Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
791/15.4TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: AÇÕES PARA COBRANÇA DE DÍVIDA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. CENTRAL – SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 17º-E, Nº 1 DO CIRE.
Sumário: I – Na expressão ‘ações para cobrança de dívidas’ do artº 17º-E, nº 1 do CIRE deve entender-se como abrangendo quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor – ações declarativas e ações executivas -, desde que atinjam o património do devedor.

II – Inexiste fundamento para julgar extinta a instância de uma ação declarativa comum em que um trabalhador pretende fazer valer créditos constituídos posteriormente à reclamação de créditos no PER, uma vez que tais créditos não se encontram abrangidos pelo plano de revitalização.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A... intentou a presente acção de processo comum contra «B..., S.A.», pedindo o reconhecimento da justa causa na resolução do contrato de trabalho e a consequente condenação da ré no pagamento de uma indemnização por resolução contratual lícita e bem assim de outras quantias emergentes do contrato de trabalho (salários, férias, subsídios de férias e de Natal, proporcionais e créditos relativos a horas de formação).


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Depois de designada a audiência de partes mas antes da sua realização, foi proferida a decisão que a seguir se transcreve:

“ A... intentou a presente acção de processo comum contra « B... , S.A.», pedindo o reconhecimento da justa causa na resolução do contrato de trabalho e a consequente condenação da ré no pagamento de determinadas quantias.

A acção foi instaurada a 14 de Maio de 2015.

Por sentença transitada em julgado a 29 de Junho de 2015, no processo nº (...) , foi homologado plano de recuperação da ré.

Dispõe o artigo 17º-E, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas:

“1 – A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Por outro lado, segundo o nº 6 do artigo 17º-F do mesmo Código:

“A decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, nos termos dos artigos 37º e 38º, que emite nota com as custas do processo de homologação”.

Uma vez que o plano de recuperação não ressalvou a continuação de acções judiciais, incluindo a presente, impõe-se declarar a sua extinção.

Verificando-se que o despacho mediante o qual foi nomeado administrador judicial provisório, que determina a suspensão das acções pendentes, foi proferido em data anterior ao da instauração desta acção, as custas serão suportadas pelo autor, pois foi ele, ao propor a acção, quem a elas deu causa.

Em face do exposto decide o Tribunal

I.

Julgar extinta a instância, nos termos do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

II.

Condenar o autor A... no pagamento das custas do processo.

Registe e notifique, dando conhecimento ao autor do teor da certidão”.


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II- Não se conformando com esta decisão veio dela o autor apelar alegando e concluindo:

[…]

Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de v. Exa., deverão presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que ordene o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.


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O Exmº Procurador Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso por entender que a presente acção não é uma acção para cobrança de dívida e ainda porque o montante pedido pelo autor e indicado pelo administrador foi descrito e homologado sob condição.

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III. As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa decidir reside saber se a instância se extinguiu por inutilidade superveniente da lide.

Na resolução desta questão há que atentar na seguinte factualidade resultante da documentação junta aos autos:

1. A recorrente apresentou um PER da Empresa – proc. (...) da Comarca Castelo Branco – Instância Central – Secção Comércio – J1.

2. Em 30.12. 2014 foi proferido o despacho liminar a que se refere a alínea a) do nº 3 do artº 17º-C do CIRE, o qual foi objecto de publicitação em 31.12.14.

3. O Administrador Judicial Provisório apresentou lista provisória de créditos em 09.02.15, a qual foi publicitada no dia seguinte.

4. Tal lista foi objecto de várias impugnações que se encontram decididas.

5. Com data de 05.06.2015 foi proferida sentença homologatória do plano de revitalização, a qual transitou em julgado em 29.06.2015

6. Neste processo foi reconhecido ao autor um crédito privilegiado de 916,66€.

7. Na presente acção, que deu entrada em juízo em 14.05.2015, o autor reclama o pagamento:

a) De uma indemnização por resolução lícita no valor de € 16.225,00, operada através de comunicação dirigida à ré com data de 20.04.2015 e recebida por esta no dia seguinte, com fundamento em falta culposa do pagamento das retribuições dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, subsídio de alimentação e retribuição por isenção de horário de trabalho relativos a esse messes.

5. Do montante equivalente aos salários, subsídios de alimentação e retribuição por isenção de horário de trabalho relativos aos meses atrás referidos e bem assim relativos ao mês de Abril do mesmo ano no montante de € 4.326,44.

6. De metade do subsídio de férias e de Natal de 2014 no valor de € 1.1100,00.

7. De férias vencidas, subsídio de férias e respectivos proporcionais no montante de € 2.750,00.

8. De € 3.328,50 de créditos relativos a horas de formação.

Decidindo:

O artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE prescreve que “A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Sobre a questão de saber se na expressão “acções para cobrança de dívidas” se devem considerar abrangidas também as acções declarativas já se pronunciou esta Relação, em várias decisões, designadamente no Acórdão (in www.dgsi.pt) proferido no processo 1112/13.6TTCBR.C1, em 27-02-2014, (relator: Ramalho Pinto - e também subscrito pelo aqui relator e pelo aqui 2.º Adjunto), considerando que nelas se incluem “quaisquer” acções para cobrança de dívidas contra o devedor - acções declarativas e acções executivas - concluindo que, conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPCivil, ao se referir no artigo 17º-E, nº1, da Lei nº16/2012, de 20/04, às acções que tem por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.

