Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1107/20.3T9CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: LEITURA DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS EM SEDE DE INQUÉRITO
REPRODUÇÃO EM AUTO DAS DECLARAÇÕES CONFIRMADAS
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERLOCUTÓRIO E DECLARADA A NULIDADE DOS DESPACHOS IMPUGNADOS
Legislação Nacional: ARTIGOS 120.º, N.º 2, ALÍNEA D), E 356.º, N.º 3, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – Quando a testemunha, em declarações prestadas perante o Ministério Público, declara confirmar as declarações anteriormente prestadas perante OPC, tal significa que estas declarações confirmadas passam a valer como se prestadas perante o Ministério Público.

II – O indeferimento do requerimento para leitura das declarações confirmadas pela testemunha, por não terem sido reproduzidas em auto, configura a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do C.P.P.

Decisão Texto Integral:

            Recurso

            Proc. Nº 1107/20.3T9CTB. C1

            Juízo Central Criminal de Castelo Branco

            Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco

      Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

      I-  Relatório

      1. No Processo Comum Coletivo Nº 1107/20.... que corre termos no Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, mediante acusação nele deduzida, foram sujeitos a julgamento os arguidos:

      -  AA;

      - BB;

      - CC;

      - DD;

      -EE;

      Na qual vinha aos mesmos imputada a prática, aos arguidos AA, CC, DD e FF, em co-autoria, na forma consumada, de um crime de tráfico produtos de estupefacientes, p. e p. nos termos dos art. 21.º do D. L. n.º 15/93, de22 de Janeiro, com referência à tabela I-A e I-B e I-C; e ao arguido BB, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos dos art. 21.º do D. L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 86º, n.º 1, al. c) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.


*

      2. Realizada a audiência de julgamento, com intervenção do Tribunal Coletivo, foi proferido acórdão final, em 30 de março de 2023, depositado na mesma data, do dispositivo do qual ficou a constar o seguinte:

      “ Julga-se procedente a acusação nos termos expostos e, por via disso:

          a) Absolvem-se os arguidos CC, DD e FF, da prática, em co-autoria, na forma consumada na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos dos art. 21.º do D. L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A e I-B e I-C;

          b) Condena-se cada dos arguidos AA, e BB como autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo disposto nos artigos 25.º/1/ a do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro por referência à tabela I-A, I-B e I-C em anexo a tal diploma, respetivamente, na pena de três anos e seis meses prisão

          c) Mais se condena o arguido BB como autor material de um crime de detenção de arma proibida pp pelo art.º 86/1/c da Lei das armas na pena de 130 dias de multa à taxa diária de 6 euros.


*

          Suspendem-se as pena de prisão na sua execução por iguais períodos de tempo, sujeitas a regime de prova, que deverá contemplar, além do mais, tratamento/ acompanhamento tratamento às suas dependência de produtos estupefacientes.

          (…).


*

      2. Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, requerendo, ainda, a mesma que com tal recurso da decisão final subisse, para ser julgado conjuntamente com este, o recurso interlocutório por si interposto e admitido, o qual respeita a despachos proferidos na audiência de julgamento, concretamente na sessão da mesma que teve lugar no dia 22 de março de 2023.

*

      3. Em tais recursos interpostos pelo Ministério Público formulou o mesmo as seguintes conclusões:

      3.1. recurso dos despachos proferidos em 22.03.2023 ( Ref. 3209689):

      “1ª - Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos 2 (dois) doutos despachos proferidos em Acta, da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 22 demarco 2023, após a produção do depoimento da testemunha GG, nos quais:

          a) Se indeferiu a leitura das declarações prestadas pela testemunha GG nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal e, por via desse indeferimento,

          b) Se indeferiu a irregularidade suscitada pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização de uma diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

          2ª - Entendeu o Tribunal a quo indeferir a leitura em audiência das declarações prestadas de fls. 1696/1697, porquanto do auto de declaração perante Magistrada do Ministério Público apenas consta que aquele confirma as declarações prestadas naquelas folhas, e como tal nada mais havia a reproduzir.

