Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1183/22.4T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
DECLARAÇÃO TÁCITA
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
VONTADE DE NÃO CUMPRIR O CONTRATO
CLÁUSULA PENAL
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 102.º, N.º 2, DO CIRE, 217.º, N.º 1, 236.º E 810.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – A declaração negocial é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.

II – A declaração tácita será, então, constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo. Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.

III – A circunstância de se ter dado como provado que o estabelecimento se encontrava encerrado, desacompanhado de qualquer outro comportamento, é insuficiente para se concluir que o administrador da insolvência não pretende cumprir o contrato que vinculava a insolvente e a autora.

IV – As cláusulas penais com função indemnizatória comportam ainda uma subdistinção, em função da modalidade de incumprimento verificado – as cláusulas compensatórias regulam as consequências do incumprimento definitivo e as cláusulas moratórias têm em vista o retardamento da prestação.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo 1183/22.4T8CVL.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

“A..., Unipessoal, Lda.” intentou a presente ação declarativa de condenação contra AA, peticionando que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 20.910,00EUR, à qual deverá acrescer juros de mora calculados desde a citação até integral pagamento, à taxa de juro de 7%.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que celebrou com a sociedade “B..., Unipessoal, Lda.”, em 05.07.2013, um contrato de fornecimento de café, mediante o qual esta se obrigou, designadamente, a adquirir 4.800kg de café “...”, lote “...”, mediante a compra mensal de 80kg durante os 60 meses do contrato – cláusula 2ª, nº 2.

Mais acrescentou que, uma vez que a sociedade não tinha adquirido a quantidade de café contratada, o contrato se prolongou. E ficou acordado que, sem prejuízo da responsabilidade decorrente do incumprimento de outras obrigações contratuais, o incumprimento das obrigações previstas no número dois da cláusula segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obrigava a sociedade a pagar à Autora, a título de cláusula penal, o montante de 10,00EUR por cada kg de café contratado e não adquirido.

A partir de abril de 2022, a sociedade “B... Unipessoal, Lda”, encerrou o seu estabelecimento não mais adquirindo o café da Autor, tendo naquela data apenas adquirido 2.709kg e que, em face do incumprimento definitivo daquela sociedade (que foi declarada insolvente por sentença proferida no processo que corre termos sob o n.º 559/22....), considerou o contrato resolvido.

O  Réu  constituiu-se fiador e principal pagador solidário, garantindo a satisfação de todas as obrigações da sociedade “B... Unipessoal, Lda”.

Citado, veio o Réu apresentar contestação, invocando que não se operou a resolução do contrato objeto dos presentes autos, tendo o cumprimento do mesmo sido suspenso com a insolvência da sociedade “B..., Unipessoal, Lda.”, pelo que não tem aplicabilidade a penalidade prevista na cláusula quarta, nº 3, do contrato celebrado entre  A. e a sociedade B..., Unipessoal, Lda.

Acrescenta que, a cláusula penal não foi objeto de negociação entre as partes, a qual foi fixada prévia e unilateralmente, sendo nula.

Sustenta outrossim que, a cláusula penal deverá ser reduzida para o valor de 4.012,50EUR, só assim sendo proporcional ao dano a ressarcir.

            Notificada a Autora para exercer o contraditório relativamente à exceção de nulidade da cláusula penal aduzida pelo Réu, veio a mesma  pugnar pela improcedência da mesma.

            Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, onde foi fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

            Realizada a audiência final, foi proferida sentença absolvendo a A. do pedido.

            A A./apelante não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

            I – Improcedeu o pedido da Recorrente por entender a Mmª Juiz que não houve resolução

do contrato celebrado com a sociedade C...– Unipessoal, Lda, sendo essa resolução

indispensável para que a Recorrente pudesse reclamar a indemnização prevista

contratualmente.

II – Estando o cumprimento do contrato suspenso face ao estabelecido no artigo 102º, nº

1 do CIRE, já que a recorrente não se fez valer do estabelecido no nº 2 do referido artigo.

III – Mas salvo o devido respeito, não é assim.

IV -Existe na jurisprudência que se atrás se identifica o entendimento de que a declaração

do administrador de insolvência a que alude o artigo 102º, nº 1 do CIRE, não tem que ser

expressa podendo ser tácita.

V- Do facto do estabelecimento da insolvente ter sido encerrado, da inação do administrador de insolvência para além deste ter reconhecido o crédito da Recorrente, sem qualquer reserva, como indemnização devida pelo incumprimento do contrato, resulta claro a sua vontade de não cumprir o contrato.

VI – Não podendo, por isso, a Mmª Juiz considerar que o contrato estava suspenso.

