Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1053/19.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES SILVA
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
VÍTIMA MORTAL DE ACIDENTE DE TRABALHO
INEXISTÊNCIA DE BENEFICIÁRIOS COM DIREITO A PENSÃO
PRESTAÇÃO AO FUNDO
Data do Acordão: 01/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 112.º, 131.º, N.º 1, AL.ª C), DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO E 63.º DA LEI DOS ACIDENTES DE TRABALHO (LEI N.º 98/2009, DE 4-9).
Sumário:
I – Em coerência com o fim visado pelo art.º 112.º, nos termos do art.º 131.º, n.º 1, al. c), ambos do CPT, o juiz deve “[C]onsiderar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”, sendo-lhe vedado alterar oficiosamente esses factos em sede de sentença.

II – Dispõe o artigo 63º da LAT que “Se não houver beneficiários com direito a pensão, reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho uma importância igual ao triplo da retribuição anual”. O Estado, através de um fundo autónomo, Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), é assim um "beneficiário" da vítima mortal de acidente de trabalho.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

Juízo do Trabalho de Leiria - Juiz 3

1053/19.3T8LRA.C1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Fundo de Acidentes de Trabalho, gerido pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) intentou a presente ação declarativa contra:

-A... - Companhia de Seguros, SA”, e

-AA, pedindo-se que o acidente seja reconhecido e declarado como de trabalho, e as rés condenadas no pagamento da quantia de €54.835,20, equivalente ao triplo da retribuição anual que o sinistrado auferia à data do acidente, no montante anual ilíquido de €18.278,40, nos termos do disposto no art.º 63º da Lei 98/2009 de 04/09.

Alegou em síntese que no dia 20 de março de 2019, quando o sinistrado auxiliava o seu empregador na limpeza de um terreno, ao ser por este efetuado o corte de um eucalipto, o mesmo tombou e atingiu o sinistrado; provocando-lhe lesões que vieram a ser causa direta e necessária da morte; tendo falecido no estado de divorciado e sem quaisquer beneficiários, estando a sua responsabilidade infortunística laboral transferida pelo empregador para a ré seguradora, devendo considerar-se, para efeitos de cálculo da retribuição anual, a que foi declarada pela seguradora na participação do acidente de trabalho (de €5,44 x 8 horas x 30 dias x 14 meses).

A ré A... –Companhia de Seguros, SA, contestou, excecionando, em primeiro lugar, que a atividade florestal não está abrangida na cobertura das garantias da apólice, alegando ainda desconhecer se nas circunstâncias descritas o sinistrado trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização do 2º réu, e que, de todo o modo, o acidente resultou do incumprimento das normas de segurança aplicáveis ao sector florestal por parte do 2º réu (empregador), que não assegurou qualquer formação do sinistrado no âmbito da tarefa que desempenhava, a qual, a existir, teria evitado que aquele se colocasse no local onde estava aquando da queda da árvore; a não ser assim, o acidente deveu-se à violação de regras de segurança pelo sinistrado, dado o local onde se encontrava no momento do acidente; mais refere que para efeitos de retribuição anual, apenas aceita a transferência do montante de €10.531,54 (€5,44 /hora x 8 horas x 242 dias).

O réu empregador AA contestou, alegando em síntese que o sinistrado detinha muita experiência profissional na área da silvicultura, e que o mesmo se limitava a auxiliar o empregador procedendo a tarefas de menor complexidade como cortar mato e braças de árvores já abatidas, para as quais não era exigida qualquer formação profissional, desconhecendo o motivo pelo qual não configurou que a árvore abatida poderia cair na sua direção e não dimensionou o raio da queda.

Foi proferido despacho saneador, no qual se fixaram os factos assentes, enunciando-se o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se audiência de julgamento e na sequência da qual foi proferido sentença com o seguinte dispositivo:

“Julga-se totalmente procedente a presente ação e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a Ré “A... – Companhia de Seguros, SA” no pagamento, ao Fundo de Acidentes de Trabalho, a título principal, da quantia de 54.835,20€ (cinquenta e quatro mil oitocentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos);
b) Absolver o Réu AA do pedido contra ela formulado pelo Autor.