      3ª - Ao permitir que as declarações prestadas nos termos do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, possam ser reproduzidas ou lidas em Audiência de Discussão e Julgamento, quis o Legislador certificar-se, por um lado, que o Ministério Público se assegurasse que as declarações prestadas pelas testemunhas perante os órgãos de polícia criminal haviam sido serenamente prestadas, livres de quaisquer constrangimentos, e que as testemunhas as confirmassem na sua presença e, por outro, assegurar-se que essas mesmas declarações1 pudessem ser utilizadas em Audiência de Discussão e Julgamento, assim se descobrindo a verdade, fazendo-se Justiça.

          4ª - “Atou-se” o Tribunal a quo ao termo “prestadas”, interpretando-o restritivamente, para entender que as declarações prestadas pela testemunha GG a fls. 1696/1697, não haviam sido prestadas perante o Ministério Público, não obstante as ter confirmado posteriormente e perante Magistrada do Ministério Público, não se tendo colocado em causa que estas declarações foram prestadas de forma livre e esclarecida.

          5ª - Ao declarar “Confirma as declarações prestadas de fls. 1696/1697.” - a testemunha GG, voltou a afirmar, assegurar, asseverar, atestar, autenticar, certificar, conferir, constatar, demonstrar provar, reconhecer, solidificar, testemunhar, testificar, verificar, aprovar, corroborar, homologar, ratificar, revalidar, sancionar, validar, conservar, firmar, manter, preservar, reiterar, sustentar, abonar, informar, garantir, persuadir, consagrar, chancelar, positivar, reafirmar e selar, perante o Ministério Público, que as declarações que havia prestado perante os órgãos de polícia criminal e os factos com os quais ali havia sido confrontado.

       6ª - Em consequência devia o Tribunal a quo ter deferido o requerido pelo Ministério Público, determinando que as declarações da testemunha tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugado com o depoimento de fls. 1696/1697/ 2115/2116), ajuizasse qual deles - ou nenhum - deveria merecer credibilidade.

          7ª - Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que 1 As quais, quando reportadas a criminalidade violenta ou altamente organizada, como é o caso dos autos (cfr. artigo 51º, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro), são consabidamente muito “voláteis” -- “vá-se lá saber por quê ! embora tentemos adivinhar, correndo o risco de acertar” --na fase de Julgamento. Determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

          8ª - Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado no douto despacho de que supra se recorre1, arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização da diligência requerida --- omissão essa reputada de imprescindível para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessa omissão, havia sido cometida a irregularidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente arguiu.

          9ª -Ao ter indeferido a arguição de tal irregularidade, não permitindo que as declarações da testemunha tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugado com o depoimento de fls. 1696/1697/ 2115/2116), ajuizasse qual deles - ou nenhum - deveria merecer credibilidade, cometeu o Tribunal a quo a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

          10ª - Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do despacho de acusação.

                                                                                                                                                                                                              Contudo, Vªs. Exªs.

                                                                                                                                                                                                                     Decidirão

                                                                                                                                                                                                                   Conforme for de

                                                                                                                                                                                                                     LEI e JUSTIÇA.”


*

      3.2. recurso do acórdão final ( Ref. 3209689):

          “ 1. Os arguidos AA e CC vinham acusados, em co-autoria, na forma consumada na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos dos art. 21.º do D. L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A e I-B e I-C. Tenso sido a arguida CC absolvida e o arguido AA condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto nos artigos 25.º/1/ a do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro por referência à tabela I-A, I-B e I-C em anexo a tal diploma, na pena de três anos e seis meses prisão suspensa na sua execução.

          2. Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do Acórdão proferido no dia 30.03.2023, no que concerne:

          a. a absolvição da arguida CC, porquanto quanto à mesma não foi produzida prova que consideramos essencial;

          b. a consideração com o facto 1.º da acusação como não provado;

          c. a suspensão da pena que o arguido AA foi condenado;

          3. Encontra-se pendente para apreciação o recurso interlocutório em tempo interposto pelo Ministério Público, com a ref. 3209689;

          4. O mencionado recurso interlocutório, a merecer provimento, influem directamente na decisão da causa, nomeadamente na consideração dos factos inscritos em g), l) e o), dos factos não provados como tal e na absolvição da arguida CC;

          5. Nos termos do disposto no artigo 412º, nº 5, do Código de Processo Penal, o Ministério Público mantém interesse apreciação e decisão do recurso interlocutório constante da ref. 3209689;

      6. Ao ter decidido como decidiu, não permitindo que os meios de prova requeridos pelo Ministério Público tivessem sido produzidos em Audiência de Discussão e Julgamento, conduziu o Tribunal a quo a que o douto Acórdão proferido enferme do vício de insuficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa.

