Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1313/11.1TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: USUCAPIÃO
POSSE
INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. DE CASTELO BRANCO 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 1251, 1258, 1265, 1287, 2031 CC
Sumário: 1.- Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título;

2. Para o efeito da inversão do título de posse não basta a prova de que o corpus foi exercido à vista de toda a gente.

3. Importa, sim, que essa “inversão” seja inequivocamente direccionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de actos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal actuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa reclamada inversão do título possessório, em violação das regras da boa-fé.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            I
JM (…) intentou a presente ação de condenação, com processo ordinário contra 1- GS (…), 2- GM (…), e marido, JJ (…) e 3- JA (…), alegando, em síntese, o seguinte:
O Autor é filho de (…), neto de (…)e bisneto de (…) e mulher (…) casados em primeiras núpcias de ambos. Por morte de (…), bisavó do autor, correu o processo de inventário no Tribunal de Castelo Branco, tendo-lhe sucedido como herdeiros dois filhos: (…) e (…) e a meação da falecida dividida em 2 lotes com as letras “C” e “D”, fazendo parte da herança entre outros, a verba 16, ou seja: “ uma casa de altos e baixos com um quintal, pomar, oliveiras e videiras e mais pertenças, sita à Quinta do C(...), limite da freguesia de L(...), parte pelo norte, nascente, sul e poente com AA(...).” E a verba 25.
A verba 16 ficou a pertencer, na proporção de ¼ para a herdeira (…), ¼ para o herdeiro (…) e a restante metade para (…) correspondente à respetiva meação.
E a verba 25 ficou a pertencer ao indicado (…), preenchendo a sua meação.
Posteriormente faleceu (…), bisavô do autor, o qual contraíra segundas núpcias com (…) e que deixou como herdeiros, os já identificados filhos do primeiro casamento, e ainda sete filhos do segundo casamento: (…)
Dessa herança faziam parte, entre outros, as verbas aí descritas sob os números 20, 21 e 22 e 23, as quais correspondem à verba nº 16 do primeiro inventário e também a verba nº 25 a qual corresponde àquela que tinha o mesmo número no inventário anterior.
O herdeiro (…) adjudicou as indicadas verbas, sendo que relativamente às verbas com os números 20, 21, 22 e 23, (que correspondem à verba nº 16 do primeiro inventário) as mesmas só na parte pertencente à herança, ou, seja, excluindo ¼ das mesmas pertencente à sua irmã (…), decorrente da adjudicação do inventário anterior.
Em 21 de Maio de 1940 faleceu (…), que deixou testamento.
Sucede que o herdeiro instituído Seminário da Guarda renunciou à herança.
E a Junta da Paróquia não tinha à data do testamento, nem tem atualmente, existência legal.
As usufrutuárias já faleceram, a última das quais a referida (…).
Sucedem assim ao citado (…) os respetivos herdeiros legais.
Ora o Autor sendo filho de (…) e neto de (…), respetivamente sobrinha e irmã do falecido, a primeira casada com (…), todos já falecidos, é assim segundo primo do requerido, ou seja, colateral, em 3º grau do mesmo, e desta forma seu herdeiro legal – artigo 2133º, 1, alínea d) do Código Civil.
Os prédios identificados supra nos artigos 3º e 7º da presente petição correspondem aos que atualmente se encontram inscritos nas matrizes prediais rústicas sob os artigos 51 da Secção B e 5 da Secção C, e ainda ao artigo matricial urbano com o número 448, todos da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco.
E os Réus na sequência do óbito de M(…), última usufrutuária instituída pelo falecido (…), procederam ao registo a seu favor dos imóveis referidos e identificados supra, invocando sucessão hereditária e procedendo à respetiva inscrição dos mesmos na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob os números 1061/20990512 e 1124/20090624, registando-os a seu favor.
Acresce que, os prédios referidos encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob os nºs 10172 e 10173, 12978 e inscritos a favor do falecido (…).
Os Réus procederam à inscrição dos referidos prédios com violação do trato sucessivo, sendo pois o respetivo registo nulo – artigo 16º, alíneas a) e d) do Código do Registo Predial, nulidade que se requer se declare.
Desde a morte da última usufrutuária, há cerca de 2 anos, os RR. apropriaram-se das referidas propriedades, impedindo o respetivo uso e gozo pelos seus legítimos donos, não obstante as interpelações para procederem à entrega dos referidos imóveis.
Deduziu então o Autor, os seguintes pedidos:
a) Deve declarar-se que os prédios inscritos na matriz predial rústica sob o artigo 51 da secção B, e matriz predial urbana sob o artigo 484, denominados de Quinta do C(...) e Casal da P(...) são propriedade do Autor e demais herdeiros, por o haver herdado de sua mãe, que por sua vez o herdou de sua mãe, na proporção de ¼;
b) Deve ainda declarar-se que, o Autor e demais herdeiros de (…) são os proprietários dos restantes ¾ dos referidos prédios e ainda do que se encontra inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5 da Secção C, denominado de T(...).
c) Devem ser declaradas nulas as descrições prediais com os números 1061 e 1124 da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco, por terem sido efetuadas com base em títulos falsos e por violação do trato sucessivo e os registos efetuados a favor dos Réus.
d) Devem ser os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade e a restituir ao Autor os prédios referidos nas alíneas a) e b) do presente pedido, livres de pessoas.
e) Devem ainda os Réus ser condenados a absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte do Autor e demais herdeiros desses mesmos imóveis.
Contestaram os RR. impugnando parte da factualidade e alegando em suma:
Não existem quaisquer bens onde figure como sua proprietária (…) mãe do autor, do mesmo modo que nada consta sobre a sua avó, (…).
Nenhum dos bens constantes do documento nº4 possui qualquer identificação que permita relacioná-los com os descritos no doc. Nº8, ou seja, os prédios constantes da descrição deste último documento não têm referidos os artigos matriciais nem a respetiva descrição predial.
O A. confunde Junta de Paróquia Civil com a Junta de Paróquia Cooperativa da Igreja, porém ambas tiveram continuidade e funcionaram e funcionam como organismos distintos, pelo que se impugna o art.º 12 da PI.
Não se aceita tratarem-se de meras usufrutuárias as falecidas irmãs e sobrinha M(...), mas sim de possuidoras e legítimas proprietárias, no seu todo, dos bens cuja propriedade anteriormente pertencia ao J(...) e fora transmitida efetivamente àquelas.
O Padre (…) dispôs livremente de todos os seus bens, nos termos descritos no documento nº6 junto pelo A. com a sua P.I..
O padre (…) não tinha herdeiros legitimários, facto este que lhe possibilitava dispor dos seus bens livremente e no seu todo, conforme fez.
Torna-se por demais evidente a má-fé com que o A. age, ao intentar a presente ação.
Para além dos impostos liquidados, pagaram os R.R., porque lhes dizia respeito, montantes relativos a dívidas que oneravam os ditos prédios, às quais sempre o A. foi e é totalmente alheio.
Com a liquidação, concretamente, de um crédito hipotecário que recaía sobre um bem dos R.R. aqui alvo de reivindicação por parte do A., está patente um comportamento próprio e característico de quem é proprietário, zelando assim pelo cancelamento de um ónus ao invés da posição assumida pelo A..
Ora, só na convicção plena de que eram proprietárias e legítimas possuidoras do bem em apreço, o poderiam ter acautelado, liquidando o crédito hipotecário, conforme o fizeram, as sucessoras do Padre (…).
In casu, encontram-se reunidos os pressupostos legais elencados no artigo 1263º do Código Civil, porquanto foi adquirida a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, tendo ocorrido também pelas anteriores possuidoras a tradição material dos bens.
Em todo o caso sempre estaria ao alcance dos R.R. o instituto do usucapião, o qual poderia ser invocado apenas pelos Réus, dado que são estes os únicos que preenchem os requisitos constantes do artigo 1287º do C.C., logo só quanto a estes poderá tal preceito produzir efeitos.
Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se ao ano de 1943, altura do primeiro documento de repúdio por parte do Bispo D. Policarpo e, caso assim não se entenda, ao ano de 1972, data na qual, por escritura pública, se lavra o referido repúdio.
Concluíram e reconvieram, peticionando:
a) Ser a ação julgada improcedente por não provada, serem os R.R. absolvidos dos pedidos formulados pelo A. e, consequentemente, ser mantido o Registo a favor dos R.R. referente aos prédios descritos sob os números 1061/20090512 e 1124/20090624, aos quais correspondem os artigos matriciais, respetivamente, 51 da Secção B, 484 urbano e 5 da Secção C todos da freguesia de L(...), concelho e distrito de Castelo Branco;
b) Serem os R.R. considerados os únicos e exclusivos proprietários, donos e legítimos possuidores dos prédios descritos em a), abstendo-se o A. de causar qualquer perturbação que possa violar os direitos dos R.R..
c) Ser o A. condenado no pagamento de uma multa e indemnização aos R.R. por litigância de má-fé, em montante a fixar por esse Tribunal;
d) Ser o A. condenado no pagamento das custas processuais devidas e o mais dos Autos.
Foi proferido despacho saneador, nos termos do qual, além da fixação do valor da causa, se admitiu a reconvenção e se procedeu à seleção das matérias assente e controvertida.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que, foi proferida sentença que julgou:
1) parcialmente procedente a ação e, em conformidade:
- Declarou nulas as descrições prediais com os números 1061 e 1124 da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco, por terem sido efetuados com violação do trato sucessivo;
2) parcialmente procedente a reconvenção e, nesta conformidade:
- declarou o R. GS (…) proprietário dos seguintes prédios, segundo a descrição matricial atual:
- terra de mato, sobreiros, olival, cultura arvense em olival, cultura arvense rega e lima, figueiras, vinha, cultura arvense de regadio, cultura arvense, oliveiras, pinhal, pomar de citrinos, terreno estéril com quatro construções rurais e uma casa de habitação de r/c e 1º andar, a confrontar de norte, sul e nascente com estrada, e de poente com herdeiros de MJ(...), ribeiro e JJ(...), inscrito na matriz predial rústica, da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco, sob o art. 51, da secção B, e da matriz predial urbana, dos mesmos concelho e freguesia, sob o art. 484;
- terra de pinhal e mato, a confrontar de norte com JM(...), de sul com herdeiros de AD(...), JS(...) e outros, de nascente com FD(...)e herdeiros de MC(...) e outros, e de poente com limite da freguesia de S(...), inscrito na matriz predial rústica, da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco, sob o art. 5, da secção C.

