Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6227/15.3T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PRAZO DAS NEGOCIAÇÕES
CADUCIDADE
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.17-A, 17-D, 17-E, 17 G, 215 CIRE
Sumário: 1. No âmbito do processo especial de revitalização, o plano desta deve ser apresentado no prazo das negociações.

2. Este é um prazo de caducidade, excluída esta da disponibilidade das partes.

3. Ultrapassado tal prazo, a homologação do plano constitui violação não negligenciável de norma imperativa.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I (…) S.A., intentou processo especial de revitalização.

Foi nomeado administrador judicial provisório.

O prazo para a conclusão das negociações foi prorrogado por um mês.

Concluídas as negociações foi ainda concedido prazo para a votação do plano apresentado pela devedora.

O plano foi homologado por sentença.


*

            Inconformada, A (…), S.A., Sucursal em Portugal, credora reclamante, recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1 – O presente recurso, em primeira linha, incide sobre a douta sentença homologatória do PER, proferida em 16/03/2016 (ref. CITIUS n.º 76690480).

2 – Por se afigurar mais célere e cabal na apreciação da questão sub judice, elencam-se os factos que a recorrente reputa por relevantes e sobejamente suficientes.

3 – A lista provisória de créditos a que alude o n.º 3 do art. 17.º-D do CIRE foi publicada no Portal CITIUS no dia 27/11/2015.

4 – Em 26/01/2016 foi publicado no Portal CITIUS o acordo escrito tendente à prorrogação do prazo das negociações, de acordo com o preceituado no n.º 5 do art. 17.º-D do CIRE.

5 – No dia 23/02/2016, a devedora atravessou um requerimento (com a ref.ª CITIUS n.º 21931825), de onde se transcreve “O plano apresentado pela devedora a alguns credores, está a ser objecto de algumas rectificações, por via das exigências feitas pelos ditos credores, por esse facto o seu depósito no tribunal ainda não ocorreu. Sendo que o mesmo será depositado impreterivelmente até ao dia 3 de Março, todavia, credores e devedora necessitam do prazo de 10 dias para a votação do mesmo. Para evitar decisões surpresa, que muitos danos iriam provocar à Devedora, desde já se requer a V. Exa., que se pronuncie, nos temos do art. 211º, nº 1 do C.I.R.E., de modo a que a Devedora tenha alguma segurança jurídica no decurso do processo de negociação e votação do plano.”

6 – Em 25/02/2016, o Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório, mediante requerimento autónomo (com a ref.ª CITIUS n.º 1368834), subscreve o entendimento da devedora e acrescenta ainda que: “Conforme consta dos autos, o processo negocial entre a devedora e os seus credores deverá estar concluído até ao dia 3 de Março de 2016. ... Assim, em face da elevada complexidade das negociações, o Administrador Judicial Provisório entendia designar a data de votação o dia 14 de Março de 2016.”

7 – O requerido pela devedora e administrador judicial provisório foi deferido pela Mma. Juíza a quo, mediante despacho com data de conclusão em 29/02/2016 (ref.ª CITIUS n.º 76520284), onde se extrai “Considerados os motivos invocados e a norma legal referida, à semelhança do que atrás de decidiu quanto ao requerido pela devedora, autoriza-se a votação do plano para os 10 dias seguintes à sua apresentação a qual deverá ocorrer até ao dia 3 de Março.” (sublinhado nosso), sem que tal despacho tenha sido notificado à ora recorrente.

8 – No dia 03/03/2016, a devedora (através do requerimento com a ref.ª CITIUS n.º 22027584) junta aos autos o Plano de Recuperação para apreciação e votação dos credores.

9 – No dia 10/03/2016, a devedora (através de requerimentos com as ref.ªs CITIUS n.ºs 22083140 e 22084437) junta aos autos novo Plano de Recuperação para apreciação e votação dos credores, informando os credores (mediante correio electrónico) que “O mesmo deverá ser votado até ao p.f. 14 de Março, pelas 12 horas…”

10 – O Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório, no dia 15/03/2016, requer a junção aos autos (mediante requerimentos com a ref.ª CITIUS n.º 1419903) da Acta de Abertura de Votos e Votação do Plano de Recuperação, evidenciando um total de votos favoráveis de 64,51%;

11 – No dia 16/03/2016, a Mma. Juíza a quo profere a douta sentença de que ora se recorre (ref.ª CITIUS n.º 76690480), homologando o Plano de Recuperação nos termos já supra expostos;

12 – No dia 17/03/2016, a ora recorrente é notificada da douta sentença de que se recorre (ref.ª CITIUS n.º 76710661);

13 – Por fim, nesse mesmo dia 17/03/2016, a ora recorrente atravessou um requerimento (ref.ª CITIUS n.º 22155470) – nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 215.º e 216.º, aplicáveis ex vi n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE – com vista à não homologação do Plano.