          7. Por via do mencionado, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, al. a), do Código de Processo Penal, foram incorrectamente julgados como não provados os pontos de facto identificados na presente motivação de recurso sob o ponto 4.

          8. O tribunal a quo julgou incorrectamente o ponto 1º da acusação, fazendo-o constar na a) da matéria de facto não provada, nos termos do art. 412.º, n.º3 a);

          9. Na verdade e nos termos do art. 412.º, n.º3, a) e b) do Código de Processo Penal, atendendo

          a. Quer à certidão constante de fls. 2015 a 2052, extraída do processo 20/19...., constata-se que o arguido AA, por Acórdão proferido no dia 01.07.2022 foi condenado, entre o mais, pela prática de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos do art. 21.º, n.º1 do Decreto-Lei 15/93 de 22.01;

          10. Quer às declarações proferidas pelo arguido AA em sede de audiência de discussão e julgamento, vide declarações constantes do suporte em uso nos Tribunais, relativo à sessão de julgamento que teve lugar no dia 23.02.2023, com o seu inicio, conforme acta com a referência 35578483, com o seu inicio pelas 10:36:39 horas e o seu término pelas12:05:11horas, resulta que o arguido esteve sujeito à medida de coação prisão preventiva até ao dia 08.06.2022, à ordem do processo 20/19.... ( Aos 00:12 “- Juiz: - Olhe eu, se o sr. concordar e para facilitar, depois o sr. dirá, consta da acusação, está documentado, o sr. esteve em prisão preventiva, no âmbito do processo / ,20/19…., isto é verdade, não é? O Sr. saiu em 08.07.2021, certo?

          - AA – Não, - Juiz: - Não?

          - AA: Saí a 08.06.2021 - Juiz - 08.06.2021?....”)

          11. A prova produzida e constante dos autos impõe que o facto supramencionado seja dado como provado;

          12. O facto mencionado não refere que a condenação sofrida em primeira instância havia transitado em julgado.

          13. Ao ter decidido como decidiu, violou o douto Acórdão a quo o disposto no artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal.

          14. O arguido AA, um mês após ter sido restituído à liberdade, após ter estado sujeito à medida de coação prisão preventiva, decidiu e começou a vender produto estupefaciente, nomeadamente haxixe, cocaína e heroína a pessoas que o procuravam para o efeito.

          15. Salvo o devido respeito, que é muito, não é possível efectuar um juízo de prognose favorável ao arguido que permita a suspensão das penas de prisão.

          16. Na verdade, não se consegue alcançar qual o juízo de prognose favorável a efectuar à conduta do arguido, nem perceber quais efeitos que a ameaça de uma pena de prisão possa surtir no mesmo, quando o arguido já sofreu um período de reclusão – nomeadamente o período de prisão preventiva no âmbito do processo 20/19...., bem como uma condenação- ainda que não transitada em julgado, que não surtiram qualquer efeito

          17. Em face de todo este contexto fáctico, não é obviamente possível concluir que a simples ameaça da pena e a censura dos factos sejam suficientes para assegurar as finalidades da punição, designadamente na vertente da prevenção especial, que é a vertente fulcral neste momento do processo punitivo.

          18. Nestes termos, considero que deverá o acórdão proferido nos autos ser revogado e o arguido condenado a cumprir efectivamente a pena em que foi condenado.

          19. Ao suspender a pena de prisão do arguido AA o Tribunal a quo violou o artigo 50.º do Código Penal.

Alterando o acórdão recorrido nos termos preditos farão Vossas Excelência a habitual JUSTIÇA!”


*

      4. Apenas a arguida CC respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão final, concluindo, que:

      - são de improceder todas as conclusões do mesmo;

          - a decisão recorrida não merece qualquer censura, não devendo proceder as pretensões formuladas;

          - a decisão deve ser mantida.


