Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
320/14.7GASPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
REPRODUÇÃO OU LEITURA DE DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (SEC. COMP. GEN. DA INST. LOCAL DE S. PEDRO DO SUL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 141.º, N.º 4, 127.º, 344.º, N.º 3, E 357.º, N.º 1, AL. B), DO CPP
Sumário: I – As declarações em julgamento – ou, em face da alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21-02, à al. b) do n.º 1 do art. 357º do CPP, a reprodução ou leitura, nessa fase processual, de declarações, com cumprimento das exigências legais previstas, conjuntamente, naquela norma e na al. b) do n.º 4 do art. 141.º do mesmo diploma -, de co-arguido constituem um meio de prova válido, a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. arts. 344.º, n.º 3, e 127º do CPP), uma vez observado o princípio do contraditório.

II – Todavia, uma limitação existe, a prevista no n.º 4 do artigo 345.º do CPP (aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29-08), segundo o qual «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2».

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 320/14.7GASPS supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

a) Condenar o arguido A... como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. j), ambos do CP, na pena de 8 meses de prisão.

Ao abrigo do disposto no art. 50°, n.ºs 1 e 5 do CP, suspender a execução da pena de prisão pelo período de 1 ano, contado do trânsito da presente decisão.

Condicionar tal suspensão ao pagamento, pelo arguido, no prazo de 6 meses após o trânsito, do montante correspondente a metade da quantia indemnizatória infra fixada em beneficio da EDP - Distribuição (por referência ao capital e juros devidos à data desse mesmo pagamento).

b) Condenar o arguido B... como co-­autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1. al. j), ambos do CP, na pena de 16 meses de prisão.

Ao abrigo do disposto no art. 50°, n.ºs 1 e 5 do CP, suspender a execução da pena de prisão pelo período de 16 meses, contado do trânsito da presente decisão.

Condicionar tal suspensão ao pagamento, pelo arguido, no prazo de 4 meses após o trânsito, do montante correspondente a metade da quantia indemnizatória infra fixada em beneficio da EDP - Distribuição (capital e juros devidos à data desse mesmo pagamento).

c) Condenar os arguidos/demandados a pagar, solidariamente, à demandante EDP - Distribuição, Energia S.A., a quantia de 2.222,88 euros, acrescida de juros moratórios, contados desde 27.11.14, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

d) Absolver os demandados do demais peticionado, ou seja, da importância de 37,38 euros.


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O arguido B... não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

29- O Recorrente discorda da Sentença proferida, discordância atinente quanto à matéria de Direito.

30- O Tribunal A Quo fundou a sua convicção essencialmente nas declarações incriminatórias prestadas pelo co-arguido A... em sede de inquérito, plasmadas nos autos de fls. 151/152 e 213/214, e que o tribunal reproduziu/leu em sede de audiência e discussão de julgamento ao abrigo do comando normativo estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 357º do Código de Processo Penal.

31- Arguido A... que, em sede dessa mesma audiência e discussão de julgamento, se remeteu ao silêncio, mesmo após lidas/reproduzidas aquelas suas declarações incriminatórias do co-arguido B... , ora recorrente.

32- Ora, a discordância do ora recorrente resulta, desde logo, e em seu humilde entendimento, da decisão condenatória contra si decidida, por, entender existir erro notório da prova, na vertente de sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova, por haverem sido violados os princípios da livre apreciação da prova e do “in dúbio pró reo”. 

33- Para além daquelas declarações, e no entendimento do recorrente, inexiste qualquer outra prova, elemento ou dado externo que permitisse corroborar tal incriminação vertida naquele depoimento contra o aqui recorrente acerca da sua participação e autoria no ilícito de que vinha acusado, e foi condenado.

34- E perante a leitura/reprodução de tais declarações prestadas pelo co-arguido A... , não pode o recorrente, inclusive, na pessoa do seu defensor oficioso, contraditar o respectivo conteúdo e incriminação, porquanto, conforme referido, aquele co-arguido remeteu-se ao silêncio durante todo o julgamento. 

35- Por tal razão, não poderiam nem deveriam as mesmas serem valoradas em prejuízo do aqui recorrente, e neste sentido, porque o foram, violou-se o n.º 4 do artigo 345º do Código de Processo Penal.

