Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2068/20.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PACTO PRIVATIVO DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 25.º DO REGULAMENTO (UE) N..º 1215/12, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012 RELATIVO À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL
Sumário: Num litígio entre uma sociedade com sede em Portual e uma sociedade com sede na Alemanha, tendo por objecto um contrato de natureza comerical reduzido a escrito, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer do litígio em questão em virtude de as partes terem acordado expressamente que o tribunal competente para todos os litígios emergentes do contrato era o tribunal de Friburgo em Brisgóvia.
Decisão Texto Integral:






                                                           1.- Relatório

1.1. –  A..., Lda., sociedade comercial por quotas, com sede em ..., Leiria, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ...., intentou a presente ação contra B. , sociedade comercial de direito alemão, com sede em ..., Freiburgo-Hochdorf, com o número único de registo comercial ... (Friburgo) e com o número de identificação fiscal 0..., pedindo que:

1. Seja declarado que Autora e Ré celebraram um contrato de concessão comercial em 28 de janeiro de 2002;

2. Seja declarado que a Ré resolveu ilicitamente o referido contrato através da comunicação enviada à Autora, datada de 27 de novembro de 2019;

3. Seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 190.659,80 (cento e noventa mil seiscentos e cinquenta e nove euros), a título de indemnização de clientela.

4. Seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 152.527,84 (cento e cinquenta e dois mil quinhentos e vinte sete euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização pela resolução ilícita do contrato;

A todas as quantias acrescem juros de mora, às sucessivas taxas legais aplicáveis, calculados desde 27 de novembro de 2019, até integral e efetivo pagamento.

Para tanto refere, em síntese:

Que em janeiro de 2002, celebrou verbalmente um contrato de concessão comercial com a Ré por via do qual passou a ser distribuidora dos cilindros hidráulicos desta, com exclusividade para Portugal e Espanha. No âmbito do contrato de distribuição comercial, a Autora comprava os produtos da Ré, nomeadamente cilindros hidráulicos e respetivos acessórios, que depois revendia a terceiros, nomeadamente aos clientes que angariava.

Quando o produto chegava, a Autora faturava o mesmo ao seu cliente, recebendo o valor respetivo.

A Autora não celebrava os contratos de compra e venda em nome e por conta da Ré. Pelo contrário, celebrava os contratos em seu nome, daí que emitisse as faturas e recebesse o seu valor, o que  significa que a Autora atuava em seu nome e por conta própria.

Este sempre foi o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, que nunca foi formalizado através de contrato escrito.

Em 28 de janeiro de 2002, a Ré apresentou à Autora um contrato para formalizar o relacionamento comercial entre as partes que intitulou “contrato de agência”, não negociou as cláusulas do contrato, que lhe foi, na verdade, imposto pela Ré, tendo a Ré informado que o contrato era uma mera formalidade para efeitos contabilísticos.

Em 27 de novembro de 2019, a Ré resolveu o contrato de distribuição comercial em causa nestes autos através de uma comunicação escrita que enviou à Autora com o assunto “resolução do contrato de agência”, sem qualquer fundamento, pelo que, tem direito a uma indemnização nos termos gerais pelos danos resultantes da não manutenção do contrato, ou seja, da resolução ilícita, tal como prevê o artigo 32.º, n.º 1 do diploma legal em análise.

                                               *

1.2. - Citada a R. apresentou contestação, onde excecionou a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, alegando, para o efeito e em síntese:

- Por um lado, que todos os contratos celebrados entre a autora e a ré, desde o início das relações comerciais entre ambas, obedeceram a determinado formalismo, que melhor precisou, nos termos do qual, a dado momento, a ré dirigia à autora missiva dizendo “Temos o prazer de vos fazer a seguinte oferta de acordo com os nossos termos e condições gerais que podem ser consultadas na internet em www.heb-zyl.com (...)”, sendo que, de acordo com os referidos termos e condições gerais da ré, disponíveis no respetivo sítio na internet, a jurisdição competente para qualquer litígio emergente dos contratos celebrados é a dos tribunais de Freiburg, em Breisgau, Alemanha (cláusula 11.2).

- Por outro lado, nos termos do parágrafo 11.º do contrato escrito celebrado entre a autora e a ré, que aquela juntou como documento n.º 2 com a sua petição inicial, “É competente para todos os litígios emergentes deste contrato o tribunal de Friburgo em Brisgóvia.”.

            Mais defendeu que os referidos pactos privativos e atributivos de jurisdição são indiscutivelmente válidos e eficazes, face ao disposto no artigo 94.º do Código de Processo Civil e, nesses termos, o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria não tem competência internacional para julgar a presente ação.

            Inpugnando também a pretensão da A., referindo não se verificarem os pressupostos de qualquer indemnização.

