Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1161/09.9TBLRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.47º, 97º DO CIRE, 333º, 377º DO CT E 747º, 748º DO CC
Sumário: I - Incumbe ao trabalhador reclamante, para poder beneficiar do privilégio imobiliário especial concedido aos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessão, alegar, não só a existência e o montante do seu crédito, como também que se trata de imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, se necessário, a prova de tais factos.

II – Prestando a reclamante serviços administrativos no único prédio urbano apreendido à sociedade requerida, é somente sobre esse imóvel que se estende o privilégio imobiliário especial de que a mesma goza.

III – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação gozam de privilégio mobiliário geral.

IV – Tais créditos são graduados antes dos créditos da Segurança Social.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Nos autos de insolvência que correram no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi declarada, por sentença transitada em julgado, a insolvência de “C Lda”, a requerimento de A (…), credora da requerida.

No subsequente apenso de reclamação de créditos, o Ex.mo Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do artº 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Somente a credora S (…) Lda impugnou a lista apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, tendo este admitido que deverá ser reconhecido o crédito de € 1.645,96 reclamado por aquela.

Por despacho de fls. 63, foi mandado notificar o Sr. Administrador da Insolvência para esclarecer “se os trabalhadores da insolvente alegaram trabalhar no prédio apreendido”.

O Sr. Administrador da Insolvência informou, então, que “a reclamante ex-trabalhadora Sr.ª D. A (…), exercia as suas funções administrativas no mesmo edifício em que a insolvente exercia a sua actividade industrial, ou seja, no prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...), artigo matricial nº (...), conforme verba 3 do auto de apreensão junto aos autos” (fls. 65).

Proferiu-se seguidamente sentença que julgou reconhecidos os créditos reclamados, graduando-os da seguinte forma:

“Assim, atento o exposto, e sem prejuízo do prescrito no art° 171º n° 1 do CIRE, que estabelece que “antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo”.

Proceda-se aos pagamentos pela seguinte ordem:

1 - Pelo produto da verba 3 (imóvel):

a) em primeiro lugar o crédito de A (…)

b) em segundo lugar, pelo remanescente havendo-o, o crédito da Instituto da Segurança Social, IP (355.784,12 €);

c) em terceiro lugar, pelo remanescente havendo-o, o crédito do Instituto da Segurança Social, IP (353,12 €),

d) em quarto lugar, pelo remanescente havendo-o, todos os demais créditos reclamados, com excepção do crédito de J (…), de forma rateada.

e) em quinto lugar o crédito de J (…).

2 - Pelo produto da verba 1 (imóvel):

a) em primeiro lugar, o crédito da Instituto da Segurança Social, IP (355.784,12 €);

b) em segundo lugar, pelo remanescente havendo-o, o crédito do Instituto da Segurança Social, IP (353,12 €),

c) em terceiro lugar, pelo remanescente havendo-o, todos os demais créditos reclamados, com excepção do crédito de J (…), de forma rateada.

d) em quarto lugar, o crédito de J (…).

3 - Pelo produto da verba 2 (imóvel):

a) em primeiro lugar, o crédito da Instituto da Segurança Social, IP (355.784,12 €);

b) em segundo lugar, pelo remanescente havendo-o, o crédito do Instituto da Segurança Social, IP (353,12 €),

c) em terceiro lugar, pelo remanescente havendo-o, todos os demais créditos reclamados, com excepção do crédito de J (…), de forma rateada.

d) em quarto lugar, o crédito de J (…).

4 - Pelo produto da venda dos bens móveis e direitos:

a) em primeiro lugar, o crédito global da Instituto da Segurança Social, IP;

b) em segundo lugar, pelo remanescente, havendo-o, todos os demais créditos reclamados, com excepção do crédito reclamado por J (…), de forma rateada;

e) em terceiro lugar, o crédito de J (…).

