Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
338/12.4TACTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
FOTOCÓPIA
Data do Acordão: 11/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 255.º E 256.º, DO CP
Sumário: I - A simples falsificação de fotocópia não constitui, no plano jurídico-penal, falsificação de documento.

II - Mas já ocorre crime de falsificação de documento se a produção da fotocópia decorre de manipulação do original, cujo conteúdo é alterado.

Decisão Texto Integral:

Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

RELATÓRIO
1- No 2.º juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, no processo acima referido, foi a arguida A... julgada em processo comum singular, tendo sido a final proferida a decisão seguinte:

- Condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1 alínea e), por referência ao artigo 255.º alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- Condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, condenada na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de três anos e seis meses, subordinada à obrigação de a arguida pagar no prazo de um ano a indemnização arbitrada a B...;

- Absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional I.P.;

- Julgado totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante B... e, em consequência, condenada a arguida a indemnizar aquela na quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros à taxa legal a contar da data da notificação a que alude o n.º1 do artigo 78.º do CPP até integral pagamento;

2 - Inconformada, recorreu a arguida, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :

Impugnam-se os factos provados constantes dos n°1, 3, 4 e 23 da douta sentença recorrida, os quais devem ser considerados não provados.

Nenhuma das testemunhas ouvidas em sede julgamento falou acerca da forma como o certificado de B... terá sido alterado para que do mesmo passasse a constar o nome da arguida e os seus dados identificativos. Aliás, nem tal seria possível saberem ou terem qualquer tipo de conhecimento da forma como foi efectuada tal alteração de nome, pois tratam-se de testemunhas que têm conhecimento dos factos a posteriori.

Por outro lado, nos autos não consta qualquer documento que se faça passar pelo original, apenas uma simples fotocópia não autenticada ou verificada em confronto com o original.

A arguida não prestou depoimento e que ninguém testemunhou no sentido constante dos factos provados no n° 23, ante sim as testemunhas depuseram dizendo que a arguida é boa profissional, séria, disponível, boa amiga.

A arguida que não pode ser condenada pela utilização de documento falso, uma vez que uma cópia simples não se pode considerar um documento para efeitos do crime previsto no art.256° do C.P.

A consumação da burla ocorre com o empobrecimento material do lesado, embora se exija a intenção do agente obter para si (ou outrem) um enriquecimento, bastando para o efeito, ao nível objectivo, que se observe o empobrecimento não se exigindo a efectivação do enriquecimento do agente. (neste sentido Ac. RE de 25/07/2010; Ac. RC de 10/09/2008 in www.dgsi.pt).

O prejuízo patrimonial a que se refere o tipo de crime há-de ser medido pelo empobrecimento que a burla causou ao lesado, isto é pela diminuição verificada no seu património, em consequência do erro ou engano provocado pelo agente do crime.

Para este efeito não deverão ser consideradas as expectativas de lucro que o lesado teve ao praticar os actos lesivos.

A punição da burla é relacionada com o prejuízo efectivamente sofrido pelo ofendido. (neste sentido Ac RL de 13/04/200 in www.dgsi.pt".

A juiz "a quo" na fundamentação da condenação da arguida inverteu a situação partiu do enriquecimento da arguida para daí concluir pelo necessário prejuízo do IEFP, isto é que desembolsasse o valor pago.

Tal forma de interpretar o art.217° n° 1 do CP é inconstitucional por violar o princípio constitucional in dubio pro reo constante do art. 32° nº 2 da CRP, não se utilizando factos para a condenação do arguido.

Nos factos provados da douta sentença não consta qualquer facto que demonstre que o IEFP tenha visto a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão.

Na verdade, a própria juiz "a quo" afirma que "os valores a despender com o outro formador seleccionado seria equivalente ao despendido com a arguida", pelo que o IEFP sempre teria de despender de tal quantia para ter formadores que lecionassem os cursos de formação ministrados pela arguida.

Aliás, os curso ministrados pela arguida não foram anulados nem as aulas repostas, pelo que não existe qualquer dano para o IEFP ou para os formandos. Os cursos são financiados por fundos comunitários, os quais nunca foram repostos pelo IEFP, pelo que não existe qualquer prejuízo para esta instituição. Aliás, o enriquecimento da arguida quanto muito será passível de constituir um ilícito civil e não uma fraude constitutiva de burla. Não podendo por esta ordem de ideias tal enriquecimento servir de ponto de partida para a condenação da arguida, tal como o fez a meritíssima juiz "a quo".

Não está provado nos autos quem os terceiros (formadores preteridos) que possam ter sido prejudicados pela actuação da arguida.

Não está provado nem alegado qual a medida do seu prejuízo, nem qual a sua capacidade profissional.

Não se pode concluir por maneira alguma que os candidatos, ou candidato, viessem a ministrar todos os cursos que a arguida leccionou e a auferir tais quantias, uma vez que o candidato que fosse aceite para um dos cursos poderia não ser selecionado para o curso seguinte, ou seguintes, já que por cada curso eram abertas candidaturas e analisados novos curriculum.

Assim, não se sabe face à ausência de factos de quem foram as pessoas preteridas e qual valor que deixaram de receber.