36- Assim como, ao valorarem-se tais declarações e ao condenar-se o aqui recorrente pela prática do crime de furto qualificado de que vinha acusado, baseada tal condenação, no essencial, naquelas mesmas declarações, violaram-se os artigos 323º, alínea f) e 327º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, o que consubstancia também uma situação de nulidade do julgamento, uma vez que, como resulta da motivação da sentença, nos termos do artigo 374º, n.º 2 in fine do referido diploma, consta que as declarações daquele co-arguido contribuiu irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal.

37- Não tendo (o co arguido A... ) prestado declarações, não foi esse seu depoimento controlado pela defesa do co-arguido B... , nem atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.

38- Aliás, e neste sentido, já o Tribunal Constitucional se havia pronunciado no Acórdão n.º 524/97 no sentido de:

“Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 5 da CRP, a norma extraída com referência aos artigos 133º, 343º e 345º, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido, em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio.”

39- Posição esta que tem sido sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, vide Acórdão de 25-02-1999:

“Viola-se o princípio das garantias de defesa, quando se atribui valor probatório às declarações prestadas na audiência de julgamento por um arguido em desfavor de outro, se este está impossibilidade de efectuar, mesmo através do próprio tribunal, um contra-interrogatório”.

40- E, bem assim, e mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nos autos de processo n.º 213/05.9TCLSB.L1.S1, de 15-04-2015:

“I - Não há qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos. Porém, com uma limitação, constante do n.º 4 do art. 345.º do CPP, de acordo com o qual não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório.”

41- Salvo o devido respeito por opinião diversa, ao conferir e atribuir valor probatório às declarações anteriormente prestadas em sede de inquérito, pelo co-arguido A... , em desfavor do ora recorrente, e uma vez que este último se viu impossibilitado de efectuar, mesmo através do próprio tribunal, ou do seu defensor, um contra-interrogatório, o Tribunal de 1ª Instancia violou o princípio do contraditório, da verdade material e da igualdade de armas.

42- Também não poderia ter valorado aquelas mesmas declarações do co-arguido A... , enquanto incriminatórias do arguido recorrente, e que ditaram a condenação deste último, sem qualquer outro meio probatória que sustentasse aquelas, e sem que o arguido recorrente, haja tido a possibilidade de exercer o contraditório quanto ao teor das mesmas.

43- Perante a impossibilidade daquela valoração, a ausência de qualquer outro meio probatório, e em face da ausência do juízo de certeza, vale o princípio de presunção de inocência do arguido recorrente - art. 32.º n.º 2 CRP -, de que o princípio in dubio pro reo é corolário, o qual se demonstra violado pela decisão do Tribunal de 1ª Instância.

44- A demais prova produzida nos autos é inexistente, e/ou não tem a virtude de formar convicção segura, sem dúvida razoável da prática do recorrente dos factos pelos quais foi acusado, e indevidamente condenado.

45- E assim, ao condenar o arguido, violou-se o basilar princípio da presunção da inocência.

46- E, com o devido respeito, deverá a sentença recorrida ser declarada nula, em manifesta e inequívoca violação dos artigos 32, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e, n.º 4 do artigo 345º, artigo 323º, alínea f) e artigo 327º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal.

47- Assim como, por violação do princípio in dubio pro reo, o que teria sempre que ser valorado a favor do arguido.

48- Contrariando de forma inaceitável este princípio incontornável, “in dúbio pro reo”, o Tribunal “a quo”, condenou indevidamente o recorrente pelo crime de furto qualificado.

Por conseguinte, verifica-se que a douta sentença recorrida violou os preceitos legais, enunciados nas antecedentes conclusões, pelo que a sua revogação da pena de prisão aplicada ao co arguido recorrente, e a sua substituição por outra que pugne pela sua absolvição.


