Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | EXEQUATUR PROCEDIMENTO REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 03/17/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA - TRIBUNAL DA FIGUEIRA DA FOZ – SECÇÃO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 38º E 53º DO REGULAMENTO 44/2001 (CE), DO CONSELHO, DE 22/12/2000. | ||
Sumário: | I – De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 38º do Regulamento 44/2001 (CE), do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada. II - De acordo com o artº 53º do Regulamento “A parte que invocar o reconhecimento ou requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade” (nº 1 do artigo), devendo, também, apresentar a certidão referida no artigo 54.º, sem prejuízo do disposto no artigo 55.º (nº 2 do artigo). III - Sendo certo que, ainda que de forma breve, a sentença estrangeira não deixe de estar fundamentada, ou seja, não deixe de conter motivação explicativa da condenação que aí se proferiu, o que importa salientar é que não é possível, no procedimento tendente à concessão do exequatur, proceder à apreciação do mérito da sentença estrangeira, pelo que não pode a 1ª Instância, nem pode o Tribunal da Relação, apreciar se esta decidiu bem, ou seja se decidiu de harmonia com as regras processuais que era mister observar e em função de uma correcta apreciação crítica dos elementos disponíveis. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - A) - Invocando o disposto no artigo 38º e ss. do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, veio J..., residente ..., Luxemburgo, requerer, no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, em 07/05/2014, que fosse conferida executoriedade à sentença proferida em matéria cível, em 24 de Março de 2011, pelo Julgado de Paz de Luxemburgo, que condenou o Requerido, H..., residente em ..., Figueira da Foz, a pagar-lhe a quantia de 10.000,00€, acrescida dos juros legais a partir da data do pedido em juízo até integral pagamento, tendo o Requerido sido aí também condenado no pagamento do montante de 300€, a título de indemnização, bem como no pagamento de todas as despesas e custas da instância. B) - Por decisão de 27/05/2014, o 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, declarou “…executória a decisão proferida a 24 de Março de 2011, pelo Julgado de Paz de Luxemburgo cuja certidão se encontra junta aos autos.”. II - Notificado desta decisão do T. J. da Figueira da Foz, dela veio recorrer o Requerido - recurso esse que foi recebido como Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - oferecendo, a terminar a sua alegação, as seguintes conclusões: ... Terminou pugnando pela revogação da sentença recorrida. O Apelado, na resposta que ofereceu, defendeu a manutenção da decisão recorrida. Por decisão proferida pelo Relator a fls. 130, depois de assegurado o contraditório, alterou-se de meramente devolutivo para suspensivo, o efeito do recurso. A questão objecto do presente recurso consiste em saber se algum dos fundamentos que o Apelante invoca para o efeito, obstam à declaração de executoriedade da decisão proferida pelo Julgado de Paz do Luxemburgo, executoriedade esta que o Tribunal “a quo” concedeu na sentença ora impugnada. IV - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir estão enunciados em I “supra”. B) - De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 38º do Regulamento 44/2001 (CE), do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000[2], relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada. De acordo com o artº 53º do Regulamento “A parte que invocar o reconhecimento ou requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade.” (nº 1 do artigo), devendo, também, apresentar a certidão referida no artigo 54.º, sem prejuízo do disposto no artigo 55.º (nº 2 do artigo). Nos considerandos que precedem o articulado do citado Regulamento, refere-se, entre o mais, que: «(16) A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado-Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, excepto em caso de impugnação. (17) A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado-Membro uma decisão proferida noutro Estado-Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua própria iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para uma decisão não ser executada.». Pedida, ao abrigo do art.º 38º, nº 1, do Regulamento, a declaração de executoriedade da decisão proferida num Estado-Membro, o que se expôs precedentemente ilumina o sentido do artº 41º ao determinar: "A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.º, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.º e 35.º A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo.". Compreende-se, pois, que decisões estrangeiras não possam, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito (cfr. artºs 36º e artº 45º, nº 2), e que o contraditório só seja assegurado na fase de recurso que a parte “vencida” interponha da decisão que conceder ou recusar o “exequatur” (Artº 43º, nºs 1 e 3), sendo que, nesse recurso, a declaração de executoriedade apenas poderá ser recusada ou revogada por um dos motivos especificados nos artigos 34.º e 35.º (artº 45º). Ora, os preceitos em causa (artºs 34.º e 35.