Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
90/08.8IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA PENA
PRAZO
REGIME ESPECIAL
Data do Acordão: 10/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 14º,50º CP, 5º,2, 14º Nº1 DO LEI Nº15 /2001 DE 05/06 (RGIT)
Sumário: 1. Sob o ponto de vista dogmático/jurídico, o crime de abuso de confiança fiscal configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico revisto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação tributária, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para o cumprimento da obrigação tributária, por força do n.º2 do art.º 5º do RGIT;

2. É um crime doloso, aferido este nos termos gerais do art.º 14º do Código Penal;

3. No que diz respeito ao bem jurídico protegido, o crime de abuso de confiança fiscal tem por fundamento a protecção do património do Estado, mediante a tutela e protecção criminal da obrigação da entrega das quantias que foram confiadas ao agente para que este as entregasse nos Cofres do Estado;

4. É um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não haja entrega da declaração tributária.

5. No caso das infracções tributárias, no que diz respeito à suspensão da execução da pena, aplica-se o regime do artigo 14º nº1 do Lei nº15 /2001 de 05/06, diploma especial, e não a norma do artigo 50º do CP porquanto existe uma lei especial, a qual não foi revogada nem alterada neste segmento – Lei 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), que estabeleceu o regime geral para as infracções tributárias.

Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No Processo Comum Colectivo n.º 90/08.8IDCBR, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, recorre o Ministério Público do acórdão datado de 23/3/2010, que decidiu:
o absolver o arguido A... do crime continuado de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º R.G.I.T., por cuja prática vinha acusado nestes autos;
o condenar o arguido A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art. 105º/n.os 1 e 5 R.G.I.T., na pena de 13 (treze) meses de prisão;
o absolver a arguida “SN, Unipessoal, Lda.” do crime continuado de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º R.G.I.T., por cuja prática vinha acusada nestes autos;
o condenar a arguida “SN, Unipessoal, Lda.”, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. nos arts. 7º/n.º 1 e 105º/n.os 1 e 5 R.G.I.T., na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), ou seja, na multa de € 1.250 (mil duzentos e cinquenta euros);
o suspender a execução da pena de prisão cominada ao arguido A..., pelo período de 13 meses.

2. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição):
«1- Recorre-se do douto acórdão deste Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, de 23-03-2010, constante dos autos de Processo Comum Colectivo n° 90/08.8IDCBR, do 2° Juízo, do Tribunal Judicial de Cantanhede,
2- que condenou os arguidos “SN..., Unipessoal. Lda.”, e A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, do artigo 105°, n.°s 1 e 5 do R.G.I.T., nas penas, respectivamente, de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), ou seja. na multa de €1250 (mil duzentos e cinquenta euros), e de 13 (treze) meses de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto nos artigos 50° e 51°, ambos do Código Penal, se decidiu suspender pelo correspondente período de treze meses.
3- Entende-se, por um lado, que face aos factos apurados, é inquestionável que praticaram os arguidos o crime de abuso de confiança fiscal, do artigo 105°, n.° 1 do R.G.I.T., na forma continuada, mas já não do n°5 daquele artigo, como foram condenados.
4-Na verdade, ter-se-á que atender ao teor do disposto no n°7. do artigo
105°, em análise, que refere que “para efeitos dos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.

5- Ora, preceituam os artigos 28°, n°1, alínea c) e 40°, n°1, alínea h), do Código do IVA, que a entrega das declarações deve ser efectuada até ao dia 15 do 2° mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações tributáveis.
6- Também o artigo 26°, n°1, do Código do I.V.A. dispõe que os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19° a 25° e 71°, na Direcção de Serviços de Cobrança do 1.V.A., ou noutros locais legalmente autorizados, simultaneamente com as declarações a que se refere o artigo 40°.
7- Entende-se, por outro lado, que deverão ser alteradas as penas aplicadas aos arguidos.
8- Com efeito, mesmo que se considere que, face à matéria de facto fixada, apenas se verifica a prática pelos arguidos do crime do artigo 105°, n°1, do R.G.I.T., sempre discordaríamos frontalmente das penas aplicadas aos arguidos no douto acórdão de que se recorre.
9- Considerando a moldura penal do crime de abuso de confiança fiscal em apreço (pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias): entendemos que deve aplicar-se à sociedade arguida SN..., Unipessoal, Lda., uma pena de 300 dias de multa à razão diária de € 10, ou seja uma multa de €3000 — cfr. artigos 12º e 13°, ambos do R.G.I.F.N.A-, e ao arguido A... uma pena de prisão de treze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mas condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14°, do R.G.I.F.N.A..
10- Na verdade, face à repetição e banalização da prática de crimes idênticos ao dos autos, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade fiscal, são de considerar muito prementes as exigências de prevenção geral.
11- De resto, o conhecimento público de que alguém que lesou o Estado em mais de 56 mil euros tinha sido sancionado com penas inferiores às peticionadas no presente recurso (nomeadamente, no caso da sociedade arguida, uma pena pecuniária de apenas € 1250), afrontaria gravemente o sentimento geral da nossa sociedade que vem reclamando um maior rigor do cidadão com a administração fiscal, e poria gravemente em causa a credibilidade que ainda gozam as normas jurídicas que tutelam criminalmente as infracções fiscais.
12- No que concerne à condição a que deverá ficar subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A..., a mesma é obrigatória, como resulta do disposto no artigo 14°, do R.G.I.T.
13- Aliás, como têm decidido os tribunais superiores, nomeadamente o Tribunal Constitucional, o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento de impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e. como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena corno medida sancionatória que cuida mais da vítima que do delinquente.
14- Deste modo, decidindo como decidiram e como se vê do que precede, violaram os M.mos Juízes recorridos, por erro de interpretação, os artigos 12°, 13°, 14° e 105°, n.°s 5 e 7. do R.G.1.T.; 40° e 71°, n°s 1 e 2 , todos do Código Penal.
Termos em que, e nos mais de direito, deve o recurso ser provido, reformando-se o douto acórdão recorrido conforme o proposto, condenando-se os arguidos ‘SN.... Unipessoal,  Lda”, e A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, do artigo 105°, n°1 do R.G.I.T., respectivamente, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), ou seja, na multa de € 3000 (três mil euros) e na pena de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mas condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14°, do R.G.I.F.N.A.. com o que se fará a costumada JUSTIÇA!»

