Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
662/16.7T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
EXECUÇÃO MOVIDA CONTRA OS HERDEIROS DO PRIMITIVO DEVEDOR
PROVA DO DESTINO DOS BENS RECEBIDOS DO AUTOR DA HERANÇA
PAGAMENTO DAS DÍVIDAS/ENCARGOS DA HERANÇA
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 662.º, 2, B) E 744.º DO CPC
Sumário: 1 - Visando a oposição à penhora mostrar, tendo em consideração o disposto na al. b), do n.º 3, do artigo 744.º do CPC, que os executados herdeiros aplicaram todos os bens recebidos do autor da herança no pagamento das respetivas dívidas, o facto provado com a redação «Os bens recebidos pela herança aberta por óbito de (…), de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança», deve ser considerado como afirmação de conteúdo jurídico e, por conseguinte, não factual, devendo ser retirada dos factos provados.

2 - Verificando-se que as dívidas da herança alegadas e pagas somam 29.013, 46 euros e que foram recebidos bens no montante de pelo menos 64.206,23 euros, os executados não provaram que os bens recebidos da herança foram todos eles aplicados no pagamento dos encargos da herança.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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(…)

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Recorrentes…………………..AA e BB

Recorridos……………………CC e DD,

Todos melhor identificados nos autos.


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I. Relatório

a) O recurso insere-se num incidente de oposição à penhora que corre por apenso ao processo de execução para pagamento de quantia, movida pelos Recorrentes, ali exequentes, contra os executados, aqui Recorridos, demandados como executados na qualidade de únicos e universais herdeiros de EE.

Os executados com a oposição pretendem o levantamento da penhora sobre uma conta bancária e dois prédios rústicos, alegando que são bens próprios e, por outro lado, pela venda dos bens do falecido os executados receberam a quantia de 17.600,00 euros, tendo procedido da qualidade de herdeiros ao pagamento do montante de 20.489,56€, sendo 3.292,57€ relativos à dívida do falecido aos exequentes, sendo certo que não receberam da herança quaisquer outros bens móveis ou imóveis, mas sim avultadas dívidas, encontrando-se o imóvel urbano propriedade do falecido penhorado à ordem do processo executivo n.º ...9....

Os exequentes contestaram alegando que os executados receberam da herança mais bens e valores do que aqueles que indicaram, tendo identificado tais bens.

b) As questões que o tribunal circunscreveu para decisão foram estas:

 - Levantamento da penhora sobre a conta de depósitos à ordem n.º ...20 da Banco 1..., CRL, no montante de 2.471,11 euros;

- Levantamento da penhora sobre o prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...63 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...12; e

- Levantamento da penhora sobre o prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...69.

c) Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com este dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a presente oposição à penhora parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decido:

a) ordenar o levantamento da penhora que incide sobre o prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...63 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...12 e sobre o prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...69; e

b) manter a penhora que incide sobre a conta de depósitos à ordem n.º ...20 da Banco 1..., CRL.

Fixo à causa o valor de 9.544,35€ (nove mil quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), correspondendo ao valor da execução – cfr. artigo 304.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Custas a cargo de exequentes e executados, em partes iguais – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.»

d) É desta decisão que vem interposto recurso por parte dos Exequentes, cujas conclusões são as seguintes:

«A) Os executados, na sua Oposição à penhora (que deduziram por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa que corre termos no Juízo Local Cível ... – Juiz ...), referiram que, na qualidade de únicos e universais herdeiros, apenas receberam da herança aberta por óbito de EE “28 animais (vacas ou bois) de raça vacum”, um “veículo ...” e um imóvel “hipotecado/penhorado”. Referiram também que desses 28 animais teriam entregue 21 animais para pagamento de alegadas dívidas e quanto aos restantes 7 animais tê-los-iam vendido e recebido no total 3.600,00€. E pela venda da viatura ... teriam recebido “a quantia de €14.000”. Ou seja, os executados alegaram que no total teriam recebido ou realizado, “…pelas únicas vendas efetuadas a quantia de €17.600”. Os executados alegaram ainda que a totalidade dessa quantia de €17.600 teria sido para pagar dívidas do falecido. Contudo, consta da Sentença recorrida, dos “5.1. Factos provados” (no nº 4 vi) e nº 9) para além do mais, que os executados, no âmbito da referida herança, também receberam “…subsídios agrícolas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., montantes que foram creditados nas contas bancárias com o NIB  ...95 e  ...21.” Pelo que, tendo ficado provado que os executados receberam “subsídios agrícolas”(estando até evidenciado nos autos os respetivos montantes – mais de 20.000,00€) e não tendo os executados indicado na sua Oposição o recebimento desses subsídios e não tendo também alegado que tais subsídios teriam sido aplicados para solver encargos da herança, muito respeitosamente, consideramos que não poderia ter  sido decidido o levantamento da penhora relativamente aos dois prédios rústicos penhorados, tendo em conta o previsto no artigo 744º nº 3, b) do CPC.

B) Acresce que, consta do nº 18 do “Factos provados” o seguinte: “18) Os bens recebidos pela herança aberta por óbito de EE, de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança.” Ora, muito respeitosamente, parece-nos que o que consta deste nº 18 dos “Factos provados” é mais uma conclusão do que propriamente um facto. Efetivamente, constando dos “Factos provados”, para além do mais que os executados receberam “subsídios agrícolas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., montantes que foram creditados nas contas bancárias com o NIB  ...95 e  ...21”, para se poder chegar à conclusão que consta no referido nº 18), com o devido respeito por opinião contrária, deveriam constar dos factos provados a demonstração dos respetivos cálculos, ou seja a discriminação de todos os valores e bens recebidos e dos valores e bens aplicados em solver encargos da herança. Até porque da sentença recorrida consta que para se chegar a tal conclusão também teriam sido tomados em conta os subsídios: “Da análise de toda a prova documental e testemunhal produzida, resultou que os bens recebidos pela herança aberta por óbito de EE, de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança (designadamente os animais, os subsídios agrícolas e o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-..-UC),…” (sublinhado nosso).

