Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
964/09.9TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
VIOLAÇÃO
SEGURANÇA NO TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
Data do Acordão: 05/24/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 112º, Nº 1 E 131º, Nº 1, AL. C) DO CPT/99; LEI Nº 100/97, DE 13/09.
Sumário: I – A mera aceitação, na tentativa de conciliação, da caracterização do acidente como de trabalho, não obsta a que se discuta a questão da caracterização do acidente na fase contenciosa do processo.

II – No auto de conciliação devem ficar consignados factos e não conclusões ou juízos de valor e só sobre aqueles se pode formar o acordo ou desacordo.

III – Dizer que ocorreu violação ou inobservância de normas de segurança é uma conclusão a retirar de factos que no auto não ficam a constar.

IV – Para se formular um juízo sobre a violação de normas de segurança no trabalho era necessário que no auto ficasse a constar, de forma concretizada, qual o comportamento omissivo ou activo da empregadora que originou a violação da norma concreta sobre segurança no trabalho.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Frustrada a tentativa de conciliação realizada na fase não contenciosa do processo, veio A... , representado pelo Ministério Público, instaurar a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra a R. “COMPANHIA DE SEGUROS B..., S.A.”, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe:

− O capital de remição calculado com base na pensão anual no valor de € 584,05, reportada a 16/11/2009;

− A quantia de € 40 a título de despesas efectuadas com deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal;

− Os juros de mora sobre as quantias vencidas e vincendas, até ao seu integral pagamento

Alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente enquanto trabalhava para uma sociedade, tendo ficado afectado com incapacidade temporária absoluta e, a final, com incapacidade permanente parcial; que tem direito ao pagamento do capital de remição de uma pensão anual, bem como ao pagamento das suas despesas em deslocações obrigatórias, estando a responsabilidade do seu pagamento a cargo da R.


+

A R. “Companhia de Seguros B..., S.A.” contestou, invocando a descaracterização do acidente de trabalho, pretendendo que a acção seja julgada improcedente, sendo absolvida do pedido.

Alegou, para o efeito e muito resumidamente, que o acidente de trabalho em apreço resultou de negligência grosseira do A. e do desrespeito pelo mesmo das regras de segurança a que estava vinculado por lei e pela sua entidade empregadora.


***

II - Saneado o processo, e seleccionada a matéria de facto assente e aquela que constituiu a base a base instrutória, procedeu-se à audiência de julgamento tendo a final, sido proferida sentença que decidiu julgar improcedente a acção e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos contra si formulados[1].

***

V – Inconformada com esta decisão veio o autor apelar, alegando e concluindo:

[…]


+

Contra alegou a ré alegando em síntese conclusiva:

[…]


***

IV – Dos factos:

Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

[…]


***

V - Do Direito:

As conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso.

Considerando estas alegações, a única questão a decidir reside em saber se, tendo a responsável pela reparação na tentativa de conciliação declinado a sua responsabilidade invocando apenas a inobservância de regras de segurança por parte da entidade patronal do sinistrado pode, posteriormente, em sede contenciosa, vir invocar a descaracterização do acidente com fundamento na inobservância pelo sinistrado de regras de segurança e ainda com fundamento em negligência grosseira deste.

A questão ora em análise havia já sido suscitada pelo sinistrado na reclamação que apresentou quanto ao modo como a base instrutória foi elaborada, reclamação esta que mereceu por parte do tribunal recorrido a seguinte resposta:(…) na tentativa de conciliação realizada nestes autos e inter alia, aceitou a “existência e caracterização do acidente como de trabalho” e que “ocorreu violação das normas de segurança no trabalho por parte da entidade patronal”.

Todavia, dever-se-á referir que, efectivamente, existem diversos arestos que propugnam, justamente, a posição defendida pelo A. (que se afigura ser maioritária), sendo que, não obstante, se encontra também jurisprudência no sentido oposto, como, verbi gratia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006, retirado de www.dgsi.pt, onde se escreveu que “I - O acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto na tentativa de conciliação realizada perante o é o que incide sobre factos, e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas (arts. 111.º e 112.º do CPT). II - A mera aceitação, na tentativa de conciliação, da qualificação de um sinistro como acidente de trabalho, não obsta a que se discuta a caracterização do acidente na fase contenciosa do processo. III – Deve conhecer-se contenciosamente da matéria de facto alegada na contestação da acção, não obstante a declaração efectuada na fase conciliatória de que se aceitava a existência e caracterização do acidente como de trabalho, desde que na fase conciliatória as partes se não tenham pronunciado sobre os factos que na fase contenciosa vêm alegar "ex novo", susceptíveis de determinar a exclusão do âmbito reparador da lei de acidentes por se enquadrarem na hipótese do art. 8.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro (LAT)”.