                                                                       *

            1.3. - A autora exerceu o contraditório acerca da matéria de defesa por exceção, referindo:

- O relacionamento comercial existente entre as partes nunca foi formalizado através de contrato escrito e nunca foi convencionada a competência do tribunal;

- Em 28 de janeiro de 2002, a autora assinou o contrato que juntou com a sua petição inicial, de boa-fé e sem ter negociado as respetivas cláusulas, sendo que esse contrato nunca vigorou entre as partes;

- Caso se entenda que se deve apreciar a questão ao abrigo desse contrato escrito, essa cláusula é nula, nos termos dos artigos 12.º, 15.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10.

*

1.4. - Entendeu-se que os autos conterem, todos os elementos e foi proferida decisão a julgar procedente a exceção invocada pela R./aqui recorrida, julgando-se o tribunal internacionalmente incompetente para o julgamento da presente causa e, por conseguinte, decidiu-se absolver a ré da instância, declarando-a extinta.

Custas pela autora (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil).

                                                           *

1.5. - Inconformada com tal decisão dela recorreu a A. - A. , LDA.,-, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1. A douta sentença viola o disposto nos artigos 7.o Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, artigo 71.o, n.o 1, do Código de Processo Civil e do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro (LCCG).

2. Como se alegou na Petição Inicial, a Autora, em janeiro de 2002, celebrou verbalmente um contrato de concessão comercial com a Ré por via do qual passou a ser distribuidora dos cilindros hidráulicos desta, com exclusividade para Portugal e Espanha. No âmbito do mencionado contrato de distribuição comercial, a Autora comprava os produtos da Ré, nomeadamente cilindros hidráulicos e respetivos acessórios, que depois revendia a terceiros, nomeadamente aos clientes que angariava.

3. A Autora não celebrava os contratos de compra e venda em nome e por conta da Ré. Pelo contrário, celebrava os contratos em seu nome, daí que emitisse as faturas e recebesse o seu valor. O que significa que a Autora atuava em seu nome e por conta própria.

4. Este sempre foi o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, que nunca foi formalizado através de contrato escrito.

5. Sendo que no âmbito deste relacionamento comercial nunca foi convencionada a competência do tribunal, nem a legislação aplicável.

6. Daí a competência internacional do tribunal.

7. No caso em apreço é aplicável o artigo 7.a do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 20124, (publicado 4 Publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 20/12/2012, L 351), segundo o qual “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: A) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deve ser cumprida a obrigação em questão. B) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.”

8. Face ao relacionamento comercial que sempre vigorou entre as partes, não há dúvidas que o lugar do cumprimento da obrigação era em Portugal.

9. Em 28 de janeiro de 2002, a Ré apresentou à Autora um contrato para formalizar o relacionamento comercial entre as partes que intitulou “contrato de agência”. A Autora não negociou as cláusulas do contrato, que lhe foi imposto pela Ré e que aquela assinou de boa-fé.

10. Apesar do teor do contrato e de a Ré o ter intitulado como “contrato de agência”, a verdade é que, como vimos, o relacionamento comercial que sempre vigorou entre as partes era bastante distinto, correspondendo a um contrato de concessão comercial. Ou seja, o “contrato de agência” nunca vigorou entre as partes.

11. Nem o “contrato de agência” vigorou alguma vez entre as partes, nem a prática comercial que estas mantiveram ao longo dos vários anos se subsume a uma relação de agência.

Sem conceder,

12. Caso se entenda que se devem apreciar estes autos ao abrigo do “contrato de agência” celebrado entre as partes em 28 de janeiro de 2002 - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite -, cumpre tecer algumas considerações.

13. O contrato refere na sua cláusula §11, com epígrafe “diversos” que “é competente para todos os litígios emergentes deste contrato o tribunal de Friburgo em Brisgóvia”, Alemanha.

14. Este contrato configura um contrato de adesão uma vez que o seu conteúdo não foi negociado pelas partes, mas sim imposto unilateralmente por uma delas, tal como decorre do artigo 1.o do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro. Sendo que a Autora não negociou nenhuma das cláusulas previstas no contrato, nomeadamente a referida clausula 11.a, tendo-se limitado a assinar o contrato que lhe foi apresentado pela Ré e que foi elaborado por esta, sem qualquer intervenção da Autora.

15. A Autora é uma pequena empresa, de âmbito nacional e de cariz familiar, já que os seus únicos sócios são marido e mulher. Diferentemente, a Ré é uma multinacional de referência, nomeadamente no setor dos cilindros hidráulicos.

16. A dimensão e a capacidade negocial da Ré é muito superior à da Autora, não é sequer comparável. Ou seja, a Autora está numa situação de manifesta inferioridade negocial e de meios perante a Ré.

17. Há um grave inconveniente para a Autora em recorrer a tribunais estrangeiros, desde logo porque tratando-se de uma pequena sociedade por quotas, de cariz familiar e de âmbito nacional, teria de recorrer a meios judiciais estrangeiros, que desconhece por completo.