»Custas: pela Ré Seguradora (cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC), fixando-se o valor da causa em 54.835,20€.”

Inconformada com o decidido, a ré A... - Companhia de Seguros, SA interpôs recurso, com as seguintes conclusões que se transcrevem:

(…).

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo da seguinte forma:

(…).

O réu/recorrido AA respondeu ao parecer do Ministério Publico, nos seguintes termos:

(…).

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da decisão da matéria de facto.
2. Se a atividade que o sinistrado se encontrava a executar no momento do acidente não está abrangida pela atividade objeto do contrato de seguro e, por consequência, se não é a recorrente responsável pela reparação infortunística do mesmo.

                  FUNDAMENTOS DE FACTO

                  Na 1ª instância foi fixado a matéria de facto da seguinte forma:

                  “A) Factos provados:

                  (…).    

B) Factos não provados:

(…).

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Impugnação da decisão da matéria de facto.

De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Nos termos do artigo 341.º do Código Civil, a prova visa a demonstração da realidade de factos, sejam pertinentes e diz respeito aos factos que, carecendo de prova, sejam pertinentes para a decisão da causa, na medida em que integrem a causa de pedir ou que fundem as exceções perentórias deduzidas contra o pedido, e sejam controvertidos.

“Como tem sido salientado pela doutrina, a prova não visa a demonstração científica do facto subjacente a determinada asserção. A finalidade da atividade probatória é a indução, no decisor, de um estado subjetivo de convencimento a que corresponda uma decisão sobre a matéria de facto com conteúdo assertórico positivo ou negativo: este é, aliás, o sentido possível da decisão em matéria de facto.”[1]

 A apreciação pela Relação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo encontra-se limitada pelo art.º 640, pelo que o objeto do recurso corresponde aos concretos pontos da matéria de facto que tenham sido devidamente impugnados, identificados pelo recorrente como incorretamente julgados.

“Por sua vez, os meios de prova indicados pelas partes, nos termos do art.º 640.º/1/b) e n.º 2/b), assumem a natureza de argumentos probatórios e devem ser apresentados na motivação das alegações de recurso, conferindo seriedade à impugnação da decisão de facto. Contudo, o tribunal ad quem pode reapreciar qualquer elemento de prova que conste do processo, por força do princípio da aquisição processual – plasmado no art.º 413.º.”[2]

O TR deve alterar factos cuja decisão não foi impugnada com o fim de evitar contradições, à semelhança do que ocorre no art.º 662.º/3/b) e c), in fine, do CPC.

Sustenta o recorrente que os factos provados 6 e 7 da sentença, não respeitam a prova produzida e foram qualificados de forma errada.

6. AA tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...69, em vigor na data referida em 2, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho de BB no âmbito de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura” (CAE 01610), pela remuneração de 5,44 € x 8h x 30 dias x 14 meses, no total anual ilíquido de 18.278,40€.

7. Da proposta de seguro subscrita pelo 2º Réu e aceite pela Ré Seguradora consta que além da atividade da agricultura, eram efetuados trabalhos de limpeza de pinhal – doc. fls. 8 a 15.

Quanto ao facto provado sob o ponto 6:

O Tribunal a quo formou a sua convicção da seguinte forma:

“…o recibo de vencimento junto a fls. 56, relativo a março 2019, aponta para 20 dias de trabalho, sendo o dia 20 do mês o do acidente. Também a Seguradora, em todas as participações dos autos, reporta a remuneração do sinistrado por referência a 30 dias x 14 meses (em nenhum lado constando os 242 dias que se fizeram constar no auto de não conciliação, nem a sua forma de cálculo, por referência à média de dias trabalhados).”

Sustenta a recorrente que deve ser como não provado e ser repristinado o facto E), considerado como assente no despacho saneador, no qual consta AA tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...69, em vigor na data referida em C), a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho de BB no âmbito de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura” (CAE 01610), “pela remuneração de 5,44 € x 8h x 242 dias, no total anual ilíquido de 10.531,84 €”. Tal corresponde ao que a apelante e o 2º réu referiram no âmbito da tentativa de conciliação.

