Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/21.1T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
CONDIÇÃO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE OBJETIVA DE CUMPRIMENTO
NÃO IMPUTABILIDADE
EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO
SINAL
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 270.º, 276.º, 405.º, 406.º E 790.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Por força do princípio da autonomia privada, o contrato é um instrumento jurídico vinculativo, é um acto de força obrigatória, é a “lex contratus”. E a vontade das partes assim expressa é tão obrigatória como a que a resultaria de lei/ cada um é absolutamente livre de comprometer-se ou não, mas, uma vez que se compromete, fica ligado de modo irrevogável á palavra dada: pacta sunt servanda.

II – O contrato-promessa é definido como “um contrato transitório, com vida precária, sempre acessório de outro negócio a celebrar futuramente. Ou seja, as partes, após negociações preliminares, concluem pela conveniência de celebrarem certo contrato. Porém, não o fazem de imediato, ou porque não se consideram habilitadas para detalharem, desde logo, todo o clausulado, ou porque não pretendem que os efeitos do contrato se produzam de imediato. Daí que o contrato-promessa, tenha, noutras sedes doutrinarias alienígenas as designações de “antecontrato”; “pré-contrato”; “the contract to make future contract”; e, em latim “pactum de contrahendo” ou  de “pactum de inuendo contractu”. Então, optam pelo contrato promessa, como acordo preparatório do negócio definitivo – Acórdão do STJ de 05.04.2017 (Processo n.º 75193/05.0YYLSB-A.L1.S1).”

III – A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva). A razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspetiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 17.21.1T8MGL

 

(Juízo de Competência Genérica de ...)

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

AA, divorciada, residente na Travessa ..., ..., ..., em ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a Junta de Freguesia ..., com sede na Rua ..., ..., ..., pedindo que se declare resolvido o contrato- promessa celebrado entre BB, à data marido da autora, e a ré por impossibilidade definitiva da sua formalização com culpa a cargo ré e que seja esta condenada a pagar-lhe o montante global de €39.062,00 (trinta e nove mil e sessenta e dois euros), acrescido de juros de mora contados desde a data da condenação.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que por contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 22 de Janeiro de 2009 BB, com quem à data era casada no regime da comunhão de adquiridos, prometeu comprar e a ré prometeu vender o prédio urbano destinado a , sito na freguesia ..., inscrito na matriz ...85..., tendo a autora e o então marido tomado posse imediata de tal prédio, sempre convictos de que se formalizaria a venda com a outorga da respectiva escritura pública.

Adianta a autora que aquando da outorga do contrato-promessa a autora e o então marido pagaram o preço previamente acordado do imóvel, no valor de €2.031,00 (dois mil e trinta e um euros), ficando estabelecido que a escritura pública que formalizaria a compra e venda seria efectuada aquando da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ..., nunca tendo sido informados de que a revisão do PDM poderia eventualmente obstar à celebração da escritura pública definitiva, tendo a ré inclusivamente celebrado idênticos contratos promessa tendo por objecto outros lotes situados naquele mesmo local e confinantes com o da autora, reforçando a sua confiança de que mais cedo ou mais tarde seria celebrada a escritura pública de compra e venda.

Mais refere a autora que o tempo foi passando, acabando por divorciar-se do seu então marido e que no processo de inventário n.º569/11...., que correu termos no Juízo de Família e Menores ... - J..., veio a ser-lhe adjudicado o direito a celebrar com a ré a escritura pública definitiva relativa ao supra identificado prédio.

Por outra parte, menciona a autora que no período temporal decorrido entre a data da celebração do contrato-promessa e a decisão homologatória que lhe atribuiu o direito supra referido, a autora e o seu ex-marido procederam, de boa-fé, à construção de edificações no prédio, avaliadas à data no âmbito do processo de inventário em cerca de €15.000,00 (quinze mil euros), sendo, por fazer parte integrante do direito que lhe foi adjudicado, licitadas por esse mesmo valor, comportando-se a autora, mesmo sem a celebração do contrato prometido, como proprietária e legítima possuidora do prédio.

Afirma a autora que, entretanto, endereçou uma carta registada à ré solicitando-lhe a marcação da escritura de compra e venda, sendo informada pela ré que a escritura que não poderia ser celebrada pela circunstância de o Plano Diretor Municipal do Concelho ... não o permitir atenta a qualificação que atribui à área onde o próprio terreno se insere, sendo que até receber tal informação desconhecia por completo a aludida impossibilidade técnica impeditiva da celebração da escritura, pois que sempre esteve convencida por tudo quanto lhe foi dado a saber pela ré que poderia ser feita, circunstância que a levou a licitar este bem comum do extinto casal no processo de inventário, tendo suportado despesas, pago impostos e depositado o valor pelo qual licitou o bem no processo de inventário.

Afirma a autora que a tardia revelação por parte da ré da impossibilidade da celebração da escritura de compra e venda a deixou profundamente abalada, apreensiva, triste e revoltada, pois é titular de um direito que agora lhe dizem não poder de todo concretizar, sem que tenha qualquer responsabilidade nessa mesma impossibilidade.

Menciona a autora que tendo sido de €2.031,00 (dois mil e trinta e um euros) o valor do preço do terreno pago pela autora e recebido pela ré, deverá esta devolver-lho em dobro, ou seja, €4.062,00 (quatro mil e sessenta e dois euros), valendo os pavilhões construídos no prédio em causa, e que caso o contrato-promessa seja resolvido irão passar para a titularidade da ré, pelo menos €15.000,00 (quinze mil euros), que a ré deverá pagar-lhe, mais devendo indemnizá-la pelos danos não patrimoniais por si sofridos em montante não inferior a €20.000,00 (vinte mil euros).

Na contestação afirma a ré que corresponde à verdade a circunstância de ter celebrado o contrato-promessa mencionado pela autora e o facto de não ser possível a celebração da escritura de compra e venda que deveria formalizar o contrato-promessa que está na origem dos presentes autos, uma vez que o loteamento onde se encontra inserido o lote ...5 não é susceptível de ser alterado, nem o Plano Diretor Municipal do Concelho ... pode ser naquela zona, de modo a ir de encontro às pretensões dos contratantes, motivo pelo qual deverá declarar-se resolvido o contrato-promessa em questão por impossibilidade definitiva e absoluta do cumprimento do previsto sua cláusula quarta.

Mais refere a ré que tal impossibilidade definitiva não poderá ser atribuída à responsabilidade de qualquer das partes contratantes, pelo que a consequência da resolução deverá ser a devolução por parte da ré à autora da quantia que esta prestou a título de sinal, em singelo, e, por sua vez, deverá a autora proceder à entrega à ré da parcela de terreno em causa, livre de pessoas, bens e construções, no mesmo estado em que estava quando a recebeu.

Ainda a propósito do contrato-promessa em causa nos presentes autos diz a ré que a parcela de terreno que constitui o seu objecto se destinava a ampliação do logradouro de um prédio urbano confinante, propriedade do promitente comprador, designado por lote ...5, tendo sido pago a título de antecipação do pagamento, na data da outorga do contrato-promessa, o montante de €2.031,00, correspondente a uma valorização de €3,00/m² e que tendo-se apercebido as partes, pouco depois da celebração do contrato-promessa, que a parcela de terreno prometida comprar e vender tinha apenas 572m², acordaram numa redução do preço na mesma proporção da redução de área verificada, ou seja, em €315,00, que foram devolvidos pela ré ao promitente comprador no dia 30 de Maio de 2009, crifrando-se o preço da parcela de terreno em causa em €1.716,00, motivo pelo qual em caso de resolução do contrato-promessa deverá ser esta a quantia a devolver pela ré à autora.

Por outra parte, menciona a ré que, tal como consta da cláusula quarta do contrato-promessa, as partes outorgantes fizeram depender a celebração da escritura de compra e venda que haveria de formalizar o contrato prometido de uma autorização de alteração ao loteamento onde se encontra inserido o lote ...5 do promitente comprador e ainda da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ... e que tanto a autorização de alteração ao loteamento como a revisão do Plano Diretor Municipal eram e são da exclusiva responsabilidade da Câmara Municipal ..., não estando assim no domínio de qualquer uma das partes outorgantes, que aquando da celebração do contrato estavam de boa-fé e convencidas de que tal autorização de alteração do loteamento e revisão do Plano Diretor Municipal eram possíveis de ser realizadas.