14 – O Tribunal a quo, em desrespeito a normas imperativas, que estatuem prazos peremptórios, acedeu à pretensão da devedora e do Administrador Judicial Provisório e concedeu um prazo ilegal com vista ao encerramento do processo negocial.

15 – A devedora defende que, uma vez dado a conhecer o Plano de Recuperação aos credores, estes sugeriram alterações que irão inviabilizar a junção aos autos dentro do prazo legal.

16 – Apesar de nunca ter sido facultado à ora recorrente qualquer proposta de Plano para que se pudesse pronunciar, o Administrador Judicial Provisório subscreve que a complexidade do Plano, bem como das negociações, justifica a concessão de um prazo de 10, à semelhança do vertido no art. 211.º do CIRE, que possibilite a votação por escrito aos credores.

17 – O Tribunal a quo acedeu à pretensão e determinou que o Plano fosse junto aos autos no dia 03/03/2016 e que o prazo para votação se estendesse por 10 dias.

18 – Esta decisão – que nunca foi notificada à recorrente – é ilegal, mormente por ser violadora do no n.º 5 do art. 17.º-D e n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE e, ademais, consubstancia uma violação não negligenciável das regras procedimentais, que, inexoravelmente, deveria determinar a não homologação oficiosa do Plano, nos termos do disposto no art. 215.º do CIRE.

19 – Na verdade, é entendimento da ora recorrente que estamos perante uma questatio pacífica, tanto doutrinal, como jurisprudencialmente.

20 – A título de exemplo, atentemos no doutamente decidido no Ac. da Relação de Lisboa, de 05/02/2015, onde se pode ler: (…)

21 – De igual modo, chamamos a atenção para a douta decisão desta mesma Relação de Coimbra, de 15/09/2015, de onde consta: (…)

22 – Ou ainda, por exemplar e cabal, socorremo-nos da douta decisão do Ac. da Relação do Porto, de 18/02/2016, onde se pode ler: (…)

23 – Também a doutrina, mais concretamente Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (vd. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª e., pp. 156 e 157), comungam do mesmo entendimento, quando escrevem: (…)

24 – Regressando à situação sub judice, perante a publicação da lista provisória de créditos em 27/11/2015, o prazo máximo para a conclusão das negociações decorrente do n.º 5 do art. 17.º-D do CIRE ocorreu, incontornável e peremptoriamente em 03/03/2016.

25 – Tanto a disponibilização aos credores da versão final do Plano para apreciação no dia 10/03/2016 e a prorrogação do prazo limite para a votação para o dia 14/03/2016 consubstanciam, inelutavelmente, violações das normas constantes e espírito subjacente ao Processo Especial de Revitalização.

26 – A douta sentença de que ora se recorre, validando estes comportamentos e optando por homologar um Plano que viola as normas imperativas e prazos peremptórios, está ferida de nulidade insanável.

27 – Perante a falta de acordo no terminus do processo negocial no prazo peremptório (03/03/2016), deveria o Administrador Judicial Provisório, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE, ter comunicado aos autos esse facto e publicá-lo ou requerer a sua publicação no portal CITIUS.

28 – O Tribunal a quo, com a sentença de que ora se recorre, ao homologar o PER viola o disposto no n.º 5 do art. 17.º-D, n.º 5 do art. 17.º-F, n.º 1 do art. 17.º-G e art. 215.º, todos do CIRE, pelo que deverá a sentença ser revogada e, em sua substituição, ser proferida sentença não homologatória do PER, por violação dos prazos máximos, consubstanciadora de violação de regra procedimental não negligenciável.

Subsidiariamente,

29 – Sempre os direitos da ora recorrente se encontram coarctados em virtude do despacho datado de 29/02/2016 (ref.ª CITIUS n.º 76520284), do qual nunca foi notificada.

30 – O aludido despacho deferiu o pedido formulado pela devedora e pelo Administrador Judicial Provisório, operando uma interpretação extensiva do art. 211.º do CIRE, prorrogando o prazo máximo para a conclusão das negociações no seio de um Processo Especial de Revitalização.

31 – O referido despacho nunca foi notificado à ora recorrente, só tendo esta tomado conhecimento do mesmo aquando do oferecimento do requerimento com vista à não homologação (ref.ª CITIUS n.º 22155470), pelo que o recurso subsidiário que ora interpõe deverá reputar-se por tempestivo.