Não se diga em abono da tese recorrida que a demandante civil, B..., terá sido prejudicada, várias vezes, porque mandou o seu currículo para o IEFP e nunca foi contratada quando poderia ter sido. Pois a B... concorreu ao IEFP de 1999 até 2002, isto é data anterior ao envio pela arguida da cópia do certificado de habilitações para o IEFP (cfr. n°05 dos factos provados), nunca conseguiu ser admitida, não se podendo concluir que a arguida é responsável pelas sucessivas recusas de admissão.

O crime previsto no art. 217° do CP é dependente de queixa (cfr. n°3 do citado artigo), sendo que o crime só é qualificado se o prejuízo for considerado de valor elevado ou consideravelmente elevado.

Nos autos desconhecem-se os candidatos alegadamente lesados e a extensão do seu prejuízo (valor que lhes caberia da formação), desconhecendo-se é, no mínimo, de valor elevado (não dependente de queixa).

Assim, por falta de queixa, de desconhecimento dos terceiros lesados e do montante do seu prejuízo, nunca a arguida poderia ter sido condenada.

Por outro lado, não devem ser consideradas as expectativas de lucro que o lesado teve com os actos lesivos para preencher o requisito de prejuízo patrimonial, tal como supra referido.

Na verdade, os alegadamente terceiros lesados mantiveram a situação económica igual a que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão, isto é não viram a sua situação económica diminuída.

Também, por estes motivos deve a arguida ser absolvida do crime de burla.

Não se consegue conceber como é que a arguida lesou a B..., uma vez que não está provado, nem há qualquer ligação directa, que esta seria contratada caso aquela não o tivesse sido.

Aliás, a B... candidatou-se ao IEFP desde 1999 a 2002 e nunca conseguiu ser admitida, nessa altura não se pode dizer, nem virtualmente, que a arguida é a culpada.

Por tal, não se pode dizer que no futuro foi a arguida quem a prejudicou e a impediu de ser admitida no IEFP.

Só após o início de 2012 é que a B... tomou conhecimento da situação, não se entende a não ser por pura vontade em "prejudicar" a arguida como é que ficou tão deprimida por não ter sido escolhida pelo IEFP e a arguida o ter sido, quando a lesada não tem um curriculum idêntico ao daquela, qual o dano que lhe foi causado pela arguida se não há qualquer certeza nos autos em que caso a arguida não fosse escolhida pelo IEFP o seria a demandante.

Face ao exposto, deve a arguida ser absolvida do pedido de indemnização cível formulado pela B..., uma vez que não há nexo de causalidade entre o acto e os alegados danos, aliás nem sequer há danos não se concebe o aparecimento de danos em 2012 porque alguém utilizou o certificado de habilitações para algo que sempre quisemos.

A revolta da lesada é para com o IEFP, devendo ser com este que deve ajustar contas e não com a arguida.

O crime de falsificação em que a arguida foi condenada é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. art. 256° n°01 do CP)

Caso se entenda, o que não se concede, que condenação da arguida deve ser mantida quanto a este crime, considera-se que tal pena é excessiva.

Considera-se que uma pena de multa seria suficiente para estarem assegurados os critérios de prevenção geral e especial, dada a ausência de antecedentes criminais e de a arguida estar afastada do ensino e estar integrada na sociedade.

Nestes termos, deve considerar-se procedente e provado do presente recurso, e em consequência revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se a arguida de todas as condenações.

3 - Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que, acompanhando o MP da 1.ª instância, se pronuncia pela improcedência do recurso. 

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

                                                  

5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente determinada, mas que se situa em data anterior a 15 de Janeiro de 2004, a arguida, por forma desconhecida, ficou na posse de cópia do certificado de habilitações de B... de licenciatura em sociologia pela universidade lusófona.

2. B..., aluna n.º (...), tirou o bacharelato em sociologia aplicada, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Castelo Branco, e posteriormente a licenciatura na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa, tendo-a concluído em 1999.

3. De posse de tal certificado, em data não concretamente determinada, mas anterior a 15 de Janeiro de 2004, alguém decidiu então fabricar um certificado de habilitações em nome da arguida, tendo para o efeito colocado um timbre da Universidade Lusófona, tendo de seguida colocado os elementos descritivos da identificação da arguida, seguida da descrição de cada uma das cadeiras que constitui cada um dos 4 anos do curso e da nota obtida e o número de aluna, que constavam do certificado de B....

4. Apôs-lhe a data de 24 de Agosto de 1999 e de três alegadas assinaturas como se tratassem das assinaturas do Director Cientifico-Pedagógico, do Administrador e da Secretária da Lusófona.

5. Assim fabricado tal certificado de habilitações, na posse do mesmo, a arguida remeteu-o, integrado no seu Currículo Vitae, ao Instituto de Emprego e Formação Profissional– Centro de Formação Profissional de Castelo Branco com vista a uma eventual contratação como formadora, tendo aquele sido aí recepcionado a 15 de Janeiro de 2004.

6. E, tendo a arguida sido, nessa sequência, admitida como formadora externa no Instituto de Emprego e Formação Profissional, tendo para tanto sido celebrado o contrato de prestação de serviços de formador externo/coordenador com o nº 2004/424/117, para o período compreendido entre 14/04/2004 e 17/06/2005, o qual data de 14 de Maio de 2004.

7. Para além do supra descrito, foram ainda celebrados outros 74 contratos de prestação de serviços de formador/coordenador, de formador ou de aquisição de serviços de formação, entre o período de 14/04/2004 e 26/01/2012, para diferentes locais de formação e com duração variável de contrato para contrato.

