Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
354/12.6TBFND.K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
DECLARAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 120, 121, 123, 125 CIRE
Sumário: 1.- A carta resolutiva deverá conter, ainda que sinteticamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do acto em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto, através da acção prevista no artº 125º CIRE, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados.

2.- Sem prejuízo de na resolução incondicional, prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva o acto em causa, o prazo em que foi outorgado, a data do início do processo de insolvência e ainda a circunstância de não respeitar a uma operação com real interesse para o insolvente.

3.- Se a carta resolutiva enviada pelo Administrador da Insolvência não indicar os fundamentos da resolução incondicional, a declaração de resolução comunicada através da mesma está ferida de nulidade e determina a procedência da acção instaurada para impugnação dessa resolução.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- RELATÓRIO
  1. Por apenso ao processo de insolvência de F (…) Lda., instaurou a A., S (…), Lda. acção de impugnação da resolução, prevista no art. 125º do CIRE, contra a Massa Insolvente daquela F (…) Lda., representada pelo Sr. Administrador da Insolvência (abreviadamente, AI), alegando, no essencial, que competia à massa insolvente alegar os factos que a lei, eventualmente, considera fazerem presumir a prejudicialidade tipificada no artigo 121º do CIRE, competindo-lhe, assim, articular os factos essenciais e concretos, que se inserem na previsão normativa que acolhe o direito, e alegar os factos constitutivos desse mesmo direito, o que aquele AI não fez, pois que, limitou-se a invocar a venda, a data e o seu objecto, omitindo até o preço ou outros quaisquer factos integradores da presunção de prejudicialidade, pelo que, não o tendo feito terá de ver naufragar o direito de resolução que invoca e, ainda, sem conceder, que não estão previstos os requisitos previstos no Art. 121º Nº1 h) do CIRE pela razões de facto que alega.

         Concluiu pedindo que seja julgada procedente a acção e, por via disso, declarar nula a resolução em benefício da massa insolvente que respeita ao contrato de compra e venda do veículo automóvel, marca Volkswagen, matrícula (...) BO.


  2. A Massa Insolvente contestou, sustentando, em síntese, que a realização de uma venda em 24/11/2011 de um veículo automóvel com a matrícula (...) BO, efectuada pela insolvente à A., eram os elementos do negócio que o A.I. conhecia, e podia conhecer, face ao que constava da certidão do registo automóvel, sendo que os restantes elementos do negócio não eram conhecidos do A.I. à data da carta resolutiva (foram os trabalhadores da insolvente que, em Agosto de 2012, informaram o A.I. que o veículo em causa passara para nome da A.); mais alegou que a acção instaurada pela A. seria de simples apreciação negativa se a resolução em causa fosse condicional; acontece que o A.I. invocou o art.º 121º do CIRE, isto é, a resolução do negócio em que a lei presume a prejudicialidade para a massa e a má-fé do terceiro interveniente naquele (artº 120º, nº 3 e 4 do CIRE); logo, cabe à A. provar que o negócio não foi prejudicial à massa insolvente e que estava de boa fé, como lhe cabe provar que a sua prestação foi equivalente à prestação da insolvente.
Conclui pela improcedência da nulidade invocada.

         3. Fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, no qual se apreciou a nulidade da resolução negocial invocada pela A., no sentido da respectiva improcedência, procedendo-se à fixação da matéria assente e controvertida, que se ficou sem reclamação.

         4. Inconformada com tal decisão que indeferiu a nulidade da resolução por si invocada, dela interpôs recurso a A., concluindo da seguinte forma as alegações que para o efeito apresentou:

         “ 1º- O douto despacho recorrido decidiu pelo indeferimento da nulidade invocada nos autos que afeta a declaração resolutiva em benefício da massa insolvente;

         2º- A resolução negocial operada foi realizada por carta registada, datada de 27 de Agosto de 2012, em que o administrador comunicou à recorrente que “nos termos conjugados do disposto no artigo 49º, nº 2, e na alínea h) do nº 1 do artigo 121º do CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) (…) ficam V. Exª notificados da resolução em benefício da massa insolvente da venda efectuada em 24/11/2011 pela ora insolvente a V. Exª. do veículo automóvel marca Volkswagen, matrícula 45-B0-37.”;

