Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
325/09.0TBCTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: HERANÇA JACENTE
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
HERANÇA INDIVISA
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
CASTELO BRANCO 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 2046, 2050, 2056, 2088, 2089 CC, 6, 8 CPC
Sumário: 1.- A herança indivisa com titulares determinados não integra o conceito de herança jacente, definido no artigo 2046.º do Código Civil e previsto na alínea a) do artigo 6.º do Código de Processo Civil.

2.- Havendo um herdeiro que tenha aceite a herança, não há que falar em herança jacente.

3.- Basta a aceitação de um dos sucessíveis para que a herança deixe de ser considerada jacente.

4.- Aceite a herança, cessa a personalidade judiciária atribuída à herança jacente.

5. - A herança indivisa com titulares determinados não tem personalidade judiciária, não sendo tal falta suprível.

6.- Na acção de responsabilidade contratual, pedida indemnização por morte do tomador do seguro, quem pode intervir como parte são os herdeiros.

7.- Não estando no processo qualquer herdeiro, não é admissível chamar os restantes herdeiros para se associarem.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            A Herança Jacente aberta por óbito de J (…), representada pela cabeça de casal, G (…), intentou ação contra Áreas Assurances e France Secours Assistence.

            Na contestação invocou-se a falta de personalidade judiciária da herança e a ilegitimidade da cabeça de casal para sozinha demandar nos presentes autos; quem deve estar em juízo são os herdeiros do falecido e não a herança jacente. A herança indivisa não é dotada de personalidade judiciária.

            A Herança replicou e, para o caso de se entender faltar a presença dos outros herdeiros, requereu a sua intervenção provocada.

            Na sequência de despacho, veio a Herança esclarecer que não foi ainda aceite por todos os herdeiros do falecido, em virtude dos filhos não se encontrarem em Portugal. Assim, apesar da representante já ter aceite a herança, esta mantém-se jacente.

            Por fim, foi proferida decisão a julgar a Herança destituída de personalidade judiciária e absolvidas as Rés da instância.


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            Inconformada, a Herança recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

            1ª A juiz “a quo” considerou como provado que herança foi aceite, pelo menos, pela cabeça de casal, pelo que considerou a herança de José Joaquim Ramalho como indivisa.

            São três os elementos em torno dos quais a lei fixa os limites da jacência da herança.

            Por um lado, é necessário que tenha havido abertura da sucessão, o que se verifica no caso concreto.

            Em segundo lugar, exige-se que não tenha havido aceitação da herança, o que no caso concreto face ao alegado nos autos ainda não correu relativamente a todos os herdeiros.

            Por último, é essencial que a herança, ainda, não tenha sido declarada vaga, o que não ocorreu.

            Assim, considera-se que a herança dos autos deve ser considerada jacente e não indivisa, pelo que se considera a recorrente como parte legítima, por se tratar da cabeça de casal da mesma.

            2ª Caso entendam V.Exas. que a herança dos autos se trata de uma herança indivisa, ainda assim considera a recorrente que é parte legítima na presente demanda.

            No que respeita a situações de heranças indivisas, são aplicadas as regras da compropriedade, como também resulta do art.1404º do C. C., pelo que cada consorte ou herdeiro pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro – art.1405º, nº 2, do C. C.

            Uma vez que a Autora se trata da cabeça de casal incontestada da herança do seu marido, goza ela de legitimidade activa para instaurar a presente acção, nos termos supra referidos, face ao disposto nos arts.26º, nº 3; e 27º, nº 2, do CPC.

            Encontra-se a Autora devidamente legitimada para instaurar a presente acção, como co-herdeiro e cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito do seu marido.

            3ª A recorrente nas réplicas que apresentou em juízo, por cautela e dever de patrocínio, no caso de se vir a considerar a ilegitimidade activa, requereu em ambos os articulados a intervenção provocada dos demais herdeiros do falecido José Joaquim Ramalho para este se associarem à Autora

           

            A juiz “a quo”, apesar de se referir na sentença recorrida ao incidente supra referido deduzido pela A., quanto a este não se pronunciou, não o apreciou nem o resolveu.

            A nulidade prevista na 1ª parte do art.668º nº1 al. D do C.P.C. está relacionado com o art.660º nº02 do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

            No caso dos autos o incidente de intervenção provocada deduzido nos presentes autos trata-se de uma questão que deveria ter sido apreciada, cuja decisão caso seja deferido prejudica a solução dada na sentença recorrida, isto é ficaria sanada a ilegitimidade de parte.

            4ª Considera a recorrente que quando nos articulados faltem factos essenciais, a sua alegação seja ambígua ou que falte algum elemento essencial que infira sobre a legitimidade das partes o Juiz pode e deve convidar as partes a suprir a insuficiência ou imprecisão, nos termos do art. 508º CPC. A falta de tal convite é causa de nulidade processual.


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            A Ré Mondial Assistance France, SAS, contra-alegou, defendendo que a Autora não goza de personalidade judiciária e que o vício é insanável.

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            A questão a resolver é a de saber se a Herança Jacente Autora tem personalidade judiciária e se, não a tendo, a falta é sanável.

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            Factos provados (não tendo sido como tal especialmente destacados na 1ª instância):

            Quem instaurou a ação, em 27.2.2009, foi a Herança Jacente aberta por óbito de J (…), representada pela cabeça de casal, G (…).