Porém, não está demonstrado na sentença recorrida que os valores dos subsídios agrícolas recebidos tenham sido contabilizados e aplicados em solver encargos da herança. Ou seja, muito respeitosamente, consideramos que esta “conclusão” que consta do nº 18 do “Factos provados”, e que, no fundo sustenta a decisão recorrida, constitui uma nulidade pois não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão. (art.º 615º nº 1 b) do CPC).

C) Ora, uma vez que consta dos factos provados que “9) A herança aberta por óbito de EE recebeu subsídios agrícolas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., montantes que foram creditados nas contas bancárias com o NIB  ...95 e  ...21.”, e constando dos autos o documento do IFAP junto aos autos em 08/03/2019 (fls. 128 a 129), assim como os extratos das referidas contas da Banco 1... nº  ...21 junto aos autos em 29/11/2019 (fls. 148 a 153) e do Banco 2... nº  ...95 junto em 07/03/2019 (fls. 125 a 127), muito respeitosamente, bastaria somar os montantes provenientes de subsídios agrícolas evidenciados no documento junto pelo IFAP em 08/03/2019 e refletidos nesses extratos bancários, para se concluir que totalizam o valor de 23.006,23€. Ora, este valor 23.006,23€ referente a subsídios agrícolas, os executados omitiram-no na sua Oposição e não alegaram sequer que foram aplicados em solver encargos da herança, nem muito menos provaram que foram aplicados em solver encargos da herança. Nesta parte a sentença foi também para além do alegado pelos próprios executados pois os mesmos, para além de terem omitido que receberam os subsídios agrícolas no valor de 23.006,23€, também nem alegaram sequer que os valores de subsídios agrícolas foram aplicados em solver encargos da herança. O que constitui outra nulidade (art.º 615º nº 1 d), segunda parte, do CPC).

D) Aliás, depois de os referidos documentos (do IFAP e extratos da Banco 1... e do Banco 2...) terem sido juntos aos autos no âmbito das diligências instrutórias ordenadas pelo MM juiz a quo, os exequentes pronunciaram-se sobre os mesmos e sobre factos neles refletidos, através do requerimento com data de entrada de 20/05/2021, tendo logo dito, o que aqui reiteram e dão como reproduzido:“(…)

I) Tendo em conta:

- O documento junto pelo IFAP em 08/03/2019 que é um extrato dos movimentos ocorridos (relativos aos subsídios pagos) no período de 2014 a março de 2019 relativamente ao beneficiário EE;

- O documento junto pela Banco 1... CRL (digitalizado de forma completa em 16/04/2020), que é um extrato da conta nº ...20;

- O documento junto pelo Banco 2... em 07/03/2019, que é um extrato da conta nº  ...30;

Fica evidenciado, para além do mais:

1. Que o subsídio no valor de 2.046,24€ pago pelo IFAP ao benificiário (entretanto falecido) EE foi depositado em .../.../2014 na referida conta do Banco 2....

2. Que os restantes valores pagos pelo IFAP ao benificiário (entretanto falecido) EE a partir de .../.../2014, foram depositados na referida conta da Banco 1..., a saber:

a) Em 28/11/2014, o valor de 6.069,46€ conforme o extrato da conta que corresponde ao resultado das verbas (2.376,58€ + 3.746,56€ - 30,94€ - 22,74€) da listagem do IFAP);

b) Em 31/12/2014, o valor de 876,95€ conforme o extrato da conta, que corresponde à verba de 876,95€ da listagem do IFAP;

c) Em 31/12/2014, o valor de 4.107,35€ conforme o extrato da conta, que corresponde ao resultado das verbas (444,92€+344,74€ -43,91€ - 5,80€+ 3371,89€ - 4,49€) da listagem do IFAP;

d) Em 31/12/2014, o valor de 86,18€ conforme o extrato da conta, que corresponde à verba de 86,18€ da listagem do IFAP;

e) Em 30/01/2015, o valor de 5.529,34€ conforme o extrato da conta, que corresponde ao resultado das verbas (3.254,08€ + 2.275,26€) da listagem do IFAP;

f) Em 30/06/2015, o valor de 4,18€ conforme o extrato da conta, que  corresponde à verba de 4,18€ da listagem do IFAP;

g) Em 30/06/2015, o valor de 393,14€ conforme o extrato da conta, que corresponde ao resultado das verbas (374,66€ - 0,21€ -4,88€ - 4,19€ -34,32€ + 16,37€ - 87,00€ - 1,75€ + 134,46€) da listagem do IFAP;

h) Em 15/10/2015, o valor de 232,05€ conforme o extrato da conta, que corresponde ao resultado das verbas (144,68€ + 77,86€ + 9,51€) da listagem do IFAP;

i) Em 31/12/2015, o valor de 2.132,03€ conforme o extrato da conta;

j) Em 31/03/2016, o valor de 1.343,34€ conforme o extrato da conta;

k) Em 30/06/2016, o valor de 163,05€ conforme o extrato da conta;

l) Em 14/10/2016, o valor de 22,43€ conforme o extrato da conta.

3. Ou seja, o valor total de subsídios do IFAP recebidos pelos executados da herança do beneficiário EE, foi no total de 23.006,23€, valor este que omitiram. (…)”

Os executados, por seu lado, também se pronunciaram sobre esta questão através do subsequente requerimento dos executados com data de entrada de 08/06/2021, respondendo ao alegado pelos exequentes e não tenho impugnado os referidos documentos do IFAP e dos bancos. Pelo que, tendo em conta os referidos elementos documentais juntos aos autos no âmbito da instrução da causa, relativos aos subsídios agrícolas (documento do IFAP e extratos bancários) que evidenciam os montantes recebidos pelos executados e constando da sentença, para além do mais, que “Para a prova da factualidade descrita em 9), considerou-se … o extracto de conta n.º  ...30 do Banco 2... de fls. 125 a 127, a informação do IFAP de fls. 128 a 129 e o extracto de conta n.º ...20 da Banco 1..., CRL de fls. 148 a 153”, poderia o MM juiz a quo fazer constar como factos instrumentais dos seus eventuais cálculos (art.º 5º nº 2 do CPC), tornando-os fundamentados, rigorosos e justos, que o valor total de subsídios do IFAP recebidos pelos executados no âmbito da herança do beneficiário EE, foi de 23.006,23€.