Inconformado com tal decisão veio o Autor recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
1. As respostas a dar a cada uma das perguntas Q (artigo 10º da BI), S (artigo 12º da BI) T (artigos 13º e 13º-1) e U (artigo 14º da BI), deverão ser alteradas para: não provado.
2. A resposta à pergunta 7. da BI deverá ser provado que: Tais prédios ficaram a pertencer a (…) [padre J)]”.
Consequentemente,
3. Deverá a ação ser julgada procedente, declarando-se que o recorrente é herdeiro legitimário de J (…) também conhecido por (…) e que os prédios id.s nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte do referido (…) e os recorridos obrigados a reconhecer aquela qualidade e a restituir aqueles imóveis à herança, revogando-se a sentença recorrida naquele segmento.
4. Devera revogar-se a sentença recorrida na parte que julga procedente a instância reconvencional, dela se absolvendo o recorrente, mantendo-se no demais.
5. Foram violados os art.ºs 2075º e 2078º do CCivil.
A final requer que seja substituída a sentença recorrida por douto acórdão que dê provimento ao recurso.

Foram apresentadas contra-alegações.
Nas mesmas acusam o recorrente de proceder a uma seleção cirúrgica dos depoimentos, aproveitando apenas o que lhes é favorável, pugnam pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido.