            A Herança foi aceite pelo menos pela Sra. G (…).

            No artigo 32º da petição, a Herança diz tratar-se de uma herança indivisa.

            A Herança pede a condenação das Rés a pagar-lhe 40.000€, a título de danos morais sofridos pelo falecido J (…), falecimento que ocorreu em 18.3.2006.

            Em 20.3.2008, por escritura notarial, a Sra. G (…) declarou que são herdeiros do referido falecido A (…), ela própria, M (…), J (…), C (…) e F (…).


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            A herança é jacente quando aberta mas ainda não aceite (art. 2046º do Código Civil).

            Aceite pelos sucessores, a herança perde aquele estatuto, passando a ter titular ou titulares determinados.

            Aceite mas não partilhada, a herança considera-se indivisa.

            A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita (art.º 2056º, nº1, do Código Civil).

            Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão (art.2050º, nº2, do Código Civil).

            No caso, aquando da propositura da acção (27.2.2009), já esta herança tinha sido aceite pelo menos pelo cônjuge do falecido (a própria o afirma).

            Quanto aos demais herdeiros, apesar de habilitados por escritura notarial, a cabeça de casal veio dizer que não aceitaram ainda a herança porque não estão em Portugal.

            De qualquer maneira, aceite a herança por um dos herdeiros, já não faz sentido falar em herança jacente.

            O Prof. Oliveira Ascensão, referindo-se à herança jacente, ensina tratar-se de uma situação jurídica sem sujeito, em que os direitos que a integram estão reservados para um titular futuro. (Ver Sucessões, Coimbra Editora, páginas 365 e seguintes.)

            A personalização judiciária da herança jacente ocorre precisamente por ela não ter um titular determinado e haver necessidade de acautelar as situações jurídicas deixadas pelo falecido (art.6, a), do Código de Processo Civil).

            Ora, havendo quem passe a deter essas situações jurídicas, desaparece aquela necessidade processual e judiciária e cabe ao titular identificado exercer os respectivos direitos.

            E, assim, cessa a personalidade judiciária atribuída à herança jacente.

            (No sentido, que entendemos correcto, de que basta a aceitação de um dos sucessíveis para que a herança deixe de ser considerada jacente, ver acórdão da Relação de Lisboa, de 1.6.2010, no Processo n.º1282/08.5TVLSB.L1-7, em www.dgsi.pt.)

           

            No caso de uma herança indivisa, aceite mas ainda não partilhada, não é ela herança quem detém personalidade judiciária.

            Esta personalidade é agora entregue ao identificado titular herdeiro ou, em casos definidos, ao cabeça de casal (arts.2088º e 2089º do Código Civil).

            Sendo assim, a intervenção dos herdeiros tem de ser em nome próprio e não como representantes da herança.

            Ora, no caso concreto, a ação é intentada pela Herança Jacente aberta por óbito de J (…), representada pela cabeça de casal, G (…).

            Se a herança já tinha sido aceite, deixou a Autora de ter personalidade judiciária.

            Por outro lado, a herdeira cabeça de casal não se apresenta em nome próprio mas apenas como representante da Herança Jacente.

            A herdeira não se apresenta como parte.

            E a parte já não o era aquando da propositura da ação.

            A falta de personalidade judiciária é insanável, salvo em situações muito especiais, nomeadamente a que vem prevista no artigo 8.º do Código de Processo Civil.

            A recorrente argumenta que na réplica que apresentou, no caso de se vir a considerar a ilegitimidade activa, requereu a intervenção provocada dos demais herdeiros do falecido, para se associarem à Autora, e a Sra. Juíza nada disse a este respeito.

            Não é correcta a invocação da recorrente.

            A decisão recorrida exarou:

            “…não chegamos a entrar na apreciação da falta de legitimidade da A. Esta só se colocaria se como A. figurasse não apenas a herança, mas também a herdeira em nome próprio. Se assim fosse, a instância mantinha-se e prosseguiria, apenas relativamente à requerente herdeira e cabeça-de-casal, excluindo-se da mesma a herança indivisa, por falta de personalidade judiciária. A situação passaria depois a ser de ilegitimidade da cabeça de casal para estar sozinha na acção, o que implicaria no nosso entender, o incidente de intervenção principal provocada dos demais herdeiros.”

            Este entendimento é acertado. Se a falta é de personalidade judiciária não chegamos a analisar a questão da legitimidade.

            (Ver acórdão desta Relação, de 16.11.2010, no processo 51/10.7TBPNC.C1, em www.dgsi.pt, como um caso em que se prossegue para a análise da legitimidade, dado que, apesar de idêntica falta de personalidade, o processo foi “salvo” porque a herdeira representante também declarava actuar em nome próprio.)

            Atente-se ainda que, no nosso caso, afastada a herança, ficamos sem qualquer parte no processo.

            Os chamados pela intervenção associar-se-iam a quem? Eles teriam de encontrar pelo menos um herdeiro no processo. Como vimos, infelizmente, a Sra. G (…) não se encontra aqui como herdeira em nome próprio.

            Assim, como bem decidiu o tribunal recorrido, tem de concluir-se que a Autora é destituída de personalidade judiciária, o que configura excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso e determina a absolvição das Rés da instância.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela recorrente.

           


 

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

 Luís Filipe Dias Cravo