Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1181/13.9TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPROPRIEDADE
LEGITIMIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 11/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 419, 1380, 1403, 1405 CC
Sumário: 1.- Quando o prédio confinante pertence a uma compropriedade, o respectivo direito de preferência, que é um só, pertence à comunhão e não ao comproprietário.

2.- Aquele direito só pode ser exercido por todos os comproprietários.

3.- Não tendo o comproprietário, só por si, um direito de preferência, o seu pedido para o reconhecimento desta, para ele adquirir para si, deve ser julgado improcedente.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

U (…) e mulher, M (…), intentaram ação contra J (…) e E (…), pedindo:

O reconhecimento do direito de propriedade de uma fracção correspondente a 14/72 avos do prédio rústico, composto por terra de semeadura com oliveiras, tanchas, árvores de fruto, vinha e poços, sito na (...), limite do B (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1780, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob a descrição número 9757, apresentando as seguintes confrontações: do norte com caminho, sul com serventia, nascente com caminho, e do poente com A (...);

O reconhecimento do direito de preferência na venda do prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1790, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o n.º 6285 da freguesia de M (...);

Se determine que os mesmos passem a ocupar a posição de adquirentes na compra e venda de que o prédio em causa na acção foi objecto, com o consequente cancelamento do registo efectuado pelo 1.º Réu relativamente a tal prédio.

Para tanto, os Autores alegaram, em síntese:

São donos e legítimos possuidores de uma fracção correspondente a 14/72 avos do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1780, confinante com o prédio rústico n.º 1790, que o 2.º Réu vendeu ao 1.º Réu, sem que lhes tivesse sido apresentado um projecto concreto, definido e definitivo de venda do referido prédio a um terceiro, impedindo-os de exercerem o seu direito de preferência; só no início do mês de Março de 2013 vieram a tomar conhecimento do contrato de compra e venda realizado entre o 1.º Réu e o 2.º Réu.

Contestaram os Réus, em síntese:

A ilegitimidade ativa dos Autores por preterição do litisconsórcio necessário activo;

O direito de preferência do 1.º Réu enquanto arrendatário, há mais de vinte anos, do prédio rústico alienado, prevalecente sobre o alegado direito de preferência dos Autores;

O prédio de que os Autores são comproprietários tinha uma área superior à unidade de cultura, pelo que não estão reunidos os pressupostos do art. 1380.º do Código Civil.

Na resposta, os Autores alegaram ainda que a parcela de terreno correspondente à fracção de 14/72 se autonomizou do prédio n.º 1780, pelo que a área do prédio a considerar para o exercício do direito de preferência é inferior à unidade de cultura.

No saneador foi proferida decisão a julgar os Autores parte legítima.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação totalmente procedente, nos seguintes termos:

A – Declaro que os Autores U (…) e mulher M (…) são comproprietários e compossuidores, na proporção de catorze / setenta e dois avos, do prédio rústico composto por terra de semeadura com oliveiras, tanchas, árvores de fruto, vinha e poços, com a área de 21770 m2, sito na (...), limite do B (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1780, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob a descrição número 9757.

B – Reconheço aos Autores U (…) e mulher M (…)  o direito de haverem para si o prédio rústico, composto de terra de cultura com videiras e poço, sito em B (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1790, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o n.º 6285 da freguesia de M (...), declarando-os adquirentes no documento particular autenticado de compra e venda, datado de 15 de Dezembro de 2012, entre o Réu E (…), como vendedor, e o Réu J (…) como comprador, nele substituindo os Autores ao Réu J (…).

C – Determino o cancelamento do registo efectuado pelo Réu J (…)da aquisição, por compra ao Réu E (…), do prédio rústico, composto de terra de cultura com videiras e poço, sito em B (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1790, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o n.º 6285 da freguesia de M (...).


*

            Inconformado, o Réu J (…) recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

*

            As questões que nos são colocadas são estas:

            Exercício do direito de preferência pelo comproprietário do prédio confinante. (Veremos que a solução dada a esta questão prejudica o conhecimento das demais.)

            O requisito da área do prédio confinante.

            Caraterização da nulidade, por falta de escrito, do arrendamento rural.

