Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4999/17.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIRES ROBALO
Descritores: ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS
IPSS
CRITÉRIO
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 2º, 3º E 4º, Nº 1, AL. F) DO RCP (REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS).
Sumário: I – Como regra geral e como resulta do preceituado no art.º 1º do RCP todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados por esse Regulamento, que se aplica a todos os processos, quer eles corram nos tribunais judiciais, administrativos e fiscais ou no balcão das injunções (artº 2º RCP), abrangendo as custas a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artºs. 3º, nº 1, do RCP e 529º, nº 1, do CPC).

II - Porém, a regra geral aludida sofre da exceção prevista no art.º 4.º do RCP, sob a epígrafe “isenções”, referindo no nº 1 uma série de entidades (isenções subjetivas), e no nº 2 uma série de processos (isenções objetivas) que se encontram, ab initio, isentas do pagamento de custas.

III – A al. f) do n.º 1 do art.º 4º do RCP preceitua que “estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.”.

IV - Da leitura do preceito verificamos que não estamos na presença de uma isenção absoluta, mas antes de uma isenção limitada e condicionada.

V - Decorre da leitura de tal normativo que constituem pressupostos legais da aplicação da isenção de custas nele previstos:

a) Que estejamos na presença de uma pessoa coletiva privada, sem fins lucrativos.

b) Que essa pessoa coletiva privada atue no processo exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou;

c) Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

VI - As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos nem sempre prosseguem, indireta e instrumentalmente, as atribuições e interesses que lhes cabe, pelo que a jurisprudência tem entendido, ao que pensamos uniformemente, ou quase, que com vista a operar ou não a referida isenção, importará, caso a caso, verificar se o assunto em discussão na ação tem por objeto relações jurídicas estabelecidas pela pessoa coletiva com terceiros com vista à prossecução das atribuições (isto é, fins) especiais que lhe estão cometidos pelos respetivos estatutos, por serem uma “decorrência natural” do seu atuar na concretização desses fins e/ou interesses, quer por traduzirem a concretização desses fins e/ou interesses, quer por serem necessárias à concretização dos mesmos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

 Proc. n.º 4999/17.0T8CBR.C1

1– Relatório

            1.1.- A requerente Fundação B..., com domicilio na ..., intentou a presente execução contra P... e M..., residentes na Rua ..., o presente requerimento executivo, reclamando destes o pagamento coercivo da quantia de 4.714,31€, acrescida de juros á taxa de 5%.

Para o efeito alegou o seguinte:

1.º- A requerente é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que, de acordo com o art.º 2 dos seus estatutos, tem por objetivo contribuir para a promoção da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos, apoiando, promovendo e desenvolvendo, para o efeito e atendendo ao disposto no art.º 3.º, al. b), atividades no âmbito da educação na qual se insere a desenvolvida pela Casa da Criança e pelo Colégio.

  2.º- A... é aluno do Colégio B..., estabelecimento de ensino particular do 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico da requerente, desde 3/5/2008.

3.º- O... é aluna do Colégio B..., estabelecimento de ensino particular do 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico da requerente, desde 24/2/2010.

4.º- J... é utente da Casa da Criança M..., estabelecimento da requerente que presta serviços de creche e infantário sito em Coimbra, desde 1/9/2011.

5.º – Os indicados em 2.º, 3.º e 4.º são filhos dos requeridos, sendo estes os responsáveis legais dos mesmos.

 6.º - Estipularam as partes que pelos serviços contratados e prestados seria devida uma prestação que se venceria mensalmente; no entanto encontram-se por pagar, no período a que se refere esta injunção, 22 faturas totalizando 4.310,99€, relativas aos meses de janeiro a dezembro de 2015 nos termos do infra descrito, do acordado e dos documentos que titulam a divida, apesar de todos os esforços diligenciados pela requerente para obter o pagamento do seu crédito e sem que tenha havido qualquer reclamação sobre as faturas ou serviços prestados.

1.2. A fls. 49 e 49 v.º foi proferido despacho a decidir que a exequente não se encontra isenta do pagamento de custas na presente ação executiva para pagamento de quantia certa, determinando-se que, após trânsito, a mesma deve proceder ao pagamento das taxas de justiça devidas pela instauração da ação executiva e pela instauração do incidente declarativo de habilitação de herdeiros.