18. Os sócios da Autora não têm domínio da língua alemã.

19. Caso a Autora tenha de recorrer ao tribunal alemão, a Autora teria de gastar elevadas quantias em traduções de documentos para a língua alemã e em honorários de intérpretes; teria de contratar um advogado alemão e pagar os seus honorários, muito superiores aos praticados em Portugal; e, teria também de pagar elevadas custas judiciais calculadas com base no nível de vida da Alemanha, manifestamente superior ao de Portugal - o que já não acontece com a Ré, que é uma empresa multinacional, de grande dimensão, com múltiplos recursos humanos e financeiros.

20. A desproporção da capacidade negocial e de meios entre Autora e Ré é, assim, por demais evidente. Há, assim, um grande desequilíbrio de posições entre as partes, obrigando que a Autora seja forçada a recorrer a uma jurisdição que desconhece, com grave e difícil esforço financeiro, para poder fazer valer judicialmente os seus direitos, em país estrangeiro.

21. A cláusula do contrato que atribui competência ao tribunal alemã é manifestamente contrária à boa-fé. Tal cláusula é proibida sendo, por isso, nula, nos termos do disposto nos artigos 12.o, 15.o e 19.o do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro.

22. Sendo que o Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro é aplicável in casu por força do estatuído no seu artigo 23.o, n.o 1, segundo o qual, independentemente da lei escolhida entre as partes para regular o contrato, as normas da secção em causa se aplicam sempre que o mesmo apresente uma relação estreita com o território português.

23. Perante o exposto e face à nulidade da cláusula 11.o do contrato de agência que estabelece um pacto de jurisdição, conclui-se que os tribunais portugueses são competentes para estes autos.

24. Caso assim não se entenda, deve o processo prosseguir para que seja feita prova acerca dos factos sintetizados nestas conclusões de molde a concluir, com segurança, qual o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, se houve algum contrato escrito que que pautou as suas relações e, por conseguinte, se foi, ou não, estabelecido um pacto privativo de jurisdição.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença, devendo o processo prosseguir os seus termos, só assim se fazendo JUSTIÇA!”

                                                               *

1.6. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu a R. - B. -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

Primeira

Não corresponde à verdade a afirmação da Recorrente segundo a qual “no âmbito deste relacionamento contratual nunca foi convencionada a competência do tribunal, nem a legislação aplicável”, pois a realidade é que, da forma supra descrita, as partes escolheram de forma expressa e consciente, os tribunais de Freiburg como sendo os competentes para dirimir qualquer litígio resultante das relações comerciais entre ambas estabelecidas.

Segunda

Ao invés do alegado pela Recorrente, não será aplicável o disposto no art. 7.º do Regulamento (UE) no. 1215/12, mas sim, tal como se decidiu na douta sentença recorrida, o estipulado no seu art. 25.º.

Terceira

As partes cumpriram todos os requisitos previstos nesta norma, pelo que o pacto atributivo de jurisdição é indiscutivelmente válido e eficaz.

Quarta

A competência atribuída por este pacto é exclusiva, pelo que não será aplicável o estipulado no art. 7.º do referido Regulamento, não colhendo a argumentação expendida pela Recorrente em sentido oposto.

Quinta

O contrato de agência – aliás junto aos autos pela própria Recorrente – foi livre, esclarecidamente e de boa fé celebrado pela mesma.

Sexta

Se a Recorrente não negociou o referido contrato (o qual, ao invés do dito pela Recorrente não configura um contrato de adesão) nem contestou qualquer uma das suas cláusulas, foi porque entendeu que não tinha necessidade de o fazer, pois assistia-lhe total liberdade para negociar tudo o que entendesse. Dito de outro modo, se não negociou foi porque não quis.

Sétima

A Recorrente aceitou e conformou-se de forma consciente com todas as cláusulas inseridas no contrato que lhe foi proposto – nomeadamente a cláusula 11.ª – pelo que não pode vir agora pôr em causa a validade do mesmo, sendo ainda certo que, nos termos do n.º 5 do art.º 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/12, “A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.”.

Oitava

A Recorrente não se encontrava numa situação de “inferioridade negocial” mas sim de absoluta paridade, com total igualdade de capacidade e de meios.

Nona

Nenhum dos argumentos aduzidos pela Recorrente assume qualquer relevância ou se sobrepõe ao pacto atributivo de jurisdição celebrado entre partes e, muito menos, ao disposto no Regulamento (UE) no. 1215/12.

Décima

A cláusula contratual em causa não é contrária à boa fé, nem está ferida de nulidade, desde logo porque o regime do Decreto-Lei n.º 446/85 não é manifestamente aplicável ao contrato em causa, uma vez que a Recorrente teve total liberdade para negociar o contrato de agência ou para recusar as condições gerais da Recorrida.