VII – Mas mesmo que assim não fosse, o que se não concebe, de acordo com o estabelecido na cláusula quarta, número 3) do contrato, sempre a Recorrente teria direito

a ser indemnizada, já que resultou provado o incumprimento definitivo da sociedade.

VII – Resultou provado que a sociedade se obrigou a consumir 4.800 kg de café, apenas

adquiriu 2.709 kg e deixou de comprar o café da Recorrente a partir de Abril de 2022.

VIII – Face a idêntica questão e relativamente ao mesmo teor da clausula aqui referida entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra e confirmou o Supremo Tribunal de Justiça,

não ter a Recorrente que resolver o contrato, bastando o incumprimento, para que lhe assistisse o direito a ser indemnizada pelos quilos de café não consumidos.

IX – E foi com base na clausula quarta, número 3) pelo incumprimento da sociedade C... que a Recorrente reclamou o seu direito a ser indemnização em 10€ por cada

quilo de café não adquirido.

Normas violadas: artigo 102º, nº 1 do CIRE e 801º do Código Civil

TERMOS EM QUE,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por decisão que considere procedente a totalidade do pedido da RECORRENTE, fazendo-se assim inteira JUSTIÇA.

1. Não tem o R. qualquer dúvida do mérito da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo;

2. A resposta à matéria de facto não foi posta em crise pela recorrente;

3. Não consta da matéria de facto dada como provada que o administrador da insolvência da sociedade C..., Unipessoal, Lda., reconheceu o crédito da recorrente no montante de € 20.910,00, como crédito comum, sem o subordinar a qualquer condição;

4. A recorrente não alega na sua P.I. qualquer das questões de facto que agora dá a conhecer ao processo: que o administrador reconheceu o seu crédito no valor de € 20.910,00; que o não subordinou a qualquer condição;

5. O mesmo aconteceu na Resposta que a ora recorrente deu à Contestação do recorrido;

6. Portanto, aquelas duas questões de facto são questões novas no processo;

7. E, por isso, acompanha o recorrido a douta sentença ora em crise na sua argumentação: “In casu, com a declaração de insolvência o contrato em discussão ficou suspenso, nada tendo sido invocado e consequentemente demonstrado - cabendo o seu ónus à Autora ...”

8. O Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 07-04-2005, proferido no Proc. nº 05B175, consultado em www.dgsi.pt refere no sumário: “Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas.”

9. Claro fica, portanto, que, no caso sub judice, o Tribunal ad quem não pode apreciar as duas questões agora postas pela recorrente.

10. Por seu turno, também não colhe a argumentação da recorrente ínsita nos pontos 16. e 17. do corpo das suas Alegações.

11. É que, perante a alegada “impossibilidade objetiva de  envio de carta de resolução à insolvente” e face à imposição legal da suspensão do contrato, a ora recorrente deveria ter fixado prazo razoável ao Senhor administrador da insolvência para exercer o seu legal

direito potestativo, o que a recorrente não fez!

12. Só nesta sede (de recurso) a recorrente alega a natureza moratória da cláusula penal contratada, constituindo, assim, também, questão nova;

13. Mas, outrossim, não tem a recorrente razão;

14. A recorrente assentou a sua causa de pedir na resolução do contrato;

15. A sobredita cláusula penal tem natureza compensatória;

16. É que a matéria de facto dada como provada não deixa qualquer dúvida quanto a essa natureza (cfr. alíneas 2), 3), 4) e 6));

17. Dali resulta, claramente, que a recorrente privilegiou sempre a manutenção da relação comercial;

18. Por seu turno, do documento junto aos autos pela recorrente conclui-se que a sociedade insolvente nunca consumiu as quantidades de café que havia contratado e, tal, não foi suficiente para que aquela fizesse operar a alegada cláusula penal moratória;

19. E isto é assim porque jamais esteve na intencionalidade contratual da ora recorrente aplicar qualquer pena à sua cliente pelos atrasos desta no consumo de café;

20. Entende o recorrido que sobre todas as questões em discussão nos presentes autos responde acertadamente, em caso em tudo semelhante ao presente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra com data de 17-6-2014 e relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Maria Domingas Simões, consultado em www.dgsi.pt;

21. De resto, os, pela recorrente, invocados Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça respeitam a caducidade do contrato pelo decurso do tempo e não à sua resolução, como é o caso nos presentes autos;

22. Enfim, terminando como foram iniciadas estas conclusões, nenhuma censura merece a douta sentença do Tribunal a quo, o qual aplicou, sem mácula, o direito ao caso concreto.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida, in totum, a douta sentença do Juízo Local Cível da Covilhã – Juiz ...,

Assim se fazendo JUSTIÇA.