Inconformada com o assim decidido, interpôs a reclamante A (…) recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “A ora Apelante, para além de ser credora reclamante, e ex-trabalhadora, requereu a declaração de insolvência da ora insolvente “C (…) S.A.”;

2ª - Foi proferida sentença no âmbito do presente processo de insolvência, de que depende este apenso, na qual foi declarada a insolvência da sociedade requerida “C (…), S.A.”, tendo-se julgado confessados os factos alegados na petição inicial pela requerente, ora Apelante;

3ª - A Reclamante, ora Apelante, veio, não obstante a petição inicial de requerimento de insolvência e a confissão dos factos operada por sentença, a reclamar o seu crédito tendo alegado, entre outros factos, que:

A) A ora Reclamante foi admitida ao serviço da Insolvente em 01 de Junho de 1984, com a categoria profissional de Escriturária.

B) O crédito da ora Reclamante, na qualidade de trabalhadora da sociedade Insolvente, goza de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis da Insolvente na qual a trabalhadora prestava o seu trabalho. (Art. 333º do Código do Trabalho).

C) O crédito da Reclamante deve ser graduado, em relação aos bens móveis, antes do crédito referido no Art. 747º/1 do C.C. e, em relação aos imóveis, antes do crédito referido no Art. 748º do C.C. e de crédito relativo a contribuição para a Segurança Social.

D) Deste modo, a ora Reclamante detém, sobre todos os bens móveis da massa insolvente, um privilégio mobiliário geral.

E) De igual modo, a Reclamante detém, ainda, um privilégio imobiliário especial em relação às instalações da Insolvente, compostas por um armazém e respectivo logradouro, a que correspondem os artigos matriciais (...), (...) e (...);

4ª - Nos termos do relatório elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência, previsto no Art. 155 do CIRE, aprovado em assembleia de credores, “o património da ora insolvente é constituído por um prédio rústico e um urbano e 1/3 parte indivisa, de um prédio rústico e “Embora existam três inscrições na Conservatória e três artigos matriciais, a verdade é que, é um único prédio, composto por nave industrial e respectivo logradouro.”Mais se refere no mencionado relatório que: “Desenvolvem-se diligências junto da Conservatória do Registo Predial e Serviço de Finanças para adequar os registos à realidade física dos bens.”;

5ª A) A decisão sobre a matéria de facto deve, nos termos do Art. 712º/1/a/b do C.P.C, ser alterada, atendendo aos seguintes meios de prova: petição inicial que requereu a insolvência; documento n.º 6 da referida p.i.; sentença que decretou a insolvência; relatório efectuado pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do Art. 155 do CIRE, e aprovado em assembleia de credores de 21/05/2009.

B) A douta sentença, atendo aos meios de prova supra referidos, deveria ter dado como provados os seguintes factos:

B.1) O património imóvel da sociedade insolvente é composto, apenas, por um bem imóvel e não por três, como se faz referência na douta sentença.

B.2) Por outro lado, tal como se verifica através da certidão da conservatória do Registo Predial de (...), junta como doc. n.º 6 da petição inicial que requereu a insolvência, o prédio rústico identificado com o artigo matricial n.º (...), e com a descrição da Conservatória (...), apenas 1/3 indiviso é propriedade e titulado pela insolvente C (…)”, contrariamente ao referido no prédio mencionado como verba 1 na douta sentença. Deste modo, não se encontra apreendido o prédio descrito sob o artigo (...) e descrito sob o n.º (...), mas apenas o direito a 1/3 indiviso do referido prédio.

B.3) O património imóvel da insolvente corresponde a um único bem imóvel identificado por dois artigos matriciais no seu todo e 1/3 de um outro artigo e duas descrições, no seu todo, e 1/3 de uma outra, da Conservatória do Registo Predial.

B.4) O imóvel, correspondente às suas instalações nas quais era exercida a sua actividade, pertencente à insolvente constitui um único bem, como uma verba única, e não três verbas identificadas com os n.ºs 1, 2 e 3, devendo ser identificado por VERBA ÚNICA.

B.5) Deve, pelo exposto, ser alterado o ponto VII da douta sentença no sentido de se mencionar que apenas um bem imóvel, composto por uma verba única foi apreendido para a massa insolvente, bem esse, composto da seguinte forma:

“IMÓVEL: VERBA ÚNICA: 1/3 indiviso de um prédio rústico situado nas (...), freguesia de (...), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n. (...), artigo matricial n.º (...), com área de 17.177 m2 e o valor tributável de € 69,01 euros; Prédio rústico situado em Cerca, freguesia de (...), descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de (...), sob n.º (...), artigo matricial n.º (...), com área de 5.500 m2 e valor tributável de € 3.292,07 euros; Prédio urbano, situado em (...), freguesia de (...), descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de (...), sob n.º (...), artigo matricial n.º (...), com área de 600 m2 e valor tributável de €17.844,38 euros.