*

      5.  Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, tanto este recurso do Ministério Público como o recurso interlocutório que interpôs a 12/04/2023 da decisão proferida durante a audiência de discussão e julgamento realizada a 22/3/2023 merecem total provimento, e, por se mostrarem bem elaborados e fundamentados, os quais sufraga na íntegra, sem necessidade de outras considerações suplementares, devendo, pois, os recursos em apreço serem providos e revogadas as respectivas decisões recorridas, em conformidade com o alegado.

*

      6. Cumprido o disposto no Art. 417º nº2 do CPP, apenas o arguido AA apresentou resposta a tal parecer, aderindo totalmente ao decidido no acórdão recorrido e fazendo apelo à sua idade, à sua situação profissional e à pretensão de constituir família e dedicar-se aos estudos para completar o seu curso profissional de cozinheiro, concluindo que será útil e adequado ao arguido, de 21 anos de idade, continuar a manter o seu posto de trabalho e a continuar também a estudar para concluir o se curso profissional  de cozinheiro, para assim ser feita Justiça.

*

      7. Antes de proferido despacho liminar no presente recurso, foram proferidos pela relatora os despachos que constituem as Refªs 10990144 e 11058158, tendentes à regularização, pelo tribunal da 1ª instância, da admissão do recurso interposto pelo Ministério Público em primeiro lugar.

*

      8. Colhidos os vistos legais, os autos foram à conferência.


*

      II-  Fundamentação

      A) Delimitação do objecto dos recursos

      Dispõe o art. 412º, nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

      Decorre de tal preceito legal que o objecto do processo se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º, 403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso ( Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, 2009, pág. 1027 a 1122, Simas Santos, in Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 2008, pág.103).

      Como expressamente afirma o Professor Germano Marques da Silva, in obra citada, “São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem que apreciar”.

      Assim sendo, estando a apreciação dos recursos balizada pelas conclusões apresentadas pelo recorrente Ministério Público, as questões a decidir nos recursos em apreciação são as seguintes:

      I- Do recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público referente aos despachos proferidos em 22.03.2023:

      - A nulidade ( arguida no acto) referente ao indeferimento da leitura de declarações prestadas por testemunha, na parte em que estas declarações foram feitas por remissão para as declarações prestadas perante órgãos de polícia criminal.

      II- Do recurso do interposto pelo Ministério Público referente ao acórdão final:

      - A incorrecta decisão sobre a matéria de facto;

      - A existência do vício decisório previsto no art. 410º, nº2, alínea a) do CPP;

      -  A incorrecta ponderação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA.


*

      B) Da decisão recorrida

      Iniciaremos a apreciação dos recursos interpostos pelo Ministério Público pelo conhecimento da questão que este suscita no primeiro dos recursos por ele interposto, visando a revogação das decisões do Tribunal a quo constantes dos despachos proferidos em 22.03.2023, uma vez a procedência deste poderá obstar ao conhecimento do recurso interposto, igualmente interposto pelo mesmo, do acórdão final.


*

      Para cabal alcance do decidido nos despachos que vêm postos em causa em tal recurso interlocutório, importa contextualizar o momento processual em que os mesmos se inserem e que passa a delinear-se, com base no teor da acta da audiência de julgamento na sessão desta que teve lugar no dia 22.03.2023, que constitui a Refª 35698559, a saber:

      - No decurso da inquirição da testemunha GG, arrolada na acusação, foi pedida a palavra pela Digna Magistrada do Ministério Público, e, no uso da mesma, requereu, nos termos do disposto no artigo 356, nº3, b) do Código de Processo Penal, a leitura das declarações prestadas pela mencionada testemunha em sede de inquérito constantes de fls. 1696 e 2115, por entender haver contradição entre estas e as que a mencionada testemunha prestou em sede de julgamento;

      - A tal requerimento opôs-se, apenas, a ilustre advogada, Dra. HH, defensora oficiosa da arguida CC;

      - Sobre tal requerimento incidiu o despacho, proferido oralmente e que se encontra gravado, sobre o qual ficou a constar da acta, apenas, que foi dito “nada haver a confrontar”, despacho esse, cujo concreto teor - que é possível aferir da audição da respectiva gravação, cotejando-o com a transcrição que dela vem feito pelo recorrente MºPº no corpo da motivação do recurso – é o seguinte:

      “Considerando que a fls. 2114 apenas consta que confirma as declarações prestadas perante OPC de fls. 1694/1695 nada mais tendo a acrescentar, também não há mais nada a ler, portanto, não há nada a que confrontar a testemunha, sendo certo que em sede de inquérito, atenta a circunstância em que foi prestado  tal depoimento e nomeadamente também, posteriormente, em sede de Ministério Público, as declarações ali são estas: confirma as declarações, portanto nada há a confrontar a testemunha, assim sendo, defere-se a leitura, só neste segmento, nada  há confrontar ”;

      - De seguida, usou da palavra a Digna Magistrada do Ministério Público, no uso da qual ditou para a acta a promoção oralmente proferida e que nesta ficou gravada e resumida apenas como “ foi arguida a nulidade – art. 120º, nº2 al. d)”, cujo concreto teor - que é possível aferir da audição da respectiva gravação – é o seguinte:

       “ O Ministério Público vem arguir a nulidade constante do art. 120º, nº1 alínea d) do , CPP, nomeadamente, por insuficiência, por não terem sido praticados os actos legalmente obrigatórios, porquanto, e seguindo de perto a posição tomada no acórdão da Relação de Coimbra de 3.06.2015, na óptica do Ministério Público, ao não confrontar a testemunha o Mmo. Juiz / Tribunal cometeu a referida nulidade, porquanto, a testemunha ao prestar as declarações constantes do auto da diligência presidida pelo MºPº tem sempre oportunidade de negar, ampliar, reduzir as declarações feitas perante OPC, e, não o tendo feito, tem de se considerar as mesmas validamente prestadas.”

      - Promoção essa sobre a qual incidiu o despacho proferido oralmente e que se encontra gravado, sobre o qual ficou a constar da acta, apenas, que foi dito que “o despacho não padece de qualquer nulidade “, cujo concreto teor - que é possível aferir da audição da respectiva gravação, cotejando - é o seguinte:

      “ O despacho não padece de qualquer nulidade, as declarações foram lidas, não há qualquer nulidade do despacho”.


*

       C) Apreciação do recurso interlocutório

      A questão que vem suscitada pelo Ministério em tal recurso prende-se com a tomada de posição do Tribunal Colectivo em relação ao requerimento por aquele apresentado no decurso da audiência de julgamento [ sessão que teve lugar no dia 22.03.2023 ], quando estava a ser inquirida a testemunha GG, com vista à leitura das declarações prestadas pela mencionada testemunha em sede de inquérito, constantes de fls. 1696 e 2115, por entender haver contradição entre estas e as que a mencionada testemunha prestou em sede de julgamento, requerimento esse ancorado na previsão legal contida no art. 356, nº3, b) do Código de Processo Penal a que, para o efeito, fez expressa alusão.

      Desde já se esclarecendo que tais declarações, prestadas pela mencionada testemunha em sede de inquérito aludidas no requerimento formulado pelo Ministério Público, respeitam:

- as que constam de fls. 1696 que se prolongam até fls. 1698, às declarações que a mesma prestou perante OPC; e

- as que constam de fls. 2115, às declarações que a mesma prestou perante a Digna Magistrada do MºPº titular do inquérito.

      Cumprido o contraditório em relação ao referido requerimento formulado pelo Ministério Público, apenas foi deduzida oposição ao requerido pelo Ministério Público por parte da ilustre defensora da arguida CC.

      Sobre a pretendida leitura das aludidas declarações prestadas pela testemunha GG, o Tribunal recorrido, deferindo a mesma, cingiu-a, porém, à parte daquelas que constam exaradas a fls. 2115 [ por lapso refere-se no despacho fls. 2114 ] , com o argumento de que nestas a mencionada testemunha apenas confirmou as declarações prestadas perante OPC exaradas a fls. 1696-1998 [ igualmente, por lapso refere-se no despacho fls. 1694-1695], aludindo que nada mais tinha a acrescentar, pelo que, sendo apenas estas as declarações prestadas pela testemunha perante o Ministério Público, a fls. 2115, apenas nesse segmento deferiu a leitura, entendendo que nada havia a confrontar.