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A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos:
“1- A douta sentença proferida nos autos, que condenou o arguido B... como co-autor material de um crime de furto qualificado encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.
2- Das motivações e conclusões do recurso interposto deduz-se que o recorrente impugna a sentença “a quo” apontando erro notório da prova por admissibilidade, como meio de prova, de declarações de co-arguido prestadas em inquérito e reproduzidas em audiência de julgamento, em violação do princípio in dubio pro reo.
3- De erro notório da prova se poderá falar quando são violadas regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
4- Foram cumpridos os requisitos previstos no artigo 357.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal. Assim sendo, as declarações do co-arguido prestadas em inquérito detêm a mesma força probatória e são livremente valoráveis pelo julgador, como se tivessem sido prestadas em audiência de julgamento, podendo os intervenientes contraditá-las se nisso revelassem interesse.
5- Assim, não pode estar em causa a admissibilidade deste meio de prova, pois que é legalmente admitido e expressamente previsto.
6- A questão centrar-se-á na possibilidade daquelas declarações, de co-arguido servirem também de prova no que à responsabilidade criminal do recorrente diz respeito porque este se remeteu ao silêncio e não contraditou (por não quis) aqueloutro depoimento.
7- Não há qualquer impedimento do arguido depor nessa qualidade contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valorar a prova feita por um arguido contra os seus co-arguidos.
8- O mesmo vale quando o co-arguido incriminado se recusa a falar (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010).
9- O arguido recorrente (e incriminado pelas declarações do co-arguido) remeteu-se ao silêncio, recusando-se a contraditar ou se pronunciar acerca da versão do co-arguido A... , isto é, era exigível que, face às declarações de A... , o recorrente fornecesse uma explicação ou refutasse as mesmas.
10- Ademais se diga que a condenação do recorrente não se bastou somente nas declarações do co-arguido.
11- Não se pode olvidar o estatuído no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Trata-se do princípio da livre apreciação da prova que está, assim, consubstanciado nas regras da experiência e na livre convicção da entidade competente.
12- Ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, com base nas referidas declarações de co-arguido e restantes meios de prova, uma vez convicto, sem dúvida sobre factos pressupostos de condenação, não sentiu o julgador necessidade de se socorrer do princípio de presunção de inocência de arguido.
13- Não existe, assim, qualquer erro na avaliação da prova efectuada pelo Mmo. Juiz “a quo”.”

Nesta instância também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida.

Notificado o arguido, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte:

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1 - No dia 27.11.14 os arguidos deslocaram-se para a localidade de Sul, na freguesia de Sul, deste concelho de S. Pedro do Sul, a fim de subtraírem cabos de cobre pertença da EDP - Distribuição, que é a entidade que opera a rede de distribuição de energia eléctrica, estando-lhe cometido o estabelecimento e exploração daquela rede em regime de serviço público.

2 - Para o efeito fizeram-se transportar num veículo automóvel da marca Hyundai, de matrícula (...) IL, pertença do arguido A... e por este então conduzido.

3 - Chegados ao local cerca das 04.00 horas, os arguidos estacionaram o veículo na periferia da localidade de Sul, e de imediato o arguido B... subiu a vários postes que sustentavam linhas de distribuição de energia eléctrica.

4 - Após subir aos ditos postes o arguido B... , com o auxílio de um alicate, procedeu ao corte de 5 linhas de cobre nu (não revestido), as quais transportavam energia eléctrica para cerca de 5 a 6 consumidores, e alimentavam a rede de iluminação pública existente no local.

 5 - As 5 linhas assim cortadas perfaziam uma extensão global de 1.250 metros de cabo de cobre nu, que desse modo caíram no solo ou ficaram dependuradas a partir dos postes.

6 - Os arguidos enrolaram depois os cabos de cobre cortados pelo arguido B... , e guardaram os mesmos na bagageira do veículo no qual se fizeram transportar, deixando no local 42 metros de fio de cobre que havia sido cortado.

7 - Após abandonaram o local, transportando-se nesse mesmo veículo, fazendo seus os cabos de cobre que haviam cortado, integrando-os na sua esfera patrimonial.

8 - Sabiam os arguidos que tais cabos de cobre não lhes pertenciam, e que actuavam contra a vontade da respectiva dona.

9 - Com a conduta supra descrita os arguidos causaram à ofendida um prejuízo de 2.222,88 euros, correspondendo 1.075,12 euros ao valor do cabo de cobre subtraído e não recuperado, e o remanescente ao valor do trabalho e materiais necessários ao restabelecimento do traçado aéreo.

10 - Por outro lado com tal conduta perturbaram o normal funcionamento do serviço público a que tal rede estava adstrita, destruindo parte dessa rede e, desse modo, privando as pessoas e consumidores servidos pela mesma do abastecimento de electricidade, pondo em causa a segurança de bens.

11 - Agiram em comunhão de esforços e após acordo nesse sentido, de forma livre e voluntária, com o propósito de se apoderarem dos cabos de cobre da ofendida EDP, integrando-os na sua esfera patrimonial.

12 - Mais sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.


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13 - O arguido B... exerce actividade laboral na Suíça, país onde se encontra emigrado, aí residindo com o seu pai.