Ou, de outra forma e mais recentemente, “I - Na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho, o acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto de tentativa de conciliação é o que incide sobre factos e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas. II - Assim, nada obsta a que, na fase contenciosa do processo, se discuta a caracterização do acidente, se, no auto de tentativa de conciliação, constar apenas a referência de que as recorrentes aceitaram o acidente como de trabalho, bem como o nexo causal entre o acidente, as lesões e a morte do sinistrado” – Acórdão da Relação do Porto de 28 de Março de 2011, disponível em www.dgsi.pt.

Ora, face a essa diversidade de decisões constante da jurisprudência dos Tribunais superiores, haveria sempre a possibilidade de, caso em sede de recurso se adoptasse essa segunda posição, ser anulado o julgamento e reenviado o processo com vista à ampliação da base instrutória e à repetição do julgamento, o que se procurou evitar com a quesitação efectuada no despacho saneador.

De facto, e sendo essa uma das soluções plausíveis da questão de direito (ipso est, que é possível à R., mesmo tendo aceite a caracterização do acidente como de trabalho, vir alterar essa posição e invocar, em sede de contestação, a existência de negligência grosseira e violação de regras de segurança por parte do sinistrado), é preferível, salvo melhor opinião e melhor estudo por parte do signatário, que o Tribunal carreie a versão dos factos alegada pela R. na sua contestação para o despacho saneador e se pronuncie futuramente sobre esses factos, relegando para sentença a apreciação da questão ora suscitada pelo A. do que o ignorar essa contestação e “arriscar” que, posteriormente, o processo volte a uma fase anterior, tornando inútil a realização do julgamento”.

Consta do auto de não conciliação que “pelo legal representante da companhia de seguros B...SA foi dito que “aceita: - a existência e caracterização do acidente como de trabalho nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritos, e que o mesmo ocorreu quando o sinistrado trabalhava numa máquina de fazer peças de cerâmica ao serviço da sua entidade patronal acima identificada - que dele resultaram directa e necessariamente as lesões descritas no boletim de alta da seguradora e no exame do g.m.l, bem como a data da alta - os períodos de its acima indicados - que a responsabilidade por acidentes de trabalho, à data do acidente o no que ao sinistrado diz respeito se encontrava para si transferida com base no salário anual de € 8.343,60 (€ 541,45x14 meses + € 44,00x 11 meses de subsídio de alimentação + € 19.95x 14 meses de diuturnidades).- Não aceita conciliar-se porque a sua representada entender que ocorreu violação das normas de segurança no trabalho por parte da entidade patronal[2] e ainda que o sinistrado se encontra apenas afectado de uma ipp de 5,95%”.

Lê-se no citado AC. do STJ de 14-12-2006[3], procº 06S789, www.dgsi.pt., que o “artigo 111º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Dezembro (CPT/99), referindo-se ao conteúdo do auto de tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público, em caso de acordo, prescreve que ele deverá conter, além da indicação precisa dos direitos e obrigações atribuídos aos intervenientes, “a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações”.

No que respeita ao auto de tentativa de conciliação, em que não se tenha conseguido o acordo dos intervenientes, o artigo112.º, n.º 1, do CPT/99, obriga a que nele sejam “consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo - se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”; e o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “o interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um destes factos, estando já habilitado a fazê-lo, é, a final, condenado como litigante de má fé”.

Estas normas correspondem, sem alterações significativas, aos artigos 113º e 114º, nºs 1 e 2 do CPT/81, notando-se que o legislador do CPT/99 substituiu, no preceito relativo aos autos de acordo, a expressão fundamentos de facto pelo vocábulo factos e eliminou, por desnecessária, a expressão “por forma a habilitar o juiz com os elementos necessários à apreciação do acordo”.

No CPT/63 , o artigo 108º, que regulava o conteúdo dos “autos de acordo” exigia, além da indicação precisa dos direitos e obrigações atribuídos às partes, “a descrição pormenorizada do acidente e dos fundamentos de facto que servem de pressuposto aos mesmos direitos e obrigações, por forma a habilitar o juiz com os elementos necessários à apreciação do acordo”, texto que veio a ser reproduzido no CPT/81.

E o artigo 109.º do mesmo CPT/63, reportando-se ao conteúdo dos “autos na falta de acordo”, impunha, no seu n.º 1, que fossem “consignados os pontos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente (...), da relação de causalidade entre a lesão ou doença e o acidente, do ordenado ou salário do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”; e, no seu nº 2, prescrevia que “a parte que se recuse a tomar posição sobre cada um destes pontos, estando já habilitada a fazê-lo, será, a final, condenada como litigante de má fé”.