      Logo de seguida, e por entender que o deferimento da leitura das declarações por si requerida e que apenas foi deferida no segmento respeitante às mesmas que se mostra exarado a fls. 2115 omitia a realização da diligência requerida e reputada imprescindível para a descoberta da verdade material, o Ministério Público arguiu a nulidade desse despacho, ao abrigo do disposto no art. 120º, nº2, alínea d) do CPP, nulidade essa que o Tribunal recorrido indeferiu, por entender que o despacho proferido não padece de qualquer nulidade porque as declarações foram lidas.

            O cerne da questão de que cumpre apreciar não tem a ver com o despacho que deferiu a leitura das declarações prestadas pela testemunha GG perante o MP, mas, tão só, com os termos e modo como se procedeu a essa leitura, sendo, pois, nesta perspectiva que procederemos à abordagem da mesma.

            Com efeito, nos despachos judiciais que vêm postos em causa aceitam-se, genericamente, como boas as razões invocadas pelo Ministério Público ao pretender valer-se do preceituado no nº 3 do art. 356º do CPP, na parte em que se refere à ocorrência de contradição ou discrepância do depoimento então prestado pela testemunha GG relativamente ao prestado anteriormente pela mesma testemunha perante o MºPº [alínea b)]

            Sendo, inegável que o Ministério Público, enquanto «autoridade judiciária» legalmente definida na norma do artº 1º, b), do CPP, «relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência», integra a previsão do proémio daquele nº 3.

            O diferendo existente entre o despacho proferido pelo Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo e a promoção que o despoletou prende-se com o facto de a pretendida leitura das declarações prestadas anteriormente pela testemunha GG - plasmadas, em termos formais, no auto de declarações a que o MºPº presidiu e que nele ficaram expressamente narradas ( fls. 2115) – se ter cingido apenas a estas e não ter abrangido também as declarações para as quais naquelas se remete, ou seja, as prestadas pelas testemunha GG perante OPC ( constantes de fls. 1696-1698 ) e que por ele foram confirmadas quando também as prestou perante o MºPº.

            O que importa, então, saber é se, no caso concreto, o indeferimento do requerimento para leitura de declarações prestadas pela testemunha GG em sede de inquérito e perante o MºPº nesses moldes, ou seja, na parte em que essas declarações foram produzidas, por remissão para as declarações prestadas perante OPC, configura uma nulidade.

            Dispõe o artº 99º, 1, do CPP, que «o auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher declarações (…)».

            Firma-se no nº 3 do mesmo, que «o auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção dos elementos seguintes:(…)

            c) Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram (…)».

            Revertendo ao caso em análise, é indubitável que o auto de declarações prestadas pela testemunha GG na fase de inquérito perante o MºPº (de fls. 2115) obedece a todas estas exigências e que ele retrata de modo verdadeiro o modo como os factos se sucederam,  o que também não foi questionado no despacho que vem posto em crise.

            Dele decorre que o MºPº tomou a opção no auto de fls. 2115 de remeter para as declarações produzidas pela testemunha GG perante o OPC constantes do auto de fls. 1696-1698, antevendo-se que o fez com o assentimento da testemunha e sem que se colocasse a questão de transcrever aquelas anteriores declarações, o que, actualmente, com os meios técnicos ao dispor não representaria tarefa árdua.

             E, também, que a mencionada testemunha GG, de forma, que se presume, livre e esclarecida, disse perante o MºPº que confirmava “as declarações prestadas de fls. 1696-1697 “ao OPC, não podendo deixar de entender-se que as declarações pela mesma assim prestadas representam um processo confirmatório das anteriores, e, por isso, que todas elas passam a valer como prestadas perante o MºPº.

            Não foi, porém, este o entendimento do Tribunal recorrido que, ao que parece, perante a circunstância de não terem sido expressamente reproduzidas nesse auto (de fls. 2115) as declarações anteriormente não podendo deixar de entender-se que as declarações pela mesma assim prestadas representam um processo confirmatório das anteriores, e, por isso, que todas elas passam a valer como prestadas perante o MºPº.prestadas pela mencionada testemunha perante as autoridades policiais ( de fls. 1696-1698), e que nele são dadas como confirmadas, tendo o seu teor sido confirmado de forma livre e esclarecida pela testemunha, entendeu que essas prévias declarações prestadas perante OPC, porque não reproduzidas no auto que reflecte a inquirição da testemunha feita perante o MºPº, não o integram e que, por isso, legitima a recusa da sua leitura, nessa parte.