E) E tendo em conta o conteúdo dos referidos elementos documentais (seguramente os mais fidedignos) juntos aos autos durante a instrução, poder-se-á concluir que “18) Os bens recebidos pela herança aberta por óbito de EE, de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança.” ? Ora, como se referiu, os executados alegaram na sua Oposição que a totalidade da “quantia de €17.600” recebida pela venda dos bens do falecido (factos nº 6, 7 e 8 dos factos provados da sentença), teria sido para efetuar pagamentos de dívidas do falecido, referindo mais concretamente que “Somam estes pagamentos a quantia de €20.489,56 …” (facto nº 10 dos factos provados da sentença).Contudo, como está evidenciado nos autos, os executados não receberam só a “quantia de €17.600”, mas também subsídios no total de 23.006,23€ (factos nº4 vi) e nº 9 dos factos provados da sentença e fls. 125 a 127, 128 a 129 e 148 a 153 dos autos). Pelo que, está evidenciado que os executados receberam, pelo menos a quantia de 40.606,23€ (€17.600+23.006,23€). Assim, como os executados alegaram que apenas aplicaram para solver encargos da herança “a quantia de €20.489,56 …”, fica matematicamente demostrado um saldo positivo de 20.116,67€ (40.606,23€- €20.489,56). Pelo que, para além de estar evidenciado nos autos que os executados receberam da herança mais valores (nomeadamente 23.006,23€ de subsídios) do que aqueles que indicaram, está também evidenciado que a quase totalidade do valor de subsídios que receberam não foi aplicado em solver encargos da herança (o que nem alegado foi). Pelo que, muito respeitosamente, consideramos que, para além de não poder constar dos factos provados o facto nº 18, tal conclusão que também consta do corpo da sentença, também não é correta, de forma que não poderia ter sido decidido o levantamento da penhora relativamente aos dois prédios rústicos penhorados, tendo em conta o previsto no artigo 744º nº 3, b) do CPC.

F) Acresce que, consta da sentença recorrida, para além do mais que: “Deste modo, constata-se que o saldo da conta de depósitos à ordem n.º ...20 da Banco 1..., CRL é o único bem que resta a herança, tratando-se de uma conta bancária aberta após o falecimento do devedor EE (após .../.../2014) e com o objectivo exclusivo de gerir os seus dinheiros, de forma a saldar as dívidas por este deixadas.” Contudo, conforme consta do referido extrato da Banco 1... CRL junto aos autos (fls. 148 a 153), foram feitos muitos levantamentos desta conta bancária sem os executados alegarem sequer, onde foram aplicados esses valores levantados em dinheiro. Esses levantamentos de que não se sabe o destino somam o total de 34.156,88€, bastando para tal somar as verbas onde se refere: “Ord. Levantamento” e “BALCÃO24 LEVANTAM”. Constata-se ainda que dessa conta foram efetuadas também algumas transferências que somam a quantia total de 31.067,29€, bastando, para tal somar as verbas onde se refere “Trsf.p/…”, “com transferência…”, “pag. …” “TRANSF SEPA …”, “comissão …”, “TRFB24, …”. Ou seja, saíram da referida conta, em levantamentos e em transferências o total de 65.224,17€, tendo os executados alegado que apenas pagaram “€20.489,56 …”, de encargos da herança: “Somam estes pagamentos a quantia de €20.489,56 …”. Desta forma (para além de a referida conta evidenciar que os valores recebidos foram muito superiores aos que os executados referiram na sua Oposição), mesmo que alguns desses valores levantados ou transferidos tenham sido para efetuar os pagamentos que os executados referem na sua Oposição, ou seja, os “€20.489,56 …”(facto nº 10 dos factos provados da sentença), a diferença é enorme (44.734,61€ = 65.224,17€-€20.489,56), não se sabendo o destino da diferença, que aliás, nem alegado foi pelos executados que tenha sido sequer para solver encargos da herança. Pelo que, muito respeitosamente, também por esta razão, consideramos que não poderia ter sido decidido o levantamento da penhora relativamente aos dois prédios rústicos penhorados, tendo em conta o previsto no artigo 744º nº 3, b) do CPC.

Termos em que, com o doutro suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve este recurso ser declarado procedente, mantendo-se a penhora sobre os dois referidos prédios rústicos. Espera-se justiça.»

c) Foram apresentadas contra-alegações pelos executados com as seguintes conclusões:

« A – Não se verificam as nulidades invocadas pelos Recorrentes previstas nas alíneas b) e d) do n.º do Artigo 615º do C. P. Civil, devendo julgarem-se improcedentes as Conclusões A), B) e C) do Recurso;

B - Os Recorrentes violaram o ónus de alegação e de impugnação, contidos nos artigos 639º, nº 1 e 640º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil, pelo que deverá o Recurso ser liminarmente rejeitado, ao abrigo das citadas normas;

C – A douta Sentença impugnada não incorre em erro de julgamento encontrando-se matéria de facto dada como provada e não provada especificamente elencada, interpretada e valorada, tendo por base toda a prova válida e eficazmente produzida, e a motivação, quer de facto quer de direito, está profunda e corretamente fundamentada.

D - Os Recorrentes não demonstram o erro de julgamento, tentando sobrepor a sua interpretação da prova produzida, ainda que contra a realidade fáctica que a mesma revela, e ainda olvidando outra que ampara a decisão recorrida, devendo as Conclusões D), E) e F) serem julgadas improcedentes.