Cumpre decidir:

Escreveu-se no Ac. do TRC, de 25-10-2019[3]:

“É no auto de conciliação que globalmente se equacionam todos os pontos decisivos à determinação dos direitos do sinistrado, conforme resulta dos artigos 111º e 112º do CPT, seja no caso de acordo, seja na falta dele.

Na fase contenciosa apenas se pode exercitar os pontos ou factos por que o pedido não logrou acordo na fase conciliatória, ou seja, aqueles que ficaram por dirimir na fase conciliatória e que obstaram ao acordo total, à plena reparação, relativamente à pretensão e direitos que o sinistrado reclamou.

Do confronto daqueles normativos (artigos 111º e 112º do CPT) podemos concluir que não é possível a posterior discussão de questões acordadas em auto de conciliação, nem o posterior conhecimento de questões não apreciadas nem referidas nesse auto.

Os efeitos delimitadores da tentativa de conciliação no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho limitam a reclamação ou a proibição de questões que aí não foram suscitadas.”

Em coerência com o fim visado pelo art.º 112.º, nos termos do art.º 131.º n.º 1, al. c), ambos do CPT, o juiz deve “[C]onsiderar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”.

Consta do auto de não conciliação realizado no dia 21/02/2021 a Recorrente no âmbito do contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...69, apenas aceitou a responsabilidade pela retribuição de €5,44 x 8horas x 242 dias, num total anual de € 10.531,84.

A entidade patronal (2ª Ré) na mesma sede, tomou posição no sentido de ser essa a retribuição efetivamente auferida pelo sinistrado á data do acidente, assim, integralmente transferida para a Seguradora, Recorrente.

As partes, no mencionado contrato de seguro, acordaram, pois, em que, em virtude desse contrato, apenas se encontrava transferida para a recorrente a retribuição anual ilíquida de € 10.531,84.

Ficou consignado na alínea E) dos factos assentes no despacho saneador:

“AA tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...69, em vigor na data referida em C), a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho de BB no âmbito de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura” (CAE 01610), “pela remuneração de 5,44 € x 8h x 242 dias, no total anual ilíquido de 10.531,84 €.”

Concluindo-se que houve aceitação expressa e reportada à retribuição transferida, atento o disposto nos artigos 112.º n.º 1 e 131º n.º 1, al c) do CPT, ao proceder ao saneamento do processo não podia o Tribunal a quo deixar de ter considerado assente essa matéria, sendo-lhe vedado alterá-la oficiosamente em sede de sentença.

Assim sendo, assiste razão à recorrente quanto à retribuição transferida.

Quanto ao facto provado sob o nº 7:

Na sentença recorrida considerou-se: “E que da mencionada proposta de seguro subscrita pelo 2º Réu e aceite pela Ré Seguradora consta que além da atividade da agricultura, eram efetuados trabalhos de limpeza de pinhal (cfr. doc. fls. 8 a 15). E o risco, com esta indicação, foi aceite pela Seguradora.

Sendo o contrato de seguro de natureza formal (a lei exige, para a sua validade, a observância de forma escrita), a apólice (que consubstancia essa forma escrita), ou a minuta depois aceite pela seguradora, constitui formalidade “ad substantiam”.

A inclusão do trabalhador/sinistrado/falecido BB na apólice de seguro, é posterior à do outro trabalhador que a Seguradora refere (CC (09/07/2015 o primeiro, e 22/01/2015 o segundo), mas a “Acta nº 3” dela constante é idêntica quer em relação ao trabalhador CC, quer em relação ao BB – fls. 12 e fls. 15, e mantém válida a proposta inicial nas “indicações eventuais” – fls. 8 e 9 – que não é alterada aquando da inclusão do sinistrado na referida apólice, resultando assim abrangida a referida atividade florestal.”

Defende a recorrente em síntese que como já referiu na contestação apresentada e na reclamação efetuada a 13.01.2023 ao Despacho Saneador proferido a 9.01.2023, que não é possível dar-se como provado que o contrato de seguro celebrado entre a apelante e o 2º réu, titulado pela apólice ...69, no que ao trabalhador, aqui sinistrado, BB diz respeito, abranja trabalhos de limpeza de pinhal.