            Cremos, porém, que só uma leitura demasiado formalista das normas em causa permitiria tal entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, o qual não sufragamos, por entendermos que as declarações prestadas perante o MºPº - quando o declarante, confrontado com anteriores declarações que produzira junto do OPC, dispôs da possibilidade de, livremente, as negar, corrigir, retificar, aumentar ou interpretar, optando por as confirmar - não demanda a necessidade  de reproduzir no auto respeitante às declarações prestadas perante o MºPº o conteúdo das declarações anteriormente prestadas perante OPC que nele são confirmadas.

            Seguindo de perto o entendimento que se conhece deste Tribunal da Relação de Coimbra, espraiado nos acórdão datados de 3.06.2015 e de 20.06.2018, disponíveis in www.dgsi.pt, citados pelo recorrente MºPº, e, também, no mesmo sentido, o entendimento sufragado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.03.2016, disponível in www.dgsi.pt, também nós consideramos, pois, que, para efeito da permissão de leitura requerida em audiência de discussão e julgamento,  prevista no art. 356º nº3 do CPP, nada impede que o tribunal interprete as declarações prestadas pela testemunha perante o MºPº, compreendendo por sua vez aquelas que já haviam sido prestadas pela mesma perante OPC que nesse momento confirma, por obedecerem aos princípios do contraditório e da verdade material.

            Como se salienta no primeiro dos citados arestos, “A norma do artº 356º do CPP pretende salvaguardar uma certa integridade processual, no sentido em que pretende evitar que do processo constem asseverações individuais de factos que ora são afirmados ora negados pelo mesmo depoente, sem consequências pessoais ou processuais. Não se quer com isto dizer que não seja livre ao depoente retratar-se de afirmações anteriormente feitas, no sentido de as desaprovar expressamente, de modo a repor a verdade; mas tal deverá resultar do seu depoimento e ser feito constar do auto. O que se pretende evitar é que o depoente, em declarações posteriores se desdiga simplesmente, no sentido de dizer o contrário do que tinha dito antes, declarando falso o que anteriormente havia dado por verdadeiro, com motivações que, transcendendo a afirmação da verdade, se prendem com motivos por vezes insondáveis mas que, noutras ocasiões, se adivinham como tentativa de colher benefícios próprios ou de favorecimento alheio.

            O mesmo se diga relativamente a algumas situações em que é invocado esquecimento.

            No caso presente, o MP, ao tomar declarações às testemunhas que haviam anteriormente deposto perante a autoridade policial, ao invés de adoptar a postura preconizada pelo tribunal recorrido, de transcrever literalmente essas declarações após a sua confirmação pelo depoente, optou por referir a sua leitura e posterior confirmação. Se era tão simples ter ‘copiado’ tais declarações, face aos meios técnicos hoje postos à disposição até dos tribunais, por que não o ter feito?! Talvez por desnecessidade.

            Por um lado, o facto de apenas poderem ser consideradas para os efeitos do disposto no nº 3 do referido artº 356º as declarações prestadas perante autoridade judiciária, prende-se com a presunção legal de que as declarações prestadas nessas circunstâncias são produzidas num ambiente de diálogo e de liberdade, já que ao depoente é assegurado o direito de relatar, livremente e de modo integral, sem retaliações ou consequências outras que não as que se prendem com o desrespeito pela verdade, aquilo que sabe ou presenciou.