E – Não se verificando o invocado erro de julgamento da matéria de facto e estribando-se o inconformismo quanto à matéria de direito na alteração da matéria de facto, deverá o recurso por ausência de fundamento legal que contrarie a decisão recorrida ser julgado improcedente.

NESTES TERMOS, com o Douto Suprimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS, deverá o recurso interposto ser rejeitado, ou, quando assim não se entenda, ser julgado improcedente, assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA.»

d) Recebidos os autos neste tribunal da Relação foi proferido despacho no sentido de se ampliar a matéria de facto no que concerne ao facto provado n.º 4, com a redação «vi. Subsídios agrícolas», no sentido de se concretizar o respetivo montante, porquanto padece de «deficiência» para efeitos da menciona al. c), do n.º 2.º do artigo 662.º do CPC.

As partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo, tendo os recorridos alegado que este tribunal deverá também «… ter em conta o número 18 dos factos provados, que não foi objecto de impugnação pelos Recorrentes, e em consequência, julgarem improcedente o recurso interposto.»

II. Objeto do recurso.

As questões colocadas pelo recurso são as seguintes:

1 – Em primeiro lugar cumpre verificar se a sentença padece de nulidade.

Os recorrentes referem na conclusão da al. B, parte final, que «… não está demonstrado na sentença recorrida que os valores dos subsídios agrícolas recebidos tenham sido contabilizados e aplicados em solver encargos da herança. Ou seja, muito respeitosamente, consideramos que esta “conclusão” que consta do nº 18 do “Factos provados”, e que, no fundo sustenta a decisão recorrida, constitui uma nulidade pois não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão. (art.º 615º nº 1 b) do CPC).»

E dizem ainda na conclusão da al. C, parte final, que «… este valor 23.006,23€ referente a subsídios agrícolas, os executados omitiram-no na sua Oposição e não alegaram sequer que foram aplicados em solver encargos da herança, nem muito menos provaram que foram aplicados em solver encargos da herança. Nesta parte a sentença foi também para além do alegado pelos próprios executados pois os mesmos, para além de terem omitido que receberam os subsídios agrícolas no valor de 23.006,23€, também nem alegaram sequer que os valores de subsídios agrícolas foram aplicados em solver encargos da herança. O que constitui outra nulidade (art.º 615º nº 1 d), segunda parte, do CPC).»

2 -  Em segundo lugar coloca-se a questão da ampliação oficiosa da matéria de facto, uma vez que no facto provado n.º 4 se afirma que foram recebidos subsídios («vi. subsídios agrícolas.»), mas não foi indicado o seu valor.

3 -  Em terceiro lugar cumpre verificar se o facto provado n.º 18, com a redação «Os bens recebidos pela herança aberta por óbito de EE, de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança» deve manter-se ou ser retirado dos factos, neste caso, por se considerar que contém matéria de direito.

4 -  Por último, cumpre verificar se os executados provaram ou não provaram, para efeitos do disposto na al. b), do n.º 3 do artigo 744.º do CPC, que utilizaram todos os bens recebidos da herança para solver dívidas do autor da herança.

III. Fundamentação

a) Nulidades de sentença

1 - Os recorrentes referem na conclusão da al. B, parte final, que «… não está demonstrado na sentença recorrida que os valores dos subsídios agrícolas recebidos tenham sido contabilizados e aplicados em solver encargos da herança. Ou seja, muito respeitosamente, consideramos que esta “conclusão” que consta do nº 18 do “Factos provados”, e que, no fundo sustenta a decisão recorrida, constitui uma nulidade pois não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão. (art.º 615º nº 1 b) do CPC).»

Vejamos.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, «1 - É nula a sentença quando:

a) …; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;»

Como referem os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, «A segunda causa de nulidade contemplada na disposição é a falta de fundamentação da sentença. Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» - Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 687.

Não ocorre, pois, esta nulidade porquanto a sentença contém os factos provados e não provados e a respetiva aplicação do direito aos factos.

Não carece, por isso, de fundamentação.

Improcede esta arguição de nulidade da sentença.

2 - Os recorrentes referem na conclusão da al. C, parte final, que «… este valor 23.006,23€ referente a subsídios agrícolas, os executados omitiram-no na sua Oposição e não alegaram sequer que foram aplicados em solver encargos da herança, nem muito menos provaram que foram aplicados em solver encargos da herança. Nesta parte a sentença foi também para além do alegado pelos próprios executados pois os mesmos, para além de terem omitido que receberam os subsídios agrícolas no valor de 23.006,23€, também nem alegaram sequer que os valores de subsídios agrícolas foram aplicados em solver encargos da herança. O que constitui outra nulidade (art.º 615º nº 1 d), segunda parte, do CPC).»

Vejamos.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, «1 - É nula a sentença quando:

a) …; b) …; c …; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;»

Não ocorre a apontada nulidade de sentença, seja por omissão, seja por excesso de pronúncia, porquanto foram analisadas as questões colocadas, isto é, se havia fundamento para levantar as penhoras e decidiu-se que sim em relação aos prédios e negativamente em relação à conta bancária.

A discordância quanto ao decidido e respetiva fundamentação não integra uma questão de nulidade de sentença.

Improcede esta arguição de nulidade da sentença.

b) Ampliação da matéria de facto

Como já se deixou dito em anterior despacho do relator, verifica-se que o tribunal a quo, no facto provado n.º 4, diz que foram recebidos subsídios («vi. subsídios agrícolas.»), mas não foi indicado o seu valor.

Os recorrentes alegam na parte final da conclusão «D» que «… o valor total de subsídios do IFAP recebidos pelos executados da herança do beneficiário EE, foi no total de 23.006,23€, valor este que omitiram. (…)”»

E afirmam que este valor deve ser levado em consideração nos autos e somado aos valores dos bens que os demandados receberam e venderam.

Não impugnaram a matéria de facto, mas pediram que o facto fosse concretizado e especificaram nas alegações os respetivos passos que levam a essa concretização.