32 – Conforme supra já se esmiuçou, deverá o despacho em crise ser revogado, por ser contra legem.

33 – Repisa-se o que anteriormente se alegou com recurso às doutas decisões constantes dos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 05/02/2015, da Relação de Coimbra de 15/09/2015 e da Relação do Porto de 18/02/2016.

34 - O despacho ora em crise deturpa normas imperativas, como sejam as constantes dos arts. 5 do art. 17.º-D, n.º 5 do art. 17.º-F, n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE, pelo que, uma vez ferido de nulidade, determina a nulidade de todo o processado depois de proferido, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 195.º do CPC.

35 – Nestes termos, com o douto suprimento de V.as Ex.as, deverá o despacho ser revogado e, em conformidade, anulando todo o processado posteriormente, incluindo a sentença proferida em 16/03/2016, determinando-se, em sua substituição, que o Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório, no legal e estrito cumprimento do constante do n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE, proceda à comunicação de encerramento do processo negocial e que publicite tal acto no portal CITIUS.

Por fim, ainda sem prescindir, subsidiariamente,

36 – Sempre a douta sentença homologatória do PER deverá ser revogada, uma vez que limitou os direitos da ora recorrente, mormente o de requerer a não homologação do Plano, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 215.º e 216.º do CIRE.

37 – Ainda por referência ao prazo ilegalmente estatuído para o oferecimento dos votos (14/03/2016), a junção aos autos do documento contendo o apuramento e contabilização dos votos a que alude o n.º 4 do art. 17.º-F (15/03/2016), a sentença homologatória proferida no dia 16/03/2016 é, sem margem para dúvidas, violadora dos direitos da ora requerente.

38 – Sem esquecer os motivos que determinaram a prorrogação ilegal do prazo para conclusão do processo negocial, a última versão do PER só foi facultada aos credores – entre eles a ora recorrente – em 10/03/2016.

39 – A ora recorrente, de acordo com a análise perfunctória que lhe foi permitida, votou contra, tendo o Administrador Judicial Provisório lavrado a acta de abertura de contagem de votos e junto esse instrumento aos autos no dia 15/03/2016.

40 – A Mma. Juíza a quo proferiu sentença homologatória em 16/03/2016, concluindo, entre outras, “Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer credor…”

41 – Estatui o n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE que “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”

42 – Cumpre salientar que o julgador derrogou normas imperativas e prazos peremptórios com fundamento na complexidade do Plano e das negociações correspondentes, mas, simultaneamente, não teve pejo apreciar definitivamente se foram cumpridas as regras procedimentais a que alude o art. 215.º do CIRE num prazo de 24 horas (!).

43 – Entende a recorrente que, tendo tomado conhecimento do PER no dia 10/03/2016, a homologação em 16/03/2016 limita insustentavelmente o direito que lhe assiste de acordo com o art. 216.º do CIRE, aplicável ex vi n.º 5 do art. 17.º-D do mesmo diploma.

44 – Trazemos à discussão a posição de Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda, vd. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Ed., Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa 2015, p. 778, quando escrevem (…)

45 – Isto é, pelo menos 10 dias – desde o momento em que recebeu o PER – deverão assistir à ora recorrente, para preparar e elaborar um requerimento com vista à não homologação, nos termos do art. 216.º

46 – Atente-se nos escritos de Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dias, vd. PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º- I do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, 2014, que defenderam: (…)

47 - É forçoso concluir que, para um correcto exercício do direito vertido no art. 216.º do CIRE, o marco temporal relevante, na pior das hipóteses, reportar-se-á ao momentum em que esse credor tomou conhecimento do Plano cuja não homologação se impõe para salvaguarda dos seus direitos.

48 – Tal entendimento determinou que a ora recorrente atravessasse um requerimento no dia 17/03/2016, reputando-o por tempestivo, mas qua ainda não mereceu uma tomada de posição por parte da Mma. Juíza a quo, pelo que, subsidiariamente, deverão V.as Ex.as revogar a sentença proferida em 16/03/2016, de molde a que o Tribunal a quo se pronuncie sobre a requerida não homologação, nos exactos termos em que o foi.


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            Inconformada ainda com o despacho de 1 de abril de 2016, a recorrente introduziu um 2º recurso com as seguintes conclusões:

1 – O presente recurso versa sobre o douto despacho proferido pela Mma Juíza a quo em 01/04/2016 (ref. CITIUS n.º 76779732).