         3º- Os atos, referidos no artigo 121º do CIRE, são resolúveis independentemente de quaisquer outros requisitos com excepção dos requisitos aí previstos (incluindo os prazos nele referidos);

         4º- A declaração resolutiva, nos casos de resolução incondicional, tem de conter todos os fatos materiais que permitam preencher, por subsunção, qualquer uma das alíneas do nº 1 do artigo 121º do CIRE;

         5º- Este preceito legal elenca taxativamente todas as situações em que a resolubilidade do ato prejudicial não carece de alegação da má-fé;

         6º- O nascimento do direito de resolução, atenta a sua natureza de direito protestativo, depende da verificação dos requisitos legais;

         7º- Nesta conformidade, a declaração resolutiva tem de indicar os concretos fundamentos invocados para a legitimar;

         8º- A deficiência (ou, obviamente, a falta) de fundamentação não pode ser suprida em momento posterior na exata medida em que tem de fundar a declaração de resolução;

         9º- A declaração resolutiva tem de conter a alegação dos fatos constitutivos do direito de resolução, devendo indicar o ato em causa, o prazo em que foi outorgado e, ainda, as circunstâncias que o “reconduzem a algum dos casos previstos nas alíneas do nº 1 do artigo 121º do CIRE”;

         10º- A missiva resolutiva em causa limitou-se a identificar o tipo de negócio, o seu objecto e a data da sua celebração; nela se incluindo, para além desta matéria fatual, a invocação do disposto no artigo 121º, nº 1, alínea h), do CIRE;

         11º- “(…) um acto a título oneroso mesmo que praticado nesse período só é resolúvel se a obrigação nele assumida pelo insolvente foi manifestamente excessiva em confronto com a atribuída à contraparte. Configurando-se, pois, a clássica situação de leasio ultra diminuam, ou seja, a situação objectiva que também caracteriza a usura (artigo 282º do C. Civil) - L. Carvalho Fernandes e Jonão Lobareda in CIRE Anotado, vol. I, pag. 441º, 2006;

         12º- Assim, para além do tempo em que são praticados estes atos onerosos a lei atenta, ainda, no seu conteúdo, o que constitui um requisito autónomo para o seu preenchimento;

         13º- E foi no preenchimento deste requisito de conteúdo – ou seja, que a prestação assumida exceda manifestamente a da contraparte – é que a alegação resolutiva se mostra totalmente omissa;

         14ª- A declaração resolutiva é completamente omissa quanto ao preço e/ou ao valor de mercado do veículo e/ou a quaisquer outras circunstâncias fatuais que nos permitissem concluir pelo preenchimento do requisito da diferença “manifestamente excessiva” das prestações em causa;

         15º- Este défice fatual, por não conter a alegação de todos os fatos materiais que fundamentam a resolução ao abrigo do artigo 121º, nº 1, alínea h) do CIRE, inquina a declaração de resolução de nulidade;

         16º- Devendo, assim, proceder a invocada declaração de nulidade da declaração resolutiva operada em benefício da massa insolvente;

         17º- Foram violados, entre outros, o artigo 121º do CIRE “.

         Termina pugnando pela revogação do despacho proferido e, em consequência, pela substituição por outro que declare a nulidade da declaração de resolução em causa nos autos.

            4. A recorrida Massa Insolvente  contra-alegou em defesa da confirmação da decisão recorrida.

         - Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.



         II – ÂMBITO DO RECURSO

         Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), é a seguinte a questão a decidir:

         - saber se na resolução extrajudicial em vertente se verifica a falta de fundamentação fáctica (omissão dos elementos relevantes) da carta resolutiva do Administrador da Insolvência e se tal é determinante para a nulidade da respectiva resolução.