Confronta: Barracão destinado a oficina – Norte, (…) e outros; Sul, (…) e outros; Nascente, (…); Poente, (…).”

B.6) A reclamante, ora Apelante detém um privilégio imobiliário especial em relação às instalações da Insolvente, compostas por um armazém e respectivo logradouro, a que correspondem os artigos matriciais (...), (...) e (...).

B.7) A prestação de trabalho da reclamante, ora Apelante, era efectuada nos prédios em apreço, correspondendo a um único bem imóvel, identificado pelos artigos matriciais 4.950, (...) e (...);

6ª - A reclamante, ora Apelante, enquanto ex-trabalhadora da insolvente goza de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis da Insolvente na qual a trabalhadora prestava o seu trabalho. (Art. 333º do Código do Trabalho);

7ª - Deste modo, o crédito da Reclamante, ora Apelante, deve ser graduado, em relação aos bens móveis, antes do crédito referido no Art. 747º/1 do C.C. e, em relação aos imóveis, antes do crédito referido no Art. 748º do C.C. e de crédito relativo a contribuição para a Segurança Social;

8ª - A ora Reclamante detém, sobre todos os bens móveis da massa insolvente, um privilégio mobiliário geral;

9ª - A Reclamante detém, ainda, um privilégio imobiliário especial em relação às instalações da Insolvente, compostas por um armazém e respectivo logradouro, a que correspondem os artigos matriciais (...), (...) e (...), correspondendo a um único bem imóvel;

10ª - Tal como decorre da fundamentação de facto, o património imóvel, pertencente à insolvente e que foi apreendido para a massa, corresponde e é composto por um único bem imóvel, ainda que identificado por três prédios com três artigos matriciais e três descrições da Conservatória do Registo Predial;

11ª - As instalações da insolvente, na qual a reclamante, ora Apelante, prestava o seu trabalho, são compostas por um único bem imóvel, sendo esse bem aquele em que a ora Apelante prestava o seu trabalho;

12ª - O crédito laboral da ora Apelante beneficia de um privilégio imobiliário especial em relação ao único bem imóvel da insolvente correspondente à verba única e anteriormente identificado, pela douta sentença, por verbas 1, 2 e 3;

13ª - Pelo produto da venda do único bem imóvel da insolvente, deve o crédito da ora Apelante ser graduado em primeiro lugar e não apenas pelo produto da venda do prédio identificado na douta sentença como verba n. 3;

14ª - Pelo produto da venda dos bens móveis e direitos, o crédito da ora Apelante goza, igualmente, de um privilégio mobiliário geral, pelo que, prevalece sobre o crédito do Instituto da Segurança Social, nos termos do Art. 333º/2/a do Código do Trabalho, contrariamente ao decidido pela douta sentença;

15ª - A douta sentença efectuou, por tudo o exposto, uma errada interpretação e aplicação do Art. 333º do Código do Trabalho, Arts. 47º/4/a e 97º/1/e do CIRE”.

Não foi apresentada contra-alegação.



O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber:

- Se é de considerar ter sido apreendido um único bem imóvel para a massa insolvente;

- Se o crédito da apelante deve ser graduado em primeiro lugar pelo produto da venda desse mesmo imóvel; e

- Se o crédito da apelante deve ser também graduado em primeiro lugar relativamente aos bens móveis e direitos apreendidos.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


...............


OS FACTOS

A sentença recorrida não discrimina os factos considerados provados, limitando-se a descrever, sob o respectivo ponto VII, os bens apreendidos.

Esses bens, segundo a sentença, são os seguintes:

IMÓVEIS

VERBA 1 – Prédio rústico, situado em (...), Freguesia de (...), descrito na 2a Conservatória de Registo Predial de (...)sob o n.º (...), artigo matricial n.° (...), com a área de 17.177 m2 e o valor tributável de €69.0l.