Décima Primeira

Em resumo, atendendo ao alegado pela própria Recorrente e tal como se encontre vertido na douta decisão recorrida, independentemente da natureza concreta das relações comerciais entre a Recorrente a Recorrida – agência ou concessão comercial –o certo é que, no primeiro caso, se deve aplicar o disposto no parágrafo 11o do contrato livremente celebrado entre as partes, e, no segundo caso (o defendido pela Recorrente) terão plena aplicação as condições gerais propostas pela Recorrida e aceites pela Recorrente.

Décima Segunda

Improcedem todas as conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.

                                                           *

1.7. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“Admite-se o recurso ordinário interposto pela autora, tendo por objeto a decisão final proferida nos autos (artigo 641.º do Código de Processo Civil), porque a decisão é recorrível (artigo 629.º, n.º1, do Código de Processo Civil), a recorrente tem legitimidade (artigo 631.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o recurso respeita a forma legal (artigo 637.º do Código de Processo Civil), foi tempestivamente apresentado (artigo 638.º, n.º1, do Código de Processo Civil) e foi paga a taxa de justiça devida.

O recurso ora admitido sobe para o Tribunal da Relação de Coimbra como apelação (artigo 644.º, n.º2, alínea b), do Código de Processo Civil), nos próprios autos (artigo 645, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil) e com efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1, do mesmo Código).

                                                                       *

            1.8. – Com dispensa de vistos, cumpre decidir.

                                                                       *

                                                           2 - Fundamentação

No caso dos autos, como factualismo com relevância para a apreciação da  questão da competência internacional dos tribunais:

A) Cumpre começar por atender aos moldes como a causa foi delineada pela autora, na sua petição inicial.

A) I. Nesta sede, verifica-se que a autora formulou os seguintes pedidos:

“1. Ser declarado que Autora e Ré celebraram um contrato de concessão comercial em 28 de janeiro de 2002;

2. Ser declarado que a Ré resolveu ilicitamente o referido contrato através  da comunicação enviada à Autora, datada de 27 de novembro de 2019;

3. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 190.659,80 (cento e noventa mil seiscentos e cinquenta e nove euros), a título de indemnização de clientela.

4. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 152.527,84 (cento e cinquenta e dois mil quinhentos e vinte sete euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização pela resolução ilícita do contrato;

A todas as quantias acrescem juros de mora, às sucessivas taxas legais aplicáveis, calculados desde 27 de novembro de 2019, até integral e efetivo pagamento.”

A). II. A autora indicou, como local da sua sede, a Rua .... Leiria e identificou a ré como sendo uma sociedade comercial de direito alemão, com sede em .... Freiburgo-Hochdorf.

A) III. Para sustentar aqueles seus pedidos, em muita apertada síntese e na parte que aqui importa, a autora alegou:

- Ter mantido um determinado relacionamento comercial com a ré, que melhor descreveu, o qual não foi formalizado em contrato escrito, sendo que, em 28 de janeiro de 2002, as partes assinaram o contrato que juntou como documento 2.

- «Apesar do teor do contrato e de a ré o ter intitulado como “contrato de agência”, a verdade é que (...) o relacionamento comercial que sempre vigorou entre as partes era bastante distinto, correspondendo a um contrato de concessão comercial.»

B) Mais há que atender a que do referido contrato datado de 28 de janeiro de 2002, subscrito por autora e ré, consta, sob o seu parágrafo 11.º que “É competente para todos os litígios emergentes deste contrato o tribunal de Friburgo em Brisgóvia”.

C) Mostra-se, ainda, provado que:

C) I. No âmbito do relacionamento comercial que existiu entre autora e ré, esta, sempre que apresentava proposta para algum produto que lhe tivesse sido solicitado por aquela, enviava-lhe escrito contendo, a par do mais, a menção “Temos o prazer de vos fazer a seguinte oferta de acordo com os nossos termos e condições gerais que podem ser consultadas na internet em www.heb-zyl.com (...)”.

C) II. A autora nunca se opôs aos termos e condições ali aludidos.

C. III. Sob o ponto 11. dos referidos termos e condições gerais da ré, disponíveis no respetivo sítio na internet, consta o seguinte:

“11. Local de execução, jurisdição competente, direito aplicável

11.1 O local de execução e de cumprimento das nossas obrigações e das obrigações de pagamento do cliente é Freiburg im Breisgau.

11.2 A jurisdição competente é a de Freiburg im Breisgau. Poderemos igualmente intentar ação contra o cliente na sua jurisdição geral habitual.

            11.3 Relativamente a todas as relações jurídicas entre nós e o cliente aplica-se exclusivamente o direito substantive da República Federal Alemã, com exclusão das disposições relativas a conflito de leis; não é aplicável a Convenção das Nações Unidas sobre a Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla inglesa). As cláusulas relativas à entrega devem ser interpretadas de acordo com os INCOTERMS, na respetiva versão em vigor.”

                                                                              *

                                                               3. Motivação

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ; Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232”).