Afirma a ré que nunca em momento algum autorizou o promitente comprador a realizar qualquer obra, fosse de que natureza fosse, na parcela de terreno em causa e que, durante vários anos, nem a ré, nem o promitente comprador, cuidaram de saber se e quando é que a Câmara Municipal procederia à alteração e revisão em causa e que apenas no ano de 2020, quando a autora a questionou sobre a realização da escritura em falta, a ré se dirigiu à Câmara Municipal ..., sendo então informada que a parcela de terreno em causa não era passível de loteamento ou desanexação do prédio-mãe, nem o Plano Diretor Municipal do Concelho ... ali poderia ser revisto de modo a torná-la apta para construção, uma vez que a mesma está inserida numa zona non aedificandi afecta à autoestrada A25, verificando-se uma impossibilidade absoluta e definitiva de alteração do loteamento e construção, atendendo à existência no local de um troço da autoestrada A25, facto de que deu conhecimento à autora.

Continua a ré que na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda nenhum dos contratantes sabia que a parcela de terreno em causa estava localizada numa zona non aedeficandi afecta à autoestrada A25, motivo por que não poderá ser imputada a responsabilidade pela não realização da escritura em causa a qualquer uma das partes outorgantes, designadamente à ré, uma vez que a competência para autorizar alterações a loteamentos ou para proceder à revisão do Plano Diretor Municipal é da exclusiva responsabilidade da Câmara Municipal ..., estando legalmente impossibilitada de poder providenciar pela realização da escritura pretendida.

No que respeita aos pavilhões alegadamente construídos no terreno em causa diz a ré que os mesmos foram feitos sem o conhecimento ou autorização por parte da ré, tratando-se de construções ilegais, por se encontrarem implantados na mencionada zona non aedeficandi anexa à autoestrada A25, não tendo sido autorizados ou licenciados pela Câmara Municipal ... e que se a autora decidiu, por sua conta e risco, proceder a construções no prédio que ainda nem lhe pertencia, não pode agora pretender ser ressarcida por tais obras ilegais, cujo valor a ré desconhece, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade porquanto quando tomou conhecimento da impossibilidade de celebração do contrato definitivo logo cuidou de informar a autora.

Já quanto aos danos não patrimoniais invocados pela autora afirma a ré que os mesmos não têm qualquer fundamento jurídico para serem peticionados, desde logo pela circunstância de a não realização de uma escritura ser sempre um risco subjacente à outorga de um contrato-promessa de compra e venda, para o qual a lei até já prevê as inerentes consequências, designadamente a perda ou a restituição do sinal em dobro.

Para além de contestar a presente acção a ré deduziu pedido de reconvencional, solicitando a condenação da autora a, declarado resolvido o contrato-promessa, entregar-lhe a parcela de terreno em causa livre de pessoas, bens e construções, nas mesmas condições em que se encontrava à data da celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Em sede de réplica diz a autora, desde logo, que a ré agiu em todo o processo negocial de má-fé.

Por outra parte, a autora requereu a ampliação do pedido, afirmando que aceita a confissão da ré no sentido da condenação desta a devolver-lhe o valor de €1.716,00, bem como a resolução do contrato-promessa, não podendo, no entanto, a ré enriquecer-se à sua custa.

Sobre esta matéria afirma a autora que as construções edificadas no prédio tornam-no forçosamente mais valioso, que, mesmo sem as devidas autorizações, aumentam consideravelmente o seu valor, até em termos de mercado, o qual ingressará no património da ré sem que esta tenha tido qualquer contributo para o mesmo, tanto mais que nos termos regulamentares em vigor no Município ... as construções até 15m2 são permitidas sem projecto ou licenciamento, bastando a mera comunicação, pelo que a não ter existido essa prévia comunicação quando muito existirá uma mera irregularidade.

Assim, vingando a tese da ré esta receberia um terreno urbano com capacidade construtiva, onde já existem edificações que aumentam o seu valor.

Conclui a autora que caso venha a ser declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda objecto dos presentes autos deve a ré restituir-lhe o valor real do prédio objecto daquele contrato-promessa, incluindo o valor das construções aí existentes, em valor nunca inferior a €20.000,00.

Pelo Juízo de Competência Genérica ... foi proferida a seguinte decisão:

“Em face de tudo o exposto,

Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) declaro extinto o contrato-promessa referido em a) a f) dos factos provados;

b) condeno a ré/reconvinte a pagar a autora/reconvinda o montante de €1.716,00 (mil setecentos e dezasseis euros);

c) absolvo a ré/reconvinte do demais peticionado pela autora/reconvinda.

Julgo procedente a reconvenção e, nessa conformidade:

- condeno a autora/reconvinda a restituir à ré/reconvinte a parcela de terreno mencionada em c) dos factos provados, livre de pessoas, bens e construções, nas condições em que se encontrava na data da celebração do contrato-promessa referido em a) a f) dos factos provados.

Custas pela autora/reconvinda e pela ré/reconvinte, na proporção do respectivo decaimento - art.527.º, n.ºs1 e 2 do Código de Processo Civil”.

AA, divorciada, residente na Travessa ..., ... – ...,... em ..., não se conformando com tal decisão dela interpõe recurso, formulando as seguintes conclusões:

a) A Recorrente ficou na posição jurídica assumida pelo seu ex-marido no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, na sequência de partilha judicial subsequente a inventário;

b) Nesse contrato promessa de compra e venda, celebrado com a Recorrida, esta prometeu vender e outorgar futura escritura de compra e venda do dito imóvel no prazo de seis meses após a revisão do Plano Director Municipal do Concelho de ... (cláusula 5.ª do referido contrato promessa);

c) Foi a Recorrida quem redigiu as cláusulas do referido contrato promessa;

d) A Recorrida ao escrever o que escreveu na dita cláusula 5.ª sabia que existia um Plano Director Municipal do Concelho de ..., que estava sob revisão e que tal podia vir a condicionar a outorga da escritura pública;

e) Em momento algum na negociação desse contrato promessa ou posteriormente, mas antes da interpelação da Recorrente à Recorrida, esta esclareceu, como devia, o outorgante promitente comprador ou quem o substitui nessa relação jurídica, que havia entraves à celebração da escritura pública que formalizaria esse contrato promessa;

f) Mais, nunca a Recorrida procurou informar os outorgantes promitentes compradores ou quem os substituiu, no caso a Recorrente, nessa relação jurídica, que o Plano Director Municipal do Concelho de ... impedia a celebração desse contrato promessa, porquanto o objecto desse contrato nunca poderia ter sido o que foi estipulado;

g) A Recorrida tinha a obrigação, legal inclusive, de saber as limitações e impedimentos causados pelo Plano Director Municipal do Concelho de ... (doravante apenas PDM), pois que tendo assento por inerência nas assembleias municipais, local onde se discute e aprova o referido PDM, sabia quais eram essas limitações e impedimentos;

h) Apesar de ter conhecimento dessas limitações e impedimentos, a Recorrida não teve qualquer problema em redigir, assinar e dar a assinar um contrato promessa de compra e venda cujo objecto era nulo, porquanto impossível de concretizar, como bem sabia a Recorrida;

i) A Recorrida sabia que nunca poderia autonomizar em loteamento os prédios que prometia vender, porquanto os mesmos se inseriam na zona de não edificação adjacente a Autoestrada n.º 25, conhecida por A25;

j) Ao outorgar tal contrato promessa, e a levar ao engano os promitentes compradores, a Recorrida sabia que estava a prometer algo que nunca podia vir a cumprir;

l) Ao fazer seu o sinal, por outorga de um contrato promessa que sabia não poder vir a cumprir, e que nem deveria ter assinado, a Recorrida fez sua quantia, a titulo de sinal que não lhe pertence;

m) A Recorrida foi a única e exclusiva responsável pelo incumprimento absoluto do contrato promessa de compra e venda, devendo ser condenada a devolver, em dobro, o valor do sinal que então recebeu;

n) Ao invocar que desconhecia as limitações e impedimentos do Plano Director Municipal do Concelho de ... a Recorrida falta à verdade, como também erra a douta sentença de que se recorre ao aceitar essa justificação, quando decorre da lei que as Freguesias têm assento nas assembleias municipais, pelo seu órgão executivo, Junta de Freguesia, representadas pelo seu Presidente;

o) Da mesma forma decorre da lei que o PDM é discutido na assembleia municipal onde as Freguesias têm assento;

p) No período público de discussão e recepção de propostas de alteração ao PDM as Juntas de Freguesia ... na suas sedes, em local visível ao público e cidadãos em geral, os avisos de consulta pública de alteração do PDM, para que os cidadãos possam disso ter conhecimento;