Confronta: Pinhal – Norte, estrada pública; e Cimentos (...) (...), S.A., Sul, estrada nacional 356, (…) e outros; Nascente, Cimentos (...) (...), S.A. e Poente estrada pública.

VERBA 2 – Prédio rústico situado em Cerca, freguesia de (...), descrito na 2a Conservatória de Registo Predial de(...)sob o n.° (...), artigo matricial n.° (...), com a área de 5.500 m2 e valor tributável de €3.292,07.

Confronta: terreno de cultura – Norte, caminho; Sul, (…); Nascente, (...) e Poente, estrada.

VERBA 3 – Prédio urbano, situado em (...), Freguesia de (...), descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de(...)sob o n.° (...), artigo matricial n.° (...), com a área de 600 m2 e valor tributável de € 17.844;38.

Confronta: Barracão destinado a oficina – Norte, (…) e outros; Sul, (…) e outros; Nascente, (…); Poente, (…).

MÓVEIS:

VERBA 4 – Um abraço, torno mecânico marca Cegonheira;

VERBA 5 – Uma rectificadora plana marca Delta com mesa mag. 1984;

VERBA 6 – Uma máquina electroerosão, marca eroda, N 450;

VERBA 7 – Uma fresadora CNC marca Bridgport;

VERBA 8 – Uma fresadora convencional Kondia FVI N.° 249, com digital;

VERBA 9 – Duas fresadoras convencionais Bridgport série n.° 34302098, com digital, série n° 429450587;

VERBA 10 – Uma fresadora CNC, marca CME;

VERBA 11 – Uma mandriladora marca Union BF – 80, com digital;

VERBA 12 – Uma máquina electroerosão, marca Genspark;

VERBA 13 – Um centro de maquinação, marca Kondia;

VERBA 14 – Uma fresadora universal B.S.V. Jarbe modelo F-2 CM, n.° 65009;

VERBA 15 – Rectificadora plana, marca C.P. Treatment Teco 3 Phaseinduction, série 47327;

VERBA 16 – Um tomo JRI tipo T2 03.12, n.° 348611061;

VERBA 17 – Engenho Ajax n.º 5, série 8502, com mesa para furacões;

VERBA 18 – Um carro com elevador manual;

VERBA 19 – Um compressor CISE 2 cabeças;

VERBA 20 – Cinco tornos bancada marca Record e Memel n.° 6;

VERBA 21 – Duas máquinas de afiar frezas, marca Silva e sem marca;

VERBA 22 – Esmoril Black & Deker, modelo BG/8 2920;

VERBA 23 – Um serrote de fita fabrico Alemão;

VERBA 24 – Duas gruas com hidráulicos manual (Cabra);

VERBA 25 – Um pórtico com motor e rodas;

VERBA 26 – Um empilhador prat. Série 1011592;

VERBA 27 – Plano pedra granito 1.80 m x 0.90 m com base em ferro;

VERBA 28 – Um plano em ferro 63 cm x 50 cm com base em ferro;

VERBA 29 – Oito bancas lisas com estrutura ferro e madeira;

VERBA 30 – Oito bancas com armários e gavetas em madeira;

VERBA 31 – Oito armários em madeira com gavetas de apoio às frezas;

VERBA 32 – Oito estiradores;

VERBA 33 – Quatro prateleiras tipo Dexion com 5 divisórias;

VERBA 34 – Dois armários arquivo 200 cm x 40 cm;

VERBA 35 – Dois arquivos metálicos com 4 gavetas;

VERBA 36 – Um arquivo metálico 7 gavetas;

VERBA 37 – Quatro armários metálicos de vestiários;

VERBA 38 – Uma secretária madeira 6 gavetas;

VERBA 39 – Uma secretária chapa 4+1 gaveta;

VERBA 40 – Cinco mesas de refeitório;

VERBA 41 – Seis cadeiras refeitório;

VERBA 42 – Armário de cozinha com lava loiças;

VERBA 43 – Quatro secretárias em chapa tampo madeira 3 gavetas;

VERBA 44 – Quatro mesas para apoio dos monitores;