É também sabido, que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, não podendo tratar-se neles, salvo aqueles casos de conhecimento oficioso, de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido (vidé ainda, por todos, Ac. do S.T.J. de 31/01/1991 in “BMJ 403-382”).

Também vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Entendendo-se, assim, por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões pareceres ou doutrinas expendidos pelas partes no esgrimir das teses em presença (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 da 2ª Sec.”; Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 da 7ª Sec”; Ac. do STJ de 11/11/87, in “BMJ 371 – 374” e Prof. Alb. dos Reis, in “ Código do Processo Civil, vol. 5º, pág. 145”).

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber, - se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra, que declare internacionalmente competente o tribunal português. Ou, caso assim não se entenda, então, devem os autos prosseguir para se apurar o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, designadamente, se houve algum contrato escrito que pautou as suas relações e, por conseguinte, se foi, ou não, estabelecido um pacto privativo de jurisdição -.

Para defender o seu ponto de vista refere que o preceito a aplicar ao caso em apreço é o art.º 7.º, do  Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, o artigo 71.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro (LCCG), desde logo, por não celebrar contratos de compra e venda em nome e por conta da Ré. Pelo contrário, celebrava os contratos em seu nome, daí que emitisse as faturas e recebesse o seu valor. O que significa que a Autora atuava em seu nome e por conta própria.

Assim, no âmbito deste relacionamento comercial nunca foi convencionada a competência do tribunal, nem a legislação aplicável, pelo que, o tribunal português é o internacionalmente competente.

A dimensão e a capacidade negocial da Ré é muito superior à da Autora, não é sequer comparável. Ou seja, a Autora está numa situação de manifesta inferioridade negocial e de meios perante a Ré.

Mais refere que há um grave inconveniente para a Autora em recorrer a tribunais estrangeiros, desde logo, porque tratando-se de uma pequena sociedade por quotas, de cariz familiar e de âmbito nacional, teria de recorrer a meios judiciais estrangeiros, que desconhece por completo, tanto mais, que os sócios da Autora não têm domínio da língua alemã, sendo a desproporção da capacidade negocial e de meios entre Autora e Ré, por demais evidente, havendo um grande desequilíbrio de posições entre as partes.

Por outro lado, a cláusula do contrato que atribui competência ao tribunal alemã é manifestamente contrária à boa-fé. Tal cláusula é proibida sendo, por isso, nula, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 15.º e 19.º do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro, sendo por isso, aplicável o Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, por força do estatuído no seu artigo 23.º, n.º 1, segundo o qual, independentemente da lei escolhida entre as partes para regular o contrato, as normas da secção em causa se aplicam sempre que o mesmo apresente uma relação estreita com o território português.

Mais refere que caso assim não se entenda, então devem os autos prosseguir para que seja feita prova acerca dos factos sintetizados nestas conclusões de molde a concluir, com segurança, qual o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, se houve algum contrato escrito que que pautou as suas relações e, por conseguinte, se foi, ou não, estabelecido um pacto privativo de jurisdição.

Opinião oposta tem a recorrida, que pugna pelo decidido, referindo que:

Ao invés do alegado pela Recorrente, não será aplicável o disposto no art. 7.º do Regulamento (UE) no. 1215/12, mas sim, tal como se decidiu na douta sentença recorrida, o estipulado no seu art. 25.º., há que, as partes cumpriram todos os requisitos previstos nesta norma, pelo que o pacto atributivo de jurisdição é indiscutivelmente válido e eficaz.

O contrato de agência – aliás junto aos autos pela própria Recorrente – foi livre, esclarecidamente e de boa fé celebrado pela mesma. Se a Recorrente não negociou o referido contrato (o qual, ao invés do dito pela Recorrente não configura um contrato de adesão) nem contestou qualquer uma das suas cláusulas, foi porque entendeu que não tinha necessidade de o fazer, pois assistia-lhe total liberdade para negociar tudo o que entendesse. Dito de outro modo, se não negociou foi porque não quis.

A Recorrente aceitou e conformou-se de forma consciente com todas as cláusulas inseridas no contrato que lhe foi proposto – nomeadamente a cláusula 11.ª – pelo que, não pode vir agora pôr em causa a validade do mesmo, sendo ainda certo que, nos termos do n.º 5 do art.º 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/12, “A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.”.

Na decisão recorrida refere-se, que, relevantes para efeito da determinação da competência são os factos integradores da causa de pedir e o pedido que, com base nos mesmos, é formulado e não o enquadramento jurídico que deles a parte faz, ao que acresce, que em regra a competência se fixa no momento da instauração da ação e seguindo as regras processuais que então forem as vigentes.