                                                            II
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de 1ª instância:
A) JM (…), ora Autor, é filho de (…), neto de (…) e bisneto de (…) e mulher (…) casados em primeiras núpcias de ambos.
B) Da certidão emitida pelo Arquivo Distrital de Castelo Branco, datada de 24 de Abril de 2009, junta nos autos a fls. 25 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, consta que por morte de (…) correu processo de inventário no Tribunal de Castelo Branco tendo sido proferida sentença a 28 de Junho de 1911, transitada em julgado.
C) Da certidão emitida pelo Arquivo Distrital de Castelo Branco, datada de 24 de Abril de 2009, junta nos autos a fls. 25 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, consta que por morte de (…) correu processo de inventário no Tribunal de Castelo Branco tendo sido proferida sentença a 4 de Outubro de 1888, transitada em julgado.
D) J (…), filho de (…) e de (…), faleceu a 21 de Maio de 1940, no estado de solteiro.
E ) Por testamento público, J (…) declarou “que não tendo descendentes nem ascendentes passa a dispor dos seus haveres que à hora da sua morte se julgarem pertencerem-lhe pela forma que segue: deixa ao Colégio ou estabelecimento onde foi educado e ordenado sacerdote a posse plena das suas propriedades sitas na freguesia de L(...), concelho e distrito de Castelo Branco, com a obrigação de o mesmo estabelecimento ou Colégio, fundar uma escola no prazo de dois anos contados da data de falecimento das usufrutuárias que adiante vão ser mencionadas. Se findo aquele prazo de dois anos o Colégio ou estabelecimento não tiver dado cumprimento a esta sua vontade, transitará para a Junta da Paróquia de L(...), que uma vez recebidas fundará uma escola, um asilo para velhos ou dar-lhe-á a aplicação que entender, mas sempre em favor da beneficência pública. Que o usufruto de todas as suas propriedades fica pertencendo em partes iguais e enquanto vivas forem, às suas irmãs, (…), as suas primeiras professoras e a terceira donas de sua casa; à sua sobrinha, menor, (…) filha de seu irmão, (…), empregado no reformatório de SF(...) e a sua madrasta (…)...”.
F ) Por declaração datada de 9 de Fevereiro de 1943, junta nos autos a fls. 77, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, Cónego (…) Tribunal Judicial de Castelo Branco de Almeida, Vigário Geral da Diocese da Guarda, declarou desistir da herança de J (…) da qual renunciou.
G ) O prédio rústico, sito em Quinta da C(...) e Casal da P(...), da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz sob o artigo 51 da secção B, está descrito na Conservatória do Registo Predial do Castelo Branco sob o nº 1061/20090512.
H ) O prédio rústico, sito em T(...), da freguesia de L(...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz sob o artigo 5 da secção C, está descrito na Conservatória do Registo Predial do Castelo Branco sob o nº 1124/20090624.
I ) A aquisição dos supra referidos prédios encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco a favor dos Réus, pela Ap. 3970 de 2009/05/12 e Ap. 1512 de 2009/06/24, por sucessão hereditária de (…)
J (art. 1º BI) - Por morte de (…), bisavó do autor, sucederam-lhe como herdeiros dois filhos, (…).
K (art. 2º BI) - A meação de (…) foi dividida em 2 lotes com as letras “C” e “D”, fazendo parte da herança entre outros, a verba 16, que é “uma casa de altos e baixos com um quintal, pomar, oliveiras e videiras e mais pertenças, sita à Quinta do C(...), limite da freguesia de L(...)” e a verba 25.
L (art. 3º BI) - A verba 16 ficou a pertencer, na proporção de ¼ para a (…), ¼ para (…) e a restante metade para (…), correspondente à respetiva meação.
M (art. 4º BI) - E a verba 25 ficou a pertencer ao (…), preenchendo a sua meação.
N (art. 5º BI) - Por morte de (…), bisavô do autor, sucederam-lhe como herdeiros dois filhos do primeiro casamento, (…) e sete filhos do segundo casamento, a saber: (…)
O (art. 6º BI) - No processo de inventário por óbito de (…) foram descritas as verbas 20 – “Uma casa com altos e baixos, «a da residência», incluindo «a do forno» e o pedaço de terra que está entre a quinta denominada «do C(...)» e laranjal” -, 21 – “Uma quinta denominada «a do C(...)», situada no limite do L(...), com vinha, árvores e um palheiro” - e 22 – “Dois leirões ou duas sortes de terra de regadio, com árvores e um palheiro, tudo dentro da «quinta do C(...)», no sítio do casal velho, limite do L(...)”, que correspondem às descrições prediais da extinta Conservatória de S(...), n.ºs 10.173 - “No limite e freguesia de L(...) = uma vinha no sítio da Quinta do C(...)” – e 12 978 – “Limite e freguesia de L(...) = prédio que consta de uma quinta com casa, árvores e lavrados e tudo o mais que lhe pertence denominado «a Quinta do C(...)», no sítio do Casal Velho”.
No mesmo processo de inventário, por óbito de (…) foi descrita a verba 25 – «Uma tapada no sítio da O(...), limite do L(...)» –, que corresponde à descrição predial da extinta Conservatória de S(...), n.º 13.797 – “Limite e freguesia de L(...). Prédio que consta de uma tapada no sítio de O(...)”.
Na descrição 10.173, da extinta Conservatória de S(...), com data de 16 de Janeiro de 1901, foi averbada, com o n.º de ordem 4, a inscrição n.º 682, com fundamento no requerimento de (…), residente no L(...), pai de (…) correspondente à doação da respetiva quarta parte por (…) e as restantes partes, por lhe terem ficado a pertencer no inventário a que se procedeu por falecimento da sua mãe (…).
Nas descrições 12.978 e 13.797, da extinta Conservatória de S(...), com data de 7 de Agosto de 1911, foi averbada, com o n.º de ordem 2, a inscrição n.º 2.198, com fundamento no requerimento do Pe. J (…), a compra pelo mesmo pela quantia de 120 mil reis em hasta pública que se efetuou em virtude do inventário a que se procedeu por óbito de (…), com base na carta de arrematação extraída do inventário orfanológico por óbito do mesmo (…).
A descrição predial assente em G) reporta-se ao mesmo prédio registado sob as descrições 10.173 e 12.978, da extinta Conservatória do Registo de S(...).
A descrição predial assente em H) reporta-se ao mesmo prédio registado sob a descrição 13.797, da extinta Conservatória do Registo de S(...)”.
P (art. 9º BI) - À data do óbito (21.05.1940) J (…) não tinha descendentes nem ascendentes.
Q (art. 10º BI) - Desde, pelo menos, 1958, por si e seus antecessores, o R. GS (…) vem efetuando trabalhos de conservação e manutenção nos prédios identificados em G) e H).
R (art. 11º BI) - Sem que alguma vez tenha existido qualquer oposição, inclusive do autor.
S (art. 12º BI) - O que fizeram à vista e com conhecimento de toda a gente.
T (art. 13º e 13º.1 BI) - Na convicção de ser o respetivo dono.
U (art.14º BI) - É o R. GS (…) quem liquida os impostos relativos aos prédios identificados em G) e H).
V) (facto aditado ao abrigo do disposto no art. 659º, n.º 3, do C.P.Civil)
- M (…) faleceu a 16.08.1966;
- E (…)faleceu a 16.03.1977;
- M (…) faleceu a 10.04.1981;
- M (…) faleceu a 18.02.2009.

                                                            III
Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 684º nº 3 do VCPC/art. 635 nº 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 660º nº 2 /art.608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:
I - Da impugnação da matéria de facto
II – Da verificação dos pressupostos de facto para declarar-se que o recorrente é herdeiro legitimário de J (…) e que os prédios id.s nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte daquele e os recorridos obrigados a reconhecer aquela qualidade e a restituir aqueles imóveis à herança, não sendo reconhecido o direito de propriedade ao recorrido.

I - Da impugnação da matéria de facto
(…)
Desse modo, uma vez por nós conferido o acerto documental probatório que subjaz a tal conclusão – a qual de resto se retira igualmente dos factos elencados sob as alíneas G), H), I), J), K), L), M), N) e O) da factualidade provada - que vai no sentido de que o Pe. J (…) adquiriu a totalidade dos prédios objeto da presente ação, sem restrição de parte ou proporção, o que se afigura consensual, deferimos, nesse particular à pretendida alteração de matéria de facto, determinando que se adite à mesma, o seguinte facto:
“Tais prédios ficaram a pertencer J (…) [padre J (…)]”
- a intercalar entre as alíneas O) e P) da factualidade provada e, sujeitando-o à alínea O-1).
A impugnação da matéria de facto procede, assim, apenas quanto a este último facto.