Esta posição, que mantemos, foi já reafirmada noutros arestos entretanto proferidos v.g.73/13.6TTFIG.C1, 646/13.4TTVIS.C1, 112/13.6TTCBR.C1 e 513/14.7TTCBR.C1), remetendo-se para a fundamentação desse Acórdão, com referências jurisprudenciais mais aprofundadas.

Também recentemente o STJ no acórdão de 28.11.2015 proferido no processo 1190/12.5TTLSB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj decidiu que “no conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido”, que “nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação” e que “tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte dos AA. - que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da Ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso”.

Na sequência de toda esta jurisprudência parece que, no caso, será de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Todavia, os créditos peticionados na presente acção não foram reclamados nem reconhecidos no PER (pelo menos na sua esmagadora maioria, pois os elementos disponíveis nos autos não permitem concluir a que título foi reconhecido ao autor o crédito de 916,66€ [nº 3 supra]).

Seja como for, o prazo de 20 dias fixado pela lei para as reclamações, contados a partir da data da publicitação do despacho liminar (nº 2 do artº 17º-D do CIRE) terminou no dia 20.01.15.

Ora, no caso em apreciação, os salários de Janeiro Fevereiro, Março e Abril, que o autor/recorrente diz estarem em dívida venceram-se no final do respectivo mês a que dizem respeito, ou seja, em data posterior ao termo do prazo das reclamações no PER. O mesmo se diga relativamente à indemnização peticionada resultante da resolução por falta culposa do pagamento da retribuição.

Também o crédito de horas de formação, por se ter vencido aquando da cessação do contrato, apenas é devido após o termo daquele prazo de reclamação.

Pelo menos estes créditos venceram-se em data posterior ao termo do prazo de reclamação de créditos no PER.

Nestas circunstâncias, escreveu-se no o AC. da RP de 05.0115, proferido no processo 290/14.1TTPNF, consultável em www.dgsi.pt/jtrp que, e passamos a citar “importa aqui transcrever o referido no acórdão desta Secção Social, datado de 08.09.2014 [relatado pelo Desembargador João Nunes e subscrito pelos Desembargadores António José Ramos e Eduardo Petersen da Silva] e que passamos a citar na parte que interessa: (…) “o que releva no âmbito do PER e vincula os credores são os créditos existentes à data e não quaisquer eventuais créditos futuros. O processo de recuperação visa permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores então existentes com vista a permitir um acordo que permita a revitalização daquele; assim, as negociações são com os credores existentes e em relação aos créditos vencidos e não também com quaisquer eventuais credores em relação a eventuais créditos futuros. E com vista ao estabelecimento de tal acordo de revitalização não podem ser instauradas acções para cobrança de dívidas contra o devedor enquanto decorrerem as negociações ou suspendem-se as acções existentes, pois, de outro modo, inviabilizava-se, ou, pelo menos, dificultava-se a obtenção de um acordo que permitisse a revitalização. Contudo, por um lado, tal acordo, e consequente plano de recuperação não abrange créditos que à data não existiam; por outro, aprovado o acordo e homologado o plano de recuperação, não extrai da lei, maxime do referido artigo 17º-E, nº1, que um credor cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no PER e, portanto, não estejam enquadráveis neste, se encontre impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo. Daí que ainda que se entendesse que na pendência do PER o processo instaurado pelo recorrente não podia prosseguir, aprovado e homologado que foi o plano, não se vê obstáculo legal no prosseguimento dos presentes autos com vista ao reconhecimento do crédito. A entender-se de outro modo, os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito” (…) “o que, afigura-se, colide com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cf. artigo 20º da CRP)” (…).

Este entendimento foi também reafirmado no Ac. da mesma Relação de 17.11.14 proferido no processo 295/14.2TTPNF, consultável no citado sítio, do qual se destaca o seu sumário com o seguinte teor “inexiste fundamento para julgar extinta a instância de uma acção declarativa comum em que um trabalhador pretende fazer valer créditos constituídos posteriormente à reclamação de créditos no PER, uma vez que tais créditos não se encontram abrangidos pelo plano de revitalização”.

Perfilhamos o narrado entendimento pois também entendemos que não se pode impedir um trabalhador ou outro credor de poder fazer valer os seus direitos em processo próprio quando o não pôde fazer no PER por o seu direito ainda não ser exigível.

Com efeito, no caso em análise o recorrente durante o decurso do prazo de reclamação naquele processo ainda não tinha qualquer direito sobre a recorrida, a qual até poderia não vir a incorrer num posterior inadimplemento.

Por outro lado, como se lê na sentença que homologou o plano de revitalização “os créditos cujo pagamento de forma expressa não se encontra regulado no plano, não são afectados por este, no sentido em que poderão e deverão ser discutidos e serão, se verificados na sede própria, exigíveis nos termos gerais, não podendo o presente plano ser aditado, após homologação[1]”.

Daí que relativamente aos créditos não vencidos à data do termo do prazo de reclamação de créditos no PER não podia esta acção ser declarada extinta por inutilidade superveniente.


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VI Termos em que, na revogação da decisão impugnada, se decide ordenar o prosseguimento da presente acção para apreciação do direito do autor aos créditos peticionados vencidos posteriormente a 20 de Janeiro de 2015.

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Custas a cargo da recorrida.

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Coimbra, 28 de Janeiro de 2016

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Videira do Paço)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] Ao contrário do que acontece na insolvência na qual, findo o prazo das reclamações, ainda  é possível reconhecer outros créditos nos termos do artº 146º do CIRE.