3. Os arguidos em conjunto vieram RESPONDER a este recurso, opinando que: (em transcrição):
«(…) Quanto à sociedade arguida, argumenta o M. P. com a necessidade de prevenção geral, importando que a pena aplicada transmita à sociedade e aos agentes económicos em idêntica situação que ”o crime não compensa“.
A seu ver, a pena de € 1.250,00 de multa, correspondente a 250 dias, à taxa de € 5,00, não é adequada e não garante as exigências de prevenção geral, pois “afrontaria gravemente o sentimento geral da nossa sociedade, que vem reclamando um maior rigor do cidadão com a administração fiscal e poria gravemente em causa a credibilidade que ainda gozam as normas jurídicas que tutelam criminalmente as infracções fiscais
Porém, cremos que a pena aplicada corresponde exactamente aos parâmetros estipulados legalmente para a fixação da sua medida concreta, tomando em consideração todos os factos provados.
Com efeito, não basta atentar-se no facto de a sociedade arguida ter um débito para com o fisco de € 56.000,00.
Não pode deixar de considerar-se que igualmente se provou que, durante o ano de 2004, a arguida realizou despesas, a título de pagamento de IVA por diversos materiais e serviços por si adquiridos no valor global de € 22.014,81, (cfr. facto 14), o que significa que pagou essa quantia de IVA, que poderia e deveria ter compensado nas declarações trimestrais que não apresentou mas que significariam objectivamente uma redução da divida de IVA para cerca de € 34.000,00. A arguida pagou aquele IVA aos seus fornecedores que, por sua vez, o entregaram ou se presume terem - no entregue ao Fisco. Só por razões contabilísticas a dívida atinge as proporções da acusação. Na verdade, o Estado não está lesado no valor de € 56.562,55, nem foi esse o benefício patrimonial da arguida.
Por outro lado, ficou provado que a arguida se encontra inactiva (cfr. facto 15). O mesmo é dizer que o risco de continuação de actividade criminosa é zero, ou perto de zero.
A arguida, além do mais, não tem antecedentes criminais (cfr. facto 22).
Estes factos, só por si, tornam clara a justeza da decisão recorrida. Se a arguida não tem actividade, não tem meios para pagar qualquer multa. Ainda que primária e o valor do prejuízo patrimonial do Estado rondar os € 34.000,00, não pode deixar de aceitar-se a condenação que lhe foi fixada, por ser justa. Qualquer outra, no entanto, será sempre exagerada e desproporcionada.

No que concerne à pena aplicada ao arguido, computada em 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, parece que há consenso quanto à sua conformação com as exigências penais.
Também o M. P. entende que é correcta a sua fixação, mas exige que fique condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, dos benefícios indevidamente obtidos, nos temos do art° 4º do RGIFNA.
A alusão do M. P. ao RGIFNA, aliás repetida ao longo da sua, aliás douta, motivação, terá ocorrido por lapso, devendo querer reportar-se ao art° 14° do RGIT.
Porém, o aludido art° 14° do RGIT, de que certamente o Tribunal não fez tábua rasa, não é aplicável ao caso concreto.
Com efeito, os factos provados impedem que se conclua, sem margem para dúvidas, quais os benefícios indevidamente obtidos no caso dos autos pois se, por um lado, se ajuizou que os arguidos liquidaram e receberam o montante de € 56.562,55 a título de IVA ( cfr. facto 5), por outro igualmente se apurou que a arguida, no âmbito da sua actividade comercial e durante o ano de 2004, realizou despesas, a título de pagamento de IVA por diversos materiais e serviços por si adquiridos, no valor global de € 22.014,81 (cfr. facto 14).
O n.° 1 do art° 14° do RGIT estipula que “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente recebidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
O texto legal, não sendo um exemplo de rigor técnico, parece inculcar a ideia de que o pagamento ( presume - se que à Fazenda Pública ) de que depende a suspensão da execução da pena de prisão pode corresponder ao valor do tributo em falta e acréscimos legais, mas também ao valor dos benefícios indevidamente recebidos e até a uma quantia fixada facultativamente pelo Juiz que não corresponde a nenhuma das situações anteriores.
O mesmo é dizer que ao Juiz da causa compete, em concreto, apurar se existe alguma quantia que, com segurança, possa afirmar-se ser devida ao fisco e, apurada ela, fazer condicionar a suspensão do cumprimento da pena de prisão ao seu pagamento.
Ora, no caso em apreço, o IVA não entregue ao Estado não representa o prejuízo deste, em face da factualidade demonstrada, pois já vimos que a arguida pagou, nos mesmos períodos de 2004, IVA pelos serviços e materiais adquiridos aos seus fornecedores. Tal IVA seria sempre compensado nas declarações trimestrais e jamais seria exigível.
Logo, a fixação de uma quantia a pagar ao fisco a título de tributo esbarraria com a inevitável injustiça de uma duplicação de colecta, que não foi certamente desejada pelo legislador.
Consequentemente, perante a impossibilidade de fazer corresponder o valor do tributo em falta ao efectivo prejuízo do Estado, optou o Tribunal por não fixar qualquer valor.

Mas ainda que assim não se entenda, jamais poderia aceitar-se que o arguido seja condenado a pagar ao fisco, qualquer quantia que seja, no prazo de suspensão de 13 meses.
Tal correspondência, na prática, a uma condenação de prisão efectiva, por dívidas, o que é constitucionalmente inaceitável.

Na verdade, resulta dos factos provados e de outros elementos dos autos que a arguida — com sede em Mira — está inactiva e que o arguido vive da agricultura familiar que pratica na sua aldeia natal — V… — para onde se recolheu face às agruras que a sua vida tem sofrido.
O Arguido jamais poderá pagar em 13 meses a dívida ao fisco, ainda que por valores inferiores aos «reclamados» no processo.
Assim, importa que, a entender-se existir uma obrigação de pagamento associada à suspensão da pena de prisão, seja concedido ao arguido o mais dilatado prazo que a Lei permite, ou seja, 5 anos (art° 14° do RGIT) e nunca aquele proposto pelo recorrente.
É o que, aliás, tem sido praticado nesse douto Tribunal, nomeadamente o Ac. de 2009.01.21 proferido no Processo n° 342/04.6TAAVR.C1.
TERMOS EM QUE
Deverão V. Exas, com o douto suprimento:
a) Manter a pena aplicada à arguida SN…, Unipessoal, Lda.
b) Manter a pena aplicada ao arguido A…; ou
c) Caso assim se não entenda, fixar o prazo de suspensão de execução da pena de prisão no máximo legal de 5 anos».