         III – FUNDAMENTAÇÃO

         A) De Facto
         Para decidir da nulidade invocada pela A., o Mmo. Juiz a quo assentou a sua decisão no teor da missiva enviada pelo AI à A., cuja cópia integra a certidão junta aos autos, a fls. 10, com o seguinte teor:
          
         “ Covilhã
         27/08/2012

         Ex.mo Senhor
         Os meus melhores cumprimentos.

         Nos termos conjugados do disposto no artigo 49º, nº 2 e na alínea h) do n.º 1 do artigo 121º do CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresa) e enquanto Administrador da Insolvência de F (…) Lda., cujos Autos de Insolvência registados sob o n.º 354/12.6TBFND correm termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, ficam V. Ex.ªs notificados da resolução em benefício da massa insolvente da venda efetuada em 24/11/011 pela ora insolvente a V. Ex.ªs. do veículo automóvel marca Volkwagen matrícula (...) BO.
         Assim, queiram V.Ex.ªs considerar resolvida a transação nos termos do preceito legal supracitado, devendo providenciar no sentido de o bem me ser entregue no prazo máximo de 10 ( dez ) dias, sob pena de ser ordenada a sua apreensão “.
 
  D) De Direito
  Vejamos, pois, se no caso de resolução contratual operada nos termos do Art. 121º nº1 [nomeadamente al. h)] do CIRE uma declaração como a acima referida se mostra válida ou, ao invés, se a mesma padece da invocada nulidade.
  A insolvência tem como escopo axial a satisfação paritária dos interesses dos credores, não sendo admissível a concessão de vantagens especiais a qualquer deles a partir do momento em que a situação de insolvência do devedor vem a ser conhecida. Daí que, caso o devedor tenha concedido alguma vantagem desse tipo no período suspeito anterior à declaração, a lei venha permitir à massa insolvente a recuperação das atribuições patrimoniais correspondentes. Para esse efeito, o administrador da insolvência pode determinar a resolução de actos e omissões em benefício da massa insolvente.

         O instituto da resolução em benefício da massa insolvente consagrado no CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), visou conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, qual seja o de dar satisfação, na medida das forças do património, dos créditos existentes à data da declaração da insolvência.

         Como defende Fernando Gravato Morais in Resolução em Beneficio da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pág. 47 « Os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem.

         Do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência.

         A finalidade é, pois, a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor »

         Regulada de forma pormenorizada nos artigos 120º a 126º do CIRE, a resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades:

         a) – a resolução condicional prevista nos artigos 120.º do CIRE; e

          b) a resolução incondicional regulada no artigo 121.º do mesmo diploma legal.

         Os requisitos da resolução variam, havendo que se distinguir entre requisitos gerais (Art. 120º do CIRE) e requisitos em relação a certas categorias de actos (Art. 121º do CIRE), falando a lei, neste último caso, em resolução incondicional.

         Os requisitos gerais de resolução, decorrentes do art. 120º, são os seguintes:

         a) realização pelo devedor de actos ou omissões;

         b) prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;

         c) verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;

         d) existência de má fé do terceiro.

         Já no caso da resolução incondicional a que se reporta o art. 121º do CIRE os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os actos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal- vide, neste sentido, Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 3ª ed., págs. 225/6.

         Pode-se assim afirmar, face à redacção destes dois preceitos do CIRE, que a lei estabelece dois tipos de presunções:

         Uma, no que toca aos actos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 121º, que são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos, daí decorrendo que se presumem prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário e que não é necessária a má fé do terceiro. Estamos aqui perante a denominada “resolução incondicional”, em que se dispensa o requisito da má fé e se consagra uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente dos actos indicados nas várias alíneas do art. 121º.

         Pondo de lado a resolução condicional por não ser de equacionar no caso em análise, dir-se-à que o Art. 121.º do CIRE confere um conjunto de actos ou negócios jurídicos que podem ser tidos como constituindo-se lesivos e prejudiciais para a massa insolvente, estipulando prazos para alguns dos actos, como é o caso da “constituição de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas” que poderá/deverá ser resolvido, incondicionalmente, dentro dos 60 dias anteriores à data do inicio do processo de insolvência. 