VERBA 45 – Uma mesa madeira com duas prateleiras para papel Ao;

VERBA 46 – Um armário em chapa 2 portas laterais + 3 prateleiras ao centro para arquivo;

VERBA 47 – Um arquivo vertical para desenhos em chapa cor creme;

VERBA 48 – Quatro monitores 20”, marca PHILIPS;

VERBA 49 – Uma mesa de reuniões em madeira cor pinho;

VERBA 50 – Seis cadeiras de pés, estrutura metálica (pretas);

VERBA 51 – Um móvel de madeira cor pinho, composto por 3 gavetas, 6 portas em madeira mais duas portas de vidro com balcão de bar anexado;

VERBA 52 – Uma secretária em L metálica cor creme com 6 gavetas;

VERBA 53 – Uma secretária metálica cor cinza, tampo madeira de cor castanha, com 6 gavetas;

VERBA 54 – Quatro prateleiras de arquivo tipo Dexion cinza claro;

VERBA 55 – Um computador “LAN” (escritório);

VERBA 57 – Um monitor 15” Samtron 4B1, série n.° H.M.E.J 305544 B;

VERBA 58 – Um relógio de ponto “BODET”, ref,a. BT 50;

VERBA 59 – Uma cadeira de executivo com elevador a gás;

VERBA 60 – Um fax Samsung SF 4500;

VERBA 61 -Uma impressora Epson L.Q. – 1170.


...............


O DIREITO

O inconformismo da apelante em relação à sentença recorrida assenta mormente na circunstância de se ter considerado que foram apreendidos três bens imóveis distintos para a massa insolvente, defendendo ela que se trata de um único imóvel, sobre o qual se estenderia o privilégio imobiliário especial de que goza o seu crédito. No fundo, as duas primeiras questões enunciadas resumem-se a uma só – se é de considerar como constituindo um único imóvel os três bens imóveis apreendidos. Se considerarmos ser um só imóvel, o privilégio imobiliário especial da apelante incidiria sobre as verbas nºs 1, 2 e 3 do auto de apreensão; caso se considerem imóveis distintos, como fez a douta sentença recorrida, então dúvidas não restam de que o privilégio imobiliário da apelante abrange somente a verba nº 3.

A apelante defende a alteração da matéria de facto da 1ª instância, aduzindo que a sentença recorrida devia ter dado como provado que:

B.1) O património imóvel da sociedade insolvente é composto, apenas, por um bem imóvel e não por três, como se faz referência na douta sentença.

B.2) Por outro lado, tal como se verifica através da certidão da conservatória do Registo Predial de (...), junta como doc. n.º 6 da petição inicial que requereu a insolvência, o prédio rústico identificado com o artigo matricial n.º (...), e com a descrição da Conservatória (...), apenas 1/3 indiviso é propriedade e titulado pela insolvente C (…)”, contrariamente ao referido no prédio mencionado como verba 1 na douta sentença. Deste modo, não se encontra apreendido o prédio descrito sob o artigo (...) e descrito sob o n.º (...), mas apenas o direito a 1/3 indiviso do referido prédio.

B.3) O património imóvel da insolvente corresponde a um único bem imóvel identificado por dois artigos matriciais no seu todo e 1/3 de um outro artigo e duas descrições, no seu todo, e 1/3 de uma outra, da Conservatória do Registo Predial.

B.4) O imóvel, correspondente às suas instalações nas quais era exercida a sua actividade, pertencente à insolvente constitui um único bem, como uma verba única, e não três verbas identificadas com os n.ºs 1, 2 e 3, devendo ser identificado por VERBA ÚNICA.

B.5) Deve, pelo exposto, ser alterado o ponto VII da douta sentença no sentido de se mencionar que apenas um bem imóvel, composto por uma verba única foi apreendido para a massa insolvente, bem esse, composto da seguinte forma:

“IMÓVEL: VERBA ÚNICA: 1/3 indiviso de um prédio rústico situado nas (...), freguesia de (...), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n. (...), artigo matricial n.º (...), com área de 17.177 m2 e o valor tributável de € 69,01 euros; Prédio rústico situado em Cerca, freguesia de (...), descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de (...), sob n.º (...), artigo matricial n.º (...), com área de 5.500 m2 e valor tributável de € 3.292,07 euros; Prédio urbano, situado em (...), freguesia de (...), descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de (...), sob n.º (...), artigo matricial n.º (...), com área de 600 m2 e valor tributável de €17.844,38 euros.