            4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu PARECER, defendendo a procedência do recurso, aderindo à posição do Colega recorrente.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

            1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

 Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões DE DIREITO a resolver são:

- a condenação dos arguidos deveria ter sido feita pelo n.º 1 do artigo 105º do RGIT e não pelo seu n.º 5?

- foi adequada a medida da pena de multa aplicada à arguida pessoa colectiva?

- a pena de prisão aplicada ao arguido pessoa singular deveria ter sido condicionada ao pagamento da prestação tributária em falta?

- se sim:

- qual é essa prestação?

- com que prazo de suspensão – no do artigo 50º/1 do CP revisto em 2007 ou no do artigo 14º/1 do RGIT?

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

2.1. Do acórdão recorrido ressaltam os seguintes FACTOS PROVADOS:
            «1 – o arguido A... é sócio-gerente da arguida “SN..., Unipessoal, Lda.”, sociedade comercial que desenvolveu, durante algum tempo, a actividade de construção de edifícios;
            2 – como sociedade comercial, a arguida tinha o número de contribuinte 504859021, encontrando-se enquadrada, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (I.V.A.), no regime normal de periodicidade trimestral, sendo tributada em imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas (I.R.C.) no regime geral deste tributo;
            3 – relativamente ao ano de 2004, o arguido e a arguida não enviaram as declarações referentes aos aludidos impostos e também não efectuaram o pagamento aos cofres do Estado de valores cabidos a título de I.V.A.;
            4 – assim, no referido ano de 2004, no exercício da sua actividade, a arguida liquidou I.V.A. aos seus clientes;
            5 – realizada uma análise pelos serviços tributários competentes, apurou-se o montante global de € 56.562,55 a título de I.V.A. efectivamente liquidado e recebido pelo arguido e pela arguida;
6 – na verdade, obedecendo ao mesmo propósito de não entregarem ao Fisco as importâncias que sabiam pertencer-lhe, apoderaram-se dos montantes cabidos a título de I.V.A., nos seguintes termos: € 23.193,78 relativos ao 1º trimestre de 2004, € 25.583,78 relativos ao 2º trimestre de 2004, e € 7.784,99 relativos ao 3º trimestre de 2004;
7 – todas as quantias acabadas de mencionar não foram entregues pelo arguido e pela arguida, nos cofres do Estado, no prazo legal, nem decorrido o prazo de 90 dias contados da data do terminus do respectivo prazo de pagamento;
8 – quiseram, assim, os arguidos (sendo que a arguida o fez através do arguido), durante aquele período de tempo, apoderar-se das referidas quantias, sabendo que, desse modo, causavam ao Estado Português um prejuízo patrimonial equivalente;
9 – actuaram eles (sendo que a arguida o fez através do arguido) com o propósito de obterem para a arguida (e, indirectamente, para o arguido), um benefício patrimonial no valor global de € 56.562,55 (e juros compensatórios), relativo a I.V.A., e de causarem ao Estado Português um prejuízo patrimonial equivalente a tal montante;
10 – actuaram os arguidos (sendo que a arguida o fez através do arguido) de comum acordo;
11 – agiu sempre o arguido na qualidade de legal representante da arguida, no seu próprio interesse e no interesse desta última;
12 – mais actuaram os arguidos (sendo que a arguida o fez através do arguido) aproveitando a oportunidade favorável à prática da factualidade descrita, dado que após a ocorrência dos primeiros factos – que não foram alvo de fiscalização ou penalização – verificaram persistirem as possibilidades de repetirem a sua actividade;
13 – agiram os arguidos (sendo que a arguida o fez através do arguido) de forma livre, voluntária e consciente, fazendo-o com a convicção de estarem a praticar condutas proibidas e punidas por lei penal;           
            14 – no âmbito da sua actividade comercial, e durante o ano de 2004, a arguida realizou despesas, a título de pagamento de I.V.A. por diversos materiais e serviços por si adquiridos, no valor global de € 22.014,81;
            15 – actualmente a arguida encontra-se inactiva;
16 – o arguido dedica-se à agricultura por conta própria, comercializando os produtos que obtém desta actividade;
17 – a sua mulher e o seu filho (já maior, de 33 anos de idade) laboram igualmente com o arguido em tal exploração agrícola, sustentando-se, no essencial, com os frutos desse mesmo trabalho;
18 – o arguido vive em casa própria;
19 – tem, igualmente, automóvel próprio;
20 – estudou até ao 4º ano de escolaridade básica;
21 – à época da prática dos factos descritos nos pontos 1 a 14 (desta matéria fáctica assente) não tinha o arguido quaisquer antecedentes criminais, vindo a ser condenado, no ano de 2006, pela prática de um crime de injúria;
22 – a arguida não tem antecedentes criminais»

2.2. Quanto a FACTOS NÃO PROVADOS, o acórdão reza assim:

«Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.

Assim, não se provou que se hajam apoderado os arguidos da quantia de € 28.193,78 a título de I.V.A., relativa ao 1º trimestre de 2004».

2.3. Fundamentou, assim, o Colectivo recorrido a sua decisão em Matéria de Facto:

            «O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e não produzida, “peneirada” à luz das normais regras da experiência da vida.

Assim, e no tocante à matéria factual vertida na douta acusação pública, importa dizer que o arguido, no uso de um seu evidente direito processual, se remeteu ao silêncio.

Portanto, o depoimento da testemunha E… foi essencial para “explicar” convenientemente o conteúdo do relatório e parecer tributário de fls. 106 a 115, relativo à análise que, no exercício das suas funções profissionais, tal testemunha realizou à contabilidade e documentação pertinente da arguida. A mesma testemunha ajudou ainda a “descodificar” parte da tecnicidade própria da matéria em causa, designadamente a que se refere ao modo de tratamento e contabilização correctos dos documentos de fls. 30 a 51 (relativos a trabalhos facturados, no ano de 2004, pela arguida a uma sua cliente, e inerentes meios de pagamento) e 241 a 320 [aqui, um conjunto de elementos relativos às despesas efectuadas pela arguida na aquisição de materiais e na obtenção de serviços a si prestados por terceiras entidades, igualmente no ano de 2004; a tal propósito, cabe ainda dizer que os montantes de I.V.A. pagos pela arguida e a atender enquanto desembolsos relevantes de quantias monetárias a terceiros serão, pela sua certeza, os que se desprendem, apenas, das facturas e vendas a dinheiro cujas cópias foram juntas aos autos, mas já não da factura pro-forma cuja cópia também foi anexada pelos arguidos (cfr. fls. 246 e 247), pois sabe-se como, no meio comercial, uma factura pro-forma não atesta, por si só, um qualquer recebimento – e, por contraponto, um pagamento – de dinheiro].

