Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
324/11.1TBNLS-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 238º, Nº 1, AL. D) DO CIRE
Sumário: I – O CIRE veio introduzir uma nova medida de protecção do devedor que seja uma pessoa singular, ao permitir que, caso este não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerra­mento, venha a ser exonerado do pagamento desses mesmos créditos, desde que satisfaça as condi­ções fixadas no incidente de exoneração do passivo restante destinadas a assegurar a efectiva obtenção de rendimentos para cessão aos credores.

II - Este incidente é uma solução que não tem correspondência na legislação falimentar anterior e que se inspirou no chamado modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do peso do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, não obstante ter sido declarado insolvente.

III - É indiscutível que se não ocorresse a declaração de insolvência o devedor teria de pagar a totalidade das suas dívidas sem prejuízo da eventual prescrição, a qual pode atingir o prazo de 20 anos segundo a lei civil portuguesa.

IV - O procedimento em questão tem dois momentos fundamentais: o despa­cho inicial e o despacho de exoneração.

V - A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.º 1, do art.º 239º do CIRE.

VI - Neste contexto, o CIRE veio estabelecer fundamentos que justificam a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante, os quais se traduzem em compor­tamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuí­ram ou a agravaram.

VII - É no momento do despacho inicial que se tem de analisar, através da ponde­ração de dados objectivos, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merece­dora de uma nova oportunidade, configurando este despacho quando posi­tivo, uma declaração de que a exoneração do passivo restante será concedida, se as demais condições futuras exigi­das vierem a ser cumpridas.

VIII - Assim, nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 238º do CIRE, o legislador tipificou várias situações que, a verificarem-se, devem conduzir desde logo ao indefe­rimento liminar da pretensão do insolvente de exoneração do seu passivo restante.

IX - Na alínea d) deste preceito estabeleceu-se que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abs­tido dessa apre­sentação nos seis meses seguintes à verifica­ção da situação de insolvência, com pre­juízo em qualquer dos casos para os credo­res, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação eco­nómica.

X - Assim, não é suficiente para se poder concluir pela ocorrência daquele pre­juízo a verificação da apresentação tardia à insolvência, ou seja presumir pela sua verificação, sendo necessário a prova da sua verificação, a qual há-se resultar de factos atinentes à conduta do insolvente que o impossibilitem de beneficiar da exoneração do passivo restante, nomeadamente de actos que consubstanciem a diminuição do seu património ou à contracção de novas dívidas após a verificação da sua situação de insolvência.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
M…, em 26.09.2011 requereu a sua declaração de insolvência, deduzindo o pedido de exoneração do passivo restante, alegando, em síntese:
Ø        Exerceu a sua actividade como Directora da P…, L.da, desde 1999 a 2009.
 Ø Em 2006 a Requerente adquiriu aquela empresa, passando a exercer a gerência.
Ø        Desde a sua entrada na P… as instituições de crédito exigiam que prestasse o seu aval às diversas operações de crédito na empresa.
Ø        O passivo acumulado conjugado com o incumprimento contratual da S… e Aço S…, conduziram à deterioração da situação financeira da P…, tendo a Requerente sido obrigada a contrair empréstimos quer em nome desta e na qualidade de avalista ou fiadora, quer em nome individual, para fazer face às dívidas contraídas pela empresa com o investimento feito em máquinas, pessoas, formação, débitos laborais, contribuições, impostos, etc.
Ø        A conjuntura económica e o encerramento de grandes clientes vieram a determinar a insolvência da P…, a qual foi declarada em 21.9.2009, no proc. …/09.4TBNLS.
Ø        As dificuldades que a Requerente enfrentava em consequência dos avais que tinha prestado e dos empréstimos que tinha contraído agudizaram-se irrever­sivelmente.
Ø        Actualmente encontra-se inscrita no Centro de Emprego, auferindo um subsídio de desemprego no valor de € 1.257,60, que se encontra sujeito a penhoras efectuadas nas execuções …/10.9TBVIS – € 419,00; …/09.7TBNLS – € 279,50; e …/11.7TBNLS – € 73,90, dispondo assim do montante de líquido de € 485,00.
Ø        As obrigações incumpridas resultaram de:
            - concessão de crédito para aquisição de habitação própria;
            - concessão de créditos individuais usados em benefício da P…, L.da;
            - assunção de responsabilidade por dívidas da P…, L.da, a título de avalista ou fiadora;
            - atribuição da qualidade de revertida pela Administração Fiscal e Segu­rança Social, nos processos de execução em que é devedora principal a P…
            - Para além de sucessivas comunicações escritas a reclamar o paga­mento dos seus créditos, e tantos outros contactos telefónicos para o efeito, a Requerente não possui quaisquer documentos que comprovem o montante e a origem do crédito, a sua legalidade, a fórmula de cálculo dos juros e das despesas bancárias que lhe têm sido reclamadas, pelo que solicitou junto do Banco de Portugal comprovativos das suas responsabilidades de crédito.
- Os credores relacionados, valores, origem, natureza e montante são os que constam da relação fornecida pela Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, e que ascendem ao valor global de € 494.298,00.
- A Requerente tentou renegociar os valores das prestações em dívida, na expectativa de pagar o que deve, mas a sua situação de desempregada que lhe adveio, os valores em dívida, as elevadas taxas de juros e as despesas bancárias inerentes aos sucessivos incumprimentos, impedem que cumpra de forma pontual as suas obrigações, o que já acontece na presente data ao que não é alheia a sua idade.
- A Requerente tem apenas um imóvel hipotecado ao banco que lhe mutuou o capital necessário para a sua aquisição;
- Não tem veículo automóvel, nem possui bens ou rendimentos que lhe permitam fazer face aos seus compromissos vencidos e vincendos.
- Gasta € 600/mês em renda de casa mobilada, energia eléctrica e água; € 10,00 em farmácia; € 380,00 no supermercado.