Confronta: Barracão destinado a oficina – Norte, (…) e outros; Sul, (…)e outros; Nascente, (…); Poente, (…).”

Ou seja, defende a apelante que deve ser descrita como verba única ou como um único imóvel o que, na realidade, são três imóveis, com artigos matriciais e descrições na Conservatória do Registo Predial inteiramente distintos.

Argumenta com a petição inicial que requereu a insolvência, com o documento nº 6 junto a essa petição (certidão da Conservatória do Registo Predial), a sentença que decretou a insolvência e o relatório efectuado pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Como decorre dos autos, foi a ora apelante quem requereu a declaração de insolvência da requerida, tendo alegado, para além do mais:

- No âmbito das execuções fiscais, supra mencionadas, foram, ainda, realizadas penhoras sobre os únicos três bens imóveis, correspondente a um prédio rústico, a um prédio urbano e a 1/3 parte, indivisa, de um prédio rústico, que a Requerida possui e é proprietária;

- Sendo que, na realidade, fisicamente, tais bens correspondem, apenas a um único prédio composto de barracão e respectivo logradouro.

A requerida não deduziu oposição, pelo que a requerida insolvência veio a ser decretada, considerando-se confessados os factos alegados na petição inicial.

A ora apelante veio reclamar um crédito global de € 4.808,13, a título de créditos laborais.

Conforme decorre da certidão de fls. 137 e segs., aos 3 de Abril de 2009, o Administrador da Insolvência, acompanhado do ex-gerente da insolvente, Sr. (...), procedeu, nomeadamente, à apreensão dos bens abaixo descritos:

VERBA 1 – Prédio rústico, situado em (...), Freguesia de (...), descrito na 2a Conservatória de Registo Predial de(...)sob o n.º (...), artigo matricial n.° (...), com a área de 17.177 m2 e o valor tributável de €69.0l.

Confronta: Pinhal – Norte, estrada pública; e Cimentos (...) (...), S.A., Sul, estrada nacional ..., (…) e outros; Nascente, Cimentos (...) (...), S.A. e Poente estrada pública.

VERBA 2 – Prédio rústico situado em Cerca, freguesia de (...), descrito na 2a Conservatória de Registo Predial de(...)sob o n.° (...), artigo matricial n.° (...), com a área de 5.500 m2 e valor tributável de €3.292,07.

Confronta: terreno de cultura - Norte, caminho; Sul, (…); Nascente, (...) e Poente, estrada.

VERBA 3 – Prédio urbano, situado em (...), Freguesia de (...), descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de(...)sob o n.° (...), artigo matricial n.° (...), com a área de 600 m2 e valor tributável de € 17.844;38.

Confronta: Barracão destinado a oficina – Norte, (…) e outros; Sul, (…)e outros; Nascente, (…); Poente, (…).

Foram, pois, inegavelmente apreendidos para a massa insolvente três imóveis distintos e não apenas um. Tais imóveis estão perfeitamente identificados, no auto de apreensão levado a cabo pelo Sr. Administrador de Insolvência, com os respectivos artigos matriciais, com a descrição na Conservatória do Registo Predial e confrontações. Administrador que foi acompanhado no acto pelo ex-gerente da requerida. São prédios distintos, distinta sendo a natureza de um e outros. Por isso, tais prédios não se confundem, sendo até de considerar que se trata de dois prédios rústicos e um urbano, pelo que não se concebe como poder integrá-los num só prédio.

De qualquer modo, os três prédios continuarão a ter a sua identidade até serem eventualmente integrados num só, o que terá de ser promovido junto das autoridades administrativas competentes. Essa integração não foi, anteriormente à declaração de insolvência, requerida pela sociedade insolvente, através dos seus legais representantes. Isso não decorre dos autos.

O que os autos demonstram é que foram efectivamente apreendidos para a massa insolvente três bens imóveis devidamente identificados e distintos entre si; dois deles são prédios rústicos e um urbano.