Quanto à situação vivencial do arguido e actual estado de (in)actividade da arguida, valeram as declarações prestadas por aquele, devidamente analisadas e aferidas segundo as normais regras da experiência da vida.

Valeram, por fim, os certificados do registo criminal de fls. 195 a 197».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem o Ministério Público recorrer do acórdão condenatório em causa, impugnando apenas a MATÉRIA DE DIREITO:

Como tal, ter-se-á de partir do rol de factos provados, não colocado em crise pelo recorrente.

3.2. A primeira questão a discutir é saber se a condenação pelo n.º 5 do artigo 105º do RGIT, diploma aplicável aos autos (tendo por mero lapso o MP feito uma indevida referência ao RGIFNA na sua motivação), foi a correcta.

 Está em causa o crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 105º do RGIT.

De facto, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, in DR -I Série -A, n.º 180, de 04-08-2001) instituiu um novo regime - Regime Geral das infracções Tributárias (RGIT) - unificando todas as infracções tributárias, incluindo as fiscais aduaneiras.

            Tal Lei revogou - artigo 2.º, alíneas a) e b) - com excepção do artigo 58º, o anterior Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15-01, alterado pelo Decreto -Lei n.º 394/93, de 24-11 e Decreto-Lei n.º 140/95, de 14-06, bem como o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras (RJIFA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25-10.

Como vimos, o RJIFNA, em 1990, unificou os crimes fiscais, em 1995 enxertou os crimes contra a segurança social e agora o RGIT integrou os crimes aduaneiros que se continham no regime especial avulso do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25-10, que substituíra o Decreto-Lei n.º 424/86, de 27-12, o qual sucedera ao Decreto-Lei n.º 187/83, de 13-05 e ao vetusto Contencioso Aduaneiro, constante do Decreto-Lei n.º 31664, de 22-11-1941.

Tal diploma sofreu várias alterações ao longo dos anos, com a redacção sucessivamente revista pela Lei n.º 109-B/2001, de 27-12-2001 (artigo 51.º), Decreto-Lei n.º 229/2002, de 31-10 (artigo 3.º), Lei n.º 107-B/2003, de 31-12 (artigo 45.º), Lei n.º 55-B/2004, de 30-12 (artigo 42.º), Lei n.º 39-A/2005, de 29-07 (artigo 19.º), Lei n.º 60-A/2005, de 30-12 (artigo 60.º), Lei n.º 53-A/2006, de 29-12 (artigos 95.º e 96.º), Lei n.º 22-A/2007, de 29-06 (artigos 8.º e 9.º), Decreto-lei n.º 307-A/2007, de 31-08 (artigo 3.º), Lei n.º 67-A/2007, DR I-A, Suplemento, de 31-12-2007 (artigos 86.º, 87.º e 88.º) e Lei n.º 64-A/2008, in DR I-A, Suplemento, de 31-12-2008 (artigos 113.º, 114.º e 115.º).

A Lei n.º 15/2001 aprovou:

- o Regime Geral das Infracções Tributárias, constante de Anexo ao diploma (Capítulo I);

- a reformulação da organização judiciária tributária, com alteração do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e da Lei das Finanças Locais (Capítulo II); e,

- o reforço das garantias do contribuinte e a simplificação processual, com alterações ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26-10, à Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12 e Código do IRC (Capítulo III).

Estabelece o artigo 1.º da Lei n.º 15/2001:

1 – É aprovado o Regime Geral das Infracções Tributárias anexo à presente lei e que dela faz parte integrante.

2 – O regime das contra-ordenações contra a segurança social consta de legislação especial.

Estabelece por seu turno o artigo 1.º do Regime Geral publicado em anexo com a epígrafe «Âmbito de aplicação»

1 – O Regime Geral das Infracções Tributárias aplica-se às infracções das normas reguladoras:

a) Das prestações tributárias;

b) Dos regimes tributários, aduaneiros e fiscais, independentemente de regulamentarem ou não prestações tributárias;

c) Dos benefícios fiscais e franquias aduaneiras;

d) Das contribuições e prestações relativas ao sistema de solidariedade e segurança social, sem prejuízo do regime das contra-ordenações que consta de legislação especial.

Segundo a sistemática do Regime Geral, há que atender à Parte III, com a epígrafe -Das infracções tributárias em especial.

Aí incluem-se no Título I - Crimes tributários - as seguintes categorias:

Capítulo I - Crimes tributários comuns (artigos 87º a 91º)

Capítulo II - Crimes aduaneiros (artigos 92º a 102º)

Capítulo III - Crimes fiscais (artigos 103.º a 105.º)

Capítulo IV – Crimes contra a segurança social (artigos 106.º e 107.º).

No Título II dedicado às “Contra-ordenações tributárias”, incluem-se o Capítulo I - Contra-ordenações aduaneiras (artigos 108.º a 112.º) – e Capítulo II - Contra-ordenações fiscais (artigos 113.º a 127.º).

Com interesse para a questão que nos ocupa, passa a transcrever-se parte do artigo 11.º, que estabelece:

Para efeitos do disposto na lei consideram-se:

a) Prestação tributária: os impostos, incluindo os direitos aduaneiros e direitos niveladores agrícolas, as taxas e demais tributos fiscais ou parafiscais cuja cobrança caiba à administração tributária ou à administração da segurança social

b) Serviço tributário: serviço da administração tributária ou da administração da segurança social com competência territorial para proceder à instauração dos processos tributários;

c) Órgãos da administração tributária: todas as entidades e agentes da administração a quem caiba levar cabo quaisquer actos relativos à prestação tributária, tal como definida na alínea a);

d) Valor elevado e valor consideravelmente elevado: os definidos nas alíneas a) e b) do artigo 202.º do Código Penal.