Verifica-se também que sob o n.º 9 dos factos provados da sentença consta o seguinte que «A herança aberta por óbito de EE recebeu subsídios agrícolas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., montantes que foram creditados nas contas bancárias com o NIB  ...95 e  ...21.»

Referiu-se no mesmo despacho que, face à alínea c), do n.º 2, do artigo 662.º do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente: «(…); c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta», verificando-se que no presente caso, constam do processo os elementos probatórios que permitirão essa ampliação.

Vejamos então.

A alegação dos recorrentes, que a seguir se reproduz, reflete o que consta dos autos, ou seja:

O documento junto pelo IFAP em 08 de março de 2019 – que se encontra a fls. 128/128 verso – contém o extrato dos subsídios pagos entre .../.../... e .../.../2019 relativamente ao beneficiário EE (faleceu em .../.../2014).

O documento junto pela Banco 1... CRL em 29 de novembro de 2019 – constante de fls. 148 a 153 – contém o extrato da conta nº ...20 onde foram depositados subsídios do IFAP.

- O documento junto pelo Banco 2... em 07/03/2019 – Cfr. fls. 125/127 –, é um extrato da conta nº  ...30 onde foi depositado um subsídio do IFAP.

Destes documentos retira-se o seguinte:

Na referida conta do Banco 2... foi depositado em .../.../2014 um subsídio no valor de 2.046,24€ pago pelo IFAP a favor de EE (já falecido nesta data).

Os restantes subsídios pagos pelo IFAP ao benificiário EE, depois da morte deste, foram depositados na indicada conta da Banco 1..., a saber:

a) Em 28/11/2014, a quantia de 6.069,46 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP – fls. 128/128 verso – ao resultado das verbas 2.376,58€ + 3.746,56€ - 30,94€ - 22,74€)

b) Em 31/12/2014, o valor de 876,9 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP à verba de igual montante)

c) Em 31/12/2014, o montante de 4.107,35 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP ao resultado das verbas 444,92€+344,74€ - 43,91€ - 5,80€+3371,89€ - 4,49€)

d) Em 31/12/2014, o valor de 86,18 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP à verba de igual montante)

e) Em 30/01/2015, o valor de 5.529,34 euros

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP ao resultado das verbas 3.254,08€ + 2.275,26€)

f) Em 30/06/2015, o valor de 4,18 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP à verba de igual montante)

g) Em 30/06/2015, o valor de 393,14 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP ao resultado das verbas 374,66€ - 0,21€ - 4,88€ - 4,19€ -34,32€ +16,37€ - 87,00€ - 1,75€ + 134,46€)

h) Em 15/10/2015, a quantia de 232,05 euros.

(Corresponde no supra indicado extrato do IFAP ao resultado das verbas 144,68€ + 77,86€ + 9,51€)

i) Em 31/12/2015, o valor de 2.132,03€ conforme o extrato da conta;

j) Em 31/03/2016, o montante de 1.343,34€ conforme o extrato da conta;

k) Em 30/06/2016, o valor de 163,05€ conforme o extrato da conta;

l) Em 14/10/2016, a quantia de 22,43€ conforme o extrato da conta.

Resulta destes documentos, não impugnados, que o valor total de subsídios pagos pelo IFAP a favor de EE, já depois de este ter falecido, pelo que integraram a sua herança, foi no montante total de 23.006,23 euros.

Por conseguinte, o facto provado n.º 4 deve ser completado com este montante ficando com esta redação: «vi. subsídios agrícolas pagos pelo IFAP no montante de 23.006,23 euros».

c) Correção da matéria de facto

Como já se referiu em anterior despacho do relator, o facto provado n.º 18 tem esta redação:

«Os bens recebidos pela herança aberta por óbito de EE, de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança.»

Ora, afirmar na matéria de facto que os bens recebidos pela herança foram todos aplicados em solver encargos da herança é responder diretamente à questão de mérito colocada no requerimento de oposição à penhora que deu origem a este processo, o que mostra que estamos claramente perante a afirmação de matéria de conteúdo jurídico que não pode constar da matéria factual.

Alertou-se para a possibilidade desta matéria não poder ser levada em consideração dado o seu teor conclusivo.

Referiu-se que «… uma afirmação de facto complexa quando exarada pelo juiz na matéria de facto provada não pode valer como afirmação de um facto porque não descreve um facto…» e « Se se admitirem afirmações factuais complexas na matéria de facto declarada provada, isso permitirá, afinal de contas, aplicar a lei a situações factuais cujos respetivos factos permanecem desconhecidos no processo, o que não pode ser admitido» – Processo Civil - Matéria de Facto: conceitos, juízos (factuais simples e complexos, de valor, de direito). Alegação dos factos e prova. Estudos em Comemoração dos 100 Anos do Tribunal da Relação de Coimbra. Almedina, 2018, pág. 27-28.

Neste sentido pode ver-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012 (Sampaio Gomes), no processo 240/10.4TTLMG.P1.S1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «I -… II - Constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade alegada na petição inicial tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no artigo 646.º, do Código de Processo Civil; não porque este preceito contemple, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas porque, por analogia, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum. III - A expressão «por conta e sob a autoridade e direcção da ré e de anteriores proprietários» deve ser perspectivada como matéria integrada no thema decidendum pois está ali contida a resposta à questão preponderante do contrato de trabalho, que é a respeitante ao vínculo de subordinação jurídica decorrente do poder de direcção conferido por lei ao empregador.»

De igual modo, considerou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho de 1992, no processo n.º 082320 (Santos Monteiro), consultável in www.dgsi.pt, que  «Envolve matéria de direito a resposta a quesito em que se pergunta se determinada casa foi incluída em doação, feita aos autores, quando o objecto da acção consiste precisamente na questão de saber se tal casa foi abrangida pela doação.»

É certo que o atual Código de Processo Civil não contém uma norma como a que constava do anterior n.º 4, do artigo 646.º, do Código de Processo Civil, nos termos da qual se determinava que se tivessem por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito.