q) Logo, podemos concluir, que as Freguesias têm acesso a toda a informação referente ao PDM, pelo que não podia a Recorrida e a sentença a quo dizer que a Recorrida só depois de interpelada pela Recorrente é que foi a correr aos serviços camarários apurar as limitações e impedimento impostos pelo PDM;

r) Erra, de forma clamorosa a douta sentença a quo quando dá tal facto como provado;

s) Da mesma forma erra a sentença a quo quando, ao aceitar essa “ignorância” da Recorrida, coloca em causa o princípio da confiança que norteiam as relações entre as instituições públicas e o cidadão em geral;

t) Violando, a sentença a quo, por erro de interpretação o artigo 6.º do Código Civil;

u) Da mesma forma erra a sentença ao aceitar que, quem incumpriu de forma absoluta o contrato promessa celebrado, a Recorrida, não tenha nenhuma sanção pelo seu incumprimento, nomeadamente devolvendo o valor de sinal em dobro e indemnizando a Recorrida pelo seu comportamento, claramente violador da lei;

v) Ao decidir da forma como decidiu a douta sentença de que se recorre torna aceitável o comportamento violador da lei da Recorrida, admitindo a quebra de confiança nas relações cidadão – instituições públicas, bem como aceitando que a Recorrida se possa escudar na ignorância da lei, que tem a obrigação de conhecer, e ignorância essa que não é admitida ao comum cidadão;

x) A douta sentença tem assim de ser revogada, alterando-se a matéria de facto, e os factos dados como provados sob as letras dd), ee) e ff) deviam ter sido dados como não provados e os factos dados como não provados sob os n.ºs 2, 3, 4, 9 e 10 deviam ter sido dados como provados, bem como a mesma substituída por outra que condene a Recorrida ao pagamento do valor do sinal em dobro, condene a Recorrida a pagar indemnização a favor da Recorrente e absolve esta do pedido reconvencional;

y) A douta sentença a quio, violou, por erro de interpretação e aplicação os artigos 6.º, 441.º e 442.º do Código Civil, artigos 3.º, 8.º e 10.º do Código de Procedimento Administrativo.

Nestes termos, e nos que serão objecto de mui douto suprimento de V.ª Ex.ª deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença a quo revogada e substituída por outra em que seja condenada a Recorrida no pagamento do valor do sinal em dobro, no pagamento da indemnização peticionada, alterando-se conforme supra indicado a matéria de facto provada e não provada e a julgar improcedente o pedido reconvencional.

Com o que se fará, Justiça!

freguesia ..., pessoa colectiva de direito público, com o NIPC ...70, com sede na Avenida ..., na povoação e freguesia ..., Concelho ... (CP ...) apresenta as suas contra – alegações, assim concluindo:

(…).

2. Do objecto do recurso

2.1 - Da impugnação da matéria de facto.

Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.

A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.

Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal - Cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 256 - e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

a) No dia 22 de Janeiro de 2009 a ré/reconvinte, representada pelo seu então presidente, CC, na qualidade de primeiro outorgante, e BB, na qualidade de segundo outorgante, celebraram entre si o acordo denominado “contrato promessa de compra e venda” cuja cópia se encontra junta a fls.22 e 23;

b) Consta da cláusula primeira do acordo referido em a) que “a representada do primeiro outorgante é proprietária do prédio rústico sito em ..., freguesia ..., Concelho ..., com a área de dois mil seiscentos e oitenta e dois metros quadrados, a confrontar do norte com IP5, do sul com Estrada Nacional, do nascente com rua e do poente com DD, inscrito na respectiva matriz ...57”;

c) Mais constando da cláusula segunda “pelo presente contrato o primeiro contraente, em nome da sua representada, promete vender, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade, ao segundo uma parcela de terreno, com a área de seiscentos e setenta e sete metros quadrados, a desanexar do prédio rústico atrás identificado para ampliação do logradouro de um prédio urbano confinante, propriedade do segundo contraente, identificado por lote ...5, pelo preço de dois mil e trinta e um euros”;

d) Da cláusula terceira que “a título de antecipação de pagamento o segundo contraente liquida nesta data a quantia de €2.031,00 (dois mil e trinta e um euros) quantia de que o primeiro outorgante dá a correspondente quitação”;

e) Da cláusula quarta que “a celebração do contrato definitivo fica dependente da autorização de alteração do loteamento em que se encontra inserido o lote ...5 do segundo contraente e da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ...”;

f) E da cláusula quinta que “a escritura de compra e venda será outorgada em dia, hora e local a fixar pela primeira contratante, no prazo máximo de seis meses a contar da data de publicação da Revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ..., notificando para o efeito o segundo contratante, com quinze dias de antecedência para o endereço constante do presente contrato”;

g) Na data da celebração do acordo referido em a) a f) a autora/reconvinda era casada com BB no regime da comunhão de bens adquiridos;

h) Tendo a autora/reconvinda e BB pago na data da celebração do acordo referido em a) a f) a quantia de €2.031,00 (dois mil e trinta e um euros) à ré/reconvinte;

i) Na ocasião da celebração do acordo referido em a) a f) a ré/reconvinte celebrou contratos semelhantes com outras duas pessoas tendo por objecto parcelas de terrenos situadas junto àquela mencionada em c);

j) Após a celebração do acordo referido em a) a f) BB e a ré/reconvinte aperceberam-se que a parcela de terreno mencionada em c) tinha a área de 572m2;

k) Na sequência do referido em j), e pela circunstância de terem atribuído o valor de €3,00 por cada m2 de terreno, a ré/reconvinte entregou a BB o montante de €315,00 (trezentos e quinze euros), através do cheque n.º...62, da Banco 1..., SA, datado de 30 de Maio de 2009;

l) Antes da celebração do acordo referido em a) a f) a Câmara Municipal ... informou a ré/reconvinte, depois de contactada pelo seu então presidente, que tinha que ser feito um destaque ao loteamento para que as parcelas de terreno nele existentes pudessem ser vendidas;

m) Tendo nas negociações que antecederam o acordo referido em a) a f) o representante da ré/reconvinte, CC, informado BB de que a escritura pública tinha de aguardar pela aprovação da Câmara Municipal ...;

n) Estando a ré/reconvinte e a autora/reconvinda aquando da celebração do acordo referido em a) a f) convencidas de que a autorização de alteração do loteamento e a revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ... eram possíveis de ser realizadas;

o) Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois meses após a celebração do acordo referido em a) a f) a autora/reconvinda e o seu então marido BB, construíram muros e um barracão com cerca 17 metros de comprimento e 6,5 metros de largura, com vários compartimentos, na parcela de terreno mencionada em c);

p) Sem que para tal tenham pedido autorização, ou comunicado, à ré/reconvinte ou à Câmara Municipal ...;

q) Nem promovido o respectivo processo de licenciamento;

r) Passando desde então a usufruir de tal parcela de terreno;

s) No ano de 2012 foi inscrito na matriz sob o artigo ...85, da freguesia ..., o prédio urbano destinado a arrecadações e arrumos, sito ao ..., lugar de ..., com a área total de 562m2 e com a área de implantação de 83,64m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com BB, do nascente com EE e do poente com DD;

t) Tendo-lhe sido atribuído no ano de 2018 o valor patrimonial tributário de €10.342,85;

u) Encontrando-se inscrita a autora/reconvinda como respectiva titular;

v) Por sentença datada de .../.../2012, transitada em julgado, proferida nos autos de processo de divórcio n.º569/11...., que correram termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., foi declarado dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre a autora/reconvinda e BB;

w) Tendo corrido por apenso aos autos referidos em v) os autos de processo de inventário n.º569/11....;

x) Nos quais BB desempenhou as funções de cabeça de casal;

y) No âmbito do processo de inventário referido em w) BB, na qualidade de cabeça de casal, relacionou sob a verba n.º1 o prédio identificado em s);

z) A autora/reconvinda apresentou reclamação contra a relação de bens, na qual afirmou, além do mais, faltar relacionar as benfeitorias realizadas no prédio identificado em s);

aa) Por decisão datada de 16/05/2014, proferida nos autos de processo de inventário referidos em w) foi determinada a alteração da descrição da verba n.º1, correspondente ao prédio identificado em s), de modo a passar a constar “o direito relativo ao direito emergente do contrato promessa junto a fls.309 e 310 (contrato promessa referido em a) a f)), englobando as obras executadas nesse prédio”;