As alterações mais significativas no que tange aos preceitos ora em causa são as decorrentes de:

- Lei n.º 60-A/2005, de 30-12, que alterou valores: do n.º 2 do artigo 103.º (de 7 500 para 15 000 euros) e do n.º 6 do artigo 105.º (de € 1 000 para 2 000); Lei 53-A/2006, de 29-12, que alterou o n.º 4 do artigo 105.º, criando uma nova condição de punibilidade; Lei n.º 64-A/2008, de 30-12, que introduziu no n.º 1 do artigo 105.º o elemento valor.

No crime de abuso de confiança fiscal, objecto da omissão de entrega, total ou parcial, é a prestação tributária, conceito referido no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) e definido no artigo 11.º, alínea a), do Regime Geral das Infracções Tributárias (Anexo), englobando os impostos e outros tributos cuja cobrança caiba à administração tributária, abrangendo o artigo 105.º três tipos de prestações pecuniárias cuja não entrega faz recair sobre o agente a responsabilidade penal por tal crime – para além da prestação tributária

deduzida nos termos da lei, prevista no n.º 1, o objecto é “alargado” pela definição extensiva do n.º 2 e do n.º 3 (aqui abrangendo prestações com natureza parafiscal) do citado preceito legal.

Nesta infracção, estão em causa créditos de impostos ou de tributos fiscais ou parafiscais devidos ao Estado, estabelecendo-se uma relação entre o Estado -Administração Fiscal, enquanto sujeito activo da relação jurídica tributária, titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, titular do crédito do imposto;  por outro lado, o sujeito passivo que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável – cfr. artigos 18.º (sujeitos da relação jurídica tributária ), 20.º (substituição tributária), 28.º (responsabilidade em caso de substituição tributária) e 34.º (retenção na fonte) da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12, republicado em anexo à Lei n.º 15/2001.

Pressupõe este delito uma relação em que intercedem três sujeitos: o Estado -Administração Fiscal, titular do crédito do imposto; o contribuinte originário propriamente dito, que é o sujeito substituído, e, por último, um terceiro, o substituto, o único sujeito em posição de cometer o crime.

O artigo 105º tem em vista situações de substituição tributária, estando nós perante um crime omissivo, um crime de mera inactividade, em que a omissão integradora do ilícito é antecedida de uma acção, de um comportamento actuante, positivo, de facere, consubstanciado numa conduta legal, de prévia dedução (obrigação de retenção), que conduz a que o substituto se converta num depositário das quantias deduzidas, figurando como um intermediário no processo de arrecadação da receita, constituindo-se na obrigação de dar o devido destino, traduzindo-se a omissão subsequente na violação da obrigação de entrega do retido, consubstanciando-se na não entrega, total ou parcial, do que estava obrigado a entregar à administração tributária.

Assenta este crime numa conduta bifásica, seguindo-se a uma primeira fase de actuação perfeitamente lícita – a dedução – que funciona como seu pressuposto, uma outra traduzida numa omissão.

Objecto de previsão específica do abuso de confiança fiscal é no artigo 105.º o que se contém nos n.º s 1, 2 e 3, definindo os elementos do crime (as “extensões” do conceito de prestação tributária constantes dos n.º s 2 e 3 reproduzem na íntegra o texto dos n.º s 2 e 3 do artigo 24.º do RJIFNA originário e tratando-se de deduções não são extensíveis ao crime homónimo da segurança social em que a prestação tem sempre a mesma natureza).

O artigo 105.º, na abrangência do que se contém nos n.º s 1, 2 e 3, aplica-se a todos os tributos e impostos, com excepção das contribuições devidas à segurança social, aplicando-se a estas o artigo 107º.

Em síntese, diremos que:

· sob o ponto de vista dogmático/jurídico, o crime de abuso de confiança fiscal configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico revisto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação tributária, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para o cumprimento da obrigação tributária, por força do n.º2 do art.º 5º do RGIT;

· é um crime doloso, aferido este nos termos gerais do art.º 14º do Código Penal;

· No que diz respeito ao bem jurídico protegido, o crime de abuso de confiança fiscal tem por fundamento a protecção do património do Estado, mediante a tutela e protecção criminal da obrigação da entrega das quantias que foram confiadas ao agente para que este as entregasse nos Cofres do Estado;

· é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não haja entrega da declaração tributária.

No n.º 7, o legislador opta claramente pelo critério da declaração individualizada, assente que o delito se consuma com a não entrega das prestações relativas a cada período, tal se retirando do enunciado do n.º1 dos artigo 105º do RGIT – esta entrega deve ser feita até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito (art.º 5º/2 e 3 do DL nº 102/80; art.º 18º do DL nº 140-D/86, cfr. nota em “Infracções Fiscais Não Aduaneiras” de Alfredo José de Sousa, Almedina, 1998, p. 129).

Nesse normativo, deixa-se escrito o seguinte:

«7- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária».

Ora, se assim é, então é esse o critério para aferir os valores do n.º 5, com efeitos qualificativos da própria moldura penal abstracta[2].

Não se ignora que o crime praticado pelos arguidos é um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada (várias resoluções criminosas, ou seja, realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico, unificadas em termos jurídicos em nome de uma culpa diminuída e de uma execução essencialmente homogénea das violações), devendo notar-se que para a qualificação deste tipo de crime se deve atender ao valor a que corresponde cada apropriação da prestação tributária e não ao total de todas as prestações que integram a continuação criminosa – esse será o critério para se apurar se a respectiva conduta corresponde à sua cominação simples ou agravada (cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 3/2/2004 (Pº 9490/2003-5, lido em www.dgsi.pt) e do STJ de 12/10/2000 in CJ STJ 2000-III-194)

Como tal, e vendo o facto provado n.º 6, constatamos que nenhuma das parcelas referentes a cada declaração não efectuada ao Fisco ultrapassa os € 50.000, razão mais do que suficiente para dar razão ao recorrente, considerando que o crime efectivamente praticado pelos dois arguidos é o do n.º 1 do artigo 105º do RGIT e já não o do n.º 5.

Em consequência, a moldura penal abstracta aplicável a cada uma das duas condenações é a seguinte:

- para o arguido pessoa singular, prisão até 3 anos ou multa de 10 a 360 dias

- para a arguida pessoa colectiva, multa de 20 a 720 dias (artigo 12º/1 e 3 do RGIT).