            II – Objeto do recurso

            Tendo em atenção as conclusões da apelante, as quais delimitam o  objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

            . se o contrato celebrado entre a A. e a sociedade C... Unipessoal, Lda. não se encontra suspenso;

            . ainda que assim não se entenda, se a cláusula penal estabelecida na cláusula quarta, nº 3 do contrato, se aplica ainda que o contrato não tenha sido resolvido.

            III – Fundamentação

            Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

Factos Provados

1) A Autora celebrou um acordo com a sociedade “D..., Lda.”, a que denominou “contrato n.º ...20”, tendo nessa sequência entregue a esta a quantia de 45.000,00EUR, acrescida de IVA.

2) A sociedade “B..., Unipessoal Lda.” assumiu a posição da sociedade “D..., Lda.” no acordo mencionado em 1).

3) O aludido em 2) foi consentido pela Autora.

4) Uma vez que a realidade do mercado demonstrou que as provisões de consumo de café acordadas se mostraram inflacionadas e pretendendo corrigi-las, a Autora e a sociedade “B..., Unipessoal, Lda.” acordaram em revogar o acordo referido em 1).

5) Por documento escrito denominado “CONTRATO” e datado de 05.07.2013 – o qual se encontra junto aos autos com a petição inicial como documento n.º 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos – a Autora, a “B... Unipessoal, Lda”, na qualidade de segunda contratante e o Réu, na qualidade de terceiro contratante, acordaram, designadamente:

“Entre A..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., freguesia ..., Concelho ..., com o número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... e de pessoa coletiva ..., com o capital social de 30.000,00 €, representada por BB na qualidade de procurador com poderes para o ato, adiante designada por A...,

E

B... UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º ... com sede na Alameda ... ..., ... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o capital social de 5.000,00 € representada por CC na qualidade de gerente com poderes para o ato e adiante designada por SEGUNDO CONTRATANTE,

E

AA contribuinte n.º ..., casado em regime de comunhão de adquiridos com DD, residente na Rua ..., ... ..., portador do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até ..., adiante designado por TERCEIRO CONTRATANTE,

Considerando que:

A) A A... tem o direito exclusivo de comercialização e distribuição em Portugal de produtos com a marca registada ...®;

B) O SEGUNDO CONTRATANTE é proprietário de um estabelecimento denominado E... sito na Alameda ..., ..., ... ...;

C) O SEGUNDO CONTRATANTE está interessado em revender e publicitar, em exclusivo, no estabelecimento acima indicado, os produtos A... da marca indicada no considerando A);

D)A A... e D... LDA, celebraram em 12 de outubro de 2007, um contrato de Comparticipação Publicitária, Comodato e Aquisição de Equipamento n.º 3020, ao abrigo do qual a A... entregou:

O montante de € 45.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, a título de comparticipação publicitária;

 Uma Máquina de Café Rancilio Classe 6 E 3gr, a título de comodato;

 Um Moinho Rancilio Md 50 At, a título de comodato;

Um Moinho Rancilio Md 40 At, a título de comodato

E que em contrapartida F... LDA, obrigou-se a consumir 6.000,00 quilogramas de café da Marca ...®, lote ...®;

E) O consumo referido no considerando D) teve início em 12 de outubro de 2007 e por um período de 60 meses;

F) B... UNIPESSOAL LDA. assume a posição contratual de D... LDA., relativo ao estabelecimento comercial melhor identificado no Considerando B), tendo sido transmitidos para B... UNIPESSOAL LDA. os direitos e obrigações inerentes ao contrato melhor identificado no considerando D). O documento de cedência de posição contratual faz parte integrante deste contrato e junta-se a este sob Anexo I;

G) Face ao referido no considerando F) a A... aceita a cedência da posição contratual de D... UNIPESSOAL LDA.;

H) Face ao referido no considerando G) a A... e o SEGUNDO CONTRATANTE acordam que com a assinatura do presente contrato será dado como terminado o contrato identificado no Considerando D);

I) A realidade do mercado demonstrou que as previsões acordadas pelas partes se mostraram inflacionadas, pelo que as partes pretendem corrigir os valores e quantidades em questão, revogando o contrato anterior e acordam novas condições;

J) As quantidades de café que o SEGUNDO CONTRATANTE se compromete a adquirir ao abrigo do presente contrato correspondem às suas expectativas realistas de consumo, tendo sido por si definidas em conjunto com a A...;

Foi livre, esclarecida e reciprocamente aceite o presente contrato, de que os Considerandos supra fazem parte integrante, o qual se regerá pelas cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira

Objeto

O presente contrato visa regular os direitos e obrigações das partes relativamente à compra e promoção pelo SEGUNDO CONTRATANTE, em regime de exclusividade, dos produtos comercializados pela A... referidos na Cláusula Segunda.

Cláusula Segunda

Consumo mínimo e exclusividade

1) Durante o período de duração do presente Contato, o SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a revender e publicitar em exclusivo café da marca ...®, Lote ...®, no seu estabelecimento referido no considerando B).