2 – Por se afigurar mais célere e cabal na apreciação da questão sub judice, elencam-se os factos que a recorrente reputa por relevantes e sobejamente suficientes.

De 3 a 15, a recorrente repete as conclusões 3 a 13 do 1º recurso (supra) e a 1ª deste.

16 – De acordo com a Mma. Juíza a quo, o poder conferido aos credores de pugnarem pela não homologação de um PER tem que ser exercido no prazo de 10 dias a partir do momento em que tomam conhecimento do teor do mesmo.

17 – Não pode a ora recorrente conformar-se com esse entendimento, por razões de índole lógica e etimológicas.

18 – Para poder requerer a não homologação (cuja definição constante do dicionário da língua portuguesa anda inelutavelmente em roda de: confessar, aprovar, confirmar por autoridade judicial ou administrativa, reconhecer oficialmente; reconhecer como legítimo) é absolutamente necessário que exista a montante uma aprovação.

19 – Pelo que, desconhecendo-se o resultado da votação, pugnar pela não homologação – para além de uma potencial perda de tempo, no caso da contabilização dos votos determinar uma recusa do plano de revitalização – sempre necessitará de um acto autorizante, que constituirá o objecto do requerimento!

20 – Socorremo-nos do vertido no douto Ac. da Relação de Évora de 19/11/2015, onde se decidiu: (…)

21 – Isto é, logica e necessariamente que, para se requerer não homologação de um PER, necessário se revela que este tenha obtido uma aprovação contra a qual se pretende pugnar!

22 – Mas, independentemente de se concordar com os argumentos expendidos, mesmo que se opte pelo entendimento aduzido pela Mma. Juíza a quo, sempre o requerimento de não homologação apresentado pela ora recorrente teria que ser apreciado, por ser tempestivo!

23 – Com efeito, a última versão do PER para apreciação e consideração dos credores só lhes foi facultada em 10/03/2016.

24 - A ora recorrente, de acordo com a análise perfunctória que lhe foi permitida, votou contra, tendo o Administrador Judicial Provisório lavrado a acta de abertura de contagem de votos e junto esse instrumento aos autos no dia 15/03/2016.

25 – A Mma. Juíza a quo proferiu sentença homologatória em 16/03/2016, concluindo, entre outras, “Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer credor…”

26 – Estatui o n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE que “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”

27 – Cumpre salientar que a Mma. Juíza a quo derrogou normas imperativas e prazos peremptórios com fundamento na complexidade do Plano e das negociações correspondentes, mas, simultaneamente, não teve pejo apreciar definitivamente se foram cumpridas as regras procedimentais a que alude o art. 215.º do CIRE num prazo de 24 horas(!)

28 – Entende a recorrente que, tendo tomado conhecimento do PER no dia 10/03/2016, a homologação em 16/03/2016 limita insustentavelmente o direito que lhe assiste de acordo com o art. 216.º do CIRE, aplicável ex vi n.º 5 do art. 17.º-D do mesmo diploma.

29 – Trazemos à discussão a posição de Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda, vd. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Ed., Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa 2015, p. 778, quando escrevem (…)

30 – Isto é, pelo menos 10 dias – desde o momento em que recebeu o PER – deverão assistir à ora recorrente, para preparar e elaborar um requerimento com vista à não homologação, nos termos do art. 216.º

31 – Atente-se nos escritos de Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dias, vd. PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º- I do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, 2014, que defenderam: (…)

32 - É forçoso concluir que, para um correcto exercício do direito vertido no art. 216.º do CIRE, o marco temporal relevante, na pior das hipóteses, reportar-se-á ao momentum em que esse credor tomou conhecimento do Plano cuja não homologação se impõe para salvaguarda dos seus direitos.

33 – Tal entendimento determinou que a ora recorrente atravessasse um requerimento com vista à não homologação no dia 17/03/2016, isto é, no 7º dia após tomar conhecimento do PER!

34 – O Tribunal a quo ao recusar-se a apreciar o requerimento de não homologação viola o disposto no n.º 5 do art. 17.º-D, n.º 5 do art. 17.º-F, n.º 1 do art. 17.º-G, art. 215.º e art. 216.º, pelo que deverão V.as Ex.as proceder à revogação do despacho proferido e, em sua substituição, determinar a baixa dos autos, para que a Mma. Juíza a quo se pronuncie sobre o requerimento de não homologação.


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            Contra alegou a I (…) defendendo a correção do decidido.

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            Questões a decidir:

Saber se o plano de revitalização em causa podia ter sido homologado apesar de se encontrar ultrapassado o prazo de três meses estabelecido na lei para a conclusão das negociações.