Aliás, nos ensinamentos vertidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.09.2016, proferido no âmbito do Processo 1386/15.8T8PRT-B.P1.S1 (disponível no respetivo site da dgsi), resulta que:

Em questões de competência internacional, a nossa lei processual reconhece a prioridade de que gozam os regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais (art. 59.º), sendo pacificamente aceites entre nós o efeito direto e o primado do direito da União Europeia (cf. art. 8.º, n.º 4 da CRP), bem como a proeminência que o direito comunitário e a jurisprudência do TJUE vêm conferindo à liberdade contratual, enquanto emanação do princípio da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, que, aliás, vem claramente explicitado nos considerandos 19 e 20 do Regulamento (UE) 1215/2012 de 12/12”.

Como decorrência desses princípios, têm sido acolhidas a independência da noção e a prevalência do regime (e respetivo alcance) do pacto (convenção) atributivo de jurisdição constante do art.º 25.º já citado Regulamento (correspondente ao art.º 23.º do antecedente Regulamento 44/2001), face a requisitos formais eventualmente mais exigentes que lhe sejam impostos pelos direitos nacionais dos estados-membros.

Assim, refere, ainda, que sopesados os pedidos e a causa de pedir vertidos nesta ação, julga-se que se impõe, efetivamente, concluir, sem necessidade de maiores delongas, que, no âmbito do relacionamento comercial existente entre a autora e a ré – existia um pacto privativo de jurisdição.

Mesmo que assim não se entendesse, é aceite pela autora que foi formalizado o contrato referido sob B).

É certo que a autora defende, no âmbito desta ação, que os termos desse contrato não correspondem ao acordado entre as partes; mas é igualmente certo que o mesmo existe, foi formalizado com as assinaturas de ambos os contraentes e esta causa destina-se, precisamente, a discutir o seu alcance e eficácia.

E, assim sendo, essa argumentação da autora revela-se, ao que se julga, absolutamente improcedente, para efeito de com base nela ser extraída a competência internacional aos tribunais portugueses, uma vez que o citado artigo 25.º do Regulamento vigente dispõe, de forma clara e expressa:

“5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.

A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.”

Assim sendo, independentemente da discussão da validade e eficácia do contrato escrito que – confessamente – foi subscrito por autora e ré, a sua cláusula 11 tem de ser tratada, para o efeito que ora nos ocupa, de forma autónoma relativamente aos demais termos do convénio e a sua validade não pode ser contestada com o mero fundamento de que o acordo é inválido.

Mais é defendida, pela autora, a nulidade da cláusula inserta sob o paragrafo 11 do mesmo contrato, mas à luz da legislação interna – mais precisamente, do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais -, defesa esta que, para efeito da determinação da competência internacional, se revela, ao que se crê, absolutamente irrelevante, desde logo em função da primazia das normas de direito internacional e do princípio da autonomia privada, como também melhor afirmado e desenvolvido no citado Acórdão.

Vejamos

O direito processual civil português afirma a competência internacional dos tribunais portugueses quando verificados os factores previstos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º do CPC, cujo normativo apenas admite os acordos das partes sobre a jurisdição nacional competente (pactos de jurisdição) quando se preencham o pressuposto (conexão) e os demais requisitos nele impostos, designadamente quando tais pactos sejam justificados por um interesse sério de, pelo menos, uma das partes e desde que não envolvam inconveniente grave para a outra.

Tal qual o artigo 99.º do nosso antigo Código de Processo Civil (artigo 94.º do novo) o artigo 25.º do Regulamento consente que as partes convencionem um foro específico para julgar o seu conflito.

 Nos termos do preceito “se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário”.

Resulta da norma que o pacto de jurisdição é válido desde que pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-Membro e se trate de uma situação jurídica internacional (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2015, Gregório Jesus, processo n.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, in www.dgsi.pt). A grande diferença relativamente ao direito nacional é que a validade do pacto não está dependente dos requisitos cumulativos enunciados no n.º 3 do artigo 99.º do antigo Código de Processo Civil, designadamente o requisito de a escolha do foro “ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra”.

Como elucida Remédio Marques, Cfr. Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 173. “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional directa impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia – os regulamentos comunitários –, que determinam a competência internacional directa dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (directa), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro.” Diferentemente - acrescenta o citado autor (p. 174) -, «as regras que determinam a competência internacional dos tribunais portugueses previstas nos» arts. 62º e 63º do CPC «são unilaterais, pois só fixam a competência (internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e validade daquelas regras».

Porém, a intervenção do assim estatuído é ressalvada pela aplicação do «que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais» (art. 59º). Por conseguinte, a lei processual reconhece a prioridade de que gozam tais instrumentos de direito internacional, no contexto da inserção da nossa ordem jurídica em espaços integrados e designadamente no da União Europeia.