2) O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a adquirir à A..., ou a distribuidor por esta indicado, a quantidade de 4.800,00quilogramas de café, devendo tal aquisição ser efetuada através de uma compra mínima mensal de 80,00 quilogramas.

3) O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se, ainda, a não adquirir a terceiros os produtos referidos no número um, nem a publicitar ou revender no seu estabelecimento, café e descafeinado de outra marcas durante o período de vigência do presente contrato e, em todo o caso, sem que seja excedido o prazo de cinco anos fixado na Cláusula de Duração do presente Contrato.

Cláusula Terceira

Outras obrigações

1) A A... obriga-se a vender ao SEGUNDO CONTRATANTE, diretamente ou através de distribuidor por si indicado, e aquele obriga-se a comprar-lhe, os produtos mencionados na Cláusula Segunda, pelos preços e nas condições constantes da sua tabela em vigor, à data da execução das encomendas efetuadas pelo SEGUNDO CONTRATANTE.

2) O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a efetuar o pagamento das faturas no prazo de vencimento indicado nas mesmas.

Cláusula Quarta

Comparticipação Publicitária

1) A A... já entregou ao abrigo dos dispostos no Considerando D), a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal, a qual corresponde à subtração ao montante total da comparticipação publicitária prestada no valor de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) acrescido de IVA à taxa legal, de € 15.000,00 (quinze mil euros) correspondente aos 1.200,00 quilogramas de café consumido pelo D... LDA., acrescido de IVA à taxa legal.

2) Resolvido o presente contrato com fundamento em qualquer causa não imputável à A..., e sem prejuízo de quaisquer indemnizações a que haja lugar, o SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a restituir à A... a comparticipação publicitária prestada, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.

3) Sem prejuízo da responsabilidade decorrente do incumprimento de outras obrigações contratuais, o incumprimento das obrigações previstas no número dois da Cláusula Segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstos, obriga o SEGUNDO CONTRATANTE a pagar à A..., a título de cláusula penal, o montante de €10,00 (dez euros) por cada quilograma de café contratado nos termos do número dois da Cláusula Segunda e não adquirido pelo SEGUNDO CONTRATANTE.

Cláusula Quinta

Duração

1) O presente contrato tem início em 05 de julho de 2013 e a duração de 60 meses, correspondente ao período considerado adequado à aquisição das quantidades estipuladas no número dois da Cláusula Segunda, não podendo contudo a respetiva duração exceder o prazo máximo de cinco anos.

2) O contrato terminará antes do prazo referido no número anterior, caso o SEGUNDO CONTRATANTE adquira em menor período de tempo a quantidade de café mencionada no número dois da Cláusula Segunda.

3) No final do prazo de duração do contrato, caso a quantidade de café indicada no número dois da Cláusula Segunda não tenha sido adquirida na totalidade, o contrato será prolongado, nos termos e por acordo entre as partes, até que a quantidade contratada remanescente seja adquirida. No entanto, sempre que, em virtude de tal prolongamento, a vigência do contrato ultrapasse o período máximo de 5 anos, o SEGUNDO CONTRATANTE deixará de estar vinculado, direta ou indiretamente, a qualquer obrigação de compra exclusiva de café e descafeinado quer da marca ...® e Lote ...®, quer de outras marcas comercializadas pela A....

Cláusula Sexta

Cedência da posição contratual

1) Se durante a vigência deste contrato, o SEGUNDO CONTRATANTE trespassar ou ceder por qualquer título o seu estabelecimento, deverá o respetivo contrato incluir expressamente a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato para o trespassário ou cessionário, ficando o SEGUNDO CONTRATANTE obrigado a comunicar por escrito tal facto e respetivos termos à A... com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias.

2) Transmitida a posição contratual nos termos do número anterior, o SEGUNDO CONTRATANTE assume perante a A... a qualidade de fiador do cessionário e principal pagador solidário, garantindo a satisfação de todas as obrigações deste e ficando pessoalmente obrigado perante a A....

3) O SEGUNDO CONTRATANTE poderá eximir-se da obrigação constante do número anterior desde que, o próprio ou o cessionário, apresentem à A... um novo fiador, esta o aceite por escrito e este assuma perante a A... a qualidade de fiador do cessionário e principal pagador solidário, garantindo a satisfação de todas as suas obrigações.

4) Se durante a vigência do contrato, o SEGUNDO CONTRATANTE ceder, seja a que título for, a exploração do seu estabelecimento, tal facto não importa a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato para o cessionário, continuando o SEGUNDO CONTRATANTE obrigado a, por si ou por terceiro, cumprir as obrigações emergentes deste contrato.