bb) No dia 23/10/2015 a autora/reconvinda licitou nos autos de processo de inventário referidos em w) o bem identificado em aa) pelo valor de €14.190,00 (catorze mil cento e noventa euros), sendo-lhe adjudicado por esse montante por decisão datada de 9/12/2016;

cc) A autora/reconvinda remeteu à ré/reconvinte uma carta datada de 4/02/2020 afirmando que “lhe foi adjudicado o direito ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...85, objecto do contrato promessa de compra e venda” e que “solicita a marcação da escritura no prazo máximo de 60 dias”;

dd) Na sequência da carta referida em cc) os representantes da ré/reconvinte dirigiram-se à Câmara Municipal ... para se inteirarem da possibilidade do cumprimento da cláusula mencionada em e);

ee) Tendo-lhes sido transmitido pelos serviços técnicos da Câmara Municipal ... que a parcela de terreno mencionada em c) não era passível de loteamento ou desanexação do “prédio-mãe”, nem o Plano Diretor Municipal do Concelho ... ali poderia ser revisto de modo a torná-la apta para construção pela circunstância de estar inserida numa zona non aedificandi afecta à autoestrada denominada A25;

ff) Factos de que só então tiveram conhecimento;

gg) Por carta datada de 17/02/2020 a ré/reconvinte transmitiu à autora/reconvinda a informação mencionada em ee);

hh) Respondendo a ré/reconvinte, por carta datada de 5/03/2020, que “aceita como confissão que a escritura não pode ser realizada por motivos a que é alheia”, mais solicitando o “agendamento da escritura nos próximos 30 dias ou no mesmo prazo a indemnize no valor total de €40.000,00, correspondendo ao valor da devolução do sinal em dobro, obras efectuadas no prédio e compensação pela não celebração da escritura”;

ii) Sendo que por carta datada de 16/03/2020 a ré/reconvinte informou a autora/reconvinda que “não poderá outorgar a escritura de compra e venda sem a revisão do PDM, dado que seria uma violação do mesmo”;

jj) A autora/reconvinda, através da sua mandatária, remeteu à ré/reconvinte uma carta datada de 14/08/2020 “solicitando o agendamento da escritura de compra e venda ou na impossibilidade ou falta de interesse na realização da mesma, em alternativa, a indemnize no valor de €40.000,00”;

kk) Até ao momento em que recebeu a carta referida em gg) a autora/reconvinda desconhecia a impossibilidade técnica da celebração da escritura de compra e venda respeitante ao contrato promessa referido em a) a f);

ll) Tendo procedido à licitação mencionada em bb) convencida de que poderia ser celebrada a escritura pública de compra e venda;

mm) O loteamento onde se encontra a inserida a parcela de terreno mencionada em c) não é susceptível de ser alterado;

nn) O mesmo sucedendo com o Plano Diretor Municipal do Concelho ...;

oo) Pela circunstância de passar junto ao local um troço da autoestrada denominada A25;

pp) Sendo da exclusiva responsabilidade da Câmara Municipal ... as operações de alteração ao loteamento e ao Plano Diretor Municipal do Concelho ...;

qq) Em consequência do referido em n) a autora/reconvinda e a ré/reconvinte ficaram a aguardar que a Câmara Municipal ... procedesse à alteração do loteamento e à revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ...;

rr) Não cuidando qualquer delas, durante vários anos e até ao ano de 2020, de saber se e quando a Câmara Municipal ... procederia a tais alteração e revisão;

ss) O barracão e os muros mencionados em o) encontram-se implantadom na zona non aedificandi anexa à autoestrada denominada A25;

tt) Não tendo possível o seu licenciamento.

*

Factos Não Provados

Não se provaram os seguintes factos:

1 - O acordo referido em a) a f) teve por objecto o prédio identificado em s);

2 - Na data da celebração do acordo referido em a) a f) a ré/reconvinte sabia que a parcela de terreno mencionada em c) estava localizada numa zona non aedeficandi afecta à autoestrada A25;

3 - A ré/reconvinte ocultou durante anos à autora/reconvinda que não poderia celebrar a escritura referente ao acordo referido em a) a f);

4 - A confiança da autora/reconvinda na celebração da escritura pública relativa acordo referido em a) a f) foi reforçada pela circunstância referida em i);

5 - Para além dos muros e do barracão referidos em o) a autora/reconvinda e o seu então marido BB construíram outras edificações na parcela de terreno mencionada em c);

6 - O barracão e os muros referidos em o) valem, pelo menos, €15.000,00 (quinze mil euros);

7 - Tendo as edificações construídas pela autora/reconvinda e pelo seu então marido BB na parcela de terreno mencionada em c) sido avaliadas e posteriormente licitadas pela autora/reconvinda no processo de inventário mencionado em w) pelo valor referido em 6);

8 - O barracão e os muros referidos em o) foram construídos sem o conhecimento da ré/reconvinte;

9 - Até ter recebido a informação referida em ee) a autora/reconvinda desconhecia que a celebração da escritura definitiva estava dependente da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ... e da alteração do loteamento;

10 - A comunicação referida em gg) deixou a autora/reconvinda abalada, apreensiva, triste e revoltada.

*

Consigna-se que a restante matéria contida nas peças processuais se trata de matéria conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa, a isso se devendo a sua não inclusão no elenco de factos provados e não provados”.

(…).

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.

2.2 - Do Direito

Do manancial fáctico, trazido a estes autos, mostra-se provada a existência de um acordo contratual – “pelo presente contrato o primeiro contraente, em nome da sua representada, promete vender, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade, ao segundo uma parcela de terreno, com a área de seiscentos e setenta e sete metros quadrados, a desanexar do prédio rústico atrás identificado para ampliação do logradouro de um prédio urbano confinante, propriedade do segundo contraente, identificado por lote ...5, pelo preço de dois mil e trinta e um euros - da cláusula segunda” -, firmado no dia 22 de Janeiro de 2009 entre BB, na data casado com a autora/reconvinda, na qualidade de promitente-comprador, e CC, na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia ..., enquanto promitente-vendedor.

Resultou, ainda, apurado que o direito emergente desse contrato-promessa -“o direito relativo ao direito emergente do contrato-promessa junto a fls.309 e 310 (contrato promessa referido em a) a f)), englobando as obras executadas nesse prédio” - foi adjudicado à autora/reconvinda, na sequência de licitações ocorridas no processo de inventário n.º569/11.... subsequente ao divórcio entre aquela e BB, motivo pelo qual se justifica o seu interesse na presente demanda.

A Autora/Apelante e a Ré/Apelada concordam quanto à existência de uma impossibilidade definitiva na celebração da escritura pública - e por inerência do negócio definitivo de compra e venda - acordada no mencionado contrato-promessa.

Como se escreve na 1.ª instância, “…é na génese e responsabilidade dessa impossibilidade que os seus entendimentos se distanciam. Das alegações oferecidas pelas partes surge uma conclusão clara e aceite por ambas: a da integração da parcela de terreno objecto do contrato-promessa em apreço numa zona denominada como non aedificandi afecta à autoestrada denominada A25 e, nesses termos, vedada a possibilidade de concretizar o negócio definitivo de compra e venda.

Contudo, e em síntese, na perspectiva da autora/reconvinda a constatação quanto à impossibilidade de celebração do contrato é imputável à actuação da ré/reconvinte pelo facto de a mesma nunca ter realizado qualquer advertência quanto à possibilidade de não efectivação do contrato de compra e venda, criando-lhe uma expectativa na sua futura celebração.

Por outra parte, na perspectiva da ré/reconvinte a impossibilidade de celebração do contrato não é imputável à actuação de nenhuma das partes, tendo sido originada pela alteração efetuada no Plano Diretor Municipal pela Câmara Municipal ..., a qual só após a celebração do contrato-promessa veio ao seu conhecimento.

Das posições assumidas pelas partes constata-se que as mesmas se fundam, em primeira linha, no próprio conteúdo do acordo firmado, impondo-se, assim, na óptica do tribunal uma tarefa de determinação do teor e alcance do mesmo”.

Ora, por força do princípio da autonomia privada, o contrato é um instrumento jurídico vinculativo, é um acto de força obrigatória, é a “lex contratus”. E a vontade das partes assim expressa é tão obrigatória como a que a resultaria de lei - cada um é absolutamente livre de comprometer-se ou não, mas, uma vez que se compromete, fica ligado de modo irrevogável á palavra dada: pacta sunt servanda.