Neste conspecto, são pacificamente aceites entre nós o efeito directo e o primado do direito da União Europeia (cf. art. 8º, nº 4, da CRP), bem como a proeminência que o direito comunitário e a jurisprudência do TJUE vêm conferindo à liberdade contratual, enquanto emanação do princípio da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional (cfr. neste sentido Ac. do S.T.J., 6/9/2016, proc.º n.º 1386/15.8PRT-B.P1.S1, relatado por Alexandre Reis e Ac. Rel. de Guimarães de 7/12/2017, Proc.º n.º 6919/16.0T8PRT.G1, relatado por Alcides Rodrigues).

O Supremo Tribunal tem acolhido, como decorrência desses princípios, a independência da noção e a prevalência do regime (e respectivo alcance) do pacto (convenção) atributivo de jurisdição constante do já citado art.º 25º , face a requisitos formais eventualmente mais exigentes que lhe sejam impostos pelos direitos nacionais dos estados-membros. Nessa senda, regista-se, desde logo, que, à luz do Regulamento, não cabe aferir da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, como as vertidas no CPC (nomeadamente a do art. 94º) ou da LCCG (cláusulas contratuais gerais) e é completamente irrelevante a pretensão de se submeter ou condicionar o exercício da autonomia da vontade à existência de uma conexão estreita do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, sendo, por isso, desnecessário que tal pacto se mostre justificado por um interesse sério de, pelo menos, uma das partes, sem que envolva inconveniente grave para a outra, e sendo, consequentemente, desconsideradas as eventuais vantagens ou desvantagens que daí advenham (cfr. Ac. do STJ, supra citado, Ac. do mesmo Tribunal, datado de 4/2/2016, proc.º n.º  536/14.6TVLSB.L1.S1, relatado por, Lopes do Rego).

Aqui chegados e do exposto dúvidas não restam que no caso em apreço as partes podiam estipular o pacto de competência.

Invoca a recorrente que ao caso seria de aplicar o preceituado no art.º 7.º do  Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, o artigo 71.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de outubro (LCCG).

Porém, em nossa opinião, não lhe assiste razão.

Na verdade, isso seria assim, se não fosse estipulado o pacto de convenção.

E como bem se refere na decisão recorrida, cujo segmento, aqui transcrevemos por se concordar com ele “… Assim, refere, ainda, que sopesados os pedidos e a causa de pedir vertidos nesta ação, julga-se que se impõe, efetivamente, concluir, sem necessidade de maiores delongas, que, no âmbito do relacionamento comercial existente entre a autora e a ré – existia um pacto privativo de jurisdição.

Mesmo que assim não se entendesse, é aceite pela autora que foi formalizado o contrato referido sob B).

É certo que a autora defende, no âmbito desta ação, que os termos desse contrato não correspondem ao acordado entre as partes; mas é igualmente certo que o mesmo existe, foi formalizado com as assinaturas de ambos os contraentes e esta causa destina-se, precisamente, a discutir o seu alcance e eficácia.

E, assim sendo, essa argumentação da autora revela-se, ao que se julga, absolutamente improcedente, para efeito de com base nela ser extraída a competência internacional aos tribunais portugueses, uma vez que o citado artigo 25.º do Regulamento vigente dispõe, de forma clara e expressa:

“5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.

A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.”

Assim sendo, independentemente da discussão da validade e eficácia do contrato escrito que – confessamente – foi subscrito por autora e ré, a sua cláusula 11 tem de ser tratada, para o efeito que ora nos ocupa, de forma autónoma relativamente aos demais termos do convénio e a sua validade não pode ser contestada com o mero fundamento de que o acordo é inválido.

Mais é defendida, pela autora, a nulidade da cláusula inserta sob o paragrafo 11 do mesmo contrato, mas à luz da legislação interna – mais precisamente, do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais -, defesa esta que, para efeito da determinação da competência internacional, se revela, ao que se crê, absolutamente irrelevante, desde logo em função da primazia das normas de direito internacional e do princípio da autonomia privada”.

Na verdade, e como se refere na decisão recorrida, segmento transcrito, supra, a existência e validade do pacto invocado terão de ser analisadas, exclusivamente, de acordo com a letra e o espírito do Regulamento n.º 1215/2012, único instrumento jurídico internacional competente para o efeito, ficando arredados os critérios de competência internacional dos tribunais portugueses consagrados nos arts. 62º, 63º e 94º do CPC (cfr. em sentido similar, quanto ao art. 23º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, que corresponde à redação do art. 25º do Regulamento n.º 1215/2012, o Ac. do STJ de 19/11/2015 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt. Como se refere no citado aresto do STJ, o TJCE considerou, a propósito da norma similar constante do art. 17.º da Convenção de Bruxelas – sendo essa jurisprudência extensível ao art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001 e, acrescentaríamos nós, ao art. 25º do Regulamento n.º 1215/2012 –, que a noção de pacto de jurisdição é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros (cf. Acórdão do TJCE Powell Doffryn v. Wolfang Petereit, de 10/03/1992).