         Efectivamente, é no Art. 121º do CIRE que se estabelece a resolução incondicional, em benefício da massa insolvente, dos actos indicados nas alíneas a) a i), do nº 1, sem dependência de quaisquer outros requisitos, designadamente dos “actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte” (al. h)).

         Quer dizer, nas situações elencadas no nº 1 do Art. 121º do CIRE, a resolubilidade do acto prejudicial à massa insolvente não carece da demonstração da má fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (nº 4, do Artº 120º).

         Só se estiverem em questão actos enquadráveis em alguma das alíneas do nº 1 do art. 121º é que o AI está dispensado da alegação de tais fundamentos – da prejudicialidade e da má fé do terceiro, que se presumem «juris et de jure» [ presunção inilidível ] - bastando-lhe, nesses casos, a indicação precisa do negócio que é objecto do acto resolutivo, de modo a que o destinatário da respectiva missiva possa aperceber-se de que está em causa uma situação compreendida em tal preceito legal – vide, neste sentido, Carvalho Fernandes, in Efeitos Substantivos Privados da Declaração de Insolvência, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, 2009, pgs. 203-207, Gravato Morais, in ob. cit., pag. 164 e Acs. do STJ de 12.07.2011  e de 17.09.2009, Ac. da Rel. do Porto de 17.01.2012, Ac. da Rel. de Lisboa de 15.04.2010, Ac. da Rel. de Coimbra de 24.05.2011, e Ac. da Rel. de Guimarães de 26.03.2009, todos disponíveis  in www.dgsi.pt.

         Dito isto, há que concluir que, sem prejuízo de na resolução incondicional prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva o acto em causa, o prazo em que foi outorgado, a data do início do processo de insolvência e ainda a circunstância de não respeitar a uma operação com real interesse para o insolvente.

            É certo que a Lei não especifica o grau de fundamentação da carta resolutiva ou até mesmo se ela deve existir, pois que, tal não resulta do disposto do Art. 123º, do CIRE.

         Todavia, afigura-se-nos que tal carta resolutiva deverá conter, ainda que sinteticamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do acto em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto, através da acção prevista no Artº 125º, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados. – vide neste sentido, Gravato Morais, in ob. cit. pág.164. e Acs. Rel. Porto de 10.5.2011 e de 24.11.2011, disponíveis in www.dgsi.pt.

         E, será que no caso em análise a carta resolutiva enviada pelo AI à A. ora recorrente cumpre tais exigências?
  O tribunal a quo, apoiando-se na posição assumida nos autos pela massa insolvente, considerou que a alusão ao concreto negócio resolvido (por forma a poder ser identificado pelo destinatário) e à alínea do referido artigo 121º em que a mesma se funda (sendo despicienda a sua transcrição), permitirá alcançar o seu propósito e permitir o cabal exercício do contraditório, e, ainda, que ao invocar a venda de um veículo por parte da insolvente naqueles termos legais, o Administrador de Insolvência está claramente a indicar que a prestação assumida pela insolvente excedeu manifestamente a da contraparte, sendo que a mera leitura da petição inicial deixa bem claro que à impugnante não restaram dúvidas quanto ao negócio resolvido e à sua causa, considerações essas com base nas concluiu pela não verificação da nulidade da resolução invocada pela A. e ora recorrente.

         Concordando, embora, que não é necessário que na carta resolutiva o AI transcreva o preceito legal em que fundamenta a resolução do negócio em beneficio da massa - que para o efeito indica -,já não poderemos conceder que a mera indicação de tal preceito legal se mostre suficiente para permitir ao terceiro o direito de impugnar essa resolução, pois, sem conhecimento prévio dos pressupostos que fundamentam essa resolução, ainda que indicados de forma genérica e sintética, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada, aquele não está habilitado a deduzir contra a mesma qualquer impugnação.  

         Como se defende do Ac. do STJ, de 17.09.2009 já citado, cujo entendimento perfilhamos, « o impugnante (ou seja o aqui A.) tem o direito de saber por que factos ou razões concretos se tinha de considerar resolvido o negócio por ele celebrado, pois só assim se garantiria o efectivo contraditório.