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14 - O arguido A... possui antecedentes criminais pois que, por decisão proferida em 6.3.14 por tribunal francês, e por factos praticados 20.2.14, foi condenado em pena de multa pela prática de um crime de condução de veículo sob a influência de produtos estupefacientes.

15 - Também o arguido B... possui antecedentes, pois que:
a)por sentença proferida em 23.2.12, transitada em julgado em 26.3.12, e por factos praticados em 20.2.12, foi condenado pela prática de um crime de furto simples, na pena de 220 dias de multa, entretanto extinta pelo pagamento.

Tal condenação teve subjacente o corte e apropriação de cabos aéreos de cobre de condução de linhas telefónicas que eram pertença da sociedade Portugal Telecom, S.A. (à data).
b)por Acórdão proferido em 13.11.15, e por factos praticados em Abril de 2013, foi condenado pela prática de 3 crimes de furto qualificado (da previsão do art. 204º, n.º 2, al. e) do CP), na pena conjunta de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período.


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 Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para além ou em contradição com os anteriores.

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Fundou-se a convicção do tribunal, desde logo, nas declarações prestadas pelo arguido A... em sede de inquérito, plasmadas nos autos de fls. 151/152 e 213/214, que o tribunal pode tomar em consideração em função dos fundamentos deixados plasmados na acta da sessão da audiência de julgamento.

Tais declarações não nos mereceram qualquer reserva, pois que, para além de produzidas em condições que salvaguardam a sua espontaneidade e liberdade, mormente com a presença de defensor, não foram de algum modo colocadas em crise por qualquer dos arguidos, os quais, tendo ouvido a sua pública leitura, não lhes apontaram nenhuma objecção.

Por outra via ainda tais declarações mostram-se confortadas nos demais elementos indiciários colhidos, mormente a informação de fls. 17, extraída da base de dados do registo automóvel (que confirma a titularidade, pelo arguido A... , do veículo automóvel a que fez alusão nas sobreditas declarações), bem como o relatório de inspecção/fotográfico de fls. 82 a 90, que melhor permitiu contextualizar temporal e espacialmente os factos.

Ainda os autos de apreensão e de exame directo e avaliação de fls. 5 e 128 a 131, respectivamente.

Mais relevaram os depoimentos das testemunhas K..., C... e D... . O primeiro, electricista de profissão, referiu ter tido intervenção na reposição da linha cortada, apontando, além do mais, as características das linhas cortadas e a sua extensão. Já as demais, engenheiros electrotécnicos de formação, a exercer actividade laboral para a ofendida, confirmaram o valor do prejuízo por aquela sofrido, mormente esclarecendo como esse mesmo valor foi alcançado. No que tange a tal aspecto a testemunha D... confirmou a elaboração do documento de fls. 249, fazendo a 'interpretação' do mesmo quando à sua vista em audiência. A 'precisão' do valor do prejuízo constante da factualidade apurada (relativamente àquela do libelo), em menos 37,38 euros, prende-se com o valor da metragem de fio de cobre recuperado pela ofendida, que desse modo não conforma um substancial prejuízo (pelos menos perante a ausência de qualquer outro contexto que pudesse ou se perspectivasse como alegável).

Mais relevaram os CRC de fls. 316 a 319 e 320/321, sendo no caso do arguido B... em conjugação com o teor da certidão de fls. 263 e ss, que conforma a sentença proferida no âmbito do processo a que aludem os boletins de fls. 317/318.

Para a situação sócio-laboral do arguido B... relevou o teor das informações por si prestadas por via do requerimento de fls. 326.


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APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva motivação, de acordo com o estabelecido no artigo 412º, n.º 1 do CPP, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

No presente recurso, entende o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter valorado como meio de prova as declarações prestadas em sede de inquérito pelo seu co-arguido, e reproduzidas em audiência de julgamento nos termos do art. 357º, n.º 1, al. b) do CPP, quando ambos os arguidos se remeteram ao silêncio em audiência, inexistindo outra prova que permitisse corroborar a incriminação vertida em tais declarações ………….

e, pugnando pela sua absolvição, invoca a violação dos princípios da livre apreciação da prova, da presunção de inocência e in dubio pro reo.