            Despacho do seguinte teor que se transcreve “… A isenção à luz do art.º 4.º/1/f) RCP exige que a Parte esteja a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

Conforme esclarece SALVADOR DA COSTA [“As Custas Processuais”, 7.ª Edição, 2018, página 109]: “É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona nos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou pela lei coincidentes com o bem comum.”.

Sobre o tema confrontar também o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-06-2016, proc.º n.º 846/14.2T8BCL.G1.

No caso concreto, em nosso entender, a Exequente não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável.

A Exequente está apenas a procede à cobrança coactiva de um crédito que não foi voluntariamente satisfeito e que resulta de um serviço oneroso que presta.

Quanto à isenção à luz do Decreto-Lei n.º 9/85, de 09/01, está a mesma revogada pelo art.º 25.º/1 do DL 34/2008, de 26/02.

Acresce que é totalmente incompreensível que a Exequente se considere isenta de custas para pagar taxas de justiça ao Estado, mas já não vislumbre qualquer isenção quando se trata de pagar as custas relativas aos honorários e despesas da Sr.ª Agente de Execução.

Bem sabe a Exequente que – ao contrário do que sucede nos presentes autos – nos casos em que o exequente beneficia de isenção do pagamento de custas e, portanto, não paga qualquer espécie de custas [“lato sensu”: taxa de justiça; encargos; e custas de parte (o art.º 4.º/7 RCP não têm aplicação no Processo Executivo no qual não há uma “parte vencedora”)], as funções de Agente de Execução são necessariamente desempenhadas por Oficial de Justiça…”.

1.3. Inconformada com tal decisão dela recorreu a exequente FUNDAÇÃO B..., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

...

1.4. A fls. 122 foi proferido despacho a admitir o recurso

1.5. – Com dispensa de vistos cumpre decidir

                                   2. Fundamentação

1- Com interesse para a apreciação e decisão do presente recurso devem ter-se como assentes os factos referidos e descritos no Relatório que antecede e ainda os que a seguir se descrevem (extraídos das peças processuais e documentais que integram os autos):

2- Dispõe-se, além do mais, nos Estatutos da exequente que:

- Artigo. 2º:

“A Fundação em por objetivo contribuir para a promoção da população da região centro, através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos, podendo, todavia, a vir a estender-se a outras localidades do País por deliberação do Conselho de Administração.”

- Artigo 3º:

“ Para atingir o seu objetivo a Fundação propõe-se apoiar, promover e realizar atividades nos seguintes âmbitos:

a) Solidariedade Social;

b) Educação;

c) Cultura;

e) Formação Profissional;

f) Outras, que venham a tornar-se possíveis e necessárias, desde que respeitem a Obra e o Espírito do ...”

- Artigo 4º:

“ A organização e o funcionamento dos diversos setores de atividade constarão de regulamentos internos e elaborados pelo Conselho de Administração.”

- Artigo 5º:

- “O património da Fundação é constituído por bens e valores que lhe estão afetos, e pelos demais bens ou valores que vierem a ser adquiridos ou doados.”

- Artigo 6º:

Constituem receitas da Fundação:

a) Os rendimentos bens e capitais próprios;

b) Os rendimentos de heranças, legados e doações;

c) Os rendimentos dos serviços e as comparticipações dos utentes;

d) Quaisquer donativos, produtos de festas e subscrições;

e) Subsídios do Estado e de outras entidades.” 

3. Criado no âmbito da prossecução dos objetivos enunciados no artº. 2º dos seus Estatutos, a exequente é proprietária, entre outros, do estabelecimento de ensino particular (para o 1º., 2º. e 3º. Ciclos do Ensino Básico) denominado “Colégio B...”, que dispõe de Regulamento Interno e por ele se rege (cfr. fls. 52 e ss).

4. Pela frequência desse estabelecimento de ensino é devida uma prestação mensal/propina fixada em conformidade com os critérios definidos no artº. 47º do Regulamento, concedendo ainda a Fundação bolsas de estudo a alunos provenientes de agregados familiares com dificuldades económicas, a atribuir de acordo com os critérios estabelecidos em Regulamento próprio elaborado para o efeito (artº 48º).

5- Nos termos do estatuído no nº 13 do artº. 47º desse Regulamento, “todos os débitos serão exigidos através de pagamento voluntário ou cobrança coerciva.”

                                   3. Motivação

3.1. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2, e 852º do CPC).

Assim, as questões a decidir são:

a)- Saber se a decisão recorrida é nula por violação do preceituado no art.º 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d), do C.P.C.

b)- Saber se a recorrente está ou não isenta do pagamento de custas (e particularmente de taxa de justiça) na apresente ação e incidente de habilitação.