         A acção de impugnação é pela sua natureza uma acção de contra-ataque, e, por isso tem o impugnante de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são desferidos.

         Só assim está ele em condições de poder demonstrar a insubsistência do acto resolutivo.

         O impugnante não vai atacar factos ou fundamentos que não lhe foram revelados na carta de resolução.

         Não pode ser surpreendido, por outro lado, com novos factos ou novas razões quando a acção de impugnação se encontra já em andamento.»

         No caso em vertente o AI comunicou à A. ora recorrente a resolução em benefício da massa insolvente do acto referente à venda do veículo de marca Volkswagen de matrícula (...) BO efectuada em 24.11.2011 pela insolvente aquela, nos termos do disposto nos Arts. 49º Nº2 e 121º Nº1 h) do CIRE.

         Depreende-se da indicação do preceito legal indicado pelo AI na carta resolutiva ( Art. 121º Nº1 h) do CIRE ) que o acto que origina tal resolução se trata de um acto a título oneroso realizado pela insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedem manifestamente as da contraparte.

         A verdade é que o AI em tal carta resolutiva apenas indica que o acto oneroso se trata de uma venda (de um veículo automóvel ) e quando é que a mesma teve lugar ( em 24.11.2011 ), omitindo, por um lado, a data em que teve início o processo de insolvência, e, por outro lado, quais os factos referentes a essa venda susceptíveis de traduzir que as obrigações nela assumidas pela insolvente excedem manifestamente as da contraparte.

         Desde logo, como parte não interveniente no processo de insolvência a A. ora recorrente não tem obrigação de conhecer a data de início do processo de insolvência, por forma a poder avaliar, se efectivamente, o acto cuja resolução lhe foi comunicada e que em que interveio ocorreu ou não dentro do ano anterior à data do início desse processo de insolvência, pois que, apesar de se poder aferir da identificação do processo de insolvência que consta da carta resolutiva que se trata de um processo instaurado no ano de 2012, tal é insuficiente para daí extrair se o mesmo foi ou não instaurado dentro do ano subsequente à realização do acto resolvido, sendo que, a resolução com dispensa de qualquer outro requisito, ou seja a resolução incondicional, que foi comunicada à A. só poderia verifica-se nos termos do normativo invocado pelo AI se a referida venda tivesse ocorrido dentro do ano anterior à data do inicio do processo de insolvência ( o que no caso em análise tanto pode ter acontecido, como não, dependendo para tanto, de ter sido instaurado o processo de insolvência antes de 24.11.2012 ou depois dessa data ).

         Para além disso, a carta resolutiva é absolutamente omissa a respeito da factualidade susceptível de integrar a previsão da citada alínea h), ou seja, os contornos do negócio ( venda do veículo ) resolvido susceptíveis de sustentar que as obrigações nele assumidas pela insolvente excedem manifestamente os da contraparte ( A. e ora recorrente ).

         Com efeito, a falta de indicação pelo AI na carta resolutiva das razões que o levam a resolver a venda do veículo automóvel, ou seja, a factualidade donde emerge que a insolvente assumiu obrigações manifestamente excessivas em relação às da contraparte, não permite a esta defender-se dessa resolução que assim lhe foi comunicada, desde logo porque podendo esse excesso de obrigações assumidas pela insolvente emergir de várias causas ( estipulação de preço inferior ao valor real do veículo objecto da venda, não pagamento do respectivo preço, etc. ) torna-se difícil à contraparte estruturar a impugnação que pretenda deduzir a essa resolução.