Subsidiariamente:

A consequência da falta de notificação do despacho que concedeu prazo para a votação pelos credores;

A ilegalidade deste despacho.

No 2º recurso, saber se os credores que pretendam pugnar pela não homologação do plano têm que reagir no prazo de 10 dias a contar do conhecimento deste.


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            Factos a considerar (embora não destacados pelo tribunal recorrido, estão documentados):

A lista provisória de créditos foi publicada no dia 27/11/2015.

Em 26/01/2016 foi publicado o acordo de prorrogação do prazo das negociações.

No dia 23/02/2016, a devedora, informando que o plano está a ser objecto de algumas rectificações, e que será depositado até ao dia 3 de Março, requer um prazo de 10 dias para a votação do mesmo. 

No dia 25/02/2016, o Administrador Judicial subscreve o entendimento da devedora e designa o dia 14 de Março de 2016 para a votação.

O tribunal autorizou (a 29.02.2016) a votação do plano para os 10 dias seguintes à sua apresentação, a qual deveria ocorrer até ao dia 3 de Março, sem que conste a notificação da recorrente.

No dia 03/03/2016, a devedora junta aos autos o Plano.

No dia 10/03/2016, a devedora junta aos autos “a última versão do Plano”.

No dia 14/03/2016, o tribunal julgou as impugnações apresentadas contra a relação de créditos.

No dia 15/03/2016 é junta a Ata de Abertura de Votos e Votação do Plano de Recuperação, com o voto contra da recorrente.


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            Como já assumido pelo relator nos acórdãos desta secção, de 21.4.2015 (proc.2460/14) e 7.4.2016 (vencido no proc.1202/15), solução adotada pelo STJ, nas decisões de 8.9.2015 (570/13), 17.11.2015 (1557/14) e de 19.4.2016 (7543/14), publicados em www.dgsi.pt, no âmbito do processo especial de revitalização, o plano desta deve ser apresentado no prazo das negociações.

Este é um prazo de caducidade, excluída esta da disponibilidade das partes.

Ultrapassado tal prazo, a homologação do plano constitui violação não negligenciável de norma imperativa.

Passamos a elencar os argumentos que suportam tais conclusões:

O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor, que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores, para obter acordo conducente à sua recuperação.

Comunicado o início das negociações, os credores dispõem de 20 dias, contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art.º 17º-D do CIRE, para reclamar créditos.

Elaborada a lista provisória de créditos, ela é apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis.

Findo o prazo para as impugnações, os interessados dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Preceitua o art.º 17º-F do código em análise, sob a epígrafe “conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”: (…)

(nº2): Concluindo -se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem a aprovação unânime prevista no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal; (…)

(nº5): O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.

E prevê o seu art.º 17º-G, nº1, que, caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado.

Conforme o referido art.215º, o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

Decorre deste regime jurídico, com a urgência que o carateriza, que a aprovação do plano conclui a fase das negociações.

            Depois, se o processo é encerrado caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, é neste prazo que o plano tem de estar aprovado.

O prazo apresenta-se como “estanque” e de caducidade.

Se considerarmos que o PER produz efeitos significativos na esfera jurídica de terceiros (art. 17º-E, nº 1), efeitos que devem ser claramente definidos no tempo, entendemos que o prazo de referência é preclusivo e não está na disponibilidade das partes.

Note-se que a prorrogação do prazo, de 2 para 3 meses, é vista como uma concessão de uma oportunidade final.

Aquele prejuízo sobre terceiros, que leva à definição de um prazo claro e preclusivo para a aprovação de um plano, também justifica que a ultrapassagem do prazo não possa ser considerada violação negligenciável de regras procedimentais.

Sendo assim, a recorrida não pode ter razão quando invoca um abuso de direito por parte da recorrente, ao levantar a questão do prazo.

No caso em análise, a apresentação da “última versão do Plano” (no dia 10 de março) e a sua aprovação (no dia 14 de março) ocorreram fora do prazo máximo das negociações.

O prazo terminou a 5 de março.

Impunha-se então a não homologação do plano, por ter sido aprovado em violação de norma imperativa.

Impunha-se o encerramento do processo de revitalização.

Em consequência destas conclusões, ficam prejudicadas as restantes questões colocadas pela recorrente, todas em vista daquela não homologação.


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Decisão.

Julga-se o recurso procedente e recusa-se a homologação do plano em causa, com o consequente encerramento do processo.

            Custas pela recorrida devedora.

Coimbra, 2016-07-06

Fernando Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira