Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47/12.4TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ALTERNE
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO198.º N.º 2, AL. A) DA LEI N.º 23/2007, DE 4 DE JULHO
Sumário: 1.- No art.198.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, o que se pretende sancionar é a contratação e utilização pelo empregador da disponibilidade da força de trabalho de uma cidadão estrangeiro, mediante retribuição, quando o mesmo cidadão não está autorizado a exercer atividade profissional subordinada no nosso País;

2.- Resultando provado que no estabelecimento de diversão explorado pela arguida, as identificadas cidadãs brasileiras se encontravam a exercer uma atividade profissional remunerada (de alterne), sob a sua orientação e autoridade, sem se encontrarem habilitadas com o necessário título que lhes permitisse esse exercício, nomeadamente, autorização de residência, autorização de permanência ou visto de trabalho, praticou aquela entidade empregadora as contraordenações p. e p. pelo arº. 198, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        Relatório

Por decisão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – Ministério da Administração Interna, proferida em 30 de Setembro de 2011, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 27/2011/PCO/230, a arguida “A..., lda.”, pessoa colectiva com o n.º (...), com sede na (...) Viseu, foi condenada no pagamento de uma coima de € 3.000,00 (três mil euros), pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 198.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 23/2007, de 04/07 ( emprego de cidadã estrangeira não habilitada para o exercício de actividade profissional).

           Inconformada com a decisão administrativa proferida em 30 de Setembro de 2011, veio a arguida interpor recurso de impugnação judicial, nos termos do art. 59º do DL 433/82, de 27.10, concluindo que devem os autos ser arquivados por inexistência da alegada infracção uma vez que a cidadã B..., encontrada no bar explorado pela impugnante, encontrava-se a trabalhar ao abrigo de um contrato celebrado com a «C..., Lda.», a quem a impugnante pagava, e a mesma cidadã estrangeira não exercia qualquer actividade subordinada, disciplinarmente punível ou sindicável pela impugnante, nem remunerável directamente por ela. 

  

Por decisão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – Ministério da Administração Interna, proferida 30 de Abril de 2012, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 205/2011/PCO/230, a mesma arguida “ A..., lda.”, foi condenada no pagamento de uma coima de € 3.100,00 (três mil e cem euros), pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 198.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 23/2007, de 04/07.

                   Inconformada também com esta decisão administrativa proferida em 30 de Abril de 2012, veio a arguida interpor recurso de impugnação judicial, nos termos do art. 59º do DL 433/82, de 27.10, concluindo que devem os autos ser arquivados por inexistência da alegada infracção uma vez que a alternadeira em causa, D... não exerce qualquer actividade remunerada pela impugnante, nem actividade subordinada, disciplinarmente punível ou sindicável pela impugnante, e no dia dos autos, a cidadã estrangeira não desenvolveu qualquer actividade, já que não consumiu nem promoveu o consumo de qualquer bebida. 

            Os recursos de impugnação destas decisões administrativas foram admitidos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, respectivamente, no proc. n.º 47/12.4TBVIS e no proc. n.º 2149/12.8TBVIS.

            Por despacho de 16 de Outubro de 2012, foi determinada a apensação do proc. n.º 2149/12.8TBVIS  aos presentes autos, passando estes a constituir o processo principal.

            Realizada a audiência de julgamento, a Ex.ma Juíza do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Viseu, por sentença proferida a 27 de Fevereiro de 2013, decidiu julgar totalmente improcedentes os recursos de impugnação judicial, e manter as condenações proferidas no processo principal e no processo apenso A e, operando o cúmulo jurídico das coimas de € 3 000,00 ( fixada nos autos principais) e de € 3 100,00 ( fixada no apenso A), condenar a arguida “ A..., lda.” no pagamento da coima única de € 4 500,00.  

Inconformada agora com a douta sentença de 27 de Fevereiro de 2013, dela interpôs recurso a arguida “ A..., lda.”, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- A actividade do alterne, caracterizada como consistindo em fazer companhia aos clientes que frequentam o bar e incentivar a que os mesmos consumam bebidas, revertendo 50% (ou determinada percentagem) do respectivo preço para os responsáveis do estabelecimento e 50% para a «alternadeira» que «angariasse» esse cliente, não é subsumível ao tipo legal previsto no n.º 2, do art.198.º, da Lei n.º 23/2007, de 04/07, que pressupõe a existência de um contrato de trabalho e o exercício de uma actividade profissional, reconhecida como tal, que no caso dos autos não se verifica.

2- Verifica-se no caso dos autos insuficiência da matéria de facto provada nos termos do art. 410.º n.º 2 do CPP

Termos em que e sempre com o Douto Suprimento de Vs. Exas. se pugna pela procedência do presente recurso, pugnando-se pela prolação de nova decisão que ordene a procedência da Impugnação Judicial apresentada, e absolva a recorrente da condenação aplicada.

O Ministério Público na Comarca de Viseu respondeu ao recurso interposto pela arguida pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença.

           

            O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da douta e bem fundamentada decisão recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos cumpre decidir.

   Fundamentação 

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

            Processo Principal:

            Da decisão administrativa:

1) No dia 30 de Dezembro de 2010, pelas 00h00m, no estabelecimento de diversão noturna «E...», sito na (...), Viseu, explorado pela sociedade arguida, sob a sua orientação e autoridade, encontrava-se a exercer uma atividade profissional remunerada (atividade de alterne) a cidadã de nacionalidade brasileira B..., nascida a 23 de Janeiro de 1987.