         E, tal assim é, que no caso em vertente se constata que a A. e ora recorrente, por mera cautela, e com vista a demonstrar que não estão verificados os pressupostos para a resolução que lhe foi comunicada, começou por alegar na P.I. qual o preço acordado para a venda do referido veículo automóvel ( € 6.000,00 ) e que esse preço corresponde ao valor de mercado de um veículo com as características daquele, concluindo, assim, que não se verifica o requisito da manifesta desproporção entre as obrigações assumidas pela insolvente e pela mesma no negócio em causa, quando é certo que, só em sede de contestação é que a massa insolvente “ levantou o véu “ sobre as razões que sustentam a dita resolução, ao nela aduzir que nenhum valor referente à venda do dito veículo entrou nas contas da insolvente, que essa venda só serviu para retirar o veículo do património da insolvente e que a A. não pagou qualquer preço pela aquisição dito veículo, o que determinou a A., perante tal alegação da R., a esclarecer, em sede de resposta, que à data do negócio era credora da insolvente e que o pagamento do preço do negócio em causa foi feito por meio de compensação que se tornou efectiva à data do negócio, por meio de declaração da A. à R., que por esta foi, então aceite.

         Ora, os fundamentos subjacentes à resolução comunicada pelo AI não podem ser dados a conhecer à contraparte que a pretende impugnar apenas no decurso da acção de impugnação dessa resolução por ela interposta no articulado de contestação nesta apresentado pela massa insolvente, ao invés, antes têm de chegar ao conhecimento dessa impugnante  antes da propositura de tal acção de impugnação, ou seja, através da carta resolutiva, pois, só assim a impugnante poderá esgrimir em tal acção de impugnação os seus argumentos por forma a demonstrar a insubsistência do acto resolutivo.
  Na decisão recorrida, entendeu-se que ao invocar a venda de um veículo por parte da insolvente naqueles termos legais, o Administrador da Insolvência está claramente a indicar que a prestação assumida pela insolvente excedeu manifestamente a da contraparte, e, ainda, que a mera leitura da petição inicial deixa bem claro que à impugnante não restaram dúvidas quanto ao negócio resolvido e à sua causa.

         Não poderemos concordar com tal posição, que entendemos, apenas, como forma de salvar a actuação menos correcta do Administrador da Insolvência, pois, perfilhando-a, tal significaria que nos casos de resolução incondicional não tinha aquele, na carta resolutiva, que indicar qualquer fundamentação para a declaração de resolução entendimento que, pela razões já expendidas, não sufragamos, para além de que, pela razões já aduzidas não se antolha correcta a afirmação no sentido de que a impugnante não teve dúvidas quanto à causa da resolução do negócio que lhe foi comunicada, porquanto, só depois de ter sido notificada da contestação apresentada na acção de impugnação pela massa insolvente é que apreendeu verdadeiramente que a causa da resolução que lhe havia sido comunicada  assentava no facto de não ter sido por ela pago qualquer preço pela aquisição do dito veículo.

         Por conseguinte, ao invés do que se considerou na decisão recorrida, entendemos que a declaração de resolução que foi efectuada pelo Administrador da Insolvência não se mostra fundamentada, o que significa que a mesma está ferida de nulidade.
         Por isso, impõe-se julgar procedente o recurso interposto pela A. ora recorrente, daí resultando a revogação da decisão recorrida e da consequente declaração de nulidade da resolução efectuada extrajudicialmente pelo Administrador da Insolvência através da carta datada 27/08/2012, o que determina a procedência da acção de impugnação instaurada pela A. ora recorrente.

        

         III- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. Sem prejuízo de na resolução incondicional, prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva o acto em causa, o prazo em que foi outorgado, a data do início do processo de insolvência e ainda a circunstância de não respeitar a uma operação com real interesse para o insolvente .

         2. Se a carta resolutiva enviada pelo Administrador da Insolvência não indicar os fundamentos da resolução incondicional, a declaração de resolução comunicada através da mesma está ferida de nulidade e determina a procedência da acção instaurada para impugnação dessa resolução.

         IV- DECISÃO

         Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, e, revogando-se a sentença recorrida, julga-se procedente a acção, declarando-se nula a resolução extrajudicial efectuada pelo Administrador da Insolvência através da carta datada de 27/08/2012,

         Custas a cargo da massa insolvente.

        

                                                                   

Maria José Guerra (Relatora)

Albertina Pedroso

Carvalho Martins