No domínio da iniciativa privada, vigora o princípio da liberdade contratual ou da autonomia da vontade – artigo 405º, nºs 1 e 2, do Código Civil, que será o diploma a citar sem menção de origem -, que consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, os limites dos contratos. Por isso, “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei” - artigo 406º, nº 1.

Ora, no enquadramento que da figura é feito pelo Acórdão do STJ de 05.04.2017 (Processo n.º 75193/05.0YYLSB-A.L1.S1), o contrato-promessa é definido como “um contrato transitório, com vida precária, sempre acessório de outro negócio a celebrar futuramente. Ou seja, as partes, após negociações preliminares, concluem pela conveniência de celebrarem certo contrato. Porém, não o fazem de imediato, ou porque não se consideram habilitadas para detalharem, desde logo, todo o clausulado, ou porque não pretendem que os efeitos do contrato se produzam de imediato. Daí que o contrato-promessa, tenha, noutras sedes doutrinarias alienígenas as designações de “antecontrato”; “pré-contrato”; “the contract to make future contract”; e, em latim “pactum de contrahendo” ou  de “pactum de inuendo contractu”. Então, optam pelo contrato promessa, como acordo preparatório do negócio definitivo.”

Por isso, a celebração do contrato-promessa mais não é do que o encontro entre declarações negociais concertadas para determinado fim: o da celebração futura de um negócio com efeitos definitivos.

Ora, nos termos do artigo 270º do Código Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução; no primeiro caso diz-se suspensiva a condição; no segundo resolutiva”.

E de acordo com a norma do artigo 276º, “os efeitos do preenchimento da condição retroaem-se á data da conclusão do negócio, a não ser que, pela vontade das partes, ou pela natureza do acto, hajam de ser reportados a outro momento”.

Como refere Heinrich Ewald Horster in A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pg. 491, “A condição é, na definição dada pelo nº 1 do art. 270º, um acontecimento futuro e incerto ao qual as partes subordinam a produção ou a resolução dos efeitos do negócio jurídico. No primeiro caso (produção dos efeitos) a condição chama-se suspensiva, no segundo (caso de resolução dos efeitos) a condição diz-se O carácter suspensivo ou resolutivo de uma condição resulta da vontade da partes, a averiguar, se for necessário, por via da interpretação”.

E acrescenta na pág. 492, “Estando a produção dos efeitos subordinada à verificação de uma condição, o negócio jurídico, embora validamente concluído …não transferiu de modo definitivo (no caso da condição resolutiva) os direitos ou obrigações que tem por objecto….A estipulação de uma condição pelas partes conduz, desta forma a um estado de pendência”.

Também Durval Ferreira in Negócio Jurídico Condicional, pg. 15 escreve “Nas condições resolutivas, os efeitos do negócio produzem-se concomitantemente com a sua celebração. Mas não de modo solidificado e definitivo. Certo que, não vindo a verificar-se o facto futuro e incerto (portanto no reverso, como resolutivo), os efeitos caducam, resolvem-se. E, retroativamente (embora com muitas restrições), como se o negócio não tivesse sido celebrado.

Como modalidade negocial específica no negócio condicional existe, nos seus efeitos, um regime estabelecido (dum negócio típico), cuja produção dos efeitos está pendente (suspensiva ou resolutivamente) da verificação de um facto futuro e incerto.

Como condicionado tal regime se não produz ab initio (se a dependência é suspensiva) ou ab initio, tal regime se produz e é eficaz (isto é, pode tornar-se efetivo), embora não plenamente, porquanto pode vir a resolver-se por ocorrer um certo facto futuro e incerto”.

Como se pode ler no Acórdão do STJ de 10.12.2009, disponível in www.dgsi.pt, “A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva). A razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspetiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta.”

Ora, no caso dos autos, as partes, na sua cláusula quarta, acordaram que “a celebração do contrato definitivo fica dependente da autorização de alteração do loteamento em que se encontra inserido o lote ...5 do segundo contraente e da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ....

Todos sabemos, que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé - as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal nomeadamente, no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte/ art.º 227.º.

Ou seja, as partes em negociação devem esclarecer certos factos, cada uma das partes pode esperar, atenta a boa-fé, que lhe sejam comunicados factos que a outra parte deva admitir serem importantes para a sua decisão de contratar e de que por si só não pode obter conhecimento ou alterar – neste sentido, p.ex. Vaz Serra, RLJ 110-276 -, sendo que, nos termos da norma do art.º 410.º, “à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

FF - Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1995, pág. 106 - escreve que “a ordem jurídica exige que a vontade se haja formado de um modo julgado normal e são, ou seja, livre, esclarecida e ponderada. Ao esclarecimento opõe-se o erro, um dos principais vícios na formação da vontade, a par do medo ou coação moral e da incapacidade acidental”.

Ora, o erro situa-se na formação do negócio jurídico, em momento logicamente anterior a este. E deve notar-se que só existe erro quando falta um elemento ou a representação mental está em desacordo com um elemento da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico - se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância, se tivesse exacto conhecimento da realidade, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.

Como é sabido, nos termos do artigo 90.º do DL n.º 80/2015, de 14 de Maio  - que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial -, os planos municipais - instrumentos que estabelecem a estratégia de desenvolvimento territorial municipal, a política municipal de solos, de ordenamento do território e de urbanismo - são aprovados pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal.

O PDM, dispõe sobre “A definição do zonamento para localização das diversas funções urbanas, designadamente habitacionais, comerciais, turísticas, de serviços, industriais e de gestão de resíduos, bem como a identificação das áreas a recuperar, a regenerar ou a reconverter”/ artigo 99.º, al. c) do citado diploma” -, podendo estabelecer restrições quanto à localização das diversas funções urbanas, designadamente habitacionais e comerciais.

No confronto com as normas de direito urbanismo, os tribunais vêm dando precedência à aquisição da propriedade, designadamente por usucapião:

“II. — O possuidor pode adquirir por usucapião, ainda que o prédio sobre a qual o possuidor exerça os seus poderes tenha sido autonomizado a despeito das normas de direito do urbanismo - Acórdão do STJ de 25.5.2023;

Em termos particularmente impressivos, vide o acórdão do STJ de 6 de Abril de 2017 — processo n.º 1578/11.9TBVNG.P1.S1: “V - Entender que a posse, baseada em acto ou facto proibido por normas imperativas do loteamento urbano (ou do destaque), é insusceptível de conduzir à aquisição da propriedade por usucapião abstrai da realidade económica e social do nosso país, onde especialmente no interior norte e centro, uma boa parte das partilhas entre maiores, nomeadamente de imóveis constitutivos dos acervos das heranças, ainda é ou era feita ‘de boca’ e posteriormente ‘legalizada’ com suporte na usucapião. VI - Por conseguinte, tendo a posse dos réus sobre a parcela de terreno em litígio nos autos se consolidado por usucapião e não resultando provado que a mesma tenha sido “destinada à construção” nem imediata nem subsequentemente à concretização da divisão física do prédio original, mas antes que se encontra há mais de 20 anos a ser utilizada como parque de estacionamento automóvel, não pode deixar de se reconhecer aos réus/reconvintes o direito de propriedade sobre tal parcela”.

Revertendo ao caso dos autos, resulta premente a determinação quanto ao sentido a dar à cláusula 4.ª do contrato em apreço, transcrita na alínea e) dos factos provados.

Consagrou-se naquela cláusula que a “celebração do contrato definitivo fica dependente da autorização de alteração do loteamento em que se encontra inserido o lote ...5 do segundo contraente, e da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ...”.

Do conteúdo da 4.ª cláusula extrai-se, desde logo, a conclusão quanto à necessidade de autorização de alteração do loteamento em que se encontrava o lote n.º...5 pertencente a BB e da revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ....

A conjugação do teor literal da cláusula em apreço com o contexto negocial que resultou provado leva a concluir que ambas as partes exteriorizaram a sua vontade negocial com base naquele mesmo pressuposto.

Na verdade, a redacção da cláusula, porque desacompanhada de qualquer elemento que aponte em direcção oposta, não permite concluir noutro sentido que não seja o que resulta da sua própria literalidade, bastante clara - A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Como escreve a 1.ª instância:

“De toda a factualidade considerada para a decisão decorreu a não verificação de uma alteração do loteamento. Mais resultou a existência de uma revisão ao Plano Diretor Municipal do Concelho .... Da conjugação dos elementos referidos surgiu a inserção da parcela de terreno objecto do contrato-promessa em zona non aedificandi afecta à autoestrada A25, vedando à ré/reconvinte a possibilidade de proceder à venda da mesma e, assim, concretizar o negócio prometido.