Na sequência de despacho proferido para o efeito, veio a Requerente:
a) esclarecer a natureza da dívida e quantia exequenda em cada uma das exe­cuções que indicou nos seguintes moldes:
- proc. …/11.7TBNLS:
quantia exequenda € 18.500,00
natureza da dívida – aval pessoal dado em livrança da P…;
- proc. …/11.7TBNLS
quantia exequenda – €. 27.017,61
natureza da dívida – livrança para financiamento do  P…;
- proc. …/10.7TBNLS
quantia exequenda – € 24.531,74
natureza da dívida – aval pessoal em livrança da P…;
- proc. n.º …/10.9TBVIS
quantia exequenda – € 29.218,39
natureza da dívida – livrança dada em garantia para empréstimo que reverteu a favor da P…, L.da.
- proc. …/09TBNLS
quantia exequenda – € 19.667,05
natureza da dívida – aval pessoal em livrança da P...
b) Esclarecer os motivos que determinaram um arrendamento se tem casa própria, referindo que as dificuldades económicas que lhe advieram com o desemprego impossibilitaram que pudesse continuar a pagar o valor do empréstimo contraído para a compra da habitação, bem como para fazer face às despesas necessárias às obras de manutenção de que a casa necessitava, aliadas ao facto de ser filha única, o seu pai residir em Lisboa e ter passado a necessitar de apoio permanente.
c) A Requerente é executada em todos os processos identificados.