Trata-se de uma situação de extensão expressa de competência, prevista no art. 25º da secção 7 do capítulo II do Regulamento n.º 1215/2012, que dispõe o seguinte:

«1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo.
Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita».

3. (…).

4. (…).

5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.

A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido».

Para que o pacto de jurisdição seja válido, deve o mesmo observar determinados requisitos formais e substantivos.

No que concerne aos requisitos formais – únicos que relevam na situação em análise – o pacto de jurisdição só será válido se tiver sido celebrado por escrito ou verbalmente, com confirmação escrita – garantindo-se, dessa forma, que as partes têm perfeita consciência sobre o pacto de jurisdição que pretendem celebrar e, bem assim, sobre as consequências que derivam da sua formalização (cfr. Marco Carvalho Fernandes, Competência Judiciária Europeia, Scientia Iuridica, Tomo LXIV, n.º 339, Set/Dez., 2015, p. 442) –, se observar os usos que as partes tenham estabelecido entre si ou, no caso de comércio internacional, os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

Sobre este concreto requisito  os nossos Tribunais Superiores tem divergido quanto a saber se a mera aposição de uma cláusula, numa fatura, por via da qual se estabelece a competência de um determinado tribunal, configura a celebração válida de um pacto de jurisdição.

De um lado, em sentido positivo, pronunciou-se, entre outros, o Ac. do STJ de 8/10/2009 (relator Serra Baptista), in www.dgsi.pt., segundo o qual "a parte que não estipulou diretamente o pacto, mas que o recebeu no clausulado junto com a fatura pró-forma, não tendo feito qualquer reserva a tal cláusula, a ela aderiu. É um caso típico de acordo por adesão".

Por outro lado, em sentido negativo, veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 1/07/2014, (sendo que para consulta de ser procurado na base de dados da dgsi com data de 9/07/2014), proc. n.º 165595/11.1YIPRT.G2.S1, relatado por Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que a “inclusão num anexo a um pedido de encomenda para prestação de serviços, sob a epígrafe “condições gerais de compra” de uma cláusula donde conste a atribuição de um foro privativo de jurisdição, não é idónea para, ainda que o declaratário não tenha manifestado oposição, atribuição do foro que nela se inscreveu”, pois que “[t]ratando-se de uma cláusula inserta numa folha de feição de adesão, que não foi objecto de assinatura por qualquer das partes, a proposta nela inserta, de atribuição de jurisdição, teria de ser confirmada por escrito, ou por forma que demonstrasse, da parte do contraente que a recebe, que aceitaria o foro nela atribuído”. De igual modo, o Ac. do STJ de 19/11/2015 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt., decidiu que, “[n]ão estando alegado pela parte que suscita a excepção de incompetência internacional a existência de um prévio acordo verbal acerca do foro competente, que se pudesse ter por confirmado através do documento escrito enviado por uma das partes à outra e por esta recebida, a simples menção numa factura, em nota de rodapé e caracteres de reduzida dimensão gráfica, que em qualquer caso ambas as partes se submetem aos Tribunais de Madrid com renúncia a qualquer outro foro, só pode valer como proposta contratual visando a estipulação do foro competente, pressupondo a bilateralidade do pacto a respectiva aceiração pela contraparte”, pelo que mesmo “que se admita a possibilidade de uma tal proposta ser objecto de aceitação ou adesão tácita, não constitui comportamento concludente a mera circunstância de a parte que recebeu faturas com tal menção as ter aceite, pagando os valores correspondentes aos fornecimentos por elas titulados, não podendo inferir-se do seu silêncio quanto à questão da competência a aceitação da proposta de pacto de jurisdição”, porquanto “[n]este circunstancialismo, colidiria com o princípio da boa fé pretender inferir do silêncio da parte a aceitação da proposta de pacto de jurisdição, abrangendo, não apenas os litígios emergentes dos fornecimentos titulados por cada factura em que a referida menção havia sido incluída, mas também todos os que pudessem decorrer da complexa e fundamental relação de concessão comercial existente entre os litigantes”.

Porém, no caso versado nos autos, resulta provado, que do referido contrato datado de 28 de janeiro de 2002, subscrito por autora e ré, consta, sob o seu parágrafo 11.º que “É competente para todos os litígios emergentes deste contrato o tribunal de Friburgo em Brisgóvia”.

Ou seja, as partes subscreveram o contrato, onde se refere expressamente que é competente para todos os todos os litígios emergentes do mesmo o tribunal de Friburgo em Brisgóvia.

Assim, face ao exposto, quanto a nós, não há razão para revogar a decisão recorrida que se mantém.

Dito isto, prejudicada fica a questão de os autos seguirem para se apurar se foi, ou não, estabelecido um pacto privativo de jurisdição.

                                                           *

                                               4. Decisão

            Face ao exposto, acorda-se e decide-se julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida nos seus termos.

            Custas a cargo da recorrente.

            Coimbra, 18/1/2022

            Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Mário Silva (adjunto)