Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123/08.8TBIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
PRAZO
DENÚNCIA
SENHORIO
EXTEMPORANEIDADE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 5º, Nº 2, 14º, 15º E 18º, Nº 1, AL. B) DO DECRETO-LEI 385/88 DE 25 DE OUTUBRO
Sumário: I – Em situações de arrendamento rural a agricultor autónomo deve entender-se que, à luz do estatuído no nº 2 do artº 5º do Decreto-lei 385/88 de 25 de Outubro, o mesmo não pode ser celebrado por um prazo inferior a 7 anos, a contar do seu início, devendo, por isso, ter-se por substituído por esse prazo o de 3 anos que seja convencionalmente fixado para a sua duração inicial.

II – Por outro lado, face ao disposto no artigo 18º, nº 1, alínea b) da L.A.R., o senhorio deve avisar o arrendatário da denúncia do contrato com a antecedência mínima de um ano (por ser a agricultor autónomo) relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação.

III - Se o senhorio, na sua declaração de denúncia, não respeitar os ditos prazos, a consequência é a de que a declaração de denúncia não deixa de ser eficaz, só que produzirá os seus efeitos em data posterior, sendo a data concreta em que opera o efeito da denúncia um efeito necessário dela.

IV – A inobservância do prazo de denúncia não acarreta a ineficácia da mesma, a indicação da data constitui apenas um elemento necessário dessa denúncia, nada tem a ver com a essência do pedido.

V - O DL 385/88 veio encarar de forma diferente a questão no tocante aos direitos do arrendatário aquando da cessação do contrato de arrendamento rural:

Artº 14º - Pode fazer benfeitorias úteis com consentimento escrito.

A realização das benfeitorias pode implicar a alteração do prazo do contrato.

Artº 15º - Quando houver cessação contratual antecipada por ACORDO MÚTUO das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio.

Será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias no momento da cessação.

Se houver RESOLUÇÃO do contrato invocado pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem direito a exigir indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis consentidas, calculadas segundo as regras do enriquecimento sem causa.

VI - Entendendo a lei que, em virtude de não se verificarem determinados requisitos que define, determinada benfeitoria útil, não atribui, a quem a fez, o direito a ser indemnizado, afigura-se que não se pode contrariar este desiderato legal com o apelo complementar ao instituto do enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) – Alegando ser agricultor autónomo e arrendatário rural do prédio rústico que identifica e que tomou de arrendamento aos respectivos proprietários, de quem as RR são sucessoras, veio M…, residente …, intentar, em 26/06/2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Idanha-A-Nova, acção de condenação, sob a forma sumária, contra V…, P… e C…, pedindo:

1) Que se reconhecesse e se declarasse que ele, Autor, é agricultor autónomo;

2) Que se reconhecesse e se declarasse que o termo do prazo de renovação do contrato de arrendamento rural actualmente em curso ocorre a 29/9/2010;

3) Que se reconhecesse e se declarasse que a denúncia efectuada pelas RR., através de carta registada com aviso de recepção datada de 16/3/2007, com indicação do termo de renovação do contrato de arrendamento a 28/9/2008, é inválida;

4) Que as RR. fossem condenadas a reconhecer que a referida denúncia é inválida pelo que não poderá produzir os efeitos pretendidos, ou seja a cessação da relação de arrendamento a 28/9/2008;

5) Que, no caso de dever ser reconhecida e declarada como válida, a denúncia efectuada pelas RR., estas fossem condenadas a pagarem ao A. a quantia de 27.932,68 €, correspondentes ao valor da vedação colocada no prédio, a título de indemnização por realização de benfeitoria útil, ou, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem causa.

Alegou, em síntese, que:

- Em Setembro de 1993, celebrou com A… e V… o contrato de arrendamento rural junto aos autos, mediante o qual estes deram-lhe de arrendamento o prédio rústico formado por Couto que integra as terras designadas por …, sito no limite e freguesia do … sob o n.º …, sendo devida por ele, Autor, o pagamento de uma renda anual no montante de 750.000$00 (3.740,98 €).