8. A partir de 18 de Março de 2009, as candidaturas eram enviadas on line e eram acompanhadas de vários documentos, de entre os quais certificado de habilitações e declaração sob compromisso de honra em como os documentos eram conforme os originais.

9. Em todos os 74 contratos realizados consta a menção de que a arguida possuiu como “(…) habilitações académicas e/ou técnicas Licenciatura em Sociologia“, não tendo a mesma dado a conhecer que tal informação não correspondia à verdade.

10. Tendo a arguida auferido a quantia global de 159.730, 08 €.

11. Porém, nunca a arguida obteve qualquer licenciatura em Sociologia, nem tão pouco sequer frequentou a Universidade Lusófona.

12. E era essencial a licenciatura em sociologia para a leccionação das seguintes acções de formação:

• 30 horas de Formação Sócio-Cultural na área de Sociologia • 30 horas de Cidadania e Sociedade, no curso de Instalação e Manutenção de Sistemas Informáticos • 103 horas de Formação de Base na área de Sociologia (Aprender com Autonomia 40 horas) + (Mediação Pessoal e Social: 7 horas X 9 meses = 63 horas) no Curso de Jardinagem e Espaços Verdes • 85 horas - PRA + 126 horas Mediação - Formação de Base Curso de Instalação de Solares Térmicos • 211 horas - (PRA i. 85 horas + Mediação i. 126 horas) Formação de Base Curso de Sistemas Solares Térmicos • 100 horas - Sociologia (Mundo Actual 25 horas + OSP 25 horas + Soco 50 horas) Curso de Técnicas de Acção Educativa • 159 horas - (40 horas Aprender com Autonomia + Mediação 119 horas) Curso de Práticas de Acção Educativa • 169 horas - Sociologia - Curso de Técnicas de Acção Educativa • 200 horas - Cidadania e Empregabilidade Formação de Base Curso de Serralheiro Civil • 200 horas - Cidadania e Empregabilidade i. Formação de Base - Curso de Cozinha • 50 horas - Sociologia - Sociocultural e Cientifica Curso de Técnicas de Acção Educativa • 200 horas - Cidadania e Empregabilidade - Formação de Base - Curso de Geriatria • 200 horas - Sociologia Formação de Base (Cidadania e Empregabilidade) Curso de Geriatria • 169 horas - Sociologia i. Formação de Base (CP i. 75 horas + 4 horas PRA) - Curso de Técnicas de Cozinha /Pastelaria • 145 horas - Sociologia - Curso de Olaria (Aprender com autonomia-40 horas + 105 horas de Mediação); • 214 horas - Sociologia - Curso de Animação Sociocultural • 209 horas - Formação de Base Sociologia (CP-75h+PRA-4h)(STC-85h+Codocência-40h+PRA-5h) Curso de Técnicas de Instalações Eléctricas • 75 horas - Formação Sociocultural e Cientifica - (50h i. Mundo Actual + 25h i. Sociologia) Curso de Técnicas de Acção Educativa • 209 horas - Sociologia Formação de Base – Curso de Técnicas de Acção Educativa • 85 horas - (Formação de Base i. PRA) + 98 h Mediação curso de Técnicas Comerciais • 40 horas - Sociologia + 126 h Mediação curso Apoio Familiar e à Comunidade • 64 horas - Sociologia - Formação de Base - (UFCO 5/7-35h + 2h PRA) curso EFA, Escolar Nível Secundário • 206 horas - Sociologia (Formação de Base i. Cidadania e Profissionalidade e Sociedade, Tecn. e Ciência) curso de Instalação de Sistemas Fotovoltaicos • 200 horas - Sociologia curso Apoio Familiar e à Comunidade • Aquisição de 300 horas de Sociologia para curso de Operadores de Máquinas Agrícolas • Aquisição de 248 horas de Sociologia para curso de Técnicas de Acção Educativa • Aquisição de 192 horas de Sociologia e coordenação para curso de Serviço de Bar • Aquisição de 200 horas de Cidadania e Empregabilidade Electricista de Instalações • Aquisição de 248 horas de Sociologia - Curso de Recepção em Hotelaria • Aquisição de 305 horas de Sociologia - Curso Técnicas Comerciais • Aquisição de 200 horas de Sociologia para curso de Jardinagem e Espaços Verdes • Aquisição de 192 horas de Sociologia para curso de Reparação de Carroçarias • Aquisição de 107 horas de Sociologia para curso de Jardinagem e Espaços Verdes • Aquisição de 167 horas de Sociologia para curso de Máquinas e Transformação de Madeira • Aquisição de 192 horas de Mundo Actual para curso de Serviço de Mesa • Aquisição de 130 horas de Sociologia para curso de Geriatria • 170 horas Sociologia para curso de Apoio Familiar e à Comunidade • Aquisição de 165 horas de Sociologia para curso de Cozinha • Aquisição de 220 horas de Cidadania e Mundo Actual para curso de Pastelaria/Panificação • Aquisição de 192 horas de Cidadania/Mundo Actual para Curso de Pintura de Veículos Ligeiros • 30 horas de formação em Cidadania e Mundo Actual para curso de Praticas Técnico-Comerciais • 220 horas de formação em Cidadania e Mundo Actual para curso de Serviço de Mesa • 165 horas de Formação em (Cidadania e Empregabilidade 160h +RVC 5 h) para curso de Cozinha • Aquisição de 165 horas de Formação em (Cidadania e Empregabilidade 160h +RVC 5h) para curso de Cozinha • Aquisição de 180 horas de formação de Cidadania e Empregabilidade - Curso de Manutenção Hoteleira • Aquisição de 160 horas de Formação de Mundo Actual - 106h; Formação para a Cidadania - 54h para Curso de Serviço de Andares em Hotelaria • Aquisição de 180 horas de formação de sociologia para curso de cozinha