3.3. Vejamos agora a pena aplicada à pessoa colectiva – no caso, 250 DIAS de multa à taxa diária de € 5.
Na fixação da pena de multa pondera-se, assim, a antijuridicidade do facto e a culpabilidade do agente para, em seguida, se ponderarem as concretas e reais condições económicas do condenado.
Assim deverá operar o julgador, à face do actual sistema de dias-multa consagrado no regime de penas elencadas no ordenamento jurídico-legal português.
Na individualização judicial da pena, o juiz deve atender a diversos critérios, como sejam a gravidade do feito, desde logo a nocividade e a reprovação do comportamento, o desvalor da acção e do injusto, e na perspectiva da prevenção geral, a proporcionalidade e o juízo de prognose frente à comunidade. A personalidade do delinquente assume na individualização judicial da pena um factor de cardeal importância, tanto nos planos da prevenção especial como no da prevenção geral.
A vida anterior do arguido, o comportamento posterior aos factos, a situação familiar, profissional e económica são vectores de orientação que devem influir na individualização judicial da pena. A doutrina alemã vem aludindo a outros factores que devem influir no doseamento da pena, quais sejam a “sensibilidade à pena” e a “susceptibilidade à pena”, com o que se pretende parametrizar a injunção que uma pena incute e percute no espírito de um concreto indivíduo.
A nossa jurisprudência vem decidindo que o quantitativo pecuniário a impor na correspondência aos dias de multa encontrados como adequados para sancionamento de uma conduta desvalorante deve significar um efectivo e sentido sacrifício no património do penado.
A este propósito, escreveu o Acórdão desta Relação de 10/12/2008 (Pº 87/05.0IDCBR.C1):
«Uma perspectiva assim desenvolvida entona um enfoque da teoria dos fins das penas em contra mão com a que veio a ser acolhida no diploma basilar –cfr. art. 40º do Código Penal – , mais virado para uma feição reintegradora do individuo na comunidade, do que para uma ideia de fazer pagar pelo mal que se julga ter sido realizado. Ficando, ainda assim, aquém de teorias da funcionalidade social do direito penal que autores como Günther Jakobs vêm defendendo, a via adoptada pelo legislador português veio alentar uma nova mundividência, inumando, de vez, as ressequidas e associais teorias defluentes do Iluminismo estreitas para abarcar uma visão mais ético-social e funcional das penas.
Na verdade, ao entonar a vertente da pena no sacrifício inerente à diminuição do património do agente, confere-se à pena uma feição retributiva ou de depreciação do gozo que o individuo deixa de usufruir por ter de afectar bens ou valores a outro fim que não a sua normal fruição. Sem, como acima se deixou expresso, este factor dever influir no doseamento da individualização judicial da pena, não pode ser um critério rector e axial, sobrepujando os demais, como parece ser a tónica que se retira da escrutinada jurisprudência.
O entono deve, para nós, ser colocado na prevenção geral, conferindo às penas uma função social de contenção preventiva das condutas anti-sociais e desvalorativas da ordem jurídica sócio – historicamente prevalentes e democraticamente aceites. Prevenir, convocando para a representação injuntiva da sanção ético-socialmente adequada, ajustada e proporcional o poder inibidor da realização de acções anti-sociais e injustas, é, do nosso ponto de vista, o desafio com que se enfrenta hoje o direito penal.
Se assim quanto ao fim da pena de multa – afinal como para qualquer outra pena – já quanto ao quantitativo, ou concreta avaliação do montante com que o apenado deve sofrer na depreciação efectiva do seu património e de modo como vem doutrinado em  jurisprudência deste tribunal, deve ser encontrado um quantitativo ponderado que equivalha a alguns parâmetros gerais de que se pode constituir como lidimar no acórdão do STJ, de 14-12-2000, proferido no processo nº 46.740-5ª secção, onde se doutrinou (citamos):”(…) Se por um lado, a multa criminal há-de implicar, para o condenado, um sacrifício que de algum modo corresponda ao preço da remissão em dinheiro de uma pena de encarceramento, se por outro, o impacto da pena de multa na economia familiar é apenas temporário (no caso 150 dias) e se, enfim, a multa pode ser paga, “se o condenado o justificar”, “dentro de um prazo que não exceda um ano”, ou “em prestações” até dois anos (art. 47º,nº3 do CP), nada impedirá que, o cálculo do rendimento afectável ao pagamento da multa criminal se faça, tendo como ponto de partida, o rendimento familiar do condenado”. II – Poderá, por isso, recorrer-se para avaliar, numa primeira abordagem, a justeza da diária de determinada pena criminal de multa – a uma pauta (cfr. exemplo do acórdão), que partindo da correlação entre o rendimento mínimo garantido das famílias portuguesas e a diária mínima da multa criminal, tenha em conta que a fracção do rendimento disponível é tanto maior quanto maior o rendimento bruto, e pressuponha, que a partir de certo rendimento bruto, o rendimento disponível representa dele uma fracção igual ou mesmo superior a metade. E que, além disso, tendo embora como ponto de partida a diária correspondente à fracção dita “afectável” do rendimento bruto do respectivo agregado familiar, recomende ao julgador em segunda linha – para aperfeiçoamento da diária ás demais circunstâncias atendíveis – a sua circunscrição (obviamente não imperativa) aos parâmetros imediatamente inferior (qual limite mínimo) e superior (qual limite máximo)”».
Desta forma, parece-nos ADEQUADA a medida da pena de multa (também se justificando o quantitativo diário de € 5, atenta a actual inactividade da arguida) aplicada à pessoa colectiva (não nos esqueçamos que a moldura penal abstracta desceu pois condenaremos pelo n.º 1 e não pelo n.º 5 do artigo 105º do RGIT, e que nos parece mais premente a condenação efectiva e severa das pessoas singulares que, afinal de contas, são os cérebros da criminalidade funcionando atrás de empresas).
Ou seja, a pena manter-se-á igual à do acórdão de 1ª instância, ou seja, 250 dias de multa à taxa diária de € 5, ou seja, uma pena de multa de € 1250, improcedendo, assim, o recurso intentado pelo MP.

3.4. E quanto à pena da pessoa singular?
Foi o arguido condenado na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
A moldura penal abstracta baixou, já o sabemos – agora temos uma pena de prisão que pode variar entre os 30 dias e os 3 anos.
O MP não coloca em causa os 13 meses de prisão[3], suspensa na sua execução, o que também nós não faremos.
Mas deverá tal suspensão ficar condicionada ao pagamento da prestação tributária em falta, em escrupuloso cumprimento do artigo 14º do RGIT?
O art.º 14º n.º1 do RGIT impõe que se condicione sempre a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
Já foi há muito discutida a questão da constitucionalidade de tal preceito.
Tem sido entendido que o art.º 14º do RGIT não é inconstitucional ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais em falta, na medida em que a obrigação em causa – pagar impostos em dívida – é uma obrigação pública fiscal que deriva da lei e não tem por fonte qualquer contrato.
O juízo de conformidade constitucional do art.º 14º do RGIT com a Constituição – com as apontadas normas e outras – tem sido o veredicto constante do Tribunal Constitucional, por exemplo, nos Acórdãos n.º 240/00, 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 543/06, 29/07; 61/07, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, nos quais se decidiu não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 14.º do RGIT, enquanto condiciona a suspensão da execução da pena ao pagamento ao Estado das quantias em dívida.
Como tal, haverá que aplicar esta norma especial do RGIT que impõe a suspensão condicionada.
Tal não foi feito pelo tribunal recorrido.
Mal, como é óbvio.
Neste particular, só pode proceder o recurso do MP.

3.5. Mas qual é a actual prestação tributária em dívida?
Deram-se como provados os seguintes factos:
«(…) 4 – assim, no referido ano de 2004, no exercício da sua actividade, a arguida liquidou I.V.A. aos seus clientes;
            5 – realizada uma análise pelos serviços tributários competentes, apurou-se o montante global de € 56.562,55 a título de I.V.A. efectivamente liquidado e recebido pelo arguido e pela arguida;
6 – na verdade, obedecendo ao mesmo propósito de não entregarem ao Fisco as importâncias que sabiam pertencer-lhe, apoderaram-se dos montantes cabidos a título de I.V.A., nos seguintes termos: € 23.193,78 relativos ao 1º trimestre de 2004, € 25.583,78 relativos ao 2º trimestre de 2004, e € 7.784,99 relativos ao 3º trimestre de 2004;
(…)
14 – no âmbito da sua actividade comercial, e durante o ano de 2004, a arguida realizou despesas, a título de pagamento de I.V.A. por diversos materiais e serviços por si adquiridos, no valor global de € 22.014,81»
Invocam os arguidos, na sua resposta, que:
«Com efeito, os factos provados impedem que se conclua, sem margem para dúvidas, quais os benefícios indevidamente obtidos no caso dos autos pois se, por um lado, se ajuizou que os arguidos liquidaram e receberam o montante de € 56.562,55 a título de IVA ( cfr. facto 5), por outro igualmente se apurou que a arguida, no âmbito da sua actividade comercial e durante o ano de 2004, realizou despesas, a título de pagamento de IVA por diversos materiais e serviços por si adquiridos, no valor global de € 22.014,81 (cfr. facto 14).
(…)
O texto legal, não sendo um exemplo de rigor técnico, parece inculcar a ideia de que o pagamento (presume -se que à Fazenda Pública) de que depende a suspensão da execução da pena de prisão pode corresponder ao valor do tributo em falta e acréscimos legais, mas também ao valor dos benefícios indevidamente recebidos e até a uma quantia fixada facultativamente pelo Juiz que não corresponde a nenhuma das situações anteriores.
O mesmo é dizer que ao Juiz da causa compete, em concreto, apurar se existe alguma quantia que, com segurança, possa afirmar-se ser devida ao fisco e, apurada ela, fazer condicionar a suspensão do cumprimento da pena de prisão ao seu pagamento.
Ora, no caso em apreço, o IVA não entregue ao Estado não representa o prejuízo deste, em face da factualidade demonstrada, pois já vimos que a arguida pagou, nos mesmos períodos de 2004, IVA pelos serviços e materiais adquiridos aos seus fornecedores. Tal IVA seria sempre compensado nas declarações trimestrais e jamais seria exigível.
Logo, a fixação de uma quantia a pagar ao fisco a título de tributo esbarraria com a inevitável injustiça de uma duplicação de colecta, que não foi certamente desejada pelo legislador.
Consequentemente, perante a impossibilidade de fazer corresponder o valor do tributo em falta ao efectivo prejuízo do Estado, optou o Tribunal por não fixar qualquer valor».

Já sabemos que não poderia nunca deixar o tribunal de fixar um valor a pagar ao Estado como condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Mas qual o valor?
Note-se que o tribunal recorrido deixa perceber na sua decisão que o valor do prejuízo estatal não é tão avultado como aquele que resultaria da redacção do facto n.º 5.
Escreveu ele:
«No caso dos presentes autos serão frisados os seguintes elementos, nos termos do art. 71º/n.º 2 C.P.:
(…)
- as consequências dos factos (considerando aqui, apesar de tudo, a circunstância de a arguida ter, também ela, realizado despesas, a título de pagamento de I.V.A., no valor global de € 22.014,81, no ano de 2004, assim se percebendo que a apropriação indevida perpetrada assumirá contornos porventura menos expressivos e vantajosos do que prima facie seria de supor)»
Não é também verdade que o tribunal não condicionou a suspensão ao pagamento da quantia tributária «perante a impossibilidade de fazer corresponder o valor do tributo em falta ao efectivo prejuízo do Estado», como insinua a defesa. O Tribunal é omisso quanto a isso e não poderemos ficcionar intenções pois o acórdão nada diz sobre a razão de ser da opção, apenas a tomando.
Aqui chegados, torna-se claro que a razão não está do lado da defesa.
De facto, a dívida tributária destes autos é a que foi fixada no n.º 5 do rol de factos provados.
É verdade que o sujeito passivo tem direito a recuperar o valor fixado no n.º 14 do rol em causa, mas impõe-se a questão: já o terá declarado para esses efeitos?
A fazerem-se compensações, caberá tal sempre à Administração Fiscal e nunca a este Tribunal.
No fundo, a ideia é esta – os arguidos têm de pagar ao Estado a quantia de € 56.562,55, sem prejuízo do valor de IVA que tenham a recuperar por outra sede, não competindo a este tribunal, neste específico processo, fazer compensações e «acerto de contas».
Acredita-se que Administração Fiscal estará atenta e não contribuirá para fazer uma «duplicação de colectas».
O facto 14 apenas relevou, para este processo, para efeitos de determinação da medida da pena e para nada mais.
Como tal, o valor que iremos colocar como condição de suspensão da execução da pena de prisão será o de € 56.562,55.

3.6. Aqui chegados, resta saber qual o prazo da suspensão.
Se os 13 meses, em cumprimento do artigo 50º/1 do CP revisto em 2007, se em período superior dentro dos limites impostos pelo artigo 14º em causa?
A jurisprudência tem-se dividido neste jaez.
Quanto a nós, estaremos a acompanhar a posição unânime desta Relação, ao considerar que no caso das infracções tributárias, no que diz respeito à suspensão da execução da pena, aplica-se o regime do artigo 14º nº1 do Lei nº15 /2001 de 05/06, diploma especial, e não a norma do artigo 50º do CP».
O artigo 14º da RGIT fala em «prazo a fixar até ao limite de 5 anos subsequentes à condenação».
Face aos factos provados, dúvidas não há de que à data da prática dos factos por que o arguido foi condenado, o período de suspensão da execução da pena era fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão (artº 50º nº 5, na redacção resultante da revisão do Código levada a efeito pelo Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março).
Com a alteração introduzida nesse preceito através da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, o período de suspensão passou a ter duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.
Acontece é que, no caso vertente, o apuramento do regime aplicável não passa pelo confronto entre os dois referidos regimes, porquanto existe uma lei especial, a qual não foi revogada nem alterada neste segmento – Lei 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), que estabeleceu o regime geral para as infracções tributárias.
Esse diploma é, como já referimos, uma lei especial, só subsidiariamente se aplicando as disposições do Código Penal, como expressamente se prevê no artº 3º a) do RGIT.
Desta forma, o recurso à aplicação subsidiária de outros acervos normativos e no caso em análise do Código Penal, só ocorrerá na falta de regulamentação do RGIT.
Ora, o regime da suspensão da execução da pena de prisão, foi consagrado expressamente neste diploma, no seu artº 14º, estabelecendo-se no nº 1 que “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”.
Damos, assim, o nosso pleno assentimento, entre muitos outros, ao Acórdão desta Relação de 21.01.2009 proferido no Pº 342/04.6TAAVR, quando refere:
«Esta formulação legal tem como pressuposto um prazo de suspensão que não seja inferior ao prazo dado para o pagamento.
E não pode ter-se por tacitamente revogado nesta parte o art.º 14º do RGIT já que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador como estatui o n.º3 do art.º7º do Código Civil. Ora, essa diferente intenção do legislador não existe no caso (cfr. a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro).
De resto tornava-se absurdo que –, impondo a lei o pagamento como condição para a suspensão da execução da pena –, quanto mais leve fosse a pena por força duma menor culpabilidade, menor fosse o prazo concedido para o pagamento, criando-se situações mais gravosas para culpas mais leves. Ou seja, quanto maior fosse a culpa maior o prazo concedido para o pagamento de montantes em falta quiçá sensivelmente desiguais».
Revertendo ao caso concreto, parece-nos razoável conceder ao arguido um prazo de 4 anos para pagamento da quantia em dívida, fixando-se nessa medida o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, em estrito cumprimento do artigo 14º/1 do RGIT[4].

3.7. Pelo exposto, só há que conceder parcial provimento ao recurso intentado pelo MP.

            III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5 ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência.
o condenam o arguido A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art. 105º/n.o 1 do  R.G.I.T., na pena de 13 (treze) meses de prisão;
o condenam a arguida “SN..., Unipessoal, Lda.”, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. nos arts. 7º/n.º 1 e 105º/n.o 1 do R.G.I.T., na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), ou seja, na multa de € 1.250 (mil duzentos e cinquenta euros);
o suspendem a execução da pena de prisão cominada ao arguido A..., pelo período de 4 anos, sob a condição de pagamento, nesse prazo, ao Estado da quantia de € 56.562,55 e acréscimos legais.

No restante, mantém-se o decidido em 1ª instância.

Sem tributação, atenta a isenção tributária do recorrente.

.

        



Paulo Guerra (Relator)
Vieira Marinho


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.

[2] Nem se invoque o lugar paralelo da alteração introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Outubro, segundo a qual apenas é criminalizada a não entrega, à administração tributária, de prestações [deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar] de valor superior a € 7.500. Estando nós perante uma só resolução criminosa com execução faseada ao longo do tempo, comete o agente apenas um crime [de Abuso de confiança], sendo os valores totalizados francamente superiores a tal montante – aqui, ao contrário da questão que agora se discute neste recurso, «sendo várias as não entregas de prestações tributárias deduzidas ou liquidadas e tendo elas ocorrido no âmbito de uma só e mesma resolução criminosa, o valor a considerar para o efeito do art. 105º, nº 1, do RGIT é o global.



[3] Sabemos que as exigências de prevenção geral neste domínio são prementes, face à reconhecida incidência da evasão fiscal no panorama nacional e às graves dificuldades que cria ao Estado no pleno cumprimento do objectivo social do sistema fiscal, ao mesmo tempo que cria desigualdades sociais gritantes entre os sujeitos e as empresas que cumprem e aqueles e aquelas que se furtam ao dever.
Daí que se concorde que nos crimes fiscais se justifica muitas vezes que se prefira a pena de prisão à multa [acórdão desta Relação de 06-06-2007, (Desembargador Luís Gominho), processo 0647081 e Figueiredo Dias, “Breves Considerações Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das Penas em Direito Penal Económico”, in Direito Penal Económico, CEJ (1985), p. 38 e ss.], até como forma de evitar que se crie a ideia de que este “crime compensa” se as consequências económicas que dele advierem, designadamente a aplicação de uma multa e as custas judiciais decorrentes de um processo, forem inferiores aos proveitos retirados.

[4]Diga-se ainda o seguinte: impondo-se que a suspensão da execução da pena fique condicionada ao pagamento da quantia em dívida e seus acréscimos legais, é irrelevante o juízo que se faça agora sobre a (in)capacidade do condenado para satisfazer a condição de suspensão, não só porque a lei não obriga a esse exercício, como nada indica que, no prazo fixado, o mesmo não venha a adquirir bens necessários para tal. Até porque no momento em que os arguidos tiverem de prestar contas sobre o cumprimento da condição de suspensão, o Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da pena por incumprimento dessa condição se este for culposo.