Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
979/14.5TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXEQUATUR
PROCEDIMENTO
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - TRIBUNAL DA FIGUEIRA DA FOZ – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 38º E 53º DO REGULAMENTO 44/2001 (CE), DO CONSELHO, DE 22/12/2000.
Sumário: I – De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 38º do Regulamento 44/2001 (CE), do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.

II - De acordo com o artº 53º do Regulamento “A parte que invocar o reconhecimento ou requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade” (nº 1 do artigo), devendo, também, apresentar a certidão referida no artigo 54.º, sem prejuízo do disposto no artigo 55.º (nº 2 do artigo).

III - Sendo certo que, ainda que de forma breve, a sentença estrangeira não deixe de estar fundamentada, ou seja, não deixe de conter motivação explicativa da condenação que aí se proferiu, o que importa salientar é que não é possível, no procedimento tendente à concessão do exequatur, proceder à apreciação do mérito da sentença estrangeira, pelo que não pode a 1ª Instância, nem pode o Tribunal da Relação, apreciar se esta decidiu bem, ou seja se decidiu de harmonia com as regras processuais que era mister observar e em função de uma correcta apreciação crítica dos elementos disponíveis.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - Invocando o disposto no artigo 38º e ss. do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, veio J..., residente ..., Luxemburgo, requerer, no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, em 07/05/2014, que fosse conferida executoriedade à sentença proferida em matéria cível, em 24 de Março de 2011, pelo Julgado de Paz de Luxemburgo, que condenou o Requerido, H..., residente em ..., Figueira da Foz, a pagar-lhe a quantia de 10.000,00€, acrescida dos juros legais a partir da data do pedido em juízo até integral pagamento, tendo o Requerido sido aí também condenado no pagamento do montante de 300€, a título de indemnização, bem como no pagamento de todas as despesas e custas da instância.

B) - Por decisão de 27/05/2014, o 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, declarou “…executória a decisão proferida a 24 de Março de 2011, pelo Julgado de Paz de Luxemburgo cuja certidão se encontra junta aos autos.”.

II - Notificado desta decisão do T. J. da Figueira da Foz, dela veio recorrer o Requerido - recurso esse que foi recebido como Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - oferecendo, a terminar a sua alegação, as seguintes conclusões:

...

Terminou pugnando pela revogação da sentença recorrida.

O Apelado, na resposta que ofereceu, defendeu a manutenção da decisão recorrida.

Por decisão proferida pelo Relator a fls. 130, depois de assegurado o contraditório, alterou-se de meramente devolutivo para suspensivo, o efeito do recurso.
III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 (doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, no domínio da legislação pretérita correspondente, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[1]).

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se algum dos fundamentos que o Apelante invoca para o efeito, obstam à declaração de executoriedade da decisão proferida pelo Julgado de Paz do Luxemburgo, executoriedade esta que o Tribunal “a quo” concedeu na sentença ora impugnada.

IV - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir estão enunciados em I “supra”.

B) - De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 38º do Regulamento 44/2001 (CE), do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000[2], relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.

De acordo com o artº 53º do Regulamento “A parte que invocar o reconhecimento ou requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade.” (nº 1 do artigo), devendo, também, apresentar a certidão referida no artigo 54.º, sem prejuízo do disposto no artigo 55.º (nº 2 do artigo).

Nos considerandos que precedem o articulado do citado Regulamento, refere-se, entre o mais, que:

«(16) A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado-Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, excepto em caso de impugnação.

(17) A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado-Membro uma decisão proferida noutro Estado-Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua própria iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para uma decisão não ser executada.».

Pedida, ao abrigo do art.º 38º, nº 1, do Regulamento, a declaração de executoriedade da decisão proferida num Estado-Membro, o que se expôs precedentemente ilumina o sentido do artº 41º ao determinar: "A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.º, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.º e 35.º A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo.".

Compreende-se, pois, que decisões estrangeiras não possam, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito (cfr. artºs 36º e artº 45º, nº 2), e que o contraditório só seja assegurado na fase de recurso que a parte “vencida” interponha da decisão que conceder ou recusar o “exequatur” (Artº 43º, nºs 1 e 3), sendo que, nesse recurso, a declaração de executoriedade apenas poderá ser recusada ou revogada por um dos motivos especificados nos artigos 34.º e 35.º (artº 45º).

Ora, os preceitos em causa (artºs 34.º e 35.º) têm o seguinte teor:

Artigo 34.º Uma decisão não será reconhecida:

1. Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido;

2. Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer;

3. Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-Membro requerido;

4. Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido.

Artigo 35.º:

“1. As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do capítulo II ou no caso previsto no artigo 72.º”.

Sendo certo que, ainda que de forma breve, a sentença estrangeira não deixa de estar fundamentada, ou seja, não deixa de conter motivação explicativa da condenação que aí se proferiu, o que importa salientar é que, como se referiu já, não é possível, no procedimento tendente à concessão do exequatur, proceder à apreciação do mérito da sentença estrangeira, pelo que não podia a 1ª Instância, nem pode este Tribunal, apreciar se esta decidiu bem, ou seja se decidiu de harmonia com as regras processuais que era mister observar e em função de uma correcta apreciação crítica dos elementos disponíveis.

Como se diz no Acórdão do STJ de 20/11/2014 (Revista nº 7614/12.4TBCSC.L1.S1)[3], “Não é causa de recusa de exequatur a alegação de violação de normas ou princípios processuais que poderia ter sido invocada perante o próprio tribunal que proferiu a decisão, ou em via de recurso, de forma a que pudesse ter sido corrigida.”.

Ou seja, na idêntica perspectiva que se descortina no Acórdão, também do STJ, de 20/06/2013 (Revista nº 1939/11.3T2AVR.C1.S1)[4]: ”… por via da proibição da revisão do mérito está vedado ao tribunal requerido o reexame da decisão proferida quanto a questão de facto (esta no que concerne ao julgamento das concretas questões de facto que tiveram lugar no processo onde foi proferida a decisão sub judicio estaria sempre excluída no recurso de revista, como se sabe) e à questão de direito, o único sentido possível da restrição do recurso previsto no art. 44º à matéria de direito é circunscrevendo esta aos fundamentos da recusa da concessão da executoriedade, a saber os previstos nos art.s 33º e 34º do Regulamento.

Quer dizer: por força da proibição da revisão de mérito está vedada a impugnação, no tribunal do Estado-Membro requerido, da decisão (para que é pedido o exequatur) et pour cause a apreciação dos eventuais vícios (formais ou substanciais) de que enferme.”.

Por outro lado, para conceder, fundamentadamente, o “exequatur”, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, só tinha de fazer o que fez e que explicitou na sentença ao dizer:

«A decisão será imediatamente declarada executória, conforme art. 41.º do Regulamento, quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no art. 53.º, ou seja, quando a parte que requerer a declaração de executoriedade apresente cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade e a certidão a que alude o art. 54.º.

No caso em apreço, o requerimento mostra-se instruído com cópia da decisão que satisfaz os requisitos de autenticidade, estando igualmente junta a certidão referida no artigo 54.º do Regulamento.».

Significa isto que nem a sentença da 1ª Instância enferma de qualquer nulidade, designadamente de falta de fundamentação ou de omissão de pronúncia (previstas, respectivamente, nas alínea b) e d) do n.º 1.º, do art.º 615º do NCPC e que correspondem às alíneas b) e d) do nº 1 do artº 668º do antecedente CPC - o Apelante por lapso, certamente, imputava à sentença a nulidade da “al. d) do artº 668º, do CPC” - nem os fundamentos que o Recorrente invoca para atacar a declaração de executoriedade se enquadram naqueles que estão previstos nos artºs 33º e 34º do Regulamento, não sendo, por isso, susceptíveis de fundar a recusa do “exequatur”.

O Requerido, afirmando que não se juntou à sentença cópia integral de DECISÃO do julgado de paz de Luxemburgo”, acusa a falta de notificação dessa Decisão estrangeira, com violação do 42º nº 2 do regulamento.

Ora, sendo certo que do processo consta, integralmente, a sentença estrangeira em causa, a circunstância de a notificação da declaração de executoriedade não se fazer acompanhar dessa sentença - o que só é necessário diga-se, quando tal decisão não tenha sido anteriormente notificada à parte (artº 42º, nº 2, do Regulamento) -, não vícia a decisão que concedeu o exequatur, sendo essa omissão susceptível de integrar uma mera nulidade secundária (artº 195º, nº 1, do NCPC), a arguir no Tribunal de 1ª Instância no prazo de dez dias a contar do respectivo conhecimento (artº 149º, nº 1, do CPC), o que aqui não ocorreu.

Inexiste, pois, qualquer fundamento que legitime, à luz do Regulamento (CE) nº 44/2001, a recusa da executoriedade que foi declarada na sentença recorrida, que não infringiu, assim, as disposições legais que o Apelante diz terem sido violadas, pelo que improcede a Apelação.

V - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante.

Coimbra, 17/03/2015


Luís José Falcão de Magalhães (Relator)

Sílvia Maria Pereira Pires

Henrique Ataíde Rosa Antunes



[1] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[2] Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 12 de 16.1.2001, p. 1.
[3] Relatado pela Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza.
[4] Relatado pelo Exmo. Conselheiro Fernando Bento.