Apesar de não existir norma semelhante no atual Código de Processo Civil, a solução é a mesma porque só os factos são objeto de prova (salvo em alguns casos o direito estrangeiro e consuetudinário) e só os factos podem constar da matéria de facto provada/não provada.

Cumprirá, por isso, retirar tal matéria dos factos provados.

Os Recorridos opõem-se.

Argumentam que o tribunal a quo na indicação da convicção que presidiu às respostas à matéria de facto controvertida expressou em termos «claros e exaustivos» o raciocínio que presidiu ao decidido, referindo o tribunal a propósito do  depoimento da testemunha de FF, que esta declarou de «…forma sincera e convincente, que o dinheiro do seu irmão EE proveniente de subsídios e da venda de bens por este deixados foi utilizado na sua totalidade para pagamento de dívidas deixadas por este o que fizeram até o dinheiro esgotar, esclarecendo que o seu pai quis inclusivamente utilizar o valor de 15.200,00 € que a cunhada GG lhe devia para saldar dívidas do filho.»

E a propósito do depoimento da testemunha HH que «…era usual os pais e os irmãos de EE emprestarem-lhe dinheiro, tendo inclusivamente sido contraído um empréstimo para fazer face às dívidas deixadas pelo seu cunhado EE, que continua a ser liquidado pelos familiares.»

Tendo o tribunal concluído que «Da análise de toda a prova documental e testemunhal produzida, resultou que os bens recebidos pela herança aberta por óbito de EE, de que os executados são os únicos e universais herdeiros, foram todos aplicados em solver encargos da herança (designadamente os animais, os subsídios agrícolas e o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-..-UC).»

Argumentam que o tribunal decidiu de forma irrepreensível ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e que tal facto deve manter-se ou então, se assim não se entender deve determinar-se o reenvio do processo ao Tribunal a quo «para fundamentação», consoante o disposto no artigo 662º, n.º 2, alínea b), do C.P. Civil.

Vejamos.

Não é pelo facto de algumas testemunhas afirmarem que os bens da herança, incluindo os subsídios recebidos, foram utilizados para pagar dívidas da herança que o tribunal tem de formar a convicção nesse sentido.

Com efeito, estamos perante afirmações genéricas que não revelam quaisquer factos de onde resulte que certa e determinada dívida foi saldada com bens da herança. Por conseguinte, tais afirmações têm necessariamente pouco ou nulo valor para formar a convicção do tribunal no sentido daquilo que afirmam.

Na verdade, o tribunal não sabe a que dívidas a testemunha se refere, respetivo credor e montante, ainda que aproximado, para verificar se tais dívidas existiram e existindo foram pagas e como foram pagas.

Na indicação da convicção o tribunal não se referiu aos subsídios recebidos nos termos que ficaram acima definidos afirmado que com esses montantes foram pagas as dívidas «A», «B», «C», etc.

Por conseguinte, a exposição da convicção não supre, concretizando-a factualmente, a afirmação de natureza jurídica que consta do facto provado n.º 18.

E a prova, se assim se pode dizer, que estamos perante uma afirmação de conteúdo jurídico está em que, como já dito, afirmar na matéria de facto que os bens recebidos pela herança foram todos aplicados em solver encargos da herança é responder diretamente à questão de direito (mérito da causa) colocada no requerimento de oposição à penhora.

Improcede, pelo exposto a argumentação dos Recorridos.

Os recorridos sustentam ainda que o Tribunal da Relação deve então remeter o processo à 1.ª instância para «fundamentação», nos termos do artigo 662º, n.º 2, alínea b) do C.P. Civil.

Não procede esta pretensão.

A referida norma tem esta redação:

«2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…); b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;»

Trata-se de uma norma dirigida ao tribunal da Relação, no sentido deste tribunal proceder, ele mesmo, à produção de novos elementos de prova, como, por exemplo, ordenar uma perícia suscetível de solucionar uma determinada questão de facto que continua a ser controvertida.

Por conseguinte não há lugar, para esse efeito à remessa do processo para a 1.ª instância.

Aliás, se os Recorridos utilizaram todo o dinheiro recebido para pagar dívidas da herança, como afirmam, então não podiam deixar de saber a identidade dos credores, a quem pagaram, quando e quanto pagaram e por que motivo pagaram.

E em 1.ª instância as partes tiveram oportunidades suficientes para alegarem todos esses factos e indicarem toda a prova existente sobre esta matéria.

Cumpre, pelo exposto passar à fixação da matéria de facto.

d) 1. Matéria de facto – Factos provados

1) Através da sentença proferida do âmbito da ação de processo comum n.º 662/16...., transitada em julgado, foram os executados CC e DD, na qualidade de únicos e universais herdeiros de EE, condenados a pagar aos exequentes AA e BB a quantia global de 8.756,50€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 20/10/2015 até efetivo e integral pagamento.

2) Por AA e BB foi instaurada a execução n.º 662/16.... para pagamento da quantia certa referida em 1).

3) Nesses autos de execução foi realizada a penhora:

i. da quota parte da conta de depósitos à ordem n.º ...20 da Banco 1..., CRL, no montante de 2.471,11€, sendo CC, II e JJ seus titulares;

ii. do prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto de terra de regadio e pinhal, com a área de 18900 metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo n.º ...63 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...12, pela Ap. ...04 de 2018/03/19, com o valor patrimonial de 122,93€;

iii. do prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto de terra centeeira de regadio e sequeiro, com a área de 3375 metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo n.º ...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...69, pela Ap. ...04 de 2018/03/19, com o valor patrimonial de 36,33€.

4) Da herança aberta por óbito de EE, os executados, na qualidade de únicos e universais herdeiros do seu filho EE, receberam:

i. o prédio rústico sito em ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...18 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...23 a favor do falecido EE pela Ap. ...1 de .../.../2003;

ii. o prédio urbano sito em ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...95 da freguesia ..., da ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...23 a favor do falecido EE pela Ap. ...1 de .../.../2003;

iii. 28 animais (vacas ou bois) de raça vacum;

iv. o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-..-UC;

v. o veículo de marca ..., com a matrícula PC-..-..; e

vi. subsídios agrícolas pagos pelo IFAP no montante de 23.006,23 euros.