Quanto a esta parte temos que a alteração do Plano Diretor Municipal respeitante ao Concelho ... sofreu alterações, no que para o caso importa, aprovadas por unanimidade a 17 de Junho de 2013, e sobre as quais a Assembleia Municipal, em sessão de 25 de Julho de 2013, deliberou por unanimidade aprovar a versão final da 1.ª Revisão do Plano Diretor Municipal de ..., que foi publicada em Diário da República, pelo Aviso n.º...13, ....ª Série - n.º150 do dia 6 de Agosto de 2013.

Contextualizando os elementos constantes daquela cláusula, importa referir que o Plano Diretor Municipal consiste num instrumento de desenvolvimento territorial municipal vocacionado para a coordenação de estratégias de ordenamento do território (art.43.º da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, Lei n.º31/2014, de 30 de Maio, e art.95.º, n.ºs1 e 2 da Lei de Revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo D.L. n.º80/2015, de 14 de Maio).

Resultando do mesmo um obstáculo à possibilidade de proceder à venda da parcela de terreno importa determinar se o mesmo pode ser assacado - directa ou indirectamente - a alguma das partes intervenientes no litígio.

Na óptica do tribunal, e aderindo ao entendimento das partes, a situação emergente da posição adoptada pela Câmara Municipal, e comunicada à ré/reconvinte, configura-se como uma impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa e, assim, do contrato definitivo de compra e venda. De facto, o Plano Diretor Municipal assume a natureza jurídica de regulamento administrativo, vigorando as respectivas normas com os caracteres de generalidade e obrigatoriedade para os seus destinatários e, por isso, configura um obstáculo legal no campo da organização e gestão do território.

No que toca à impossibilidade de cumprimento distingue-se, por um lado, a originária e, por outro, a superveniente. No que à primeira concerne, a mesma respeita às situações de impossibilidade (física ou legal) reportadas ao momento de constituição da obrigação e cujas consequências se traduzem na nulidade do negócio jurídico (arts.280.º e 401.º, n.º1, ambos do Código Civil).

Quanto a este ponto, não resultou provado qualquer elemento indiciador de uma impossibilidade (e seu conhecimento pelas partes) aquando da celebração do contrato-promessa quanto à inserção da parcela de terreno prometida vender numa zona non aedificandi afecta à autoestrada A25.

Ao invés, resultou que a ré/reconvinte, em momento anterior à sua celebração, encetou diligências no sentido de averiguar quanto à dita possibilidade, tendo contratado no pressuposto de aquelas alterações seriam efectivadas em momento futuro.

Logo neste ponto surge afastada uma eventual conduta de má-fé ou reserva mental por parte da ré/reconvinte na celebração do contrato.

O contexto negocial - elemento fulcral para percepção do sentido negocial - revelou que a ré/reconvinte não assentou nem expressou a sua vontade de contratar já no pressuposto de que não era possível firmar o negócio prometido.

Com efeito, à data da celebração do contrato-promessa o obstáculo à sua celebração não existia ainda.

Mas mais.

À ré/reconvinte, naquele momento, não era possível prevê-lo.

Para esta conclusão julga-se determinante a factualidade provada quanto à consulta prévia da Câmara Municipal ... (v. alínea l) dos factos provados), revelando a mesma a criação de uma expectativa - legítima - da possibilidade futura de conclusão do contrato prometido.

Acrescenta-se, ainda, que os elementos do caso concreto não permitem concluir por uma situação subsumível num erro sobre a base do negócio, tal como invocado pela autora/reconvinda. O afastamento da hipótese de erro justifica-se, desde logo, pelo facto de aquele funcionar relativamente a circunstâncias presentes ou passadas, falando-se de pressuposição quando diga respeito a momento futuro (v., neste sentido, António Pinto Monteiro, in Erro e Vinculação Negocial, Almedina, 2.ª Reimpressão, 2002, págs.18 e 19).

Nessa medida e nada tendo resultado quanto a uma percepção errónea de alguma das partes relativamente à necessidade de obtenção daqueles elementos por parte da Câmara Municipal ... - resultando clara a dependência do mesmo relativamente à obtenção daqueles elementos - ou existência de qualquer obstáculo à celebração do negócio definitivo à data da conclusão do contrato-promessa não poderá ser a situação em apreço enquadrada como tal.

Por outras palavras, nada ficou provado quanto a uma formação da vontade de contratar num pressuposto que já à data da celebração do acordo existisse, sendo demonstrativo disso mesmo a redacção da cláusula 4.ª, que, repete-se, é clara.

Aqui chegados, há um dado que se mostra assente para o tribunal: a celebração do contrato-definitivo é impossível, não de forma originária, mas superveniente. Nas palavras de Antunes Varela “a prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância (legal, natural ou humana), o comportamento exigível ao devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável” (in Das Obrigações em Geral, Volume II, 7.ª edição, Almedina, pág.67).

E é essa mesma a situação com que aqui nos deparamos: uma impossibilidade de conclusão do contrato definitivo em virtude de uma imposição legal e superveniente, que o impede e, por isso, torna impossível.

Além do mais, dir-se-á que a referida impossibilidade se apresenta como objectiva, uma vez respeita a um condicionamento externo (no caso, uma imposição legal/regulamentar) tornando a realização da prestação inviável para toda e qualquer pessoa e não apenas para o seu devedor e, ainda, absoluta uma vez que o obstáculo existente não é ultrapassável, nem mesmo por via de esforços suplementares ou acrescidos por parte do devedor (no caso, da ré/reconvinte).

No campo da impossibilidade superveniente enquanto modalidade de não cumprimento das obrigações o legislador distingue duas possibilidades: a da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor e a da impossibilidade culposa.

Dispõe o art.790.º, n.º1 do Código Civil que “a obrigação extingue-se quando a prestação de torna impossível por causa não imputável ao devedor”.

Já o art.801.º, n.º1 do Código Civil preceitua que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”, adiantando o n.º2 que “tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.

Relativamente a este concreto ponto dir-se-á que daquela impossibilidade verificada quanto à celebração do negócio definitivo não emerge qualquer elemento que a possa conexionar com a acção (culposa ou não) de qualquer das partes, inicialmente contratantes e, posteriormente, da ré/reconvinte no litígio em discussão.

Para esta conclusão há que cindir, por um lado, a causa da impossibilidade e, por outro, o momento em que a mesma é conhecida pelas partes. E, sem prejuízo do que venha a ser dito quanto à segunda, é evidente para o tribunal que a primeira não pode ser assacada a qualquer das partes.

A impossibilidade não será imputável ao devedor quando o mesmo se veja impossibilitado de cumprir a prestação por circunstâncias total ou parcialmente estranhas à sua vontade de natureza objectiva ou subjectiva (v., neste sentido, José Carlos Brandão Proença, in Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 3.ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora, pág.214).

De tudo o que já foi mencionado, a conclusão também não deixa de ser evidente quanto à não imputabilidade dessa mesma impossibilidade na esfera da ré/reconvinte. Na verdade, a interpretação do acordo contratual diz-nos, ainda, que sobre a ré/reconvinte não impendia, sequer, qualquer obrigação de resultado quanto às aprovações relativas ao loteamento e ao Plano Diretor Municipal do Concelho ....

No mais, há ainda que anteder que à ré/reconvinte não é conferida qualquer competência na elaboração dos Planos Diretores Municipais, pertencendo essa às Câmaras Municipais (art.48.º da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, Lei n.º31/2014, de 30 de Maio), sem prejuízo, naturalmente, da sua participação nas assembleias Municipais e da possibilidade conferida aos particulares (como a autora/reconvinda ou o seu então marido) de participarem no processo da sua elaboração (arts.88.º e 89.º do D.L. n.º80/2015, de 14 de Maio, diploma que aprova a revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo D.L. n.º380/99, de 22 de Setembro).

Conclui-se, pois, pela existência de uma impossibilidade superveniente objectiva, absoluta, não imputável à ré/reconvinte, na celebração do contrato prometido, cumprindo retirar as devidas conclusões.

Fica, desde logo, arredada a possibilidade reclamada pela autora/reconvinda de restituição do sinal em dobro, pois que a previsão normativa do art.442.º, n.º2 do Código Civil é somente aplicável a situações de incumprimento imputável a uma das partes, dispondo que “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou (…)”.

Nessa medida, improcede a pretensão da autora/reconvinda quanto à restituição do sinal em dobro.