Cláusula Sétima

Resolução

1) Qualquer das partes pode pôr termo ao presente contrato, com efeitos imediatos, se a outra parte estiver em incumprimento contratual e não corrigir tal incumprimento no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis a contar da notificação por escrito feita pela parte lesada.

2) As partes expressamente convencionam que se considera incumprimento contratual e, consequentemente, fundamento de resolução do contrato um desvio nos consumos mensais acordados nos termos do número dois da Cláusula Segunda superior a 20%, por um período de 6 meses consecutivos.

3) O presente contrato considerar-se-á resolvido na data da receção de carta registada com aviso de receção enviada pela parte lesada, onde constem a resolução contratual e os seus fundamentos.

4) A resolução do presente contrato em resultado de incumprimento contratual imputável a qualquer das partes concede à parte lesada o direito de exigir a competente indemnização por perdas e danos devida no caso, cujo montante, na falta de acordo, será fixado judicialmente.

Cláusula Oitava

Fiança

1) O TERCEIRO CONTRATANTE celebra o presente contrato na qualidade de fiador e principal pagador solidário, garantindo a satisfação de todas as obrigações do SEGUNDO CONTRATANTE, ficando pessoalmente obrigado perante a A....

2) A fiança estabelecida nos termos do número anterior abrangerá qualquer renovações, modificações e aditamentos que as Partes venham a introduzir no presente contrato.

Cláusula Nona

Disposições Finais

1) As partes têm plena capacidade jurídica para contratar e obrigam-se a atuar segundo o princípio da Boa-Fé nas suas relações recíprocas, desenvolvendo os seus melhores esforços no desempenho cabal e tempestivo das obrigações emergentes do presente contrato.

2) O presente contrato é regido pela lei Portuguesa.”

3) Para efeitos de comunicações entre si, bem como para efeitos da realização de citação ou notificação judiciais, as partes convencionam como domicílio o indicado no presente contrato ou aquele que venha a ser oportunamente comunicado nos termos legais (…)”

6) Decorridos 60 meses da celebração do acordo referido em 5), uma vez que a sociedade “B..., Unipessoal, Lda” não tinha adquirido 4.800kg de café, as partes acordaram, ao abrigo da cláusula quinta, número 3) daquele acordo, que o mesmo se prolongasse.

7) A partir de abril de 2022, a sociedade “B..., Unipessoal, Lda.” encerrou o seu estabelecimento, não adquirindo mais o café da Autora.

8) A Autora remeteu uma missiva, datada de 12.07.2022, à sociedade “B... Unipessoal. Lda.”, para a morada “Alameda ... ... Lj 159 ... ...” mediante o qual lhe comunica:

“Nos termos do disposto na Cláusula Segunda, do Contrato n.º ...47 celebrado entre a A... e V. Exas. Em 05 julho 2013, obrigaram-se V. Exas a adquirir a quantia de 4 800,00 kgs de lote ...®, da marca ...® através de uma compra mínima mensal de 80,00Kgs.

Constatámos, no entanto, que V. Exas não se encontram a consumir a quantidade de Cafés Torrados acordada, violando assim o disposto na Cláusula Segunda, o que constitui uma violação grave do contrato e é fundamento de resolução do mesmo.

Face ao exposto, solicitamos a V. Exas a regularização da referida situação no prazo de 10 dias úteis a contar da data da receção da presente carta, sob pena de resolvermos o contrato com justa causa nos termos da Cláusula Sétima sem prejuízo do direito qu nos assiste ao pagamento das indemnizações previstas no mesmo”.

9) A missiva aludida em 8) foi devolvida à Autora, em 02.08.2022.

10) Na data mencionada em 7), a sociedade “B... Unipessoal, Lda” tinha apenas adquirido 2.709kg de café à Autora.

11) Por sentença proferida em 01.08.2022, no processo que correu termos no Juízo do Comércio ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 559/22...., a sociedade “B..., Unipessoal Lda.” foi declarada insolvente.

12) O anúncio da insolvência aludida em 11) data de 02.08.2022.

**

Factos não provados

Com interesse para a presente ação, consideraram-se não provados os seguintes factos:

a) Anteriormente à celebração do acordo aludido em 5), as partes negociaram as cláusulas dele constantes, mormente a cláusula quarta.

b) A Autora entregou à “B..., Unipessoal, Lda.” uma máquina de café e dois moinhos de café.

c) A Autora dava assistência a todo o equipamento utilizado para tirar café, oferecendo chávenas, pires e açúcar.

d) A Autora esteve impossibilitada de “conquistar” outros clientes por falta de meios monetários.

e) O café que não é vendido num ano dificilmente será vendido no ano seguinte.

f) Em consequência da “B... Unipessoal, Lda.” só ter adquirido as quantidades de café mencionadas em 11), a Autora sofreu uma alteração da programação dos seus vendedores, que alteraram rotas e tiveram de ampliar o seu percurso, com o consequente aumento do consumo de combustível.