            Por outro, o facto de o depoente ter sido confrontado com as suas anteriores declarações, sendo-lhe dada a possibilidade de, livremente, as negar, corrigir, rectificar, aumentar ou interpretar, torna desnecessária a sua reprodução. Tal justifica-se em primeiro lugar por razões de economia: se o depoente as confirma, não vemos que exigências de ordem intelectual, lógica ou de apego à verdade exigem essa reprodução. As novas declarações confirmatórias hão-de abranger as anteriormente prestadas, que se encontram devidamente integradas nos autos, situadas em termos processuais. Assim se respeita a exigência formal do referido artº 99º, 3, c), do CPP, já que do modo como se mostra lavrado o auto resulta de forma literal e consonante com a realidade, a «descrição especificada (…) do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram» obtidos tais depoimentos. A forma como se mostram redigidos os autos em causa é aquela que melhor retrata a realidade, as circunstâncias e o modo como foram obtidos os depoimentos. Será que se mostraria necessário referir, após o que se deixou dito no auto, que tais declarações «são as que a seguir se transcrevem»? Tal, além de desnecessário, afigura-se-nos ser antieconómico, considerando a economia do processo. Estaríamos a proceder a uma actividade de ‘corta e cola’ referenciada por alguns dos recorridos respondentes.

            Idêntica seria a situação caso o depoente remetesse para documento escrito da sua autoria, junto ao processo. Seria necessário transcrevê-lo no seu depoimento? Cremos que não, bastando a referência ao mesmo e a sua localização concreta.”

            Após ver indeferida no decurso da audiência de julgamento a sua pretensão de leitura integral do depoimento prestado pela testemunha GG perante o MºPº, nela abrangidas também as anteriores declarações prestadas perante a autoridade policial e no acto confirmadas, a Digna Magistrada do MºPº arguiu a nulidade de tal despacho, procurando cobertura legal no disposto no artº 120º, 2, d), 2ª parte do CPP, por entender que foi omitida diligência reputada essencial para a descoberta da verdade.

            Como já deixámos visto, estavam reunidos os pressupostos legais de que depende a leitura de declarações ínsita no artº 356º, 3, b) do CPP: a testemunha GG depusera na audiência de julgamento de modo contraditório, ou pelo menos, divergente, do que em declarações, anteriormente prestadas em sede de inquérito, havia afirmado – o que, aliás, não é minimamente posto em causa no despacho recorrido -, e, por outro lado, essa leitura permitida deveria abranger todo o conteúdo das declarações prestadas perante o MP, seja directamente (na parte em que foram lidas na audiência) seja por via da remissão apropriativa operada no auto respectivo, ou seja, perante OPC (na parte em que foi indeferida).

            Do cotejo dos referidos preceitos processuais legais resulta, sem margem para dúvidas, que o indeferimento parcial da diligência requerida pelo MºPº constituiu «omissão de diligências (…) essenciais para a descoberta da verdade» já que, a terem sido lidas tais declarações em audiência, a sua posterior valoração, nos termos do disposto no artº 127º do mesmo CPP, poderia ter reflexos na formação da convicção probatória do Tribunal, a respeito da actuação imputada nos autos aos arguidos, com especial enfoque no que tange aos arguidos AA CC.

            Negando tal possibilidade processual de que lançou mão o Ministério Público, incorreu o Tribunal recorrido na nulidade arguida, assim determinando a nulidade dos despachos impugnados, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que, deferindo a leitura de forma integral das declarações prestadas pela testemunha GG, nos termos já referidos, reabrindo-se a audiência a fim de ser efectuada tal leitura, com ela se confrontando a testemunha em causa e se procedendo a nova apreciação da prova.

            E, assim sendo, vista a procedência do recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público, havendo que proceder à reanálise da prova e à elaboração de novo acórdão, que a contemple, fica prejudicada a análise das questões suscitadas igualmente pelo recorrente Ministério Público no recurso por este interposto do acórdão final.


*

*


            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

            1. Conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente:

            a) Declarar a nulidade dos despachos impugnados, proferidos em 22.03.2023, assim os revogando e ordenando a substituição dos mesmos por outro que, deferindo a leitura de forma integral, nos termos já definidos supra das declarações prestadas pela testemunha GG, determinando a reabertura da audiência a fim de a mesma ser efectuada e de com ela ser confrontada tal testemunha, seguindo-se depois os posteriores termos do julgamento.

            2. Julgar prejudicada a apreciação do recurso, igualmente interposto, pelo Ministério Público do acórdão final.

            3. Sem tributação.


*

*

*


Coimbra, 22 de novembro de 2023

            ( Texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários – art. 94º, nº2 do CPP )

(Maria José Guerra – relatora)

(Capitolina Rosa – 1ª adjunta) 

(Jorge Jacob – 2º adjunto)