Conclui, dizendo deve apenas ser considerado como provado que: “No âmbito do contrato de seguro titulado pela apólice ...69, no que ao trabalhador, BB, apenas se encontram transferidos os riscos infortunísticos decorrentes de acidente no âmbito de serviço de agricultura”.

Cumpre decidir:

“O termo “proposta”, designa na gíria seguradora, um formulário pré-elaborado e impresso pelo segurador, e na posse das redes comerciais deste. Este impresso contém as informações contratuais que o segurador está obrigado a fornecer, a ficarem na posse do potencial tomador do seguro e, bem assim, vários campos de preenchimento obrigatório, identificando os elementos necessários à celebração do contrato (identificação do risco, sua localização, valor da coisa ou capital a segurar, garantias ou exclusões opcionais, prazo do contrato, fracionamento do prémio, identificação de eventuais beneficiários, etc.).[4]

A proposta consubstancia um projecto de contrato, cuja conclusão depende apenas da aceitação do destinatário. Nessa medida, terá de ser completa (definindo todos os aspectos que o contrato deverá cobrir e regular especialmente, firme (apresentando uma inequívoca e séria manifestação de vontade do proponente ou sentido de se vincular nos moldes do projecto contratual.

A apólice é constituída, nomeadamente, pelas condições gerais, especiais e particulares aplicáveis ao contrato (para além de outros documentos que a apólice expressamente identifique), dela devendo constar o conteúdo mínimo definido no artigo 37º da LCS.

Considerando, o teor das declarações resultantes das propostas de seguro com as datas de 22-01-2015 e 9-07-2015, assim como da apólice e da ata adicional, entende-se que a pretendida alteração não tem fundamento.

               Com efeito, analisando o teor da proposta de 9-07-2015, verificamos que a mesma é uma alteração, constando da 1ª folha que “além de indicar o número de apólice, o nome do Tomador do seguro e a data inicio pretendida, preencher somente os quesitos que são alterados”.

               Assim sendo, o facto de nada constar nas “indicações eventuais”, ao contrário da proposta de 22-01-2015, em que consta “Agricultura; limpeza de pinhal são trabalhos efetuados pelo funcionário”, não pode ter o significado pretendido pela recorrente; ou seja, de que o seguro em causa nos presentes autos não abrange trabalhos de limpeza de pinhal.        

               Acresce dizer que da apólice consta expressamente “Este contrato de seguro é constituído pelas condições gerais e especiais anexas e pelas presentes condições particulares e demais informação complementar que lhes serviu de base”, abrangendo assim a proposta de seguro.

               Importa ainda referir que tanto na apólice de seguro como na ata adicional consta como atividade segura: “Actividades dos serviços relacionados com a agricultura”; sendo certo que na motivação a apelante aceita “.., no caso no caso do sinistrado DD, aceita-se que no limite, por via da ressalva feita na sua indicação como segurado, no âmbito contrato de seguro titulado pela apólice ...69., vide pagina 4/5 da proposta de seguro, o contrato fosse extensível a acidentes ocorridos durante a limpeza de pinhal, já que tal menção consta efetivamente de documento escrito, preenchendo-se assim, neste caso, o disposto na parte final do art.º 35 do RJCS”.

               Em conclusão, entende-se que é de manter como provada a factualidade que consta do ponto 7.

                                                                                         x

               Fica assim definitivamente estabilizada a matéria de facto:

               Factos provados:

               1. BB faleceu no dia .../.../2019, no estado de divorciado, não tendo deixado familiares com direito a pensão.

               2. No dia .../.../2019, BB desempenhava funções inerentes à categoria de trabalhador florestal, que consistiam na limpeza de mato e braças de árvores já abatidas, auxiliando o 2º réu (AA) na limpeza de um terreno, enquanto este procedia ao corte de eucaliptos.

               3. À data, o BB exercia aquelas tarefas sob as ordens, direção e fiscalização do 2º réu, pelo menos desde 2015, a tempo parcial, mediante a remuneração de €5,44/hora x 8 horas, nos dias em que estivesse a trabalhar.