II – Da verificação dos pressupostos de facto para se declarar que o recorrente é herdeiro legitimário de J (…) e que os prédios id.s nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte daquele e os recorridos obrigados a reconhecer aquela qualidade e a restituir aqueles imóveis à herança, não sendo reconhecido o direito de propriedade ao recorrido.
Peticiona o recorrente, em sede de recurso, que: 1- “a ação seja julgada procedente, declarando-se que o recorrente é herdeiro legitimário de J (…) também conhecido por (…)e que os prédios id.s nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte do referido J (…) e os recorridos obrigados a reconhecer aquela qualidade e a restituir aqueles imóveis à herança, revogando-se a sentença recorrida naquele segmento”.
Mais peticiona que 2- “seja revogada a sentença recorrida na parte que julga procedente a instância reconvencional, dela se absolvendo o recorrente”.
Ora, o pedido formulado em 1- difere dos pedidos formulados na ação.
Efetivamente, na petição inicial o Autor ora recorrente pede que os prédios identificados na ação sejam considerados propriedade do Autor e demais herdeiros (e não da herança): na proporção de ¼ por o haver herdado de sua mãe; na proporção de ¾ na qualidade de herdeiro de J (…).
Cremos, contudo, que no pedido formulado na p.i. (que os bens sejam considerados propriedade do Autor e demais herdeiros) cabe quantitativa e qualitativamente o pedido ora formulado (que os bens sejam considerados propriedade da herança), uma vez que a apropriação pela herança antecede a do herdeiro, pelo que nada obsta ao seu conhecimento.
Efetivamente o próprio tribunal recorrido qualificou a ação como de petição de herança e não de reivindicação de propriedade o que legitima que se repondere na existência ou não dos pressupostos de facto para o direito do Autor-herdeiro seja agora reconhecido, sob nova formulação.
Quanto ao pedido de reconhecimento do Autor como herdeiro legal de J (…), remetamos para a sentença.
Lê-se, na mesma:
 “A primeira questão que se coloca é a de saber se o A. é herdeiro do Pe. J (…), falecido a 21.05.1940, sem ascendentes nem descendentes (cfr. D) e P)).
O A. é filho de (…) e neto de (…) respetivamente sobrinha e irmã do Pe. J (…)
É, pois, o A. parente em 3º grau da linha colateral do Pe. J (…), vulgo, sobrinho neto.
Como é aceite unanimemente e decorre do art. 2031º, do C.Civil, “a fixação da hierarquia dos sucessíveis, a determinação dos efetivamente chamados, a definição dos seus direitos, são feitas pela lei ao tempo do óbito”.
Ora, tendo o Pe. J (…) falecido em 1940, o regime jurídico-civil aplicável é o instituído pelo Código Civil de 1867 (Código de Seabra).
Nos termos do art. 2000º (redação do Decreto n.º 19:126) inserido na secção V, relativa à sucessão dos irmãos e seus descendentes, “se o falecido, sendo filho legítimo, não deixar descendentes nem ascendentes e não dispuser de seus bens, herdarão os irmãos legítimos e os descendentes legítimos destes (…)”.
Assim, conclui-se que o A. é herdeiro do Pe. J (…) porque a lei aplicável assim o prevê, não se aplicando – contrariamente ao afirmado pelo A. – o vigente art. 2133º, n.º 1 d) do C.Civil.”
Assim, a sentença recorrida afirmou já que o Autor é herdeiro (legal) do Pe. J (…)
Mas o recorrente pretende que seja ele declarado herdeiro legitimário e não apenas herdeiro legal.
Recorrendo uma vez mais ao regime jurídico-civil aplicável ao tempo, instituído pelo Código Civil de 1867 (Código de Seabra), diremos que, à semelhança do regime atual, a lei previa a sucessão legitimária ao lado da sucessão testamentária e da sucessão legítima (e ainda a sucessão contratual).
A sucessão legitimária estava prevista nos artigos 1784º e seguintes, entendendo-se por “legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser aplicada pela lei aos herdeiros em linha reta descendente ou ascendente” (artigo 1784º).
Ora, uma vez que à data do óbito (21.05.1940) J (…) não tinha descendentes nem ascendentes, inexistem herdeiros legitimários do Pe. J (…)
Logo, não pode ao A. ser reconhecida a qualidade de herdeiro legitimário do mesmo.
Improcede, pois, tal pedido específico.
 
Sendo o A. recorrente tão só herdeiro legal (legítimo e não legitimário) e não testamentário do Pe. J (…) o efeito útil de tal qualidade na obtenção de qualquer proveito sucessório face aos imóveis em discussão, dependerá do que se decidir, quer quanto à eficácia do testamento e reconhecimento da existência de herdeiros testamentários (em discussão paralela noutra ação), quer quanto à manutenção ou não daqueles bens na herança do testador (em discussão nesta ação).