Tendo presente que são duas as questões a decidir, por uma questão de método, cabe apreciar cada uma de per si.

Porém, como questão prévia cabe apreciar se os documentos que a recorrente pretende ver juntos devem ou não ser admitidos.

Segundo a mesma devem ser admitidos os documentos 1 a 3 nos termos do artigo 651.º do Código de Processo Civil considerando que até ter sido proferida a decisão de que se recorre não se verificou a necessidade da junção dos regulamentos internos do Colégio B... (aplicáveis ratione temporis) e do regulamento das bolsas da Fundação B..., nada sendo controvertido que o justificasse.

Vejamos.

À questão da junção de documentos na fase de recurso refere-se expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, que preceitua que “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”.

Por sua vez, o art.º 425 determina que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, tendo também presente que o “princípio geral” da junção de documentos está contido no art.º 423, estatuindo que “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

    Da articulação lógica destas normas decorre que a junção de documentos em sede de recurso, que é considerada e admitida legalmente a título excepcional, depende da caracterização (com a alegação e a prova) pelo interessado de uma de duas situações taxativamente previstas: a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.

A impossibilidade de apresentação anterior legitima a junção no recurso de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (até ao julgamento em primeira instância), o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013, p. 184).

Ora, sendo superveniente (objectivamente superveniente) o que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento considerado, ou (superveniência subjectiva) o que justificadamente só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só posteriormente à decisão recorrida (superveniência objectiva, pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º, nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido conhecimento anterior da existência do documento (cfr. Ac. RC de 18.11.2014 no proc. 628/13.9TBGRD.C1, em que o ora relator foi juiz adjunto, in dgsi.pt).

Estas razões, todavia, pressupõem à partida a respectiva invocação e a prova da não possibilidade (da impossibilidade) de um conhecimento anterior (cfr. António Santos Abrantes Geraldes em anotação ao artigo 651º, nº 1 do CPC, referindo que que “[a] jurisprudência anterior [ao Novo CPC] sobre esta matéria [da superveniência] não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 185) e abrem caminho, quando alegadas, à respetiva indagação.

Note-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, que exista na decisão em recurso uma novidade que justifique a junção que se reclame como apta a modificar o julgamento, questão essa só revelada pela decisão, o que só acontece, pois, quando essa decisão não se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes, “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”.

Embora o preceito fale em julgamento, parece nada impedir, se não houver julgamento, que a recorrente possa juntar documentos se necessários para se compreender e analisar melhor a questão, desde que, a sua necessidade dependa da decisão.

Tendo presente ao subjacente nos presentes autos, desde logo as atribuições da recorrente, admitem-se os documentos, por serem pertinentes ao esclarecimento das respetivas atribuições.

Dito isto passemos á análise das diversas questões levantadas pela recorrente e supra citadas.

a)- Saber se a decisão recorrida é nula por violação do preceituado no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do C.P.C..

Antes cabe referir que muito embora o tribunal “a quo” não tenha observado o preceituado no n.º 1 do art.º 617.º do CPC, este Tribunal da Relação não vê necessidade de enviar os autos à 1.ª instância a fim de ser cumprido o n.º 1 do preceito, operando, desde já, ao conhecimento das mesmas (cfr. n.º 5 do citado preceito).

Segundo a recorrente a decisão recorrida viola as alíneas supra referidas do n.º 1, do art.º 615.º do C.P.C., referindo, para tanto, que o despacho recorrido é nulo, por ambíguo, na medida em que declara que a apelante não se encontra a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente quando na verdade a A. atua, neste caso, no âmbito da sua especial atribuição de desenvolver atividades no domínio da educação (o que implica a salvaguarda de todos os interesses associados a essa atividade incluindo a cobrança de dívidas), sendo meramente conclusivo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a conclusão (ou seja porque é que a cobrança de dívidas afasta a atuação exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável); a decisão viola, por isso, também a alínea c) do mesmo artigo, número e diploma.

Mais refere que a decisão recorrida viola as alínea b) e c) do art.º 615.º citado, quando refere “que incompreensível que a Exequente se considere isenta de custas para pagar taxas de justiça ao Estado, mas já não vislumbre qualquer isenção quando se trata de pagar as custas relativas aos honorários e despesas da Sr.a Agente de Execução por se tratar de uma mera opinião conclusiva sem fundamento legal ou axiológico não se alcançando nem o sentido nem o teor deste argumento”.