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Alega o recorrente:

perante a leitura/reprodução em audiência de julgamento, das declarações prestadas pelo co-arguido A... em sede de inquérito, não pode o recorrente, inclusive, na pessoa do seu defensor oficioso, contraditar o respectivo conteúdo e incriminação, porquanto aquele co-arguido remeteu-se ao silêncio durante todo o julgamento.

Por tal razão, não poderiam nem deveriam as mesmas serem valoradas em prejuízo do recorrente, e porque o foram, violou-se o disposto no n.º 4 do artigo 345º do CPP”.

A verdadeira questão suscitada pelo recorrente, é a da valoração efectuada pelo tribunal a quo das declarações incriminatórias do co-arguido A... (prestadas em inquérito), quando, em audiência de julgamento, ambos se remeteram legalmente ao silêncio.

A questão da valoração como meio de prova das declarações de co-arguido, sobre factos desfavoráveis a outro, tem sido objecto de discussão, e quer a doutrina, quer a jurisprudência, na sua maioria, têm dado resposta positiva.

Com a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 Fev., ao artigo 357º do CPP passou a constituir regra a possibilidade de reprodução e leitura de declarações prestadas pelo arguido perante autoridade judiciária em fases anteriores do processo, desde que produzidas com a assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141º, ou seja, de que as declarações poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova.

Tal aconteceu nos presentes autos, como se observa do despacho exarado na acta de audiência de julgamento de fls. 332, tendo o Sr. Juiz procedido à leitura das declarações prestadas pelo (co)arguido A... , em sede de inquérito e constantes dos autos de fls. 213/214 e 151/153.

Foram os arguidos A... e B... (ora recorrente) condenados, pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado.

Os arguidos usaram do seu direito ao silêncio [art. 61º, n.º 1, al. d) do CPP], ao não prestarem declarações em audiência (acta de fls. 331); mas se tal direito não os pode prejudicar (artigos 343º, n.º 1 e 345º, n.º 1) e, não recai sobre si o ónus da prova dos factos que lhes são imputados, também não os beneficia, até pelo facto de não terem contribuído para o esclarecimento da verdade.

Como se salienta no Ac. do STJ de 12-3-2008, proc. n.º 08P694 in www.dgsi.pt «O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.».

Ora, em função do silêncio de ambos os arguidos em audiência de julgamento, entende o recorrente que as declarações prestadas pelo co-arguido A... (em inquérito e reproduzidas em audiência), porque não puderam ser contraditadas, não podem valer como prova.

Coloca-se, assim, desde logo, a questão da valoração, como meio de prova, das declarações de co-arguido.

Estabelece o artigo 125º do CPP o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, indicando o artigo 126º aquelas que são proibidas, não constando nesse elenco as declarações dos co-arguidos.

 “Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objecto de prova, quer de factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. O n.º 3 do art. 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2.” - cfr. Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96), citado no Ac. do STJ, de 27-11-2007, in www.dgsi.pt.

Portanto, as declarações de co-arguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do CPP), revelando-se essencial o respeito pelo princípio do contraditório e que as declarações sejam corroboradas com outro(s) meio(s) de prova. Este tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Como salienta Medina de Seiça ([1]), a propósito da valoração das declarações do co-arguido, “(…) o aplicador, dentro da sua margem de apreciação livre, pode condenar um co-arguido baseado exclusivamente nas declarações de outro arguido. Julgamos, no entanto, que se torna possível, descortinar para além do geral bom-senso (que não sendo critério legal é factor não despiciendo na aplicação do direito), elementos normativos que justificam o apelo à regra da corroboração das declarações do co-arguido na parte respeitante à responsabilidade de outro arguido, corroboração que surge, repetimos, como momento integrador do juízo valorativo dessa informação probatória.”.

Germano Marques da Silva ([2]) considera que o valor das declarações do co-arguido «exige uma especial ponderação pelo julgador». E, Teresa Beleza afirma ([3]) mesmo que o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida no direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia.

Como se escreveu no Ac. do STJ, de 7-5-2009, in www.dgsi.pt, referenciando um outro Ac. do STJ, de 12-7-2006, onde se cita um parecer do Prof. Figueiredo Dias “Como nos dá conta Figueiredo Dias naquele Parecer, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura duma fundamentação insuficiente. Significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações»”.

Teremos, assim, de concluir que inexiste impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir.