5) Para pagamento de dívida do EE no valor de 23.000,00€ a KK, o executado entregou-lhe 16 animais, avaliados em 18.000,00€, e pagou-lhe 5.000,00€.

6) O executado, na qualidade de herdeiro de EE, vendeu 6 animais a LL pelo valor de 3.100,00€, que recebeu por meio de cheque em 01/12/2014.

7) O executado vendeu também um animal de raça vacum à Firma A... pelo preço de 500,00€ e entregou-lhe 5 animais que foram avaliados em 500,00€ cada um para pagamento de uma dívida de 2.500,00€ que o referido EE tinha para com aquela firma.

8) Os executados venderam em 2014 o veículo de marca ... e com a matrícula ..-..-UC a LL, pela quantia de 14.000,00€, que recebeu.

9) A herança aberta por óbito de EE recebeu subsídios agrícolas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., montantes que foram creditados nas contas bancárias com o NIB  ...95 e  ...21.

10) Os executados, na qualidade de herdeiros de EE, procederam aos seguintes pagamentos:

i. 6.093,16€ entregues ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. de contribuições de trabalho em dívida, juros e custas;

ii. 555,14€ entregues ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. de contribuições de trabalho em dívida, juros e custas;

iii. 5.000,00€ entregues ao Sr. KK;

iv. 3,292,57€ aos exequentes;

v. 860,00€ entregues no Banco 3... para levantamento da reserva de propriedade do veículo ... com a matrícula ..-..-UC;

vi. 1.016,90€ entregues à Agente de Execução Dr.ª MM para pagamento da dívida exequenda no processo n.º 1296/12.... do ... Juízo do Tribunal Judicial ...;

vii. 1.946,43€ entregues na Autoridade Tributária, sendo 170,31€ em 04/09/2014, 172,53€ em 04/09/2014, 189,13€ em 04/09/2014, 171,27€ em 03/10/2014 e 1.243,19€ em .../.../2014, para pagamento de dívidas fiscais do falecido EE.

viii. 1.372,26€ entregues na B...;

ix. 113,00€ entregues na B...,

x. 154,00€ entregues na C...;

xi. 86,10€ entregues na D...;

11) Sobre os prédios referidos em 4), i) e ii), pertencentes à herança deixada por óbito de EE, com o valor patrimonial tributário global de 12.962,35€, incide uma hipoteca a favor da Banco 4... pelo capital de 150.000,00€ e montante máximo assegurado de 211.107,00€ e uma hipoteca registada a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. para garantia do pagamento de dívida no valor global de 22.766,48€, tenho o mesmo sido penhorado no âmbito dos autos de processo de execução n.ºs 1528/09...., instaurados pela E..., S.A., que corre termos junto deste Juízo Local Cível 2 do Tribunal Judicial da Comarca ....

12) Sobre o veículo referido em 4), v), incide uma penhora desde 15/12/2008 a favor de NN.

13) O prédio referido em 3), i) foi adquirido pelos executados através de escritura pública de compra e venda outorgada com OO, através da Ap. ...39 de 2009/04/27, tendo o valor patrimonial tributário determinado no ano de 1989 de 122,93€.

14) O prédio referido em 3), ii) foi adquirido pelos executados através de escritura pública de compra e venda outorgada com PP e QQ, através da Ap. ...03 de 2015/01/16, tendo o valor patrimonial tributário determinado no ano de 1989 de 36,33€.

15) No dia .../.../2006, o falecido EE prometeu comprar o prédio sito em Sarzedo ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...25, a RR, constando do contrato de promessa de copra e venda que “O preço da venda é de 40.000€ (quarenta mil euros), a pagar da seguinte forma: 25.000 euros (vinte e cinco mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento, quantia que o primeiro outorgante recebeu e da qual deu a correspondente quitação. O remanescente do preço, ou seja 15.000 euros (quinze mil euros), serão pagos da seguinte forma: 7.500 € (sete mil e quinhentos euros) até daqui a um ano, a contar da data deste contrato, e os restantes 7.500€(sete mil e quinhentos euros) no ato da escritura definitiva de compra e venda”.

16) Através de escritura pública de compra e venda outorgada no dia 7 de Dezembro de 2011, SS, na qualidade de procuradora de RR, declarou vender e HH, casado com FF declarou comprar, pelo valor de 2.500€ (dois mil e quinhentos euros), o prédio sito em Sarzedo ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial a favor do vendedor pela Ap. ...5 de 2006/11/29, com o valor patrimonial atual de 264,22€.

17) Em 25/11/2014 II vendeu o trator com a matrícula ..-FT-.., de que era proprietário, pelo valor de 28.000,00€.

18) (Suprimido, pelas razões indicadas supra).

19) EE faleceu no dia .../.../2014.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) O saldo da conta de depósitos à ordem n.º ...20 da Banco 1..., CRL, no montante de 2.471,11€, pertence a CC, II e JJ, sendo proveniente do trabalho, rendimentos e poupanças destes.

b) Os executados não receberam da herança do seu filho EE a quota parte da referida conta de depósitos à ordem n.º ...20 da Banco 1..., CRL.

c) Os executados receberam da herança aberta por morte de EE 36 animais (vacas, bois e vitelos) de raça vacum, uma grade de 20 discos, um escarificador de 7 dentes, dois reboques de trator, um de marca ... e outro de marca ..., um arado de aivecas reversível, uma viatura de marca ... com a matrícula PC-..-.. e um trator de marca ... com a matrícula ..-FT-...

d) EE comprou na empresa F... Lda., um trator com a matrícula ..-FT-.., que pagou, e que possuía pacífica e publicamente, na convicção de que era seu proprietário, há vários anos, pelo menos desde meados de 2008.