Invoca, ainda, a violação da al. d) do preceito citado, ao referir que a sentença é nula por violação da mesma.

Dito isto, cabe apreciar cada uma das referidas alíneas.

- alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. violada.

Preceitua o n.º 1, da  alínea b), do art.º 615º do C.P.C vigente: ‘a sentença é nula quando – b) «Não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a decisão»’.

A redacção deste  preceito é praticamente a mesma da  alínea b) do n.º 1 do  art.º 668º do C.P.C. revogado.
            Aliás, quer o C.P.C. vigente - art.º 154º -, quer o anterior art.º 158º do C.P.C. revogado impõem ao tribunal o dever de fundamentar a decisão.
É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, quesó a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º do C.P.C. vigente (art.º 668º, n.º 1, al. b), do C.P.C. revogado).
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cfr. neste sentido, ver Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 669).
Operando á leitura da decisão recorrida, temos para nós não existir a referida nulidade, desde logo por dizer a razão onde assenta o seu entendimento, quando refere “No caso concreto, em nosso entender, a Exequente não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável”.
Ou seja, exprime a razão da decisão.
Assim, sem mais considerandos, esta pretensão da recorrente não procede.
            - alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. foi violada.
Preceitua o n.º 1, alínea c), do art.º 615º do C.P.C.: “1– é nula a sentença quando” – c) «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
A obscuridade verifica-se «quando a sentença ou parte dela é ininteligível» e a ambiguidade quando «a sentença ou parte dela se apresenta total ou parcialmente, com um sentido duplo» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, II, pg. 672).
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo» (cfr. Acórdão do S.T.J. de 28.03.2000 in Sumários, 59.º.
A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Porém, para que tal ocorra não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (cfr. A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615º, ainda nas palavras do citado autor, ainda que aludindo ao ar.º 668º do C.P.C.
revogado, cujo significado é o mesmo do atual art.º 615º, sublinhado é nosso, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
Opera à leitura da sentença não vemos qualquer obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível.
Aliás, a mesma parece-nos muito clara onde assentou o seu ponto de vista.
Assim, também nesta vertente a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade.

-  alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. foi violada.

O n.º 1 do artigo 615.º do CPC, no que aqui releva, prescreve o seguinte:

1)- É nula a sentença quando:

         d) – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A omissão e o excesso de pronúncia colocam-se em termos das questões a decidir, como sejam as pretensões deduzidas, consubstanciadas nos respetivos pedidos e causas de pedir, ou as exceções e seus fundamentos, deduzidas pelo réu ou que sejam de conhecimento oficioso. Já no âmbito do recurso, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia são configuráveis em função dos erros de direito ou de facto que tenham sido invocados.

Nessa linha de entendimento, não constituem omissão, por exemplo, o não atendimento de factos que se encontrem provados ou a não apreciação de determinados argumentos das partes, no perímetro das questões invocadas, consistindo, quando muito, em erros de julgamento ou em fundamentação medíocre ou insuficiente. Também o atendimento de factos não alegados pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso não se reconduz ao vício de excesso de pronúncia, podendo consistir sim em erro de julgamento.

            Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

Operando à leitura da sentença recorrida não vislumbramos onde o tribunal “a quo” não tenha tomado posição, ou excedido o que lhe foi pedido.

Aliás, nem a recorrente o refere, ficando nós, mesmo com a ideia de nas conclusões ter por lapso referido a al. d), quando refere - deve proceder o presente recurso e, em consequência, a decisão recorrida ser revogada, sem prescindir da declaração de nulidade da sentença por violação dos artigos 615.o, n.o 1 alíneas b) e d), do Código de Processo Civi – querendo-se referir ás alíneas b) e c).

Assim, nesta vertente, também a pretensão da recorrente não pode proceder.

Visto que foi o ponto a), passemos ao b).

b) - Saber se a recorrente está ou não isenta do pagamento de custas (e particularmente de taxa de justiça) na apresente ação e incidente de habilitação.

No caso em apreço o tribunal “a quo” entendeu que a Exequente, aqui recorrente, não se encontra a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável, pois está apenas a proceder à cobrança coactiva de um crédito que não foi voluntariamente satisfeito e que resulta de um serviço oneroso que presta, pelo que não pode gozar da isenção de custas prevista no artº 4º, nº 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais (daqui em diante RCP), determina-se que, após trânsito, fosse notificada a Exequente para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento das taxas de justiça devidas pela instauração da ação executiva e pela instauração do incidente declarativo de habilitação de herdeiros.