Posteriormente a Requente veio informar que o subsídio de desemprego que aufere é no valor de € 1.257,60, descriminando despesas no valor de € 850,00, vindo, mais tarde, a informar que por acordo com o senhorio a renda de casa passou a ser de € 350.00.
            O credor Banco B…, S.A., opôs-se à pretensão formulada pela Requerente quanto à exoneração do passivo restante, alegando, no essencial, que aquela foi por si demandada em processos executivos em Junho e Setembro de 2010.
            Na Assembleia de Credores e no que respeita à exoneração do passivo res­tante, a Administradora da Insolvência pronunciou-se favoravelmente; o Ministério Público não deduziu oposição, emitindo, por sua vez parecer desfavorável a C…, invocando que o seu crédito, entre outros, se encontra vencido e em atraso desde Novembro de 2005, posição corroborada pelo credor B...
A credora C… não se opôs ao pedido, desde que a parte disponível do ren­dimento seja fixada em montante que não exceda o SMN.
A Administradora da Insolvência emitiu parecer no sentido sua qualificação da insolvência como culposa, tendo, por sua vez, o Ministério Público pronunciado-se no mesmo sentido.
            Veio a ser proferida decisão que indeferiu o pedido com o fundamento na verificação cumulativa dos requisitos da al. d) do n.º 1 do art.º 238º do C.I.R.E..
            A Requerente inconformada com aquela decisão interpôs este recurso, for­mulando as seguintes conclusões:
...
Conclui pela procedência do recurso.
            Não foi apresentada resposta.
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções dos recorrentes cumpre apreciar as seguinte questão:
O pedido de exoneração do passivo restante formulado pela Insolvente não deve ser liminarmente indeferido?
2. Os Factos
Para o julgamento deste recurso importa considerar todos os factos acima enumerados.
3. O Direito aplicável
O CIRE veio introduzir uma nova medida de protecção do devedor que seja uma pessoa singular, ao permitir que, caso este não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerra­mento, venha a ser exonerado do pagamento desses mesmos créditos, desde que satisfaça as condi­ções fixadas no incidente de exoneração do passivo restante destinadas a assegurar a efectiva obtenção de rendimentos para cessão aos credores.
Este incidente é uma solução que não tem correspondência na legislação falimentar anterior e que se inspirou no chamado modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do peso do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, não obstante ter sido declarado insolvente. [1]
É indiscutível que se não ocorresse a declaração de insolvência o devedor teria de pagar a totalidade das suas dívidas sem prejuízo da eventual prescrição, a qual pode atingir o prazo de 20 anos segundo a lei civil portuguesa. [2]
O procedimento em questão tem dois momentos fundamentais: o despa­cho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.º 1 do art.º 239º do CIRE.
Neste contexto, o CIRE veio estabelecer fundamentos que justificam a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante, os quais se traduzem em compor­tamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuí­ram ou a agravaram. [3]
É no momento do despacho inicial que se tem de analisar, através da ponde­ração de dados objectivos, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merece­dora de uma nova oportunidade, configurando este despacho quando posi­tivo, uma declaração de que a exoneração do passivo restante será concedida, se as demais condições futuras exigi­das vierem a ser cumpridas.
Assim, nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 238º do CIRE, o legislador tipificou várias situações que, a verificarem-se, devem conduzir desde logo ao indefe­rimento liminar da pretensão do insolvente de exoneração do seu passivo restante.
Na alínea d) deste preceito estabeleceu-se que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abs­tido dessa apre­sentação nos seis meses seguintes à verifica­ção da situação de insolvência, com pre­juízo em qualquer dos casos para os credo­res, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação eco­nómica.
Na decisão sob recurso, escreveu-se, quanto aos requisitos constantes desta alínea d): “O primeiro requisito é o devedor ter incumprido o dever de se apresentar à insolvência, nos termos regulados no art. 18º do CIRE, ou não estando o devedor obrigado a apresentar-se à insolvência, que o mesmo se abstenha dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência.
Com efeito, da factualidade constante dos autos e que se deixou referida supra, verifica-se que a devedora está numa situação de insolvência, pelo menos, desde a declaração de insolvência da P… 2009 pois que, como a mesma reconhece na sua petição inicial “as dificuldades que (…) enfrentava fruto dos avais que tinha prestado e dos empréstimos que tinha contraído agudizaram-se irreversivelmente” – art. 9º. As mencionadas execuções são a consequência do agravamento da situação econó­mica e financeira da devedora. Não obstante, só dois anos após a declaração de insolvência da P…que a devedora se apresentou à insolvência.
O prejuízo resultante da não apresentação à insolvência para os credores é também evidente, nomeadamente pelo avolumar das dívidas e do passivo face ao vencimento de juros (o que dificulta o pagamento dos créditos), e ainda pelo retarda­mento da cobrança de seu crédito que a inércia do insolvente determinou, com todas as nefastas consequências no património dos credores.
Por último é ainda de referir que dos autos não consta, nem foi demonstrado pela insolvente, que houvesse qualquer perspectiva de melhoria séria da situação económica – veja-se, em idêntico sentido, o Ac. do T. R. Porto de 09/12/2008, relatado por Guerra Banha, in www.dgsi.pt. – pois que desde a insolvência da P…e está desempregada e alega sobreviver desse subsidio de desemprego.
Assim, conclui-se que o devedor tinha dever de se apresentar à insolvência nos 6 meses seguintes à verificação de tal situação, dever que omitiu.
A verificação de tal circunstância obsta, sem necessidade de análise das res­tantes circunstâncias, ao deferimento do pedido apresentado”.
Defende a Recorrente que a sua situação de insolvência não dever ser fixada na data da declaração de insolvência da empresa P…as só na data em que foi citada para a execuções, movidas pelos credores – comuns a si é àquela empresa, em que tinha intervindo como avalista – uma vez que só nessas datas é que se verificou a sua situação de incapacidade económica.
Ora, dos autos consta, nomeadamente do requerimento inicial apresentado pela Recorrente que já na data em que a P…foi declarada insolvente, a sua situação económica era de insolvência, pois, e independentemente dos motivos pelos quais o fez, já nessa data era devedora solidária com aquela empresa – unipessoal – da maioria dos créditos reclamados neste processo. Assim, logo que a empresa ficou impossibilitada de cumprir as obrigações por si assumidas e garantidas, a sua situação, naquela data já era de insolvência, pelo que a data da verificação da sua situação de insolvência não pode ser outra que não a da declaração daquela, ou seja 2009.
No entanto, a verificação, sem mais, deste requisito – a situação de insolvên­cia da Reque­rentes havia ocorrido há mais de seis meses, considerando a data da sua apresentação –, não determina, só por si, o indeferimento liminar do pedido formu­lado, uma vez que ainda se teria que consta­tar que esse atraso havia prejudicado os interesses dos credores, nomeadamente por ter contribuído para o agravamento da sua situação de insolvência, e que a insol­vente sabia ou não podia ignorar, sem culpa grave, que inexis­tia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica, uma vez que o preen­chimento destes requisitos como fundamento do indeferimento liminar é cumulativo.
A decisão recorrida considerou a este respeito que o prejuízo resultante da não apresentação à insolvência para os credores resulta pelo avolumar das dívidas e do passivo face ao vencimento de juros (o que dificulta o pagamento dos créditos), e ainda pelo retardamento da cobrança de seu crédito que a inércia do insolvente determinou, com todas as nefastas consequências no património dos credores.
A jurisprudência encontra-se dividida quanto à questão da relevância, em sede de prejuízo para os credores, do facto isolado do devedor não se apresentar tempestiva­mente à insolvência.
Enquanto uns defendem que da verificação da apresentação tardia se inferem os prejuízos para os credores com a natural acumulação de juros das dívidas, outros exigem que seja provado o efectivo prejuízo que desse atraso terá resultado para os credores, entendimento que temos por adequado pelas razões enumeradas no Ac. do S. T. J. de 21.10.2010: [4]
“A primeira, resulta do princípio, ínsito nº 3 do art. 9º do Código Civil, de que “na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consa­grou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequa­dos.
Ora, se se entende que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo.
Só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilí­cita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores.