A circunstância de a requerida não ter deduzido oposição ao pedido de insolvência não leva a que se considere como confessado que se trata de um só prédio. Na realidade, a requerente da insolvência nem alegou, na sua petição de insolvência, que a requerida tinha somente um bem imóvel. O que ela alegou foi que, “no âmbito das execuções fiscais, supra mencionadas, foram, ainda, realizadas penhoras sobre os únicos três bens imóveis, correspondente a um prédio rústico, a um prédio urbano e a 1/3 parte, indivisa, de um prédio rústico, que a Requerida possui e é proprietária”.

E se bem que a requerente tenha acrescentado que, na realidade, fisicamente, tais bens correspondem, apenas a um único prédio composto de barracão e respectivo logradouro, esta afirmação não tem fundamento bastante para contrariar aquela alegação de que foram realizadas penhoras «sobre os únicos três bens imóveis» da requerida.

De resto, intervindo no processo de insolvência somente a requerente, ora apelante, e a insolvente, a eventual confissão desta quanto aos factos alegados pela requerente nunca poderia constituir caso julgado quanto aos demais credores, que não tiveram intervenção no processo de declaração da insolvência. E a declaração de que três prédios distintos constituem um único imóvel, para além de contrariar a identificação predial feita pelas autoridades administrativas, iria prejudicar os demais credores, na medida em que estava a estender um privilégio imobiliário especial a prédios que, à partida, estão dele isentos.

Assim, de acordo com a informação prestada pelo Sr. Administrador da Insolvência (fls. 65), a ora apelante exercia as suas funções administrativas no mesmo edifício em que a insolvente exercia a sua actividade industrial, ou seja, no prédio urbano descrito sob a verba nº 3 do autos de apreensão de bens. E mal se entenderia que a actividade administrativa da apelante fosse desempenhada em prédios rústicos, ainda que contíguos ao prédio urbano em que se desenvolvia a actividade industrial da insolvente.

Ora, a sentença recorrida mandou dar pagamento, em relação à verba nº 3 (imóvel urbano), em primeiro lugar à apelante, reconhecendo o crédito imobiliário especial que ela goza sobre tal bem. Em relação às verbas números um e dois (imóveis de natureza rústica), a apelante não goza de qualquer privilégio imobiliário, pelo que bem andou a sentença recorrida ao graduar os créditos verificados em relação aos bens imóveis apreendidos.

Era à apelante que incumbia, para poder beneficiar do privilégio imobiliário especial concedido aos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessão, alegar, não só a existência e o montante desse crédito, como também que se trata de imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, se necessário, a prova de tais factos[1].

Ora, prestando a apelante serviços administrativos no único prédio urbano apreendido à sociedade requerida, como emerge dos autos, é somente sobre esse imóvel que se estende o privilégio imobiliário especial de que a mesma goza.

Nesta parte, a sentença recorrida não merece, pois, censura alguma.


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Resta apreciar a questão de saber se o crédito da apelante deve ser também graduado em primeiro lugar relativamente aos bens móveis e direitos.

Em relação aos bens móveis e direitos, a sentença recorrida, sem fundamentar minimamente a razão de tal procedimento, graduou os créditos reclamados pela forma seguinte:

a) Em primeiro lugar, o crédito global do Instituto da Segurança Social, IP;

b) Em segundo lugar, pelo remanescente, havendo-o, todos os demais créditos reclamados, com excepção do crédito reclamado por J (…), de forma rateada;

c) Em terceiro lugar, o crédito de J (…).

A apelante defende que o seu crédito em relação a estes bens goza de privilégio mobiliário geral, devendo ser graduado antes do crédito referido no artº 747º, nº 1, do Código Civil, ou seja, antes do crédito da Segurança Social. Assiste, aqui, inteira razão à apelante.

Dispõe o artº 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8, aplicável[2] ao caso presente:

1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:

a) Privilégio mobiliário geral;

b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.

2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:

a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.° 1 do artigo 747° do Código Civil;

b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no art. 748° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.

Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.º 733.º do C.C.).