13. E para as seguintes acções de formação a licenciatura em sociologia não era essencial, mas se o IEFP soubesse que a arguida não tinha a licenciatura em sociologia não a teria seleccionado para as leccionar:

• 174 horas - Ciências Sociais Formação Científico-Tecnológica - Curso de Geriatria • 20 horas de Técnicas Procura de Emprego para curso de Jardinagem e Espaços Verdes • Coordenação para curso de Cuidados e Estética do Cabelo • Aquisição de 20 horas de Gestão de Recursos Humanos para curso de Soldadura • Aquisição de 85 horas de Sociologia para curso de Geriatria • Aquisição de 20 horas de Técnicas de Procura Emprego para curso de Cuidados e Estética do Cabelo • Aquisição de 20 horas de Técnicas de Procura de Emprego para curso de Técnicas de Acção Educativa • 20 horas de Técnicas de Procura de Emprego para curso de Mecânica de veículos Ligeiros • 20 horas de formação em Técnicas de Procura de Emprego para curso de Práticas Técnico Comerciais • 85 horas de formação em Sociologia para curso de Geriatria • 20 horas de formação de Técnicas de Procura de Emprego curso de Electricidade de Instalações • 20 horas de formação na área de Técnicas de Procura de Emprego para Curso de Cuidados e Estética do Cabelo • 20 horas de Ambiente, Higiene e Segurança para Curso de Canalizações • 20 horas de Técnicas de procura de emprego para curso de Apoio Familiar e à Comunidade

• 20 horas de formação em Cidadania: Técnicas de Procura de Emprego para curso de Mecatrónica Automóvel • 20 horas de formação na área de Gestão de Recursos Humanos para curso de Pintura Automóvel • 10 horas de formação em Técnicas de Procura de Emprego para curso de Gestão de Sistemas Ambientais • 105 horas de formação em Sociologia/ Recursos Humanos (1.1, 1.2, 3.2, TPE UC04) do curso de Geriatria • Aquisição de 120 horas de formação em Sociologia para curso de Logística e Armazenagem • 20 horas de formação em Sociologia para Curso de Manutenção Hoteleira • Aquisição de 20 horas de formação em F. para a Cidadania e T. Procura de Emprego -curso de Mecânica Automóvel • Aquisição de 16 horas de formação de Técnicas de Procura de Emprego para curso de Técnicas de Acção Educativa • Aquisição de 36 horas de formação na área de Informática para curso de Práticas de Educação Infantil • Aquisição de 20 horas de formação de Sociologia para Curso de Técnicas de Venda • Aquisição de 20 horas de formação Gestão de Recursos Humanos para curso de Apoio Familiar e à Comunidade • Aquisição de 20 horas de formação de Gestão de Recursos Humanos para curso de Cozinha • Aquisição de 20 horas de Técnicas de Procura de Emprego curso de Reparação de Carroçarias • Aquisição de 20 horas de Técnicas de Procura de Emprego Curso de Soldadura • Aquisição de 120 horas de formação de Sociologia - Sócio Cultural - Curso de Técnicas de Informação, Documentação e Comunicação

14. A arguida actuou de forma livre, deliberada e conscientemente ao praticar os factos descritos, sabendo que não tinha nenhuma licenciatura em Sociologia, nem sequer havia frequentado a Universidade Lusófona, tendo no entanto apresentado tal documento com o seu currículo vitae junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional.

15. Sendo que a arguida apenas foi sucessivamente contratada por aquele instituto estar convencido que a mesma tinha tal licenciatura, tendo obtido assim um rendimento global de 159.730,08 €, que de outra forma não obteria porque não seria contratada.

16. A arguida actuou ainda de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de fazer o ofendido contratá-la para leccionar as diversas acções de formação que efectivamente leccionou, fazendo crer os representantes do ofendido que tinha uma licenciatura em sociologia, mencionando isso mesmo no seu curriculum vitae que para o efeito entregou ao ofendido, acompanhado do suposto certificado de habilitações, e levando a que o ofendido a contratasse para leccionar as formações acima descritas e para as quais não tinha formação tida por necessária ou, tendo-a, seria preterida a favor de outro formador mais habilitado.

17. Permitindo um enriquecimento da arguida no valor das remunerações que lhe foram pagas para esta dar formações que não podia por não ter habilitação ou que, tendo-a seria preterida a favor de outro formador mais habilitado, as quais perfazem o valor de € 159.730,08.

18. E provocando um prejuízo a todos os candidatos preteridos e que podiam ser contratados não fora a arguida ter invocado que era licenciada.

19. A arguida sabia que a sua conduta era proibida por lei.

20. B... sentiu-se desrespeitada, humilhada, vexada, triste, desgostosa e amargurada quando teve conhecimento que foram usados dados constantes do seu certificado de habilitações quer para fabricação do certificado falso quer para utilização posterior para a realização posterior de contratos de prestação de serviços por parte da demandada A....