e) Para a compra do trator com a matrícula ..-FT-.., EE “deu à troca” outro trator mais antigo, tendo pago a restante quantia com a ajuda financeira do Banco 5... S.A., tendo o falecido EE e a esposa TT efetuado os pagamentos prestacionais ao Banco 5..., S.A. referentes ao crédito efetuado.

f) O registo da propriedade do trator com a matrícula ..-FT-.. foi efetuado em nome de II, irmão de EE, porque este tinha vários processos de execução a correr contra ele e pretendia evitar a penhora do veículo.

g) EE, dois dias antes de falecer, disse à sua esposa TT para ir falar com o irmão II para que este entregasse a TT a declaração de venda assinada relativa ao trator com a matrícula ..-FT-...

h) Porém, II não entregou a referida declaração de venda à TT.

i) EE possuía pacífica e publicamente, na convicção de que era seu proprietário, pelo menos desde novembro de 2006, o prédio descrito em 15) e 16).

j) A aquisição do prédio referido em 16) foi efetuada em nome de HH, cunhado de EE, porque sobre este recaiam processos de execução, pretendendo evitar que o prédio fosse objecto de penhoras no âmbito de processos executivos.

e) Apreciação da restante questão objeto do recurso

Os exequentes demandam os executados na qualidade de únicos e universais herdeiros de EE e fizeram penhorar bens destes para obterem o pagamento da dívida do autor da herança para com eles.

Os executados vieram opor-se à penhora  para obterem o levantamento da penhora sobre uma conta bancária e sobre dois prédios rústicos, alegando que são bens próprios, referindo,  por outro lado, que pela venda dos bens do falecido receberam a quantia de 17.600,00 euros, tendo procedido na qualidade de herdeiros ao pagamento do montante de 20.489,56€, sendo 3.292,57€ relativos à dívida do falecido aos exequentes, sendo certo que não receberam da herança quaisquer outros bens móveis ou imóveis, salvo o imóvel urbano propriedade do falecido penhorado à ordem do processo executivo n.º ...9....

Os executados baseiam a sua pretensão no disposto no artigo 744.º (Bens a penhorar na execução contra o herdeiro) do Código de Processo Civil, onde se dispõe o seguinte:

«1. Na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança.

2 - Quando a penhora recaia sobre outros bens, o executado, indicando os bens da herança que tem em seu poder, pode requerer ao agente de execução o levantamento daquela, sendo o pedido atendido se, ouvido o exequente, este não se opuser.

3 - Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, o executado só pode obtê-lo, tendo a herança sido aceite pura e simplesmente, desde que alegue e prove perante o juiz:

a) Que os bens penhorados não provieram da herança;

b) Que não recebeu da herança mais bens do que aqueles que indicou ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados em solver encargos dela.»

[Sobre esta matéria o Acórdão do TRG de 31-10-2012, no processo n.º 2072/09.3TBVCT-B.G1 (Ramos Lopes), pronunciou-se neste sentido:

I- Em execução movida contra herdeiro, recaindo a penhora em bens por ele não recebidos do autor da herança, pode ele requerer o seu levantamento, indicando, simultaneamente, os bens que tenha em seu poder.

II- Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, e tendo a herança sido aceite pura e simplesmente (e não a benefício de inventário), o executado só pode obtê-lo desde que prove, cumulativamente, que os bens penhorados não provieram da herança e que não recebeu da herança outros bens além dos que indicou.

III- Não logrando provar este último requisito (ou seja, que não recebeu da herança outros bens além dos indicados), improcede a sua pretensão de levantamento da penhora.

E o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de julho de 1996, no processo n.º 9550712 (Brazão de Carvalho), decidiu: «(…) V - O herdeiro pode responder com os seus bens pessoais pelos encargos da herança em casos de contingência de prova na aceitação pura e simples da herança.

VI - Na execução por encargos da herança, objecto de aceitação pura e simples, o executado - herdeiro só pode obter o levantamento de penhora recaindo sobre outros bens, que não os da herança, se alegar e provar, em embargos de terceiro, que os bens penhorados não provieram da herança e que dela não recebeu mais bens além dos que indicou ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados em solver encargos dela.»]

Resumindo: os herdeiros só são responsáveis perante os credores do autor da herança até ao limite dos bens que receberam deste último e, em regra, só podem ser penhorados os bens recebidos da herança, mas esta regra não é absoluta, pois se os herdeiros tiverem recebido a herança sem ter sido a «benefício de inventário» (quando há inventário é fácil verificar quais os bens que o herdeiro recebeu), como foi o caso, ou seja, se a receberam «pura e simplesmente» (sem ter havido inventário), então podem ser penhorados bens que os herdeiros  não receberam da herança e, neste caso, os herdeiros  para se libertarem da penhora têm de provar que os bens recebidos da herança foram todos aplicados no pagamento dos encargos da herança.

No caso dos autos, os executados não provaram que os bens recebidos da herança foram todos eles aplicados no pagamento dos encargos da herança.

Vejamos.

As receitas da herança em dinheiro somam 64.206,23 (vacas - 27.200,00; veículo ... 14.000,00, subsídios - 23.006,23)

Acrescem os dois prédios referidos no facto provado 4, hipotecados para pagamento das dívidas da herança referidas no facto provado n.º 11, à Banco 4..., Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. e E..., S.A., ignorando-se se essas dívidas subsistem e respetivos montantes.

As dívidas da herança que foram pagas são as referidas no facto provado n.º 10 e somam 29.013, 46 euros.

Verifica-se que há um saldo positivo de pelo menos 35.192,77 euros entre os bens recebidos e as dívidas pagas.

Da existência deste saldo positivo extrai-se que os executados não provaram que os bens recebidos da herança foram todos eles aplicados no pagamento dos encargos da herança, dado que não provaram que estes 35.192,77 euros foram utilizados para pagar dívidas da herança.

Cumpre, pelo exposto, revogar a decisão recorrida e julgar a oposição à penhora improcedente.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e declara-se a oposição à penhora improcedente.

Custas pelos executados.


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Coimbra, 28 de março de 2023