Pretende, ainda o recorrente se declare que os prédios id.s nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte do referido J (…) e os recorridos obrigados a reconhecer aquela qualidade e a restituir aqueles imóveis à herança.
Quanto à primeira parte de tal questão – declarar-se que os prédios id.s nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte do referido J (…) – remetemo-nos para o facto mandado integrar nos factos provados: “Tais prédios ficaram a pertencer a J (…)[padre J (…)]”, ou seja, os prédios em causa nos autos eram pertença de J (…), à data do seu falecimento, logo, integraram a sua herança.
Saber se ainda integram a sua herança, é questão que se prende com a resolução da última das questões do recurso – o não reconhecimento do reclamado direito de propriedade dos Réus.
Vejamos.
Por testamento público, J (…) declarou “que não tendo descendentes nem ascendentes passa a dispor dos seus haveres que à hora da sua morte se julgarem pertencerem-lhe pela forma que segue: deixa ao Colégio ou estabelecimento onde foi educado e ordenado sacerdote a posse plena das suas propriedades sitas na freguesia de L(...), concelho e distrito de Castelo Branco, com a obrigação de o mesmo estabelecimento ou Colégio, fundar uma escola no prazo de dois anos contados da data de falecimento das usufrutuárias que adiante vão ser mencionadas. Se findo aquele prazo de dois anos o Colégio ou estabelecimento não tiver dado cumprimento a esta sua vontade, transitará para a Junta da Paróquia de L(...), que uma vez recebidas fundará uma escola, um asilo para velhos ou dar-lhe-á a aplicação que entender, mas sempre em favor da beneficência pública. Que o usufruto de todas as suas propriedades fica pertencendo em partes iguais e enquanto vivas forem, às suas irmãs, (…)as suas primeiras professoras e a terceira donas de sua casa; à sua sobrinha, menor, (…), filha de seu irmão, (…), empregado no reformatório de SF(...) e a sua madrasta (…)...”.
Tendo ocorrido a instituição de herdeiros testamentários e, tendo as irmãs e sobrinha do testador, tido o gozo efetivo do direito de usufruto instituído no testamento, há que concluir que os bens em discussão nestes autos integraram a herança do Pe. J (…) e tiveram o destino por este determinado.
Pelo menos na sua primeira fase.
Pois que, o testamento por este deixado teve as seguintes implicações práticas que o indiciam como (ainda) não satisfeito: o colégio onde foi educado e ordenado sacerdote veio a renunciar à herança (cfr. F) e a identidade da sucessora ou substituta da Junta da Paróquia de L(...) está por determinar, estando pendente a ação ordinária (nº 505/11.8 TBCTB - 3º Juízo) intentada pela junta de freguesia de L(...), que arrogando-se sua substituta legal, pretende beneficiar da deixa efetuada àquela no testamento.