- Por carta registada de 16 de Março de 2007, as Rés vieram “denunciar o arrendamento (…) para o termo do prazo de renovação legal que se verifica a 28 de Setembro de 2008”.

- Tal denúncia é inválida, porquanto, não podendo, a duração inicial do contrato, ser de três anos, o seu termo efectivo verificou-se em 29 de Setembro de 2010;

- É agricultor autónomo, só muito excepcionalmente recorrendo a terceiros assalariados para trabalhar na exploração.

- Efectuou uma vedação de 7km, no que gastou € 27.932,68, que beneficiou a exploração e o prédio arrendado pretendendo ser ressarcido do montante gasto.

B) - Citadas as RR, apenas a ré V… ofereceu contestação, onde, para além de ter defendido por impugnação e ter arguido a excepção da ilegitimidade passiva das restantes RR, deduziu reconvenção.

Terminou, pedindo:

1- A absolvição dos pedidos contra ela formulados;

2- A condenação do arrendatário:

- Na entrega efectiva do prédio;

- A deixar recolhido nos palheiros 782 faixas de feno atado; 25 faixas de canões de milho e de bandeiras; 18 fardos de palha trilhada, ou a pagar o valor correspondente ao mercado na região;

- A repor as construções, muros de vedação na parte urbana do prédio, ou, não o fazendo, pagar a indemnização corresponde a liquidar em execução de sentença, com referência à data de entrega efectiva do locado;

- A pagar a importância correspondente à perda definitiva das árvores secas e tombadas, a liquidar em execução de sentença.

C) – Não tendo o Autor respondido, teve lugar a audiência preliminar, onde, para além de se ter se julgado improcedente a arguida excepção da ilegitimidade passiva, consignaram-se os factos que se consideraram já assentes e organizou-se a Base Instrutória.

Mais tarde, já sede de audiência de julgamento (fls. 158 a 164), veio a proferir-se despacho onde se considerou como fazendo parte da matéria assente, já que admitidos por acordo, os factos dos artigos 17.º a 20.º da reconvenção.

D) – Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 28/3/2011, onde, no respectivo dispositivo, se decidiu assim: «…julgo a presente acção, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência decide-se:

a) Reconhecer e declarar que o Autor M… é Agricultor Autónomo, e, que o termo do contrato de arrendamento dos autos ocorreu em 29/09/2010.

b) Julgar improcedente o pedido efectuado pelo Autor M…, não se reconhecendo como inválida a denúncia do contrato efectuada pelas R.R. V…, P…, C…, através de carta registada com aviso de recepção datada de 16-03-2007, com indicação do termo da renovação do contrato de arrendamento a 28-09-2008, absolvendo as Rés do pedido.

c) Declarar a denúncia válida e eficaz, produzindo os seus efeitos no termo da renovação do contrato em 29-09-2010.

d) Julgar improcedente o pedido do Autor M… quanto ao pagamento da quantia de €27.932,68, pela realização de benfeitorias úteis, absolvendo as Rés do pedido de indemnização efectuado.

e) Julgar o pedido reconvencional, parcialmente procedente, por parcialmente provado, efectuado pela Ré/Reconvinte V… e condenar o Autor/Reconvindo M… a entregar o prédio arrendado; repor as construções, muros de vedação na parte urbana do prédio, e ainda a pagar às Rés a perda definitiva das árvores secas e tombadas a liquidar em execução de sentença, absolvendo o Autor no demais peticionado.

(…).».

II - Inconformado com o decidido em tal sentença, dela recorreu o Autor – recurso esse que veio a ser recebido como apelação, com subida imediata e efeito suspensivo – que, a findar a respectiva alegação, ofereceu as seguintes conclusões:

Na sua resposta, a Apelada defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença impugnada.

III - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

Assim, as questões a solucionar consistem em saber se foram correctamente decididas as questões da validade da denúncia do contrato e da indemnização, por benfeitorias/enriquecimento sem causa, peticionada pelo Autor, o que passará por indagar se ocorreu a omissão de pronúncia que o Apelante imputa à sentença e se se verifica a inconstitucionalidade que o mesmo invoca.

IV - Na sentença da 1.ª Instância foi considerada como factualidade provada, a seguinte matéria:

...

V - Apreciemos, pois, as apontadas questões que delimitam o objecto do presente recurso.
Na sentença recorrida, qualificando-se o contrato em causa como sendo de arrendamento rural a agricultor autónomo, entendeu-se, que, à luz do estatuído no nº 2 do artº 5º do Decreto-lei 385/88 de 25 de Outubro, que o mesmo não poderia ter sido celebrado por um prazo inferior a 7 anos, a contar do seu início, devendo, assim, ter-se por substituído por esse prazo, o de 3 anos que foi convencionalmente fixado para a sua duração inicial, disso resultando que o respectivo termo ocorria em 29/09/2010.
Na sequência disso haveria de saber se, tendo em conta que a renovação do contrato de arrendamento rural ocorria em 29-09-2010 e que a denúncia efectuada pelas Rés, através de carta registada com aviso de recepção com data de 16-03-2007, indicava, como data do termo da renovação do contrato de arrendamento, 28/09/2008, havia sido validamente efectuada tal denúncia.
A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” abordou esta questão com ampla e apropriada fundamentação, tendo concluído pela validade da denúncia, passando-se a transcrever os trechos da sentença que, no essencial, expressam o entendimento aí seguido:
«Se o senhorio, na sua declaração de denúncia, não respeitar os prazos, a consequência é a de que a referida declaração de denúncia não deixa de ser eficaz, só que produzirá os seus efeitos em data posterior, sendo a data concreta em que opera o efeito da denúncia um efeito necessário dela.
Ora, no caso dos autos, não tendo a denúncia sido efectuada até 29/09/2005, mas antes em 16 de Março de 2007, com efeitos para 28 de Setembro de 2008, o contrato renovou-se até 29/09/2010, data em que a denúncia produziu os seus efeitos e operou a caducidade do contrato.
Ora, da alusão feita da denúncia efectuada e da indicação da data constante da mesma, até à qual as Rés pretendiam a devolução dos prédios, resulta com clareza que o que as Rés pretendiam era o termo do contrato por efeito de esgotamento do prazo para que vigorava, sem se proceder a nova renovação, como o Autor o entendeu, da mesma forma que o entenderia qualquer declaratário normal, o que, apesar do prazo de vigência do contrato ser de 7 anos e não 3 anos, a posição das Rés reflecte a sua intenção de procederem à denúncia do contrato, visto se tratar de fundamento previsto no artigo 18º do Decreto - Lei nº 385/88, de 25/10.
Por outro lado, face ao disposto no artigo 18º, nº 1, alínea b) da L.A.R., o senhorio deve avisar o arrendatário com a antecedência mínima de um ano (por ser a agricultor autónomo) relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação. E tal foi feito, visto que a carta remetida pelas Rés ao Autor, datada de 16 de Março de 2007, foi por este recebida, como ficou assente, portanto muito mais de um ano antes da data do termo da renovação - é que a lei impõe um prazo mínimo para a denúncia, mas não impõe um prazo máximo, a que acresce o Autor não se ter oposto à denuncia nos termos do artigo 19°, n° 1 da LAR.
Esta atitude por parte das Rés é demonstrativa, revelando, com toda a probabilidade, que estas não pretendem a manutenção/continuação do arrendamento rural, de acordo com o artigo 217° do Código Civil.».
Este entendimento afigura-se-nos correcto, sendo pacífico, na jurisprudência, como se realça na sentença, que “…a inobservância do prazo de denúncia não acarreta a ineficácia da mesma, a indicação da data constitui apenas um elemento necessário dessa denúncia, nada tem a ver com a essência do pedido”.
Foi este o entendimento seguido, por exemplo, no Acórdão do STJ, de 23/04/2002 (Revista nº 01A4298), onde se citam muitos outros arestos neste sentido, bem como no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 21/3/2006 (Apelação nº 4294/05).
O exposto mostra a irrelevância da argumentação que o Apelante tece, com alicerce no disposto no artº 238º do Código Civil, em torno da data indicada pelas RR, na denúncia, como sendo a data do termo do contrato, em que não se operaria a renovação deste.
Não tendo eficácia constitutiva, a sentença em causa também irreleva a circunstância de esta ter sido proferida após a data em que ocorreria a renovação legal do contrato, sendo destituído de sentido referir, relativamente à decisão, a “efeitos retroactivos”.