            Da não suspensão do contrato

            Defende a apelante que diferentemente do que se entendeu na sentença recorrida, não deve considerar-se suspenso o contrato celebrado entre a A. e a C...-Unipessoal, Lda., porque o administrador não pretende cumprir o contrato.

Na sentença recorrida considerou-se que o contrato se encontrava suspenso com fundamento no artº  102º, nº 2 do CIRE.

            O artº 102º, nos seus nºs 1 e 2 , dispõe:

.1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

.2 - A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento.

            A apelante defende que a declaração do administrador da insolvência não tem de ser expressa, podendo ser tácita e que, face à circunstância do estabelecimento do insolvente ter sido encerrado, da inação do administrador de insolvência na prolação de uma declaração e deste ter reconhecido o crédito do apelante, sem estar subordinado a qualquer condição, há que concluir que não pretendeu optar pela execução do contrato, mas sim recusar o cumprimento.

            O apelado vem defender que as questões de facto suscitadas pelo apelante no recurso – reconhecimento do crédito da A. pelo Administrador da insolvente como crédito comum e não ter subordinado o mesmo a qualquer condição – não podem ser conhecidas por se tratarem de questões novas.

            Vejamos:

            Efetivamente o tribunal não pode atender à factualidade alegada pela apelante - não ter o Administrador da insolvência se pronunciado sobre o contrato em causa, tendo reconhecido o crédito da apelante como crédito comum não sujeito a condição - por tais factos não constarem dos factos dados como provados e não constarem dos autos documentação nesse sentido que a Relação devesse atender, nos termos do artº 607º, nº 4, ex vi do artº 663º, nº 2 do CPC, e não por constituírem questões novas. Por questões deve entender-se  todos “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente cumpre, ao juiz, conhecer”( José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 670), não se devendo confundir questões com os factos em que as mesmas assentam, que é o que a apelada faz.

Um contrato pressupõe o encontro de duas ou mais vontades e compõe-se em regra de uma ou mais propostas e de aceitação.

A declaração negocial como é sabido pode ser expressa ou tácita. É expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade e tácita quando se de deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (artº 217º nº 1 do CC).

Declaração expressa e declaração tácita têm, em regra, o mesmo valor[1].

A declaração tácita será, então, constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”[2]ou “quando do seu conteúdo direto se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral”[3]. Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa[4].

 Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto. Se eles constituem ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil.

A determinação do comportamento concludente, que deve ser visto como elemento objetivo da declaração tácita, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.

Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respetivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”, devendo ser “aferida por um critério prático”, “baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende”[5].

Ora, face à factualidade dada como provada não se pode considerar que o administrador da insolvência não pretende prosseguir a execução do contrato. Com exceção dos factos dados como provados no ponto 7, não foi alegada a demais factualidade em que a apelante se fundamentou para concluir pela intenção do AI, nem sobre ela foi produzida prova.

A apelante, aliás, poderia ter posto termo à suspensão,  fixando ao AI um prazo razoável para este exercer a sua opção, findo o qual se consideraria que recusou o cumprimento (artº 102º, nº 2 do CIRE), o que não fez.

            Da cláusula penal

Sustenta ainda a apelante que, ainda que se entenda que o contrato está suspenso,   a cláusula penal sempre seria devida, como resulta do texto da cláusula 4, nº 3 do contrato celebrado entre as partes.     

            A apelada opõe-se, alegando que se trata de uma questão nova e que ainda que assim não se entendesse, a cláusula 4º, nº 3 não tem natureza moratória, mas apenas compensatória, sendo que só esse fim é inteligível, tendo em conta o comportamento da apelante, conforme factos provados  2, 3, 4 e 6.

            Apreciando:

            A cláusula acessória com a natureza de cláusula penal é uma estipulação negocial que tem por objeto a fixação, em termos antecipados, das consequências do incumprimento contratual imputável ao devedor, em qualquer das suas modalidades típicas: o incumprimento definitivo, o cumprimento defeituoso e a mora.

            A doutrina e a jurisprudência reconhecem em geral duas funções à cláusula penal: uma função indemnizatória e uma função sancionatória ou compulsória. As cláusulas penais com função indemnizatória comportam ainda uma subdistinção, em função da modalidade de incumprimento verificado – as cláusulas compensatórias regulam as consequências do incumprimento definitivo e as cláusulas moratórias têm em vista o retardamento da prestação.

            A cláusula penal pode ainda ser fixada com o fim de constranger o devedor ao cumprimento. Nesse caso a cláusula penal assume uma função compulsória que tem por fim agravar o efeito do incumprimento (cfr. se defende na anotação ao artº 810º do CC, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Edição Universidade Católica Portuguesa, 2021).