Aqui chegados, importa resolver a questão que pode obstaculizar o destino final testamentário e que constitui a última questão do recurso:
- Se os bens usufruídos pelas irmãs e sobrinha do testador foram objeto de uma inversão no título de posse pelo tempo e modo que permitam legitimar a sua aquisição por aquela sobrinha e seu marido, ora 1º Réu, a título de usucapião.
Julgando parcialmente procedente a reconvenção decidiu a sentença recorrida reconhecer ao 1º Réu o direito de propriedade sobre os imóveis em discussão nos autos.
Lê-se, a propósito na decisão recorrida:
«Pedem os RR. (…) b) Serem os R.R. considerados os únicos e exclusivos proprietários, donos e legítimos possuidores dos prédios descritos em G) e H), abstendo-se o A. de causar qualquer perturbação que possa violar os direitos dos R.R..
Releva, quanto ao R. G (…) a demonstração assente em Q), R), S), T) e U), que consubstanciam a prática de atos materiais reiterados, de tipo possessório, por um período de tempo – com fundamento na sucessão da posse - suficiente, mesmo que estivesse de má-fé (pelo contrário), para a aquisição do direito de propriedade por usucapião (cfr. os arts. 1256º, n.º 1, 1263º a), 1268º, n.º 1, 1287º e 1296º, do C.C.).
Procede, pois, parcialmente, este pedido reconvencional, no que ao R. G (…) concerne, pelo que se declara o mesmo proprietário dos seguintes prédios, segundo a descrição matricial atual: (…)».
Daqui resulta que a Mmª Julgadora reconheceu a existência duma aquisição originária – usucapião – nos atos de posse e na intenção que subjazem à factualidade exposta sob as alíneas Q), R), S), T) e U) e, nessa medida, reconheceu ao Réu o reclamado direito de propriedade.
Dúvidas não há, de que os bens vieram à posse do Réu, sua mulher e tias desta, na qualidade de usufrutuárias e que, enquanto não se determinou (ou vier a determinar) o beneficiário da posse plena, à herança cabia (ou ainda cabe) a nua propriedade.
E que, de acordo com o testamento, uma vez falecida a última das usufrutuárias deveria tomar posse dos bens, aquele a quem foi deixada a “posse plena” ou propriedade.
Assim não será se tiverem aqueles usufrutuários adquirido, por via do instituto da usucapião, a propriedade sobre os identificados imóveis.
Sabido que a posse exercida tanto pode ter por fundamento a propriedade como o usufruto (isso mesmo é reconhecido na sentença), importa apurar se ocorreu inversão do título de posse por parte dos usufrutuários e, com o ânimo de proprietários, pelo tempo necessário à usucapião.
A verificação da usucapião depende da concorrência de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo.
Para conduzir à aquisição da propriedade por via de usucapião, a posse tem, por sua vez, de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica. As restantes características - ser de boa ou de má-fé, ser titulada ou não - influem apenas no prazo. Tal resulta do disposto nos art.ºs 1258º a 1262º, 1287º e 1294º a 1297º do Cód. Civil.
Por outro lado, a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (de gozo) - art.º 1251º do mesmo Código.
E, necessita ela do concurso de dois elementos: o corpus, traduzido no exercício do poder de facto sobre a coisa, nos atos materiais sobre ela praticados, e o animus, elemento psicológico consistente na convicção da titularidade do direito a que corresponde aquele exercício material, na intenção de o detentor se comportar como titular desse direito por estar convicto de que dele dispõe. É o que resulta do disposto no art.º 1253º, al. a), também do Cód. Civil, que considera meros detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito. Ou seja, são meros detentores ou possuidores precários aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, não praticam sobre ela os poderes de facto com o animus de exercer o direito real correspondente, pelo que não podem adquirir por usucapião para si próprios.
Tanto assim que, como dispõe o art.º 1290º, os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, exceto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.
Trata-se de uma disposição em correspondência com o estatuído no art.º 1263º, al. d), que estabelece que a posse se adquire, entre outras situações, ali elencadas, por inversão do título de posse.
E isto porque a posse precária não é considerada verdadeira posse, isto é, posse em sentido jurídico, só o passando a ser após aquela inversão e sem eficácia retroativa.
E esclarece o art.º 1265º do Cód. Civil que a inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse.
Na apreciação de tal questão importa considerar o que resultou provado de relevante, ou seja, que:
- Desde, pelo menos, 1958, por si e seus antecessores, o R. G (…) vem efetuando trabalhos de conservação e manutenção nos prédios identificados em G) e H).
- Sem que alguma vez tenha existido qualquer oposição, inclusive do autor.
- O que fizeram à vista e com conhecimento de toda a gente.
 - Na convicção de ser o respetivo dono.
- É o R. G (…) quem liquida os impostos relativos aos prédios identificados em G) e H).
De tais factos poderá concluir-se demonstrado um corpus e um animus necessários à aquisição da propriedade por usucapião.
Mas porque o Réu, sua mulher (…) e tias desta, se tornaram apenas possuidores precários por via do usufruto, sendo a sua uma posse de coisa alheia, sem poderem alterar a sua forma ou substância (art. 1439 Cód. Civ.), a usucapião só ocorre se previamente tiver ocorrido a inversão do título de posse e depois de decorrido, a partir de tal inversão, o prazo necessário para tal aquisição.
Ora, como resulta do disposto no citado art.º 1265º, a inversão do título de posse pode ter lugar por duas vias: inversão por oposição do detentor, e inversão por ato de terceiro.
Quanto à primeira, teria a inversão de se operar mediante oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía.