            A prioridade do arrendatário sobre o proprietário confinante.


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            Consideraram-se provados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada, mas certamente há mais de 20 anos, A (…) e mulher M (…) declararam verbalmente vender, e os Autores declararam verbalmente comprar, catorze / setenta e dois avos de um prédio rústico composto por terra de semeadura com oliveiras, tanchas, árvores de fruto, vinha e poços, com a área de 21770 m2, sito na (...), limite do B (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1780, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob a descrição número 9757, apresentando as seguintes confrontações: do norte com caminho, sul com serventia, nascente com caminho, e do poente com A (...).

2. O prédio rústico referido no ponto anterior tem uma área de 21775 m2.

3. Por escritura pública de compra e venda datada de 11 de Julho de 2011, celebrada no Cartório Notarial de Ansião, A (…) e mulher M (…) e M (…) declararam vender, e a Autora M (…) declarou comprar catorze / setenta e dois avos do prédio rústico referido no ponto 1.

4. Pela apresentação 673 de 2011/07/11, foi inscrita a favor dos Autores, a aquisição, por compra a A (…) e mulher M (…) e M (…) de 14/72 avos do prédio rustico descrito como terra de semeadura com oliveiras, tanchas, árvores de fruto, vinha e poços, com a área de 21770 m2, sito na B (...), limite de B (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1780, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob a descrição número 9757/20100811, apresentando as seguintes confrontações: do norte com caminho público, sul com caminho público, nascente com M (...) e caminho público, e do poente com A (...).

5. Por documento particular autenticado de compra e venda, datado de 15 de Dezembro de 2012, o Réu E (…) declarou vender, e o Réu J (…)declarou comprar, o prédio rústico, composto de terra de cultura com videiras e poço, sito em B (...), descrito como a confrontar do norte com caminho, sul e nascente com J (...), e poente com M (...), inscrito na matriz predial da freguesia de M (...) sob o artigo número 1790, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o n.º 6285 da freguesia de M (...).

6. O Réu J (…) não era proprietário de prédio confinante com o prédio referido no ponto anterior.

7. O prédio rústico referido no ponto 5. tem uma área de 900 m2.
8. O preço declarado no documento particular de venda foi de 2000,00 €.

9. Pela apresentação 578 de 2012/12/17, foi inscrita a favor do Réu J (…), a aquisição, por compra ao Réu E (…) , do prédio rústico referido no ponto 5.

10. Os prédios referidos nos pontos 1. e 5. são confinantes ao longo da sua extensão nascente / poente.

11. Ambos os terrenos se destinam a cultura hortícola de regadio.

12. O Réu E (…)  não comunicou aos Autores o projecto de venda do prédio rústico referido no ponto 5., nem o respectivo comprador.

13. Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2013, os Autores tiveram conhecimento da venda do prédio rústico n.º 1790 ao Réu J (…).

14. Os Autores depositaram à ordem dos autos a quantia de 2280,00 € a título de preço da venda declarado, acrescido de despesas notariais e de registo.

15. Em data não concretamente apurada, mas certamente há mais de dez anos, por acordo verbal, J (…)  proporcionou ao Réu J (…)  a utilização temporária do prédio rústico referido no ponto 5., mediante a contrapartida monetária de 2000$00 mensais.

16. Com o decurso do tempo, o valor daquela contrapartida monetária foi actualizada para 10,00€, e depois para 20,00€.


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            Não se questiona que os Autores são comproprietários do prédio (confinante) identificado em 1. (Afastou-se a hipótese de autonomização do terreno correspondente à quota dos Autores e do direito de propriedade dos Autores sobre aquela fração autonomizada, não tendo havido recurso relativo a esta questão.)

            Questiona-se o seu direito de preferência.

Na decisão sobre a legitimidade dos Autores, o tribunal recorrido entendeu “que todos os comproprietários são titulares desse direito de preferência” e que o exercício do direito não dependia da vontade dos restantes contitulares.

Entendemos que a conclusão está errada.

Nos termos do n.º 1 do art. 1380º do Código Civil (doravante CC), “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de quaisquer prédios a quem não seja proprietário confinante”.