º) têm o seguinte teor: Artigo 34.º Uma decisão não será reconhecida: 1. Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido; 2. Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer; 3. Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-Membro requerido; 4. Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido. Artigo 35.º: “1. As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do capítulo II ou no caso previsto no artigo 72.º”. Sendo certo que, ainda que de forma breve, a sentença estrangeira não deixa de estar fundamentada, ou seja, não deixa de conter motivação explicativa da condenação que aí se proferiu, o que importa salientar é que, como se referiu já, não é possível, no procedimento tendente à concessão do exequatur, proceder à apreciação do mérito da sentença estrangeira, pelo que não podia a 1ª Instância, nem pode este Tribunal, apreciar se esta decidiu bem, ou seja se decidiu de harmonia com as regras processuais que era mister observar e em função de uma correcta apreciação crítica dos elementos disponíveis. Como se diz no Acórdão do STJ de 20/11/2014 (Revista nº 7614/12.4TBCSC.L1.S1)[3], “Não é causa de recusa de exequatur a alegação de violação de normas ou princípios processuais que poderia ter sido invocada perante o próprio tribunal que proferiu a decisão, ou em via de recurso, de forma a que pudesse ter sido corrigida.”. Ou seja, na idêntica perspectiva que se descortina no Acórdão, também do STJ, de 20/06/2013 (Revista nº 1939/11.3T2AVR.C1.S1)[4]: ”… por via da proibição da revisão do mérito está vedado ao tribunal requerido o reexame da decisão proferida quanto a questão de facto (esta no que concerne ao julgamento das concretas questões de facto que tiveram lugar no processo onde foi proferida a decisão sub judicio estaria sempre excluída no recurso de revista, como se sabe) e à questão de direito, o único sentido possível da restrição do recurso previsto no art. 44º à matéria de direito é circunscrevendo esta aos fundamentos da recusa da concessão da executoriedade, a saber os previstos nos art.s 33º e 34º do Regulamento. Quer dizer: por força da proibição da revisão de mérito está vedada a impugnação, no tribunal do Estado-Membro requerido, da decisão (para que é pedido o exequatur) et pour cause a apreciação dos eventuais vícios (formais ou substanciais) de que enferme.”. Por outro lado, para conceder, fundamentadamente, o “exequatur”, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, só tinha de fazer o que fez e que explicitou na sentença ao dizer: «A decisão será imediatamente declarada executória, conforme art. 41.º do Regulamento, quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no art. 53.º, ou seja, quando a parte que requerer a declaração de executoriedade apresente cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade e a certidão a que alude o art. 54.º. No caso em apreço, o requerimento mostra-se instruído com cópia da decisão que satisfaz os requisitos de autenticidade, estando igualmente junta a certidão referida no artigo 54.º do Regulamento.». Significa isto que nem a sentença da 1ª Instância enferma de qualquer nulidade, designadamente de falta de fundamentação ou de omissão de pronúncia (previstas, respectivamente, nas alínea b) e d) do n.º 1.º, do art.º 615º do NCPC e que correspondem às alíneas b) e d) do nº 1 do artº 668º do antecedente CPC - o Apelante por lapso, certamente, imputava à sentença a nulidade da “al. d) do artº 668º, do CPC” - nem os fundamentos que o Recorrente invoca para atacar a declaração de executoriedade se enquadram naqueles que estão previstos nos artºs 33º e 34º do Regulamento, não sendo, por isso, susceptíveis de fundar a recusa do “exequatur”. O Requerido, afirmando que não se juntou à sentença cópia integral de DECISÃO do julgado de paz de Luxemburgo”, acusa a falta de notificação dessa Decisão estrangeira, com violação do 42º nº 2 do regulamento. Ora, sendo certo que do processo consta, integralmente, a sentença estrangeira em causa, a circunstância de a notificação da declaração de executoriedade não se fazer acompanhar dessa sentença - o que só é necessário diga-se, quando tal decisão não tenha sido anteriormente notificada à parte (artº 42º, nº 2, do Regulamento) -, não vícia a decisão que concedeu o exequatur, sendo essa omissão susceptível de integrar uma mera nulidade secundária (artº 195º, nº 1, do NCPC), a arguir no Tribunal de 1ª Instância no prazo de dez dias a contar do respectivo conhecimento (artº 149º, nº 1, do CPC), o que aqui não ocorreu. Inexiste, pois, qualquer fundamento que legitime, à luz do Regulamento (CE) nº 44/2001, a recusa da executoriedade que foi declarada na sentença recorrida, que não infringiu, assim, as disposições legais que o Apelante diz terem sido violadas, pelo que improcede a Apelação. V - Decisão: Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo Apelante. Coimbra, 17/03/2015 Luís José Falcão de Magalhães (Relator) Sílvia Maria Pereira Pires Henrique Ataíde Rosa Antunes [1] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação. [2] Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 12 de 16.1.2001, p. 1. [3] Relatado pela Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza. [4] Relatado pelo Exmo. Conselheiro Fernando Bento. |