21. A arguida é casada, vive com o marido e os dois filhos com 26 e 20 anos em casa própria adquirida com recurso a empréstimo bancário; a filha mais velha frequenta o curso de gestão hoteleira no Instituto Politécnico em Idanha-a-Nova e trabalha como empregada de balcão no Centro Comercial Alegro e o filho mais novo é estudante do curso de gestão de recursos humanos no mesmo estabelecimento de ensino; o marido é técnico no ramo de próteses auditivas e aufere um vencimento líquido de € 1.100,00 mensais; a arguida trabalhou num call center até Fevereiro, em parte time, e auferia um salário de cerca de € 400,00 mensais; voltou a ser readmitida e vai estar em formação perspectivando iniciar funções logo após tal período.

22. A arguida tem o 12º ano de escolaridade e um curso de formação profissional de secretariado.

23. A arguida apresenta uma postura caracterizada por fraco sentido autocrítico e de desresponsabilização face ao presente processo, manifestando dificuldade em perspectivar eventuais reparações do possível dano causado.

24. A arguida não tem antecedentes criminais.

E deu-se como não provado :

1. De posse do certificado de habilitações de B..., a arguida, em data não concretamente determinada, mas anterior a 15 de Janeiro de 2004, decidiu então fabricar um certificado de habilitações tendo para o efeito colocado um timbre da Universidade Lusófona, tendo de seguida colocado os elementos descritivos da sua identificação, seguida da descrição de cada uma cadeiras que constitui cada um dos 4 anos do curso e da nota obtida e o número de aluna, que constavam do certificado de B....

2. Apôs-lhe a data de 24 de Agosto de 1999 e de três alegadas assinaturas como se tratassem das assinaturas do Director Cientifico-Pedagógico, do Administrador e da Secretária da Lusófona.

3. A arguida actuou de forma livre, deliberada e conscientemente ao praticar os factos descritos, sabendo que o suposto certificado de habilitações havia por si sido fabricado.

                                          +

FUNDAMENTAÇÃO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas.

Porque vem questionada a matéria de facto e o juízo que levou à respectiva fixação, importa começar por deixar expostos os meios de prova e as razões de convicção do tribunal convicção, em resumo e com interesse :

«(...)  Para dar como provado que a arguida ficou na sua posse com um certificado de habilitações em tudo idêntico ao de B... mas falso, o tribunal teve em conta o documento constante de folhas 7 e 7 verso, a certificação da Universidade Lusófona no sentido de que a arguida nunca foi aluna daquela instituição, bem como a carta constante do anexo 4 do volume apenso enviada pela arguida ao IEFP onde admite não ser detentora da habilitação referente ao certificado apresentado.

Relativamente ao facto de a arguida ter remetido o certificado falso, em tudo idêntico ao verdadeiro pertencente a B..., para o IEFP integrado no seu currículo vitae com vista a uma eventual contratação como formadora, tendo o mesmo sido recepcionado naquela entidade em 15 de Janeiro de 2004, o Tribunal teve em conta o documento a que se refere o anexo 1 do volume apenso e donde consta um carimbo com data de recepção.

(…) A prova de que a arguida não tem qualquer licenciatura em sociologia e que não frequentou a Universidade Lusófona resultou da prova documental enviada pela Universidade Lusófona constante de folhas 41 e 42 e da carta enviada pela arguida ao IEFP constante do anexo 4 do anexo apenso.

Quanto ao facto de ser essencial para a leccionação das acções de formação constantes do ponto 12. adjudicadas à arguida, ser licenciado, o tribunal teve em conta a prova documental junto a folhas 83 e 84 bem como o depoimento da testemunha Jorge Manuel Carrega Pio. Esta testemunha, que prestou um depoimento que consideramos totalmente credível pela forma clara e objectiva como foi prestado, explicou ao tribunal que havia formações na área sócio-cultural que dão equivalência escolar, e acções de formação tecnológica, e que nas primeiras era política do IEFP escolher apenas pessoas licenciadas, o que já não acontecia nas formações tecnológicas já que nem sempre era possível encontrar pessoas licenciadas nas áreas de formação: pedreiros, calceteiros, cabeleireiros, etc. Esta testemunha explicou, ainda, que caso a arguida não tivesse apresentado o certificado de habilitações falso, nunca seria contratada para dar formação já que, como explicou, exigiam sempre para dar formação pessoas licenciadas mesmo que tal não fosse exigido por lei, como no caso das formações descritas no ponto 13. dos factos provados (…)».

Começa a recorrente por dizer que uma cópia simples ( do certificado de habilitações literárias ) não se pode considerar um documento para efeitos do crime previsto no art.256° do C.P.

Mas não tem razão.