O n.º 1 do art. 1403º do CC define que “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

Conforme estabelece o n.º1 do art. 1405º do CC, “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular”.

Determina o n.º 1 do art. 419º do CC: “Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a alguns deles ou algum declarar que o não quer exercer, acresce o seu direito aos restantes”.

Considerando este conjunto normativo, vemos que a preferência é concedida ao proprietário do terreno confinante ou àquele que tem o direito de propriedade sobre terreno confinante.

Sendo a compropriedade uma contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum, não é o comproprietário o titular do direito mas, sim, a comunhão, sendo ela a titular daquela preferência.

Ora, os Autores não podem, servindo-se da compropriedade confinante, pretender adquirir para si. E não podem, só por si, pretender adquirir para aquela.

A este respeito, clarifica o acórdão do STJ, de 16-06-2015 (proc.1010/06, em www.dgsi.pt):

“A insusceptibilidade de, na compropriedade, incidirem sobre a mesma coisa dois ou mais direitos, negando-se a cada um dos comproprietários a titularidade autónoma de um direito de propriedade sobre a coisa comum, determina que os contitulares perdem, quase por completo, a autonomia que caracteriza o domínio, porquanto, exceptuando limitadas situações previstas na

lei, todos os demais poderes compreendidos no direito de propriedade só podem ser exercidos com a colaboração dos restantes consortes, ora com o consentimento de todos os contitulares, ora através de uma deliberação maioritária, nos termos definidos por lei.”

“O direito de preferência só pode ser exercido por todos os comproprietários, conjuntamente, em litisconsórcio necessário ativo, em virtude da pluralidade de preferentes resultante da contitularidade de um único direito de preferência, sendo que aquele que se apresente, isoladamente, a preferir, sem provocar a intervenção dos restantes ou sem demonstrar a renúncia dos mesmos, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta, e esta, pela própria natureza da relação jurídica em causa, exigir a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.”

Também o acórdão desta Relação, de 1-06-2004 (proc.1580/04, em www.dgsi.pt): “não sofre, pois, controvérsia, sendo a lei expressa a esse respeito, que o direito de preferência, no caso de compropriedade, deve ser exercido por todos em conjunto ou por todos os comproprietários, sob pena de ilegitimidade activa. “

P. Lima e A. Varela, no CC Anotado, vol.III, 2ª edição, página 272, defendem esta ilegitimidade.

Seguindo a mesma exigência, o acórdão da R. Porto, de 19-04-1979 (proc.013723, no sítio digital referido, apenas em sumário), entende que o seu não preenchimento conduz antes à improcedência do pedido.

Sem que o tipo de sanção para a falta dos contitulares seja decisiva, entendemos que esta ilegitimidade, do tipo substancial, deverá conduzir à improcedência do pedido. Se o direito de preferência pertence à comunhão e não ao comproprietário, não tendo este o direito, a solução mais adequada é aquela improcedência e a absolvição do pedido correspondente, e não a absolvição dos Réus da instância.

No caso, verifica-se que os Autores, aquando da alienação do prédio objecto da preferência (15-12-2012), bem como à data da propositura da ação,  eram comproprietários do prédio rústico n.º 1780, confinante com o prédio rústico n.º 1790, correspondendo-lhes, naquele prédio, a quota (ideal) de catorze/setenta e dois avos.

Estando como tal na ação, como comproprietários, isolados, os Autores não têm o direito de preferência que pretendem ver reconhecido.

Por isso, e não tendo os Réus feito qualquer pedido (reconvenção), que obrigue ao conhecimento das outras questões, ficam prejudicadas as restantes suscitadas por estes.


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Decisão.

            Julga-se o recurso parcialmente procedente e, mantendo a decisão de reconhecimento da compropriedade dos Autores, revogam-se as restantes decisões (condenações B e C), absolvendo os Réus dos pedidos relativos ao reconhecimento do direito de preferência dos Autores, do seu direito de aquisição na venda efetuada e do cancelamento do registo.

            Custas pelos Autores.

            Coimbra, 2015-11-3


 (Fernando de Jesus Fonseca Monteiro( Relator )

 (António Carvalho Martins)

 (Carlos Moreira)