Deve, pois, a ré/reconvinte entregar à autora/reconvinda o valor do sinal pago em singelo, o qual ascende ao montante de €1.716,00 (mil setecentos e dezasseis euros) e não de €2.031,00 (dois mil e trinta e um euros), pois que apesar de ter sido este o valor inicialmente pago, a ré/reconvinte veio, entretanto, a devolver €315,00 (trezentos e quinze euros) a BB, que era casado com a autora/reconvinda, nos termos mencionados em h), j) e k) dos factos provados.

2. Como já referido, tanto a autora/reconvinda como a ré/reconvinte peticionam a resolução do contrato. Porém, a este propósito a letra do art.790.º, n.º1 do Código Civil é clara: a obrigação extingue-se.

Nessa medida, constatada a impossibilidade nesses termos desencadear-se-á um duplo efeito forçoso: extintivo para a obrigação assumida, exoneratório para o seu devedor (v., neste sentido, J. C. Brandão Proença, ob. cit, pág.221).

Como elucida João Calvão da Silva a propósito dos efeitos da impossibilidade de cumprimento no contexto do contrato-promessa “é que quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, ficando o credor desobrigado da contraprestação ou com o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos previstos para o enriquecimento sem causa (…). Por conseguinte, deve o accipiens restituir a coisa que lhe foi entregue como sinal, a fim de evitar o seu enriquecimento sem justa causa, e sem haver lugar a indemnização por falta de culpa” (ob. cit, págs.134 e 135).

A conclusão pela extinção da obrigação e consequente desoneração do devedor de a prestar não fica prejudicada pelo efeito resolutivo peticionado pelas partes, nem implica a consideração quanto a uma eventual surpresa na decisão proferida (veja-se, neste sentido de raciocínio, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/2018, proferido no âmbito do processo n.º2057/11.0TVLSB.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt.).

Em termos breves, dir-se-á apenas que assim o impõe o preceituado no art.5.º, n.º3 do Código de Processo Civil, o qual traduz a consagração da ideia de que o tribunal não se encontra sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Significa, assim, que é permitida ao tribunal a aplicação aos factos das regras de direito que tiver por adequadas. É este o entendimento adoptado pelos tribunais superiores, nomeadamente pela jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (assim, o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º4/95, de 28 de Março, publicado no Diário da República, Série A, de 17-05-1995, e o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º3/2001, de 23 de Janeiro, publicado no Diário da República, Série A, de 09-02-2001).

Veja-se, em sentido idêntico ao aqui adoptado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-09-2018, proferido no âmbito do processo n.º2394/11.3TBVCT.G2, disponível in www.dgsi.pt..

Em face do exposto, forçosa é a conclusão quanto à extinção do contrato-promessa celebrado.

3. Das consequências da extinção do contrato-promessa em face dos pedidos formulados pelas partes.

Reclama a autora/reconvinda o pagamento de indemnização por parte da ré/reconvinte no montante de €15.000,00 (quinze mil euros) correspondente ao valor das edificações existentes na parcela de terreno prometida vender e, ainda, na quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Por sua vez, peticiona a ré/reconvinte a condenação da autora/reconvinda a entregar-lhe a parcela de terreno em causa livre de pessoas, bens e construções, nas mesmas condições em que se encontrava à data da celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Quanto a este ponto haverá, em primeiro lugar, que considerar que por força da consequência extintiva a operar relativamente ao contrato-promessa se impõe a eliminação de quaisquer efeitos que na sua vigência se tenham vindo a produzir. E se da parte da ré/reconvinte se impõe, como já referido, a restituição do valor prestado a título de sinal, em singelo, da parte da autora/reconvinda recai a obrigação de entrega da parcela de terreno objecto do contrato-promessa à ré/reconvinte no estado em que se encontrava antes da sua celebração.

Nessa medida, os efeitos a produzir mais não são do que uma decorrência da conclusão pela extinção dos efeitos produzidos em virtude do acordo contratual.

No que toca ao montante de €15.000,00 (quinze mil euros) peticionado pela autora/reconvinda entende-se que tal pedido não tem viabilidade.

Evidentemente por força do já enunciado efeito extintivo do contrato haverá lugar à reposição do estado de coisas correspondente ao período anterior à celebração do contrato. Logo aqui, a posição assumida pela autora/reconvinda surge enfraquecida uma vez que ao operar a referida extinção, o alegado valor das construções em apreço não constituirá, de forma alguma, um enriquecimento na esfera da ré/reconvinte.

E mesmo à margem dos efeitos extintivos, sempre haverá que conjugar o momento correspondente ao do conhecimento da impossibilidade de celebração do negócio de compra e venda prometido e o próprio conteúdo contratual.

Neste aspecto não se ignora o hiato temporal decorrido entre a data de revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ... e a data em que a ré/reconvinte efectivamente comunicou à autora/reconvinda a impossibilidade de realização da escritura, ou seja, da celebração do contrato prometido (cerca de 7 anos).

Por outra parte, do contrato-promessa firmado ficou a constar sob a cláusula 5.ª: “A escritura de compra e venda será outorgada em dia, hora e local a fixar pela primeira contratante, no prazo máximo de seis meses a contar da data de publicação da Revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ..., notificando para o efeito o segundo Contratante, com quinze dias de antecedência para o endereço constante do presente contrato”.

Porém, e ainda que seja evidente que a ré/reconvinte não deu cumprimento ao disposto naquela cláusula integrante do contrato, tal não significa que tenha, sem mais, de assumir o pagamento dos montantes peticionados pela autora/reconvinda.

Desde logo, no que tange ao montante de €15.000,00 (quinze mil euros), o mesmo não encontrou, no caso em apreço, suporte probatório bastante.

Destarte, a tal propósito resultou provado que a autora/reconvinda, e o seu então marido BB, construíram na parcela de terreno prometida vender um barracão com cerca 17 metros de comprimento e 6,5 metros de largura, com vários compartimentos, e um muro, sem que tenha resultado apurado o respectivo valor.

No mais, há ainda que atender ao momento em que as referidas construções foram edificadas, tendo resultado provado que o barracão foi construído decorridos cerca de dois meses da celebração do contrato-promessa. Mais há que considerar que a mesma foi efectuada sem que para tal fosse requerida e, posteriormente, concedida, ou solicitada, qualquer licença de natureza administrativa ou aprovado qualquer projecto ou licenciamento.

E a este propósito incumbe salientar que os responsáveis pelas ditas construções, nos quais se inclui a autora/reconvinda, não agiam na convicção de a mesma estar em conformidade com os termos legais exigidos.

Nessa medida, julga-se que não pode sequer falar-se numa expectativa legítima quanto à sua legalidade. Consabidamente, e em regra, a edificação de estruturas com a dimensão daquela que no caso está em causa carece de obedecer a determinados procedimentos, de autorização e de licenciamento. E quanto a esta parte não se apurou que os intervenientes nessas construções - incluindo a autora/reconvinda, repita-se - estivessem colocados numa situação de desconhecimento relativamente aos mesmos. Pelo contrário.

Mais releva, na óptica do tribunal, a circunstância de nenhuma expectativa legítima ter sido criada na esfera da autora/reconvinda. Na verdade, a ausência de interpelação pelas entidades competentes e a passagem do tempo não têm a virtualidade de corrigir desconformidades, principalmente quando a actuação levada a cabo sempre foi realizada com o seu efectivo conhecimento.

Por outras palavras, a manutenção de uma obra em desconformidade com a lei e carecida das autorizações legais devidas por largo período de tempo não lhe confere um carácter legal, sobretudo quando quem nelas participou seja sabedora da desconformidade.

Diga-se, também, que a posição avançada pela autora/reconvinda de alegado desconhecimento da situação do prédio, nomeadamente quanto ao contrato-promessa, não pode integralmente ser assacada à ré/reconvinte. Não pode o tribunal olvidar que no contexto de licitações ocorridas no processo de inventário n.º569/11.... foi, inclusivamente, discutida a natureza do bem/direito em apreço, ficando a constar “o direito relativo ao direito emergente do contrato-promessa junto a fls.309 e 310 (contrato promessa referido em a) a f)), englobando as obras executadas nesse prédio” (v. alínea aa) dos factos provados).

Quanto a este ponto sempre se dirá que o tribunal ficou plenamente convencido de que também a autora/reconvinda sabia existir um contrato-promessa e não, como tentou fazer crer, uma compra e venda já concretizada, tanto mais que a decisão proferida em sede de decisão da reclamação apresentada contra a relação de bens no âmbito do processo de inventário foi clara.