            Na sentença recorrida entendeu-se que, fundando-se a peticionada indemnização na resolução do contrato e não tendo sido demonstrada tal resolução, a pretensão da A. teria de improceder. Mas acabou por conhecer da questão da aplicação (ou não) da cláusula penal aos casos em que o contrato ainda não foi  resolvido, concluindo pela sua não aplicabilidade.

            Escreveu-se a propósito:

            “No caso sub judice, conforme acima analisado, não se verificou a resolução contratual, pelo que não poderia operar a aludida cláusula penal, em consequência dessa resolução – e a qual constitui a causa de pedir nos presentes autos, estando, pois, este Tribunal limitado à mesma (cf. artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

            (…)

Todavia, impõe-se o esclarecimento que, sempre teria a aludida cláusula penal de ser interpretada, em face do estipulado entre as partes [mormente da cláusula quinta n.º 3)] e no prolongamento da vigência do contrato em face da mora anterior do Réu, como sendo de aplicar somente aos casos de resolução contratual e não, outrossim, aos casos de simples mora (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.06.2014, processo n.º 1514/12.5TBFIG.C1, relatora MARIA DOMINGAS SIMÕES, consultável in www.dgsi.pt).”

            Não atribuiu a apelante na petição inicial,  à cláusula penal acordada pelas partes uma função indemnizatória moratória, mas apenas compensatória, em caso de resolução do contrato, por incumprimento que considerou definitivo do acordado na cláusula 2ª, nº 2.

            Mas também não se nos afigura que o faça no seu recurso, como alega a apelada. A apelante defende tratar-se não de simples mora, continuando a defender tratar-se de  incumprimento definitivo (artº 21º do corpo alegatório e conclusão VII), como já defendia. O que a apelante defende é que, em face do incumprimento definitivo,  incumprimento considerado definitivo porque a sociedade B... não cessou o incumprimento depois de instada fazê-lo no prazo de 10 dias (artº 808º, nº 1 do CC) não é necessária a declaração de resolução para operar a cláusula penal.

            Será que se  trata de questão nova, como sustenta o apelado?

            Como se defende no Ac. do STJ de 15.09.2022, processo 188/20.4T8ADV.E1.S1,  citado na sentença recorrida, para recusar o conhecimento da questão, embora depois a sentença recorrida acabe por conhecer, “ao propor uma ação, o demandante formula uma pretensão fundada, por imposição de uma substanciação, numa causa de pedir que exerce a função individualizadora do pedido formulado, assim conformando o objeto do processo (artigo 552.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil). Essa causa de pedir é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir.

Este objeto inicial do processo, definido pelo pedido e respetiva causa de pedir, só pode vir a ser modificado, ampliado ou reduzido por iniciativa das partes ou do tribunal, nos termos e modos previstos e definidos na lei processual. Não o tendo sido e não se encontrando o tribunal perante situações que permitem o conhecimento oficioso de determinadas questões, o tribunal só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes (artigo 608.º e 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil), ou seja só pode decidir sobre o mérito do pedido formulado, julgando a causa de pedir que o individualiza, estando-lhe vedada a apreciação de qualquer outra causa de pedir que não tenha resultado das regras que permitem a modificação ou ampliação da causa de pedir original.

Diferente é a situação em que ao tribunal apenas se pede uma diferente qualificação jurídica dos factos integrantes da causa de pedir formulada pelo demandante. Essa já é uma atividade que lhe é permitida, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil “(sublinhado nosso).

            Afigura-se-nos que  a causa de pedir é o incumprimento definitivo do contrato pelo 2º contratante – não ter a 2ª outorgante do contrato adquirido o nº de quilos de café que estava obrigada a adquirir, mesmo depois de instada a fazê-lo, por carta remetida a 12.07.2022 e não a resolução do contrato, porque a apelante não alegou quaisquer factos em que sustente ter declarado a resolução do contrato e que a mesma tenha sido rececionada pela sociedade incumpridora, nos termos acordados na cláusula 7º, nº 3. O que a apelante alega no artº 15º da petição inicial é que “face ao incumprimento definitivo daquela sociedade, a autora considerou o contrato resolvido” e não que procedeu à sua resolução.

A pretensão da apelante funda-se nos  factos dados como provados 8, 7, 10 e 6 e por si alegados, e na mesma cláusula contratual, para defender que é devida  indemnização, ainda que não tenha sido declarada a resolução, por incumprimento do disposto na cláusula 2º, nº 2 – 1ª parte por parte da sociedade, 2ª outorgante.

            Na interpretação de uma cláusula, há que atender às regras do artigo 236º, 237º e ainda 238º, pois está em causa um negócio formal.