Os privilégios creditórios são de duas espécies: mobiliários e imobiliários. Os mobiliários são gerais ou especiais. São gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou do acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados móveis (artº 735º, nºs 1 e 2, do C.C.).

Os imobiliários estabelecidos no Código Civil são sempre especiais (nº 3 do mesmo preceito, na redacção do Dec. Lei nº 38/2003, de 8/3).

O art° 47º, nº 4, do CIRE, estabelece as seguintes classes de créditos sobre a insolvência:

a) «Garantidos» e «privilegiados» os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;

b) «Subordinados» os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;

c) «Comuns» os demais créditos.

Como escreveram Carvalho Fernandes e João Labareda[3], “quanto à definição dos créditos garantidos e privilegiados nada, em boa verdade, se acrescenta ao que decorre dos princípios gerais.

Uma vez que aquilo que está em causa é a satisfação de créditos à custa do património do insolvente, compreende-se, sem qualquer dificuldade, a limitação da categoria dos créditos garantidos àqueles que estão assistidos de garantia real, visto que as demais garantias (pessoais) se caracterizam pela possibilidade de o credor exigir o pagamento a terceiros, o que não é, para este efeito, especialmente relevante – embora se deva atender ao que dispõe o artº 179º”.

O privilégio geral não é um verdadeiro direito real. O crédito correspondente não incide sobre bens determinados, sendo desprovido do direito de sequela e traduzindo-se em mera preferência de pagamento.

Os privilégios creditórios gerais cedem, por isso, perante os direitos reais de garantia de terceiros.

Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, a que a lei confere privilégio mobiliário geral, devem ser graduados antes dos créditos referidos no nº 1 do artº 747º do C. Civil, ou seja, para além do mais que aqui não releva, antes dos créditos por impostos ao Estado e às autarquias locais[4].

Os vulgarmente designados créditos laborais prevalecem, assim, sobre todos os privilégios mobiliários enunciados no nº 1 daquele artº 747º, cedendo apenas perante os privilégios por despesas de justiça, consagrados no artº 746º do mesmo código[5].

Deste modo, o crédito da ora apelante, que provém da sua relação laboral com a requerida, tem de ser graduado em primeiro lugar, em relação aos bens móveis e direitos, e não em segundo lugar, como fez a sentença recorrida, considerando-o como qualquer outro crédito comum.

Nesta parte, procede, pois, a apelação.


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Sumário:

1 – Incumbe ao trabalhador reclamante, para poder beneficiar do privilégio imobiliário especial concedido aos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessão, alegar, não só a existência e o montante do seu crédito, como também que se trata de imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, se necessário, a prova de tais factos;

2 – Prestando a reclamante serviços administrativos no único prédio urbano apreendido à sociedade requerida, é somente sobre esse imóvel que se estende o privilégio imobiliário especial de que a mesma goza;

3 – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação gozam de privilégio mobiliário geral;

4 – Tais créditos são graduados antes dos créditos da Segurança Social.

DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que mandou graduar os créditos relativos aos bens móveis e direitos, a qual, nesta parte, se substitui por outra que, em relação a tais bens, manda graduar os créditos verificados do seguinte modo:

a) Em primeiro lugar, o crédito da apelante A (…);

b) Em segundo lugar, o crédito global da Segurança Social, IP;

c) Em terceiro lugar, os demais créditos reclamados, com excepção do de J (…); e

d) Em quarto lugar, o crédito de J (…).

Custas pela apelante e pela massa insolvente, na proporção de metade.


[1] Neste sentido, vide o Ac. do S.T.J. de 2/7/2009, www.dgsi.pt, Proc. 989/04.
[2] O regime consagrado no artº 333º do actual Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02, é idêntico.
[3] CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, 225.
[4] Vide, neste sentido, o recente acórdão desta mesma Secção (Relator: Fonte Ramos, no qual o aqui Relator interveio como adjunto) proferido no Proc. 101/09.0TBMGR-C.C1, e o Ac. do S.T.J. de 10/1272009, in www.dgsi.pt, Proc. 864/07.
[5] Neste sentido, vide Pedro Romano Martinez e Outros, Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., Almedina, 618; e Joana Vasconcelos, Sobre a garantia dos créditos laborais no Código do Trabalho, in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, 2004, 325.