Por um lado, consta dos factos provados (e do confronto da fotocópia que adiante se refere com os documentos emitidos pela Universidade Lusófona, que atestam que a recorrente nunca frequentou aquela instituição e que a fotocópia não corresponde à verdade) que a arguida ficou na posse de cópia do certificado de habilitações de B... de licenciatura em sociologia pela universidade lusófona, e que alguém decidiu então fabricar um certificado de habilitações em nome da arguida, tendo para o efeito colocado um timbre da Universidade Lusófona, tendo de seguida colocado os elementos descritivos da identificação da arguida, seguida da descrição de cada uma das cadeiras que constitui cada um dos 4 anos do curso e da nota obtida e o número de aluna, que constavam do certificado de B...; pôs-lhe a data de 24 de Agosto de 1999 e de três alegadas assinaturas como se tratassem das assinaturas do Director Cientifico-Pedagógico, do Administrador e da Secretária da Lusófona.
Por outro lado, consta do disposto no art. 255º a) do Cód Penal a noção de documento. E segundo tal preceito legal, documento é a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente.
Depois, segundo as regras da experiência ( que a sentença recorrida também refere ), é manifesto que a falsificação em causa só pode ter sido feita à medida da recorrente, uma vez que só ela teria interesse em usar tal documento com vista a leccionar aulas de formação profissional. Uma falsificação feita à medida, portanto.

Por isso acompanhamos o que a decisão recorrida conclui, como tem de se concluir face aos elementos de prova testemunhais e documentais: «(…) Da facticidade dada por provada e não provada conclui-se, também, que o certificado de habilitações supostamente emitido pela Universidade Lusófona, onde descreve que a arguida A... obteve aproveitamento em todas as disciplinas do curso de licenciatura em Sociologia daquela universidade, e como tal, concluiu tal curso, também é intelectual ou ideologicamente falso, porquanto, o conteúdo do documento não é verdadeiro (…) » dúvidas não há de que a arguida utilizou o certificado de habilitações falsificado, e da sua utilização tirou vantagens, nomeadamente, leccionou no Instituto de Formação Profissional de Castelo Branco durante 8 anos (…)».
Como se vê de tal preceito legal, e como defende a Dra. Helena Moniz ( in O crime de falsificação de documentos, da falsificação intelectual e da falsidade em documento, pag. 174 ), o legislador pretendeu, desde logo, dizer que a declaração tem que ser idónea a provar determinado facto ( juridicamente relevante ). Não nos diz que o documento é idóneo para provar o facto. Pelo que, logo à partida, nos apresenta um conceito bastante indeterminado de documento, enquanto objecto material onde é representada de forma duradoura aquela declaração – nas palavras da lei “ escrito“.
No entanto, do citado normativo legal pode concluir-se que o documento é a declaração idónea a provar facto juridicamente relevante ( declaração esta que tem que estar corporizada numa qualquer matéria – escrito, disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico -), sendo o documento tal declaração.
Tal entendimento vem, aliás, no seguimento da doutrina que considera que o elemento primordial que permite distinguir o documento de outros objectos é precisamente o facto de integrar uma declaração de um pensamento humano. E só assim se compreende que o crime de falsificação de documento proteja o específico bem jurídico que é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório, pois é apenas tendo confiança nas declarações inscritas em documentos que é possível basear toda a vida jurídica naqueles.

Ora, uma fotocópia de um outro documento que contem elementos narrativos ou informativos falsos integra a previsão de documento do citado normativo, pois que pode ser utilizada para provar determinados factos quando tal acontece a partir de um original que é suposto a fotocópia representar fielmente.

Ou seja, a falsificação de fotocópia não constitui o crime de falsificação, mas já o será se a produção da fotocópia resulta da manipulação do original (ac STJ, de 20-12-2005, CJ/STJ, ano XIV, t. III,. p. 255 ). E no mesmo sentido o Ac STJ, de 12-2-2006 ( proc. 06P3663, www.dgsi.pt ): «Uma vez que o documento para efeitos de direito penal é a declaração e não o objecto ou suporte material da declaração, a simples falsificação da fotocópia, do suporte do documento, não constitui falsificação de documentos, pois não se verifica uma falsificação de um documento enquanto declaração, já que a fotocópia, em si, constitui um suporte que não permite reconhecer o emitente da declaração, e em relação à qual (fotocópia) encontram diluídos os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico. Situação distinta é aquela em que o próprio acto de produção da fotocópia é, também, instrumento de manipulação do original fotocopiado, cujo conteúdo é alterado por essa forma. Tal alteração pode ser efectuada através da montagem do texto original, ou da sua digitalização, mas constitui sempre uma alteração do documento original que está a ser fotocopiado e, como tal, inscreve-se nos elementos constitutivos do crime de         falsificação previsto no art. 256.º, n.º 1, al. a), do CP».

Portanto, a falsificação de uma fotocópia é coisa distinta da falsificação do documento através da fotocópia, já que neste caso estamos a utilizar o fotocópia como o meio técnico que nos permite a falsificação.

Põe a recorrente em dúvida que tenha havido qualquer prejuízo patrimonial em relação ao IEFP.

Mas a decisão recorrida, e bem, conclui que houve prejuízo patrimonial.

Diz-se em tal decisão :

« (…) O bem jurídico protegido no crime de burla é o património, constituindo a burla um “crime de dano, que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro”, como decorre directamente da própria descrição do artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal. A burla constitui, também, “um crime material ou de resultado, que se consuma com a saída das coisas ou valores da esfera da “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima; sendo um “crime com participação da vítima”, onde o resultado, ou seja, a saída das coisas ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular resulta de um comportamento do próprio sujeito passivo, a consumação ocorre quando este resultado se verificar, isto é, quando ocorrer o empobrecimento patrimonial de lesado.

