuição para o sustento dos filhos)[7].
A menção ao que seja “razoavelmente necessário”, envolve, um juízo de ponderação casuística do juiz sobre o montante a fixar, encontrando-se associado à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias do devedor e do seu agregado[8].
Face a tais princípios, surge como ajustado àquele agregado familiar que, a acrescer ao valor equivalente ao rendimento mínimo garantido, se contabilize, o correspondente a, pelo menos a 0,25 do rendimento mensal garantido por cada menor, assentando em que os restantes 0,25 constituem um dever a cargo do respetivo progenitor – considerando-se que sobre cada um dos progenitores recairá a obrigação de concorrer para o sustento do respetivo filho.
Ou seja, o rendimento disponível da insolvente deverá ser-lhe fixado no equivalente a 1,75 x o rendimento mensal garantido (valor este que, excedendo embora, por norma,  os seus rendimentos mensais, lhe permitirá reter parte dos subsídios de Natal e de Férias, nos meses em que lhe forem processados[9]).

A apelação é de proceder parcialmente.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que objeto da cessão seja integrado por todos os rendimentos que advenham à insolvente, a título próprio, desde que em quantia superior a 1,75 a retribuição mínima mensal garantida.

Custas a cargo da massa insolvente.            

                                                                     Coimbra, 23 de janeiro de 2024

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

(…).





[1] Facto confirmado pelo Relatório elaborado nos termos do artigo 155º do CIRE e que se mostra junto aos autos.
[2] Acórdão relatado por António Figueiredo de Almeida, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Mafalda Bravo Correia, “Critérios de Fixação do Rendimento Indisponível no âmbito do Procedimento de Exoneração do Passivo Restante na Jurisprudência e sua Conjugação com o Dever de Prestar Alimentos”, in Revista Julgar Nº31 - 2017, Almedina, p. 117.
[4] Como já se pronunciou inúmeras vezes o Tribunal Constitucional, “o salário mínimo nacional, contendo em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos” não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo, assim como, também uma pensão de invalidez, doença, velhice ou viuvez cujo montante não seja superior ao salário mínimo nacional não pode deixar de conter em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao mínimo considerado necessário para a subsistência do respetivo beneficiário – Acórdão do Tribunal Constitucional nº177/2002, de 23.04, relatado por Maria dos Prazeres Beleza.
[5] José Gonçalves Ferreira, “A exoneração do passivo restante”, Coimbra Editora, p.94; Acórdão do TRP de 24.01.2012, relatado por Rodrigues Pires
[6] Cfr., entre outros, Acórdão do TRL de 11-10-2016, relatado por Carla Câmara, Acórdão do TRG de 08-05-2015, relatado por Manuela Fialho, disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Na determinação de tal montante, o Acórdão TRL de 20-09-2012, propôs ainda como critério orientador que o rendimento per capita do agregado familiar do insolvente não deve, em princípio, ser inferir a ¾ do indexante dos apoios sociais, de acordo com o disposto no artigo 824º, nº4, do CPC, na redação do DL nº 226/2008, de 20 de Novembro, norma esta que foi eliminada pelo atual Código – Acórdão relatado por Tomé Ramião, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Letícia Marques Costa, “A Insolvência de Pessoas Singulares”, Coleção Teses, Almedina, pp.211-213.
[9] Auferindo a insolvente unicamente o valor de 780,00 €, poderemos questionar-nos sobre se, auferindo rendimentos inferiores aquilo a que se possa considerar como o mínimo indispensável a uma vivência digna, pode ou deve o tribunal fixar o rendimento indisponível nesse valor abstratamente adequado às inovadas condições de facto, quando na realidade, aufere rendimentos inferiores – ou se, se deve limitar a reconhecer a indisponibilidade dos valores auferidos pelo insolvente. Depois de a aqui relatora ter sustentado já resposta negativa, as concretas questões que posteriormente se foram colocando à jurisprudência – nomeadamente respeitantes à inclusão dos subsídios de férias ou de natal ou de ajudas de custo ou subsídios de outra natureza –, impuseram uma reformulação de tal posição. A fixação de qual o valor que, naquele caso concreto, o tribunal entende por adequado a garantir o direito a uma vivência condigna – e apesar de o insolvente, aquando da fixação do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, auferir um rendimento inferior –, tem a utilidade de, desde logo, arredar qualquer dúvida relativamente a quaisquer outros rendimentos que, esporadicamente ou de forma permanente, venha a auferir. Assim sendo, por ex., no caso em apreço, a fixação do rendimento indisponível em valor equivalente ao 1,75 salário mínimo (ainda que na maior parte dos meses tal montante não venha a ser atingido), terá como consequência que, no mês em que vier a ser pago o valor correspondente ao subsídio de natal ou de férias, será, desde logo líquido que tudo o que vier a receber até ao valor de 1,75 o rendimento mensal garantido, poderá ser por si retido a tal título.