Nota-se, assim, que, relativamente ao conteúdo do auto de tentativa de conciliação frustrada, onde o CPT/63 se referia a pontos, os diplomas que lhe sucederam passaram a referir-se a factos, sendo lícito concluir que tal aconteceu para desfazer dúvidas de interpretação, uma vez que aquele primeiro vocábulo tem um sentido mais abrangente do que o segundo.

Daí que se possa afirmar, como no Acórdão deste Supremo de 30 de Outubro de 1996, que, “na tentativa de conciliação as partes devem pronunciar-se sobre os vários pormenores factuais que podem interessar à decisão da causa, obrigando o agente do Ministério Público a quem compete a direcção da fase conciliatória, a deixar consignado em auto os factos sobre que houve acordo das partes, consignando também aqueles em que não acordaram”.

O acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto é, portanto, o que incide sobre factos, e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas.

Afirmar ou negar a caracterização de um desastre como acidente de trabalho supõe a elaboração de um juízo de valor que envolve o enquadramento de realidades factuais num conceito jurídico – o conceito legal de acidente de trabalho”

O acordo ou desacordo, como manifestação de vontade e declaração de ciência sobre factos, que deve constar do auto por imposição das normas que regulam a tentativa de conciliação, não contempla, portanto, a aceitação ou recusa da caracterização do acidente – que é uma questão de qualificação jurídica –, mas tão só o reconhecimento, ou não, de um evento e suas circunstâncias, cabendo ao julgador, segundo o brocardo da mihi factum, dabo tibi jus, proceder à qualificação adequada.

Assim, a mera aceitação, na tentativa de conciliação, da caracterização do acidente como de trabalho, não obsta a que se discuta a questão da caracterização do acidente na fase contenciosa do processo.

Ao elaborar o despacho de condensação processual – fixando os factos assentes e quesitando os que considere deverem integrar a base instrutória – o juiz quer no processo civil, quer no processo laboral, deve seleccionar os factos da vida real com relevo para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, abstendo-se de nele inserir conceitos de direito ou outra matéria conclusiva.

De harmonia com o disposto no artigo 131º, nº 1, alínea c), do CPT/99, o juiz deve, no momento da prolação daquele despacho, considerar “assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação”.

Já o n.º 1 do artigo 134.º do CPT/81 dizia que “findos os articulados, o processo é concluso ao juiz para proferir despacho saneador em que considerará assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”.

Diversamente, o artigo 129º, n.º 1, do CPT/63, dispunha que “será o processo concluso ao juiz, que proferirá despacho saneador em que considerará assentes as questões sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação”.

Também aqui o legislador evoluiu no sentido de clarificar que o que deve ser especificado, com base no teor do auto de tentativa de conciliação são apenas os factos aceites pelas partes naquele acto, e não, pontos ou questões.

Se dos factos pode concluir-se pela existência de um acidente que deva caracterizar-se como de trabalho, ou que o não deva, assim o tribunal o deve considerar, extraindo as correspondentes consequências desta conclusão jurídica na decisão do caso concreto.

Assim, desde que na fase conciliatória as partes se não tenham pronunciado sobre os factos e circunstâncias que na fase contenciosa da acção especial emergente de acidente de trabalho vêm alegar "ex novo", deve conhecer-se contenciosamente da matéria de facto alegada na contestação apresentada na fase contenciosa, não obstante a declaração efectuada na fase conciliatória de que se aceitava a existência e caracterização do acidente como de trabalho, já que esta caracterização é uma conclusão ou juízo de valor, desprovida do indispensável fundamento factual.”

Este elucidativo aresto, tirado é certo no que se refere à caracterização do acidente como de trabalho, não pode deixar de ter aplicação no caso presente onde, recorde-se, no auto de tentativa de não conciliação ficou consignado que a seguradora não aceitou conciliar-se por entender ter ocorrido violação das normas de segurança no trabalho por parte da entidade patronal

Ora, no auto devem ficar consignados factos e não conclusões ou juízos de valor e só sobre aqueles se pode formar o acordo ou desacordo.

Parece que todos estaremos de acordo que dizer que ocorreu violação ou inobservância de normas de segurança é uma conclusão a retirar de factos que no auto não ficaram a constar.

Para se formular um juízo sobre a invocada violação era necessário que no auto ficasse a constar, de forma concretizada, qual o comportamento omissivo ou activo da empregadora que originou a violação da norma concreta sobre segurança no trabalho.

Acontece que nada disto ficou a constar do auto para além do já referido mero juízo conclusivo.