E assim sempre se dirá que se a atitude da ré/reconvinte foi inerte e censurável, a da autora/reconvinda não deixa igualmente de o ser (veja-se, numa situação idêntica, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/02/2013, proferido no âmbito do processo n.º550/11.3T2AVR.C1, disponível in www.dgsi.pt.).

O tribunal não pode, de forma nenhuma, ficar indiferente à realidade com se deparou: a de um contexto contratual pautado por uma atitude pouco diligente de ambas as partes.

Veja-se a este propósito que resultou provado que na data da celebração do contrato-promessa a autora/reconvinda e a ré/reconvinte estavam convictas da possibilidade de alteração do loteamento e de revisão do Plano Diretor Municipal do Concelho ..., ficando a aguardar que a Câmara Municipal ... procedesse a tais alteração e revisão, não cuidando qualquer delas, durante vários anos e até ao ano de 2020, de saber se e quando a Câmara Municipal ... procederia a tais alteração e revisão.

A afirmação de um facto ilícito susceptível de conduzir à viabilidade de uma pretensão indemnizatória por parte da autora/reconvinda sempre seria enfraquecida pela consideração da elevada contribuição causal da sua conduta - art.570.º do Código Civil - impondo-se a sua ponderação na procura de uma solução que conduza a um equilíbrio.

Acresce que inexiste qualquer enriquecimento ilegítimo e sem justa causa da ré/reconvinte em face das construções levadas a efeito na parcela de terreno objecto do contrato-promessa, designadamente com o seu regresso à esfera da ré/reconvinte por força da extinção do contrato promessa.

Com efeito, trata-se de construções não autorizadas e que não são possíveis de licenciamento por se encontrarem implantadas numa zona non aedificandi afecta à autoestrada A25. E são insusceptíveis de licenciamento tanto para a autora/reconvinda como para a ré/reconvinte.

Assim, caso as construções ficassem implantadas na parcela de terreno em causa não seriam suspceptíveis de licenciamento por parte da ré/reconvinte, e, logo, livremente utilizadas por esta.

Em face das considerações tecidas, improcede a pretensão da autora/reconvinda quanto ao ressarcimento do montante de €15.000,00 (quinze mil euros).

Por outra parte, como supra referido, em consequência da extinção do contrato-promessa, procede o pedido formulado pela ré/reconvinte quanto à restituição do prédio pela autora/reconvinda no estado e condições em que se encontrava à data da celebração do contrato-promessa, livre de pessoas, bens e construções, procedendo nessa medida o pedido reconvencional.

4. Dos danos não patrimoniais

Dispõe o art.483.º, n.º1 do Código Civil que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

De acordo com o disposto no referido art.483.º do Código Civil, a existência de responsabilidade por facto ilícito pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

Facto ilícito - acção humana que lese interesses directamente protegidos (violação dos direitos de outrem) ou interesses indirectamente protegidos (disposição legal destinada a proteger interesses alheios);

Culposo - o lesante, pela sua capacidade e, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo, tornando-se, ainda, necessário averiguar se existiu ou não um nexo psicológico entre o facto e a vontade do lesante, sob a forma de dolo ou mera culpa, aferidos segundo o padrão do homem médio;

Nexo de causalidade - apreciado de acordo com a teoria da causalidade adequada, que coloca a exigência de que uma causa seja tanto em concreto, como em abstracto (pela sua natureza geral), apropriada a produzir determinado efeito típico;

Dano ou prejuízo - perda sofrida pelo lesado reflectida na sua situação patrimonial (dano material) ou insusceptível de avaliação pecuniária, mostrando-se digna de satisfação (dano moral).

Por outra parte, preceitua o art.496.º n.º1 do Código Civil que “na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Na consagração de um princípio favorável à indemnização do dano não patrimonial o legislador adoptou uma cláusula geral, determinando que na fixação do seu montante se atenda à gravidade merecedora da tutela do direito.

No caso concreto, para além dos restantes pressupostos necessários à afirmação de uma pretensão indemnizatória não terem ficado demonstrados não resultou provada a existência de danos de natureza moral/não patrimonial não cabendo, assim, a sua ponderação.

Porém, e mesmo que se entendesse existir uma conduta susceptível de gerar responsabilidade civil, considera-se que os danos alegados pela autora/reconvindo (angústia, sofrimento e nervosismo advindos da privação de exercício de um direito) não se enquadram na referida cláusula geral, sob pena de se desvirtuar o sentido da gravidade merecedora da tutela do direito (veja-se, a título meramente exemplificatvo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2022, proferido no âmbito do processo n.º 8064/18.4T8SNT.P2, disponível in www.dgsi.pt.).

Perante o que fica dito, improcede, igualmente nesta parte, a pretensão da autora/reconvinda”.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pela Apelante, mantemos o decidido na 1.ª instância.

Resta concluir:

(…).

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica ....

Custas pela Apelante.

Coimbra, 9 de Janeiro de 2024

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Helena Melo– 2.ª adjunta)

(Maria João Areias - 1.ª adjunta)

Voto de vencido:

A Ré/Junta de Freguesia prometeu vender uma parcela de terreno que não tinha autonomia jurídica, não podendo ser objeto de compra e venda sem que a Junta de Freguesia procedesse previamente à sua desanexação – como a Ré assume, à data da celebração do contrato promessa, face às condições em vigor, a desanexação não era possível, encontrando-se "dependente de alteração do loteamento e da revisão do PDM” –, tratando-se, como tal, de contrato promessa de compra e venda de coisa futura[1].

O contrato promessa de compra e venda de uma coisa futura, envolve para o promitente vendedor a obrigação de exercer as diligências necessárias à autonomização do bem de modo a que a escritura de compra e venda venha a ser celebrada (artigo 880º CC, relativamente à venda de coisa futura).

Da matéria dada como provada, resulta que a Junta nada fez para que a autonomização da parcela se tornasse possível, tendo ficado à espera do milagre que não aconteceu (cfr. al. qq) dos factos provados): apenas em 2020, quando é interpelada para a celebração da escritura publica, se dirige à CM de ... e aí lhes é transmitido “pelos serviços técnicos da CM de ..., que a parcela de terreno mencionada em c) não era passível de loteamento ou desanexação do “prédio-mãe”, nem o Plano Diretor Municipal do Concelho ... podia ser revisto de modo a torná-la apta para construção pela circunstancia de estar inserida numa zona non aedificandi afeta à autoestrada denominada A25”.

De facto, o cumprimento é impossível, mas não é claro que a impossibilidade seja superveniente: a ré apenas alega que "estava convencida" de que a autorização de alteração do loteamento e a revisão do PDM eram possíveis de ser realizadas"; mas estava convencida, como? de onde é que lhe veio tal conhecimento? não junta um único documento que confirme que, de boa fé, poderia confiar em que, sabendo que a parcela tal como está não poderia ser vendida, era possível a alteração do loteamento ou a revisão do PDM. Nem alega que algo tenha feito no sentido de tal vir a acontecer. E, afigura-se-me completamente irrelevante a afirmação de que desconhecia que a existência da estrada envolvia uma servidão non aedificandi. Antes de celebrar o contrato promessa de compra e venda de uma parcela de terreno, e encontrando-se a celebração do contrato prometido dependente da respetiva desanexação, o promitente vendedor tinha a obrigação de se informar juntos dos serviços da Camara Municipal se tal desanexação era possível e em que condições.

O que aqui vejo, no mínimo, é existência de uma negligência grosseira por parte da Junta ao celebrar um contrato promessa de tal parcela, sabendo que os termos do Loteamento existente e do PDM em vigor não permitiam o respetivo destaque – prometendo a respetiva venda como se tais impedimentos estivessem em vias de ser ultrapassados e convencendo o autor que era uma questão de tempo (o promitente comprador pagou de imediato a totalidade do preço e foi-lhe entregue a posse da parcela) –, sem se assegurar previamente que tais impedimentos pudessem de facto vir a ser removidos.

Ou seja, há um incumprimento ou impossibilidade de celebração do contrato imputável à Ré, com a consequente devolução do sinal em dobro.

Concluindo, revogaria, nesta parte a decisão recorrida, determinando a condenação da Ré na devolução do sinal em dobro.

                                                                     

                                                                                            Maria João Areias





[1] Cfr., numa situação com contornos semelhantes, Acórdão do TRC de 19-05-2015, relatado por Barateiro Martins, disponível in www.dgsi.pt.