            Dispõe-se no n 3 da cláusula 4ª : “Sem prejuízo da responsabilidade decorrente do incumprimento de outras obrigações contratuais, o incumprimento das obrigações previstas no número dois da Cláusula Segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obriga o Segundo Contratante a pagar à A..., a título de cláusula penal, o montante de €10,00 (dez euros) por cada quilograma de café contratado nos termos do número dois da Cláusula Segunda e não adquirido pelo Segundo Contratante”.

            Segundo se nos afigura, o texto em questão  abrange duas situações distintas, a primeira decorrente da violação direta do n.º 2 da  cláusula segunda, a outra por via da resolução do contrato tendo por fundamento a violação de uma  qualquer outra estipulação contratual, mas que produz,  consequentemente, também o incumprimento da mesma cláusula 2ª, nº 2, por, ao ter sido resolvido o contrato, antes de ter sido adquirido o número de quilos contratados, já não ser possível a sua aquisição.         

            Como conciliar o disposto na cláusula 4ª, nº 3 com o disposto na  cláusula 5ª, nº 3 que prevê que “no final do prazo de duração do contrato, caso a quantidade de café indicada no número dois da Cláusula Segunda não tenha sido adquirida na totalidade, o contrato será prolongado, nos termos e por acordo entre as partes, até que a quantidade contratada remanescente seja adquirida. E ainda com o disposto na clausula 7ª, nºs 1 e 2, estando previsto no nº 1 que qualquer das partes pode pôr termo ao contrato por resolução se ocorrer incumprimento contratual e a parte incumpridora não puser fim ao incumprimento no prazo de 10 dias, após ter sido interpelada para cumprir e no nº 2 , onde se considera constituir fundamento de resolução, um desvio dos consumos acordados superior a 20%, durante seis meses consecutivos.

No caso, as partes acordaram no  prolongamento do contrato – facto provado 6, estando em causa o incumprimento do contrato prolongado.

Ora, da conciliação do estipulado na cláusula 2º, nº 2, 4ª, nº 3 e 7º, nº 1 e 2, a interpretação que um declaratário normal colocado no lugar do real declaratário faria, é que pode ser exigida a cláusula penal em caso de incumprimento da aquisição do número de quilos acordada no final do contrato,  a não ser que as partes acordem no prolongamento do mesmo com o fim de permitir que se adquira a quantidade acordada ou quando este finde por resolução, em caso de incumprimento da aquisição do número de quilos previsto. Poderá ainda ser-lhe exigida a indemnização prevista na cláusula penal, se o contrato findar por resolução, por incumprimento de outra disposição contratual, que acabe por não permitir a aquisição da totalidade convencionada de café.  

No acórdão citado pelo apelante, também desta Relação, de 25.10.2022 , proferido no proc. 1558/21.6T8VIS.C1,  entendeu-se que se aplicava a cláusula penal,  num caso em que o contrato se encontrava findo, não por resolução, mas por caducidade,  questão que é diversa da suscitada nestes autos. No referido acórdão, em que é analisada uma cláusula idêntica à cláusula 4ª, nº 3, não discutiu se o disposto na mencionada cláusula se aplicava aos casos em que o contrato ainda não se encontrava findo que é o que se verifica nestes autos, em que o contrato se encontra suspenso, até que o AI tome uma posição ou a apelante recorra ao disposto no artº 102º, nº 2 do CIRE.

            No caso, o que se trata, como se referiu, é do incumprimento do contrato prorrogado, o qual ainda não se encontra findo, mas suspenso. O apelante limitou-se a remeter uma missiva a instar ao cumprimento (carta datada de 12.07.2022), mas não declarou a resolução do contrato, sendo que nos termos constantes da cláusula 7ª, nº 3, o contrato só se consideraria findo por resolução, na data da  receção da carta onde constasse a declaração de resolução e os respetivos fundamentos.

Não tendo o contrato terminado por resolução da iniciativa da autora e encontrando-se o contrato suspenso, não é devida qualquer indemnização, por não estar prevista no texto do contrato.

            A sentença é,  pois, de confirmar.

            Sumário:

            (…).

             

            IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.

            Not.

Coimbra, 10 de outubro de 2023

[1] Cfr. se defende no Ac. do STJ de 24/5/07, proferido no P. 07A988, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados.
[2] P. Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed., 298.
[3] C. Mota Pinto “Teoria Geral”, 3.ª ed. 425.
[4] Cfr. se defende no Ac. do STJ de 24.05.2007, já citado.

[5] Rui de Alarcão, A Confirmação dos Negócios Anuláveis, I, 192 e Ac. STJ de 16/01/07 – Proc. n.º 4386/06-1 e de 04/11/04, Proc. 05A1247-ITIJ, apud Ac.do STJ de 16.03.2010, p. 97/2002.