(…) a burla constitui um crime de resultado parcial ou cortado, já que elemento relevante para a consumação não é a concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito, ao nível do tipo objectivo, que se observe o empobrecimento (= dano) da vítima. A consideração deste elemento subjectivo permite, como se salientou, qualificar a burla como um crime de resultado cortado ou parcial, não havendo “coincidência na extensão dos elementos objectivos e subjectivos do tipo: no plano objectivo basta o prejuízo patrimonial da vítima (ou de terceiro); ao nível subjectivo requer-se uma intenção de enriquecimento que não carece de concretização objectiva” (cfr., MARIA FERNANDA PALMA e RUI CARLOS PEREIRA, op. cit, pág. 323).

(…) património entendido como o conjunto de todas as “situações” ou “posições” com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica; ou a globalidade dos bens economicamente valiosos que uma pessoa detém com a aquiescência da ordem jurídica (cfr. Almeida Costa,  Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 283 e segs.). O “prejuízo patrimonial”, enquanto elemento do tipo objectivo e, por isso, requisito da consumação do facto, tem de ser, pois, identificado com um conceito objectivo-individual de dano patrimonial, que traduza uma diminuição da posição económica efectiva do lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano. Nesta compreensão, que resulta directamente da construção do tipo objectivo de burla no Código Penal, não basta para a consumação do crime a entrega de dinheiro ou móveis, ou quaisquer fundos ou títulos, exigindo-se a verificação indispensável de um efectivo prejuízo patrimonial: só há burla consumada quando se verifica um prejuízo patrimonial. O prejuízo patrimonial relevante corresponde, assim, a um empobrecimento do lesado, que vê a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão. A medida do empobrecimento efectivo será, deste modo, avaliada pela diferença patrimonial entre o “antes” e o “depois”, tendo como contraponto económico-material (e não típico nem jurídico) o enriquecimento, próprio ou de terceiro, procurado pelo agente do crime.

(…) mas a verdade é que caso não tivesse sido contratada, sempre o Instituto de Emprego e Formação Profissional de Castelo Branco teria contratado outros formadores licenciados e teria pago o serviço prestado.

Não assiste, porém, qualquer razão à arguida. De facto, é certo que seria contratado outro formador para dar formação que deixou de o ser com a contratação da arguida. E também não será menos verdade que os valores a despender com o outro formador seleccionado seria equivalente ao despendido com a arguida. Contudo esta aparente falta de prejuízo só releva em sede de pedido de indemnização civil, pois que, em sede criminal, ocorreu vantagem patrimonial para a arguida e naturalmente só pode ter ocorrido prejuízo patrimonial para o IEFP, correspondente ao valor pago, pois que o IEFP desembolsou à arguida o valor de € 159.730,08 e ficou diminuído no seu património. Portanto, o uso do certificado de habilitações e consequente contratação da arguida, determinou que o IEFP desembolsasse o valor pago (…)».

 A acompanhar a posição da recorrente, teríamos de cair no inevitável vício da insubstancialidade e da contradição. Porque levada até ao fim aquela lógica, a actuação em causa sempre ficaria impune e confinada no limbo do esquecimento. Veja-se por exemplo a cartomante que induz alguém a entregar-lhe uma dada quantia com a promessa de resolver os problemas de saúde do cliente, e depois percebe que tal quantia era para ser doada a uma terceira pessoa. Ou que alguém destina dada quantia para uma instituição social, mas antes de morrer é vítima de um crime de burla e perde tal quantia. Com a ingenuidade própria dos anjos, podemos dizer que em qualquer caso essas pessoas ficariam sem os montantes em causa, e portanto que não sofreram qualquer prejuízo!

Ou, em outros termos, a concepção jurídico-penal-económica de património remete-nos para uma concepção de prejuízo económico que obriga a uma heurística particular : a de que tudo se deve aferir em cada caso concreto ( cfr Almeida Costa, ob. cit, p. 282-283 ).

No caso concreto, a verdade é que a instituição em causa pagou salários à recorrente que de outro modo não pagaria à mesma ; se ia pagar a outros formadores ou não, mas aceitando que sim, o benefício da recorrente significou o prejuízo do Instituto. Ou seja : no caso concreto o Instituto teve um prejuízo, e não nos pode ocupar saber que destino seria dado àquele dinheiro.    

E por isso não há qualquer violação do principio da presunção de inocência. É aliás ir demasiado longe  que neste caso a arguida podia beneficiar de uma qualquer dúvida : se ela ilegitimamente enriqueceu o seu património (num valor aliás nada negligenciável e arrastando-se por longos e penosos 8 anos) à custa de uma falsificação, como entender que deveria o tribunal tê-la como um ser angélico e que ninguém foi prejudicado?

Depois, atendendo ao valor do prejuízo e ao disposto no art. 202.º-d) do Cód Penal, o crime é qualificado e não depende de queixa particular, pelo que não inexiste a condição de procedibilidade a que a recorrente faz referência.

Num ponto a recorrente tem razão. Diz ela que não se consegue conceber como é que a arguida lesou a B..., uma vez que não está provado, nem há qualquer ligação directa, que esta seria contratada caso aquela não o tivesse sido. Aliás, a B... candidatou-se ao IEFP desde 1999 a 2002 e nunca conseguiu ser admitida, nessa altura não se pode dizer, nem virtualmente, que a arguida é a culpada.

E na verdade não há qualquer nexo de imputação da acção da arguida ao facto de aquela B... ter sido preterida nos concursos para admissão de formadores. Sem dúvida que a arguida, com o currículo que apresentava, era uma competidora, como haveria outros a competir.