Houve iniciativa – válida e eficaz, como se decidiu – por parte das RR., no sentido da não renovação do contrato, consubstanciada na denúncia, entendida conforme o Tribunal “a quo” o fez. O que se passou foi que o reconhecimento judicial dessa validade ocorreu após o prazo de renovação, o que, como parece claro, não conduz a que, como defende o Apelante, o contrato se haja renovado «ex lege, em Setembro de 2010».
É de concluir, assim, que bem se decidiu na sentença impugnada ao ter-se declarado a denúncia válida e eficaz, produzindo os seus efeitos no termo da renovação do contrato em 29-09-2010 e, consequentemente, acertada foi a improcedência do pedido do Autor no sentido de se reconhecer como inválida a denúncia do contrato efectuada pelas R.R., através de carta registada com aviso de recepção datada de 16-03-2007, com indicação do termo da renovação do contrato de arrendamento a 28-09-2008.
O Autor também discorda da sentença, na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização que formulou contra as RR.
Sustenta que tal pedido deveria ser atendido, já que se deveria entender ter direito a receber a importância peticionada, por força da benfeitoria útil que fizera no prédio.
Defendeu, por outro lado, que tal importância deveria ser-lhe paga pelas RR, ainda que se entendesse não poder invocar, com êxito, o regime das benfeitorias, pois sempre àquela teria direito, por força do instituto do enriquecimento sem causa, o que, aliás, pediu subsidiariamente e não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal “a quo”.
Na sentença recorrida decidiu-se bem, com apelo a regras do Código Civil e do artº 14º do DL n.º 385/88,[3] que o Autor não poderia, alicerçado na realização de benfeitoria útil, pedir a respectiva indemnização às RR., dizendo-se: «…o Autor não pode reclamar o valor das benfeitorias porquanto as mesmas, embora sendo úteis, foram realizadas sem o consentimento escrito do senhorio, ainda que, resulte dos autos que obteve o seu consentimento, não resulta que o mesmo foi reduzido a escrito, ónus que incumbia ao Autor provar, e que não logrou demonstrar, a que acresce que também, não existiu o processo administrativo para suprir essa falta de autorização, como resulta do nº 1 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 385/88, pelo que a falta do consentimento previsto na lei impede o exercício do direito de reclamar qualquer indemnização e, nomeadamente, qualquer direito de retenção, como resulta dos artigos 756º, alínea b), 1036º e 1046º, nº 1, todos do Código Civil.».
Este entendimento está de acordo, aliás, com o que foi expresso no Acórdão do STJ, de 15/01/2002 (Revista nº 01A2834) e que ora se reproduz: «O DL 385/88 veio encarar de forma diferente a questão no tocante aos direitos do arrendatário aquando da cessação.
Artº. 14º - Pode fazer benfeitorias úteis com consentimento escrito.
A realização das benfeitorias pode implicar a alteração do prazo do contrato.
Artº. 15º - Quando houver cessação contratual antecipada por ACORDO MÚTUO das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio.
Será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias no momento da cessação.
Se houver RESOLUÇÃO do contrato invocado pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem direito a exigir indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis consentidas, calculadas segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Vemos que a lei actual se torna mais exigente, no seguimento da lei 76/77, no que toca à forma do consentimento.
Cremos que a nova lei, de acordo com os novos tempos e novas formas de exploração da terra, limitou o poder do arrendatário alterar, segundo o seu juízo de melhor aproveitamento do solo, os prédios arrendados.
Daí que, só com consentimento escrito ou autorização dos serviços, mediante um processo contraditório, o possa fazer.
Daí que, realizadas as benfeitorias, permita a imposição de uma alteração do prazo, visando uma rentabilização dos investimentos feitos.
As benfeitorias não autorizadas, ainda que úteis, são ilícitas.».
Sustenta o Apelante que houve erro na sentença na determinação da norma aplicável, pois entende que seria de apreciar a situação à luz do artº 15º do DL nº 385/88.
Como parece resultar claro dos termos do preceito, o disposto no aludido artº 15º aplica-se apenas aos casos de cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes (nº 1), de resolução do contrato invocada pelo senhorio, ou de impossibilidade, por parte do arrendatário, de prosseguir a exploração por razões de força maior situação (nº 3), não ocorrendo, no caso “sub judice”, qualquer dessas situações.