“A oposição tem de se traduzir em atos positivos (materiais ou jurídicos) inequívocos (reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, atuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os atos se opõem.” (Henrique Mesquita, in Direitos Reais, 1967, 98).
Por outro lado, como referem, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ª ed., Vol. III, pág. 30, “torna-se necessário um ato de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía. … O detentor há-de tornar diretamente conhecido da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de atuar como titular do direito.”
Temos como exemplo comum o do inquilino que deixa de pagar rendas ao senhorio, assumindo perante este uma atitude de oposição ao seu direito de propriedade.
No caso concreto, uma vez falecida a última das usufrutuárias, deveria tomar posse dos bens aquele a quem foi deixada a “posse plena” ou propriedade, e que de acordo com o testamento seria a “junta da paróquia”.
Como se sabe, a identidade de tal pessoa – cuja denominação e funções se mostrava legalmente reconhecida antes da Implantação da República Portuguesa ,“extinta” em 1916 na sequência da política republicana de separação do Estado e da Igreja, mas com subsequente ressurgimento sob outra designação - está em discussão, podendo sê-lo, de acordo com o parecer Jurídico-Canónico junto aos autos a fls. 192 a atualmente intitulada “Fábrica da Igreja Paroquial”, ou a Junta de Freguesia, que assim, o reclama em ação própria.
Assim, o titular do direito de propriedade, ou seja, aquele que vai recuperar o direito pleno por via da consolidação, uma vez extinto o usufruto (por morte da última das usufrutuárias- art. 1476~do Cód. Civ.), não está ainda determinado.
Uma vez que, até à morte da última usufrutuária, essa qualidade de titular da nua propriedade cabia à herança indivisa, é ainda a herança indivisa a titular do direito de propriedade até ser determinada a identidade do herdeiro testamentário.
Mas porque, nos termos do disposto no art.º 2091º, n.º 1, do Cód. Civil, fora casos que para a hipótese dos presentes autos não interessam, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, quem representaria esta, ao tempo, bem como atualmente, são os herdeiros testamentários.
Uma vez que só contra os herdeiros podem os Réus exercer uma posse em nome próprio, capaz de inverter o título de posse e desse modo conduzir à usucapião, teriam os Réus que o fazer contra o herdeiro testamentário.
Aqui nos reencontramos com a identidade de herdeiro testamentário ainda não definida.
Para o efeito da inversão do título de posse não basta a prova de que o corpus foi exercido à vista de toda  a gente.
Como se refere no Ac. do STJ de 16.06.2009, P. 240/03.0TBRMR.S1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt[1]:
 “O detentor há-de tornar diretamente conhecido da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial quer extrajudicialmente) a sua intenção de atuar como titular do direito.
Não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na atuação dos detentores precários; importa, isso sim, que essa “inversão”, inequivocamente, seja direcionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de atos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal atuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa proclamada inversão do título possessório, o que seria de todo violador das regras da boa-fé.
E, referindo os ensinamentos de Henrique Mesquita:
“ […] A oposição tem de traduzir-se em atos positivos materiais ou jurídicos, inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, atuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a que os atos se opõem.
Além disso, é necessário que a oposição não seja repelida pelo possuidor através de atos que traduzam o exercício do direito que a este pertence” - “Direitos Reais”, Coimbra – 1967, págs. 98-99.
E, mais à frente :
 “Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado direto ou indireto – trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.
A inversão para poder ter-se por verificada teria, pois, de se dar por oposição dos Réus contra a herança representada pelo herdeiro testamentário, pois era em nome da herança que possuíam os prédios.
Mas, não só este não está determinado, como não invocaram os Réus, na sua contestação, qualquer facto, integrante dessa oposição direta à herança, determinante da inversão, pelo que, a não se ter verificado inversão por outro modo, tem de se entender que a posse exercida pelos Réus (ou 1º Réu) não é suscetível de conduzir à usucapião.
Quanto à segunda forma de inversão prevista no artigo 1265º do CC, teria de haver um ato de terceiro capaz de transferir a posse, sendo exemplo comum disso, precisamente, a situação em que o detentor é arrendatário, vindo mais tarde a convencer-se de que o verdadeiro proprietário do imóvel arrendado é um terceiro que não a pessoa que atuava como seu senhorio, pelo que o compra a esse terceiro, passando de seguida a comportar-se, em relação ao anterior senhorio, como dono do mesmo imóvel. Ou seja, de detentor do imóvel com ânimo de arrendatário, e portanto de possuidor em nome alheio, passou a possuidor deste em nome próprio, com ânimo de proprietário, havendo assim uma inversão do título de posse por ato de terceiro.
Na situação dos autos, porém, não há qualquer ato de terceiro que a tal conduza.
Donde que, não tendo sido substituído o título de “posse usufrutuária” pelo título de “posse plena”, em nome próprio, pelo meio legalmente consagrado para o efeito da inversão, nem sequer teve início a posse jurídica conducente à usucapião. [2]
Não pode ao Réu (nem a qualquer dos Réus) ser reconhecido o direito de propriedade sobre os imóveis em discussão.
Não tendo o Réu provado qualquer outro direito sobre os imóveis deverão estes ser restituídos à herança indivisa aberta por morte do referido J (…), para que se cumpra a deixa testamentária na totalidade.