Contra este entendimento se insurge a exequente/recorrente, defendendo gozar no caso da presente ação da isenção do pagamento de custas, e particularmente da taxa de justiça, tudo com base nos argumentos que, em síntese, aduz na suas conclusões das alegações de recurso que acima se deixaram transcritas.

Vejamos.

            Como regra geral e como resulta do preceituado no art.º 1º do RCP todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados por esse Regulamento, que se aplica a todos os processos, quer eles corram nos tribunais judiciais, administrativos e fiscais ou no balcão das injunções (artº 2º RCP), abrangendo as custas a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artºs. 3º, nº 1, do RCP e 529º, nº 1, do CPC).

Assim, do confronto dos preceitos citados resulta, como regra geral, que todas as ações, execuções, incidentes autónomos, procedimentos cautelares ou recursos encontram-se sujeitos ao pagamento de custas, as quais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, correspondendo a taxa de justiça ao montante devido pelo impulso processual, devendo cada parte juntar aos autos, no momento da prática do ato correspondente a esse impulso, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou então concessão do benefício de apoio judiciário que o dispensa do mesmo.

Porém, a regra geral aludida sofre da exceção prevista no art.º 4.º do RCP, sob a epígrafe “isenções”, referindo no nº 1 uma série de entidades (isenções subjetivas), e no nº 2 uma série de processos (isenções objetivas) que se encontram, ab initio, isentas do pagamento de custas.

Como se refere no Ac. desta Relação datado de 2019/12/10, Proc.º n.º 1817/19.8T8CBR.C1, relatado por Isaías Pádua, “As isenções subjetivas aí previstas têm, assim, na sua base de atribuição a qualidade das partes, enquanto que as isenções objetivas têm a sua base da atribuição o tipo de processo, ou seja, são concedidas em função do tipo de espécie processual.

No que concerne às primeiras, diga-se que, ao contrário do sucedia o anterior Código das Custas Judiciais, onde se previam isenções subjetivas puras, isentando determinadas entidades do pagamento de custas, independentemente da natureza dos processos em que fossem parte e sem quaisquer outras condicionantes a não ser a qualidade da parte, as isenções subjetivas que se encontram agora enunciadas no artº. 4º, nº 1, do atual RCP, não são puramente subjetivas, pois que não são estabelecidas exclusivamente em função das entidades que se encontram elencadas nessa previsão legal e que sejam partes no processo, uma vez que aí se condiciona essa isenção, que estabelece a favor daquelas, ainda à natureza das questões, dos direitos e dos interesses ou da relação material que é objeto do processo.

Como bem se salienta no Ac. do TRG de 28/06/2018 (proc. nº. 988/17.82T8FAF.G, disponível em www.dgsi.pt), esta opção legislativa em deixar de se prever no atual RCP isenções subjetivas puras, conforme se lê no Preâmbulo do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, que aprovou o RCP, corresponde ao objetivo prosseguido pelo legislador de proceder “a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenção”. (sublinhado nosso)”.

Sobre esta matéria refere Salvador da Costa (in “As Custas Processuais”, 2018, 7ª. ed., Almedina, págs. 104/105”), a maioria das isenções subjetivas previstas no nº 1 do referido artº. 4º do RCP “não obstante o seu caráter de pessoal, é motivada por um elemento objetivo consubstanciado no interesse público prosseguido pelas pessoas ou entidades a quem são concedidas.”

O que está em causa nos presentes autos é saber se a recorrente, no caso que temos “entre mãos”, se enquadra ou não na al. f) do n.º 1 do art.º 4º do RCP, que preceitua “estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

Da leitura do preceito verificamos que não estamos na presença de uma isenção absoluta, mas antes de uma isenção limitada e condicionada.

E como bem se refere no Acórdão supra citado “É limitada, porque não depende apenas da qualidade da parte/sujeito, já que ainda está dependente dos concretos contornos da ação/processo para a qual se pretenda essa isenção, pois que apenas dela beneficiam as ações/processos em que a pessoa coletiva neles defenda interesses relacionados exclusivamente com as suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente atribuídos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

E é condicionada, porque a parte que beneficia dessa isenção pode, a final, vir a ter de suportar as custas, nos termos enunciados nos nºs 5 e 6 do artº 4º do RCP, ou seja, quando, respetivamente, se conclua pela manifesta improcedência do pedido daquela ou então quanto a sua pretensão vier a ficar totalmente vencida (cfr. ainda, entre outros, Acs. da RG de 28/06/2018, proc. nº. 988/17.82T8FAF.G, de 30/04/2015, proc. nº. 204/14.9TTVRL, e de 30/06/2016, proc. nº. 846/16.2T8BCL.G1, disponíveis in www.dgsi.pt)”.

Escreve-se no citado Ac. desta Relação, aludindo ao Ac. Rel. do Porto de 29/6/2015, proc.º n.º 356/11.8TTPRT-D.P1,  relatado por António José Ramos, que “decorre da leitura de tal normativo, constituem pressupostos legais da aplicação da isenção de custas nele previstos:

a) Que estejamos na presença de uma pessoa coletiva privada, sem fins lucrativos.

b) Que essa pessoa coletiva privada atue no processo exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou;

c) Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável”.

De acordo com o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/01, e sucessivas revisões, republicado no Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14/11, este revisto pela Lei nº. 76/2015, de 28/07, “são instituições particulares de solidariedade social, as pessoas coletivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público” (artº. 1º, nº. 1).

E como resulta dos art.ºs 167.º, n.º 1 e 186.º, n.º 1, ambos do C.Civil, a toda a constituição de pessoas coletivas preside um fim.

 Escrevendo, a respeito,  António Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português, vol. I, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, 2ª. Edição, 2007, Almedina, pág. 628”), o fim tende a “ser considerado o seu factor fundamental”, pois é o fim da pessoa colectiva que vai determinar: “a sua idoneidade e, sendo o caso, o seu reconhecimento”; “a sua capacidade, em função do princípio da especialidade”; “o eventual reconhecimento da utilidade pública”; “o tipo de actuação requerido aos titulares dos seus órgãos”; as coordenadas de interpretação dos estatutos”.

Escreve-se no Ac. da Rel. de Lisboa de de 22/03/2017, proc. nº. 22456/16.1T8LSB.1.L1-4, relatado por Celina Nóbrega “Ora, as atribuições de uma pessoa coleciva são, assim, precisamente os fins ou as finalidades por ela prosseguidas. As especiais atribuições são os fins ou as finalidades para a realização das quais foi formada a pessoa coletiva e que lhe conferem identidade e que as distinguem de outras pessoas no mundo das pessoas coletivas. É com este sentido, por exemplo, que o artigo 51º, nºs 1, al. a), e 2 da Lei nº 24/2012, de 09/07, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações, fala das “atribuições” das fundações públicas.

Logo, as atribuições da exequente/recorrente são as finalidades que ela prossegue; as especiais atribuições são as finalidades que levaram à sua formação; são os objetivos que lhe conferem identidade e que concorrem para a distinguir de outras pessoas coletivas”.

A respeito das atribuições de uma pessoa coletiva escreve-se no Ac. desta Relação de Coimbra de 10/9/2013, proc.º n.º 558/11.9TNCBR-A.C1, relatado por Emídio Santos “Ora, as atribuições de uma pessoa colectiva são precisamente os fins ou as finalidades por ela prosseguidas. As especiais atribuições são os fins ou as finalidades para a realização das quais foi formada a pessoa colectiva e que lhe conferem identidade e que as distinguem de outras pessoas no mundo das pessoas colectivas. É com este sentido, por exemplo, que o artigo 51º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 da Lei n.º 24/2012, de 9 de Julho, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações, fala das “atribuições” das fundações públicas”.

A respeito da interpretação da al. f) do art.º 4.º do R.C.P. escreve-se no Ac. da Relação de Guimarães de 28/06/2018, proc. nº. 988/17.82T8FAF.G, relatado por José Alberto Moreira Dias “Deste modo, a isenção em apreço, atento o elemento literal da norma contida no art. 4º, n.º 1, al. f) do RCP, apenas abrangeria as ações em que a pessoa coletiva seja demandante ou demandada e cujo objeto contenda, única e diretamente, com “o coração”, ou seja, o núcleo mais central que justificaram a sua criação (cfr. Ac. R.L. de 22/03/2017, Proc. 22455/16.1T8LSb.L1-4, isto é, aquelas ações que digam respeita, exclusiva e diretamente, aos fins/objetivos que justificaram a criação desses pessoas coletivas e que as mesmas têm efetivamente de prosseguir atento o princípio da especialidade que conforma e limita a respetiva capacidade jurídica (art. 160º do CC) ou, nos termos da parte final desse preceito, ações que tenham por fim direto a defesa dos interesses que lhes estão especialmente confiados por lei ou pelos respetivos estatutos.

Nesta perspetiva meramente literal daquele preceito, a isenção em causa não abrangeria as obrigações ou litígios derivados de contratos que as enunciadas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos celebraram com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições, na medida em que, por um lado, nessas ações, essas pessoas não atuam “no âmbito das suas especiais atribuições”, posto que ao celebrarem esses contratos não agem no âmbito dos fins primários ou principais para que foram criadas e que prosseguem, sequer visam defender os interesses diretos que lhe estão cometidos por lei ou pelos respetivos estatutos, antes prosseguem, por via indireta, a prossecução de tais interesses, visando obter meios económicos que lhes permitam satisfazer os seus fins primários.

No entanto, a interpretar-se a enunciada al. f) do n.º 2 do enunciado art. 4º por apelo apenas ao elemento literal, desprezando os demais elementos interpretativos, designadamente histórico e teleológico que devem presidir a uma interpretação correta de qualquer norma jurídica, como desde cedo se apercebeu a doutrina e a jurisprudência, frustrar-se-ia as finalidades prosseguidas pelo legislador com a criação da isenção em causa que “é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar”, na defesa do interesse público (cfr. Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2012, 4ª ed., Almedina, pág. 188).

Na verdade, semelhante interpretação restritiva da norma em causa, além de, como dito, postergar os princípios interpretativos enunciados no art. 9º, n.º 1 do CC, levaria a que essa isenção apenas funcionasse nos processos cujo objeto tivesse a ver diretamente com as especiais atribuições (fins) da pessoa coletiva demandante ou demandada ou em que esta atuasse, nesses processos, tendo em vista a defesa direta dos interesses especiais conferidos àquelas por lei ou pelos respetivos estatutos, ficando de fora dessa isenção todas aquelas outros ações em que os fins estatutários dessas pessoas ou a defesa dos interesses especiais conferidos às mesmas por lei ou pelos respetivos estatutos fossem prosseguidos por via meramente instrumental, designadamente, todas as ações que tivessem por objeto contratos celebrados por essas pessoas coletivas tendo em vista a aquisição de bens ou serviços ou a contratação de pessoal com o objetivo de prosseguir os seus fins estatutários, como seria, por exemplo, o caso de uma ação que tivesse por objeto um contrato de trabalho celebrado entre uma IPSS e uma cozinheira com vista à confecção pela última de refeições a fornecer gratuitamente pela primeira a elementos desfavorecidos da sociedade, apesar de segundo os estatutos dessa IPSS, esta ter por fim principal apoiar crianças e jovens em perigo e apoiar a integração social e comunitária de pessoas desfavorecidas, designadamente, “sem abrigo”.

Do mesmo modo, semelhante interpretação restritiva deixaria de fora dessa isenção a eventual ação de despejo que fosse intentada contra a referida IPSS, tendo por objeto o concreto local arrendado pela mesma, para aí serem confecionadas as refeições a fornecer gratuitamente aos elementos desfavorecidos e em perigo da sociedade, assim como não seriam abrangidas pela isenção as ações de despejo instaurada contra uma IPSS a quem, nos termos dos respetivos estatutos, competisse apoiar as famílias, mediante a criação de creches e estabelecimentos de ensino, não obstante essa concreta ação de despejo que lhe foi movida ter por objeto o concreto local onde a referida IPSS instalou a creche e/ou o estabelecimento de ensino que criou com vista à prossecução desse seu fim estatutário, pelo que o absurdo seria manifesto”.

Dito isto e cientes de que as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos nem sempre prosseguem, indireta e instrumentalmente, as atribuições e interesses que lhes cabe, a jurisprudência tem entendido, ao que pensamos uniformemente, ou quase, que com vista a operar ou não a referida isenção, importará, caso a caso, verificar se o assunto em discussão na ação tem por objeto relações jurídicas estabelecidas pela pessoa coletiva com terceiros com vista à prossecução das atribuições (isto é, fins) especiais que lhe estão cometidos pelos respetivos estatutos, por serem uma “decorrência natural” do seu atuar na concretização desses fins e/ou interesses, quer por traduzirem a concretização desses fins e/ou interesses, quer por serem necessárias à concretização dos mesmos (cfr., entre outros  Acs. RG. de 30/04/2015, Proc. 204/14.9TTVRL, relatado por Antero Veiga; 30/06/2016, Proc. 846/14.2T8BCL.G1, relatado por Alda Martins; 14/06/2017, Proc. 2734/16.9T8BCL-A.G1, relatado por Vera Maria Sottomayor; 04/10/2017, Proc. 11/14.9TTVRL-A.G1, relatado por Eduardo Azevedo; RL. de 22/03/2017, Proc. 22455/16.1T8LSB.L1-4, relatado por Celina Nóbrega e Ac. desta Rel. supra citado).

 Aqui chegados, e tendo presentes as considerações jurídicas que se deixaram expendidas e bem assim os factos supra dados como assentes, cumpre saber se no caso  da presente execução a exequente beneficia ou não da isenção de custas prevista no artº. 4º, nº 1, al. f), do RCP.

É incontroverso que a exequente é uma pessoa coletiva privada, sem fins lucrativos, que de acordo com os seus Estatutos (artº 2º) tem com objetivo/fim contribuir para a promoção da população da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos.

Resulta, também, que para atingir esse seu objetivo/fim a exequente propõe-se apoiar, promover e realizar atividades em vários âmbitos, e entre eles no âmbito da Educação (artº 3º dos Estatutos), cuja organização e funcionamento consta dos respetivos regulamentos internos (artº 4º dos Estatutos), constando entre as suas fontes de receita, destinada a financiar essas suas atividades, os rendimentos dos serviços e as comparticipações dos seus utentes (artº 6º dos Estatutos).

E para esse efeito criou, entre outos, o estabelecimento de ensino particular (para o 1º., 2º. e 3º. Ciclos do Ensino Básico) denominado Colégio B..., que dispõe de Regulamento Interno e por ele se rege.

Pela frequência desse estabelecimento de ensino é devida uma prestação mensal/propina fixada em conformidade com os critérios definidos no artº 47º desse Regulamento, concedendo ainda a Fundação bolsas de estudo a alunos provenientes de agregados familiares com dificuldades económicas, a atribuir de acordo com os critérios estabelecidos em Regulamento próprio elaborado para o efeito (artº. 48º).

Nos termos do estatuído no nº 13 do artº 47º desse Regulamento, “todos os débitos serão exigidos através de pagamento voluntário ou cobrança coerciva.”

Com a presente execução visa a exequente obter a cobrança coerciva de um débito relativo à falta de pagamento de prestações devidas pelos representantes legais dos três utentes/alunos que frequentam ou frequentaram  esse estabelecimento.

Dentro deste quadro temos para nós que exequente/recorrente atua (com a instauração da ação executiva), ainda que por via indireta ou instrumental, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos seus estatutos e regulamento com vista a garantir/assegurar (como fonte de receita) a prossecução dos fins que nortearam a sua criação e que constituem a sua razão de ser, tanto assim que do n.º 13 do artº 47º do Regulamento Interno preceitua resulta que a exequente pode exigir coercivamente as dividas, ao preceituar, “todos os débitos serão exigidos através de pagamento voluntário ou cobrança coerciva”.

Assim, temos para nós que se mostram preenchidos os pressupostos legais consagrados no artº 4º, nº 1, al. f), do RCP, a exequente goza, à luz de tal normativo, de isenção de custas na presente execução que instaurou, o que, consequentemente, a dispensa do pagamento da respetiva taxa de justiça.

E nessa medida, e na procedência do recurso, revoga-se o despacho recorrido, devendo o requerimento executivo ser recebido e a execução prosseguir os seus ulteriores trâmites legais (caso nenhum outro obstáculo legal surja que a tal impeça).

Neste sentido cfr. Ac. Rel. de Coimbra supra citado, relatado por Isaías Pádua, Ac. desta mesma Relação de 21 de janeiro de 2020 – Proc.º n.º 6031/18.7T8CBR.A.C1, relatado por Alberto Ruço, e ainda Ac. desta mesma Relação de 28/1/2020, proc.º n.º 9128/18.0T8CBR.C1, relatado por Ana Vieira, com um voto de vencido de Carlos Moreira.  

Quanto à isenção do incidente de habilitação de herdeiros, pelas razões expostas temos para nós também estar isento, pois se não houvesse tal incidente a execução não teria o seu efeito útil.

            4. –Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar o despacho recorrido, devendo o requerimento executivo ser recebido e a execução prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.

Sem custas.

Coimbra, 11/5/2020

           Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Jaime Ferreira (adjunto)