Aqui disse o tribunal que « Foi, assim, a demandante responsável pela tristeza, amargura e sentimento de injustiça que a demandante sentiu e continua a sentir. É, assim, a arguida responsável pelos danos não patrimoniais causados à ofendida B...  e que embora sejam prejuízos morais, nem por isso deixam de ser merecedores da tutela do Direito (artigo 496.º, n.º1, do Código Civil) ».

Mas nada nos diz que foi a conduta da recorrente que causou tais danos : se a dita ofendida concorreu e não foi selecionada, se ela não sabia da candidatura da arguida (e provavelmente nem esta sabia daquela), se não está evidenciado que a dita ofendida representou qualquer humilhação ou menosprezo em face da actuação da arguida (só posteriormente pôde saber da utilização dos seus dados na candidatura da arguida), como dizer que há um nexo entre a conduta e os alegados danos?

Isto dito, claro que se não pode manter a condenação na parte em que institui como condição que a pena suspensa fique subordinada à obrigação de a arguida pagar no prazo de um ano a indemnização arbitrada a B....

Finalmente, diz a recorrente que a pena é excessiva, sendo bastante uma pena de multa.

Nesta parte a sentença disse, no essencial :

«(…) a culpa da arguida é de grau elevado, atendendo a que sendo a arguida a própria beneficiada com a declaração falsa aposta no documento falsificado actuou livre e voluntária e conscientemente ao utilizar o certificado de habilitações falsificado, que bem sabia não ser verdadeiro.

As exigências de prevenção geral são também de grau elevado e as de prevenção especial mostram-se elevadas já que a arguida embora não tenha antecedentes criminais apresenta uma postura caracterizada por fraco sentido autocrítico e de desresponsabilização face aos factos praticados.

O grau de ilicitude é elevado, atendendo à forma e propósitos com que foi utilizado o certificado de habilitações falsificado e o aproveitamento que a arguida fez dele durante cerca de 8 anos.

O dolo é intenso.

(…) Por outro lado, apenas ocorre nos autos como circunstância a favor da arguida o facto de não ter antecedentes criminais.

(…)importando restabelecer a confiança na validade das normas violadas [“reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”], no caso em análise a mesma não se satisfaz apenas com a pena de multa, desde logo, tendo em atenção por um lado a necessidade de uma eficaz protecção e tutela dos bens jurídicos violados e, por outro, a própria reinserção social da arguida. Assim, o Tribunal entende que a opção pela pena de prisão é a que melhor satisfaz as exigências de prevenção do ilícito (…)».

E, na verdade, o dolo é intenso ( 8 anos de persistente embuste ), tudo a revelar uma personalidade avessa às normas da lealdade e preferindo o lucro à frente de tudo. São muito fortes as razões ligadas à prevenção geral porque este tipo de comportamento, além de levantar suspeitas sobre a probidade de certos meios da sociedade, incentiva a mentira, a fraude e o embuste como formas para o sucesso fácil, além de que o benefício ardilosamente obtido é elevado.

Deve tomar-se como modelo de determinação da medida da pena que melhor se adapta ao disposto no CPenal aquele que comete à culpa a função (única) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena ; à prevenção geral ( de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite  máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos ---- dentro do que é consentido pela culpa ---- e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o" quantum" exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente (ou, em certos casos, de advertência e/ou de segurança)----- para nos exprimirmos com as palavras de Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3.º, Abril-Dezembro, p.186 ----, pelo que não será legitimo denegar a substituição da pena privativa de liberdade em nome de considerações retiradas da culpa.
Isto é, e como o traduzem os art 70.º e 71.º do C.Penal, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), determinados em função da culpa, intervindo os demais fins dentro destes limites (cfr Claus Roxin, Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 94 ss). Até ao limite máximo consentido pela culpa, a medida da pena deve considerar a exigência da tutela dos bens jurídicos, o “quantum“ de pena indispensável para manter a crença da comunidade na validade e eficácia da norma, e, por essa via, o sentimento de segurança e confiança das pessoas nas instituições ; depois, dentro desta «moldura de prevenção», actuarão as funções assinaladas à prevenção especial, a saber, a função de socialização, a advertência individual e a neutralização do agente. (No mesmo sentido, entre outros : Ac STJ, de 2-3-94, BMJ,435.º - 499 ; Ac STJ, de 16-1-90, BMJ, 393.º - 212 ; Ac STJ, de 15-5-91, BMJ, 407.º - 160 , Ac STJ, de 31-5-1995, BMJ, 447-178 ss ; Ac STJ, de 12-3-2009, proc. 09P0237, www.dgsi.pt).

Quer isto dizer que em termos de prevenção especial importa que a recorrente evite situações do género e que com aquela pena encontrada pela decisão recorrida se realizam também as funções assinaladas à prevenção geral (negativa ou de intimidação : dissuadir outros de praticar crimes do mesmo tipo ; prevenção geral positiva ou de integração : manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força das suas normas).

                                          +

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos :

I - Concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência , absolve-se a arguida do pedido cível em que foi condenada, mantendo-se no mais a decisão recorrida, com excepção da parte em que  determina a suspensão à obrigação de a arguida pagar no prazo de um ano a indemnização arbitrada a B....

II - Sem custas.                

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Coimbra, 19 de Novembro de 2014       

(Paulo Valério - relator)

(Frederico Cebola - adjunto)