Foi correcto, assim, o apelo feito na sentença ao preceituado no artº 14º do DL nº 385/88.
A isto acresce que, no nosso entender, tendo-se provado apenas, nesse âmbito, que o levantamento da vedação deixará na terra buracos correspondentes ao arranque dos paus da vedação, o Autor não provou que não pudesse levantar a benfeitoria em virtude desse levantamento causar prejuízo ao prédio, sendo que era sobre ele que pendia o ónus dessa prova.[4]
Na verdade, como se diz no Acórdão do STJ, de 08/02/2011, (Revista nº 12/09 9T2STC.E1.S1), «…o nº 1, “in fine”, do artigo 1273º do Código Civil reporta-se não ao detrimento da benfeitoria (cujo levantamento implica, em regra, senão a sua destruição mas, pelo menos, o serem-lhe causados danos) mas à danificação significativa da coisa onde as mesmas foram implantadas – cfr o Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1964, I, 274 - e porque assim é, é que o artigo 1273º do Código Civil utiliza as expressões “(…) levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa (…)” [n.º 1] ou “(…) para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias (…)” [n.º 2]).».
Ora, não é de entender como causando danificação significativa ao prédio a mera circunstância de a respectiva terra, com o levantamento da vedação, ficar com buracos correspondentes ao arranque dos respectivos paus da vedação.
Na sentença embora enunciando-a no relatório, não se apreciou a questão do pedido de indemnização do Autor à luz do instituto do enriquecimento sem causa.
Existiu, pois, omissão de pronúncia quanto a esta questão, que a esta Relação compete suprir, decidindo-a (artºs 668º, nº 1, alínea d), 660º, nº 2 e 715º, nº 1, todos do CPC).
O enriquecimento sem causa encontra-se regulado nos artºs 473º e ss. do CC e depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: 
a. existência de um enriquecimento;
b. que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique - ou porque nunca a houve, ou porque, entretanto, desapareceu;
c. que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição;
d. que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
Entendendo a lei que, em virtude de não se verificarem determinados requisitos que define, determinada benfeitoria útil, não atribui, a quem a fez, o direito a ser indemnizado, afigura-se que não se pode contrariar este desiderato legal com o apelo complementar ao instituto do enriquecimento sem causa.
É que se a lei nega a restituição – o que se passa na referida situação em que não se mostre que a benfeitoria útil haja sido consentida por escrito pelo senhorio – não se pode lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa (artº 474º do CC).
No caso, existiu uma causa para o putativo enriquecimento dos RR – a realização de benfeitoria útil -, estabelecendo-se na lei (v.g., no artº 14º, nº 1 do DL nº 385/88) os requisitos que conferem o direito de indemnização a quem a realizou.
Acontece que o Autor não logrou demonstrar estarem reunidos esses requisitos que lhe confeririam o direito a ser indemnizado por essa benfeitoria – v.g., o consentimento escrito dos senhorios -, pelo que, atento o respectivo carácter subsidiário (artº 474º do CC) não se está perante uma situação em que seja permitida a convocação do instituto do enriquecimento sem causa.[5]
Improcede, pois, o pedido subsidiário formulado pelo Autor.
Afirma o Apelante que a interpretação feita pelo Tribunal “a quo”, da norma do nº 3 do artigo 5º do Decreto-lei 385/88, de 25 de Outubro, viola os artºs 2º, 13º nº 1, e 18º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
A mera afirmação de que existe inconstitucionalidade na aplicação de determinadas normas, não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A válida imputação de inconstitucionalidade, sendo mister que respeite, não a uma decisão, mas a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), impõe, a quem pretende atacar, na perspectiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, determinada interpretação normativa, indicar concretamente a dimensão normativa que se considera inconstitucional. 
O apelante sustenta que a denúncia deve partir da iniciativa das partes, e devem as partes diligenciar no sentido da sua conformidade com a lei, o que, atento o que ficou exposto, foi o que aconteceu.
Não concretizou, contudo, o apelante, os motivos que o levaram a afirmar que a norma do nº 3 do artigo 5º do Decreto-lei 385/88, na interpretação que foi feita pelo Tribunal “a quo”, viola os artºs 2º, 13º nº 1, e 18º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, apenas se nos oferece dizer que não vislumbramos que a interpretação daquela norma, efectuada pela 1ª Instância, e que merece a nossa concordância, viole os apontados preceitos constitucionais.
Concluindo:

É de manter o decidido na sentença, havendo, para além disso, de, na sequência da apreciação da questão em que foi omitida pronúncia, julgar improcedente o pedido subsidiário do Autor, dele absolvendo as RR.

VI - Em face de tudo o exposto, Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, na improcedência da apelação:

- Manter o decidido na sentença recorrida;

- Julgar improcedente o pedido subsidiário do Autor, dele absolvendo as RR.

Custas a cargo do Apelante.


Luís José Falcão de Magalhães (Relator)

Sílvia Maria Pereira Pires

Henrique Ataíde Rosa Antunes



[1] Código de Processo Civil, a considerar na redacção que antecedeu a que lhe foi dada pelo DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

[3] Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 17/4/1997 (Apelação nº 9631348), sumariado em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.

[4] Cfr. Acórdão do STJ, de 23/04/2002 (Revista nº 01A4298 ).
[5] Cfr Acórdão desta Relação de 04/12/2007 (Apelação nº 862/05.5TBAND.C1), relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Teles Pereira e em que foi 2º Adjunto o aqui relator, onde se refere: «…considerando-se que a antecipação argumentativa de que existiu uma causa para a realização da prestação, mas que esta se não verificou – rectius, que já não se verificava ou que se frustrou –, desencadeará, se provada, a obrigação de restituir o enriquecimento, por verificação da facti species interpretativa do artigo 473º do CC, já o mesmo não sucede quando a ausência dessa causa, e é o que aqui se passa, decorre de um non liquet da parte sobre a qual recai o ónus da alegação e da demonstração da existência dessa mesma causa. Neste último caso, a consequência de não se provar (ou de não se ter alegado) a causa de uma prestação não é a restituição desta por falta de causa, será, em princípio, no quadro da já mencionada “teoria das normas” (v. nota 3 supra), o accionar das chamadas “regras de decisão” – no caso, os artigos 342º, nº 1 e 516º, respectivamente do CC e CPC – próprias desse non liquet[22]. ».