Não se olvida que os autos de conciliação e ou de não conciliação realizados na fase não contenciosa devem funcionar como mecanismo delimitador do objecto do processo na fase contenciosa. Mas se assim é, também não deixa de ser verdade que a lei exige que essa delimitação se faça em termos factuais e não em termos meramente valorativos ou conclusivos

Desta sorte, tendo em conta a função uniformizadora da jurisprudência do nosso mais alto tribunal, entendemos que no caso a seguradora não se encontrava vinculada a discutir na fase contenciosa apenas a questão da inobservância de normas sobre segurança por parte do empregador, podendo discutir se o acidente se encontrava descaracterizado.

Se bem analisarmos as coisas, até o próprio autor desvalorizou ou não considerou a declaração da seguradora quando esta na tentativa de conciliação declarou não se conciliar por, entre outras razões, atribuir a eclosão do evento infortunístico a violação de normas de segurança por parte da entidade patronal.

Vejamos:

Considerando a data do acidente, é aplicável ao caso o regime que decorre da Lei 100/97 d 13/09 e respectivo regulamento.

Verificando-se violação sobre regras de segurança por parte do empregador a responsabilidade da seguradora é apenas subsidiária e pelas prestações normais enquanto a empregadora responde em primeira linha e com as prestações agravadas (artºs 18º e 37 nº 2 da Lei 100/97).

Constatamos, porém, que o autor apenas se limitou a demandar a seguradora pelas prestações normais deixando de fora da lide a empregadora à qual aquela havia imputado a responsabilidade pela reparação, o que inculca ou denota não ter o próprio sinistrado aceite ou admitido ter o acidente ocorrido em consequência da violação de normas sobre segurança por parte da sua entidade patronal.

Aqui chegados, não tendo o recorrente questionado o enquadramento que decidiu estar o acidente descaracterizado em consequência da sua eclosão ter tido origem na violação por parte do sinistrado de regras de seguranças e ainda devido a negligência grosseira[4] deste, apenas resta em face do que acima ficou dito, julgar improcedente a apelação.


***

VI Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

*

Se custas por delas o recorrente estar isento.

*
              Joaquim José Felizardo Paiva (Relator)
Manuela Bento Fialho (vencida pelas razões em anexo)

Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes

Declaração de voto


   Voto vencida pelos fundamentos que se seguem:

   Com o devido respeito pela posição emanada do Supremo Tribunal de Justiça, referenciada no Acórdão, há razões que me levam a discordar do sentido da decisão.

    Primeiro: O Artº 112º/1 do CPT dispõe acerca do conteúdo dos autos na falta de acordo, consignando que ali devem constar os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente...

    No nº2 dispõe-se que o interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um destes factos é, a final, condenado como litigante de má fé.

   Assim, para o legislador, as questões de direito ali mencionadas, designadamente a caracterização do acidente ou o nexo causal são tidas, para este efeito, como factos.

   Segundo: Historicamente, sempre ocorreu uma diferença substancial entre o processo comum e o processo especial emergente de acidentes de trabalho, traduzida na circunstância de a tentativa de conciliação levada a cabo na fase conciliatória deste delimitar o subsequente objecto do processo. Coisa que não ocorre, ainda hoje, e não obstante a introdução da audiência de partes, no processo comum.

   Terceiro: A litigância baseia-se nos princípios da boa fé e confiança, princípios que ficam absolutamente beliscados se se permitir, como com a decisão ora proferida, alterar o objecto do processo pela via admitida.

   Considero que o A., motivado pela conduta da R. na tentativa de conciliação – que mencionou expressamente não se conciliar apenas por entender que ocorreu violação de regras de segurança no trabalho por parte da entidade patronal – tinha razões para esperar desta que fundamentasse a sua defesa com base no concreto motivo que invocara, alegando os pertinentes factos (cujo ónus é seu). E não tinha o A. que demandar esta e o empregador com base numa tese que não era a sua, sabido que no âmbito deste processo o juiz pode fazer intervir o terceiro responsável.

   Obviamente que nada do que expus entra em colisão com a obrigação de, no despacho de condensação processual, apenas se consignarem factos (que é questão absolutamente distinta da que nos ocupa).

   Daí que, tal como propugnado no recurso, considere que a defesa é inadmissível e, por isso, julgaria a apelação procedente.


MANUELA BENTO FIALHO


[1] Decidiu-se que o acidente não era reparável por se encontrar descaracterizado por ter ocorrido em consequência da violação de regras de segurança por parte do sinistrado e ainda por este ter agido com negligência grosseira.
[2] Negrito nosso.
[3] Que pelo seu interesse se transcreve em parte apesar da sua extensão
[4] Nota-se aqui uma contradição, aliás assinalada pelo recorrente, na medida em que dando-se por verificada a inobservância de regras de segurança por parte do sinistrado, a negligência grosseira como causa de descaracterização não podia dar-se por verificada porquanto se exige que esta seja causa exclusiva do acidente –alinea b) do artigo 7º da Lei 100/97.