Assim o exige o pressuposto ético que está imanente na medida em causa.
Mas – e esta é a segunda razão – de qualquer forma, o atraso na apresenta­ção à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresenta­ção.
Na verdade, o regime estabelecido na primeira parte do nº2 do artigo 151º no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estabelecia a cessação da contagem dos juros “na data da declaração de falência” deixou de existir com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passando os juros a ser considerados créditos subordinados, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 48º deste Código – neste sentido, ver Carvalho Fernandes e João Labareda “in” ob. cit., em anotação ao artigo 91º.
Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores.
Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Pro­cessos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida”.
Assim, não é suficiente para se poder concluir pela ocorrência daquele pre­juízo a verificação da apresentação tardia à insolvência, ou seja presumir pela sua verificação, sendo necessário a prova da sua verificação, a qual há-se resultar de factos atinentes à conduta do insolvente que o impossibilitem de beneficiar da exoneração do passivo restante, nomeadamente de actos que consubstanciem a diminuição do seu património ou à contracção de novas dívidas após a verificação da sua situação de insolvência. [5]
Ora, dos autos não existe qualquer elemento donde resulte a demonstra­ção deste requisito, não sendo, assim, possível concluir pela verificação da situação com­plexa descrita na alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE, pelo que não deveria ter sido indeferida liminarmente a pretensão deduzida pela Insolvente.
Por estes motivos deve o recurso interposto ser julgado procedente, revo­gando-se a decisão recorrida.
Decisão:
 Nos termos expostos, julgando-se procedente o recurso revoga-se a decisão proferida.
Sem custas.


Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
Regina Rosa


[1] Cfr. preâmbulo do DL 53/2004, de 18 de Março.

[2] ASSUNÇÃO CRISTAS, in Exoneração do devedor pelo passivo restante, Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição especial, pág. 166-167.

[3] LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 188-190, da ed. de 2005, da Quid Júris

[4] Relatado por Oliveira Vasconcelos, acessível em www.dgsi.pt.

[5] Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos:
do T. R. P., de 17.4.12, relatado por Rodrigues Pires,
do T. R. C.:
de 17.1.12, relatados por Francisco Caetano e Carlos Querido,
e de  29.2.12, relatado por Carlos Gil, todos acessíveis em www.dgsi.pt.