“Como o Supremo Tribunal de Justiça tem maioritariamente defendido, as declarações do arguido, sendo um meio de prova legal, podem e devem ser valoradas no processo, podendo, por si só, fundamentar a condenação do co-arguido, ou seja, mesmo que desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, consabido que as declarações incriminatórias do co-arguido estão sujeitas às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. O Tribunal deve, no entanto, ter um especial cuidado na valoração e apreciação das declarações incriminatórias” – cfr. Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1101.

Porém, como uma limitação: a prevista no n.º 4 do artigo 345º do CPP (aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29-08), onde se estabelece que «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2».

Ou seja, não valem como meio de prova as declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando o primeiro se recusar a responder (no exercício do direito ao silêncio) às perguntas que lhe sejam feitas, quer pelo tribunal, quer pelo Ministério Público, advogado do assistente e dos defensores. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório. (cfr. Ac. STJ de 15-4-2015)

Assegurado o funcionamento dos referidos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova – Ac. STJ de 3-9-2008 no proc. 08P2044.

No caso vertente, não estão em causa as declarações prestadas em audiência de julgamento, mas as declarações prestadas em anterior fase do processo, que serão livremente apreciadas pelo tribunal, mesmo que, quem então as prestou, não preste declarações em audiência de julgamento.

Ora, na audiência de julgamento o exercício do contraditório é exercido pelo defensor do arguido (artigos 63º, n.º 1 e 345º do CPP). Na fase de julgamento em que pontifica a oralidade e a imediação, o exercício do contraditório pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso tal seja adequado.

Alega o recorrente que “não podia ser atribuído valor probatório às declarações anteriormente prestadas em sede de inquérito, pelo co-arguido A... , em desfavor do ora recorrente, se este último se viu impossibilitado de efectuar, mesmo através do próprio tribunal, um contra-interrogatório, pois neste caso, e ao assim não ser entendido, o Tribunal de 1ª Instância violou o princípio do contraditório, da verdade material e da igualdade de armas.”

Não tem razão o recorrente.

Não esteve o recorrente impedido de esclarecer o tribunal ou infirmar as declarações que haviam sido prestadas pelo co-arguido A... (a cuja leitura o ora recorrente assistiu porque esteve presente em audiência). Na verdade, o Mmº Juiz perguntou ao ora recorrente «se queria dizer alguma coisa, designadamente sobre as declarações que leu», tendo o arguido respondido que não queria – cfr. gravação da audiência, às 11.48.40.

Por conseguinte, não se podendo afirmar que as declarações do co-arguido A... ficaram totalmente subtraídas ao contraditório, não foi violado o disposto no n.º 4 do artigo 345º do CPP, como alegou o recorrente.

Deste modo, entendemos que nenhum reparo nos merece a decisão recorrida quando utilizou as declarações prestadas pelo arguido A... para fundamentar a convicção do tribunal e, consequentemente, a responsabilização criminal do recorrente (e também a do próprio A... ).

A salientar, que de tais declarações não resulta qualquer interesse do arguido A... na incriminação do ora recorrente, apenas se limitando a relatar o que aconteceu, e daí que tenham sido condenados, como co-autores.

Por outro lado, no que respeita à credibilidade das mesmas, como ficou consignado na Motivação da matéria de facto da sentença recorrida: «Tais declarações não nos mereceram qualquer reserva, pois que, para além de produzidas em condições que salvaguardam a sua espontaneidade e liberdade, mormente com a presença de defensor, não foram de algum modo colocadas em crise por qualquer dos arguidos, os quais, tendo ouvido a sua pública leitura, não lhes apontaram nenhuma objecção.»

Acresce que, as declarações do arguido A... não foram o único meio de prova em que assentou a convicção do tribunal, apenas funcionando corroboradas e conjugadas com os demais elementos probatórios que foram elencados.

Concluímos, assim, que os factos dados como provados possuem sustentação probatória suficiente, sem recurso a meio proibido de prova.

Por consequência, não violou o tribunal de 1ª instância o princípio da livre apreciação da prova ou qualquer outro, designadamente o in dubio pro reo, ambos invocados pelo recorrente.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça.


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Coimbra, 21 de Junho de 2107

(Elisa Sales – relatora)

(Paulo Valério – adjunto)


[1] - in “O conhecimento probatório do co-arguido”, Coimbra Editora, 1999, págs. 206-207.
[2] - in Curso de Processo Penal, Ed. Verbo, 3ª ed., II Vol., pág. 191.
[3] - in Revista do MP, n.º 74, pág. 39 e segs.