Em suma:
- Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, exceto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título;
- Para o efeito da inversão do título de posse não basta a prova de que o corpus foi exercido à vista de toda a gente.
- Importa, sim, que essa “inversão” seja inequivocamente direcionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de atos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal atuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa reclamada inversão do título possessório, em violação das regras da boa-fé.
                                                                        IV
Termos em que acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso: deferindo-se parcialmente à impugnação do julgamento de facto e, parcialmente procedente o julgamento de direito, neste - improcedendo o pedido de reconhecimento do Autor como herdeiro legitimário, - mas procedendo, e desse modo se decidindo que os prédios identificados nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte do referido J (…), sendo o recorrido obrigado a reconhecer aquela titularidade e condenado a restituir aqueles imóveis à herança.
Apenas nessa medida se julga improcedente a instância reconvencional, mantendo-se tudo o mais decidido na sentença que não conflitua com o presente acórdão.
Custas por recorrente recorrido na proporção de ¼ e ¾, respetivamente.


 (Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )
 (João Moreira do Carmo)
 (José Fonte Ramos)

[1]  Assim sumariado:
(…) III) – Não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na atuação dos detentores precários; importa, isso sim, que essa “inversão”, inequivocamente, seja direcionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de atos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal atuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa proclamada inversão do título possessório, o que seria de todo violador das regras da boa-fé.

IV) – Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado direto ou indireto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.
[2] No mesmo sentido Ac. STJ de 07.07.2010, P.23/2000.P1.S1 (Silva Salazar) in www.dgsi.pt, assim sumariado:

I – Para que haja inversão do título de posse determinante do início do prazo necessário para que ocorra usucapião, importa, quando o imóvel detido se integre numa herança indivisa, que a oposição do detentor seja feita mediante atos positivos (materiais ou jurídicos) praticados contra e perante todos ou com o consentimento de todos e cada um dos herdeiros.