               4. Cerca das 11 horas desse dia, ao ser efetuado o corte de um eucalipto pelo 2º réu, com recurso a motosserra, este tombou e atingiu o BB.

               5. Em consequência do referido em 5, BB sofreu as lesões descritas no relatório da autópsia de fls.70 a 74 dos autos, que foram causa direta e necessária da sua morte.

6. AA tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...69, em vigor na data referida em C), a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho de BB no âmbito de “atividades dos serviços relacionados com a agricultura” (CAE 01610), “pela remuneração de €5,44 x 8h x 242 dias, no total anual ilíquido de €10.531,84.

7. Da proposta de seguro subscrita pelo 2º réu e aceite pela ré seguradora consta que além da atividade da agricultura, eram efetuados trabalhos de limpeza de pinhal.

Factos não provados:

a) Que o sinistrado, na data referida em 2, não possuísse formação e experiência na área de limpeza florestal ou mesmo de corte e abate de árvores.

b) Que nas circunstâncias referidas em 4, no momento do início do corte do eucalipto pelo 2º réu, o BB estivesse no seu raio de queda.

c) Que o sinistrado trabalhasse 242 dias x 8 horas por ano para o 2º réu.


2. Se a atividade que o sinistrado se encontrava a executar no momento do acidente não está abrangida pela atividade objeto do contrato de seguro e, por consequência, se não é a recorrente responsável pela reparação infortunística do mesmo.

Na sentença recorrida considerou-se: “Inexistindo culpa do empregador na produção do acidente, e não se podendo concluir, também, que o sinistrado tenha violado qualquer regra de segurança na produção do acidente, desconhecendo-se a dinâmica do mesmo, temos que a seguradora é responsável pela sua reparação, por força do contrato de seguro firmado com o primeiro, sendo que, na situação em apreço, e por força do preceituado no art.º 63º da LAT, tal implica, inexistindo beneficiários com direito às prestações por morte, que reverta para o FAT uma importância igual ao triplo da retribuição anual do sinistrado”.

A recorrente defende que não é aplicável ao sinistro dos presentes autos o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...69, porquanto apenas se encontram transferidos os riscos infortunísticos decorrentes de acidente no âmbito dos serviços de agricultura.

Ora, a sua absolvição do pedido dependia da alteração da matéria de facto quanto ao ponto 7, o que não foi atendido.

Assim sendo, e atendendo à factualidade dada como provada, dúvidas não existem de que a ré seguradora tem de ser condenada a pagar ao Fundo de Acidentes de Trabalho, a quantia correspondente ao triplo da retribuição anual do sinistrado (€10.531,84 x 3), ao abrigo do disposto no artigo 63º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).

Em face de todo o exposto, procede parcialmente a apelação, com consequente revogação da sentença recorrida, impondo-se a condenação da ré A... - Companhia de Seguros, SA a pagar ao autor Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de €31.595,52 (€10.531,84 x 3).

Dado o recíproco decaimento, as custas devidas nas duas instâncias ficam a cargo do apelante e apelada na respetiva proporção (artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC).

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando consequentemente a sentença, condenando a ré A... - Companhia de Seguros, SA a pagar ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de €31.595,52 (trinta e um mil, quinhentos e noventa e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).

Custas nos termos sobreditos.

                                                                                      Coimbra, 26 de janeiro de 2024

Mário Rodrigues da Silva- relator

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):

(…).
Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) Filipa Lira de Almeida, A Prova em Processo Civil- Estudos, AAFDL, 2024 (Coord. Miguel Teixeira de Sousa e Nuno Andrade Pissarra, Invalidade da convenção probatória que exclua algum meio de prova com fundamento na excessiva dificuldade de exercício do direito, p. 87.
([2]) Carlota Spínola, O Segundo grau de Jurisdição em Matéria de Facto no Processo Civil, AAFDL, 2022, p. 82.
([3]) Proc. 5068/17.8T8LRA-A.C1, relator Felizardo Paiva, www.dgsi.pt.

([4]) Luís Poças, O Dever de Declaração Inicial de Risco no Contrato de Seguro, 2020, pp. 57, 58, 59, 71 e 72.