2) Tal cidadã brasileira não se encontrava habilitada com o necessário título que lhe permitisse esse exercício, nomeadamente, autorização de residência, autorização de permanência ou visto de trabalho;

3) A arguida conhece as regras do exercício da atividade profissional por parte de cidadãos de nacionalidade estrangeira;

4) Ao empregar a cidadã estrangeira acima identificada, sem ser titular de autorização de residência, permanência ou visto de trabalho, a arguida conformou-se com a possibilidade estar a empregar cidadã estrangeira não autorizada para o exercício de uma atividade profissional subordinada.

5) A arguida atuou livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

         Do Apenso A:

  Da decisão administrativa:

6) No dia 25 de Agosto de 2011, pelas 01h00m, no estabelecimento de diversão noturna « E...», sito na (...), Viseu, explorado pela sociedade arguida, sob a sua orientação e autoridade, encontrava-se a exercer uma atividade profissional remunerada (atividade de alterne) a cidadã de nacionalidade brasileira D..., nascida a 21 de Junho de 1980.

7) Tal cidadã brasileira não se encontrava habilitada com o necessário título que lhe permitisse esse exercício, nomeadamente, autorização de residência, autorização de permanência ou visto de trabalho;

8) A arguida conhece as regras o exercício da atividade profissional por parte de cidadãos de nacionalidade estrangeira;

9) Ao empregar a cidadã estrangeira acima identificada, sem ser titular de autorização de residência, permanência ou visto de trabalho, a arguida conformou-se com a possibilidade estar a empregar cidadã estrangeira não autorizada para o exercício de uma atividade profissional subordinada.

10) A arguida atuou livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

         Mais se apurou que:

11) Em 2010, a arguida apresentou a declaração de IRC, com um prejuízo no valor de €33.374,25.
Factos não provados  

            Não se apuraram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir, designadamente resultaram os seguintes factos não provados:

A) A cidadã identificada em 1) encontrada no bar explorado pela impugnante encontrava-se a trabalhar ao abrigo de um contrato celebrado com a « C..., Lda.», a quem a impugnante pagava.   

B) A arguida beneficiou economicamente com as suas condutas acima descritas.

            Motivação       
Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal (ex vi art. 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações).

            A factualidade constante dos pontos 1) e 2) acima indicados resultou da valoração conjugada da prova documental dos autos com os depoimentos das testemunhas F... , G...., H... e B... .

            Relativamente à prova documental, consideramos o teor do auto de notícia de fls. 5 (que faz fé em juízo); da cópia do documento de identificação da cidadã brasileira B..., sem qualquer visto de trabalho aposto no mesmo (cf. fls. 7); da cópia da notificação desta cidadã para abandono voluntário do território nacional por permanência ilegal no país (cf. fls. 9); do relatório operacional de fls. 12; e, da informação do SEF de fls. 173 a 175.

            Quanto à prova testemunhal, consideraram-se os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas F..., G... e H..., Inspectores do SEF, sendo a primeira a pessoa que elaborou o auto de notícia que deu origem aos presentes autos e cujo teor confirmou em sede de audiência de julgamento, e as segundas as pessoas que acompanharam a primeira nesta fiscalização.

         A testemunha F... referiu que foi ao local no dia dos factos constatando que a cidadã brasileira B... ali se encontrava, além de outras duas cidadãs de nacionalidade brasileira e uma de nacionalidade portuguesa, que identificaram, sendo que aquela exercia no local a actividade de alterne, acompanhando clientes e induzindo-os no consumo de bebidas, sendo que recebia uma percentagem desse consumo, ficando o restante para a arguida. Mais pôde constatar que esta cidadã brasileira usava indumentária adequada ao exercício dessa actividade, sendo que os seus documentos de identificação e haveres pessoais se encontravam guardados numa zona estrita, zona reservada situada junto do Bar, para onde se deslocou para os recolher. Mais disse ter apurado, na sequência da acção inspectiva realizada, que aquela cidadã não estava habilitada para o exercício de qualquer actividade profissional e não tinham qualquer autorização de residência nem qualquer outro título que as habilitasse ao exercício de qualquer actividade profissional em Portugal.

A testemunha G... referiu ter sido o último dos inspetores a entrar no referido bar, esclarecendo que a cidadã B... já se encontrava reunida com outras mulheres num canto do bar, na sequência de, como é prática habitual, separarem as mulheres dos homens, a fim de proceder à identificação dos mesmos. Mais pôde constatar que esta cidadã brasileira usava indumentária adequada ao exercício dessa actividade, sendo que os seus documentos de identificação e haveres pessoais se encontravam guardados numa zona estrita, zona reservada situada junto do Bar, para onde se deslocou para os recolher.

A testemunha H... referiu que também acompanhou a fiscalização no dia dos factos constatando que a cidadã brasileira B... se encontrava no local, além de outras duas cidadãs de nacionalidade brasileira e uma de nacionalidade portuguesa. Mais referiu que para além das mulheres, havia homens no local.

A nossa convicção alicerçou-se igualmente no depoimento da testemunha B... , que se afigurou lógico, espontâneo e isento, sendo também por isso, credível. Apresentou-se exercendo a atividade de stripper, contudo, de forma assertiva e pormenorizada, admitiu que na data do auto de notícia estava no referido bar, ali exercendo a atividade de alterne. Neste âmbito, concretizou que trabalhou nesse local noutras temporadas anteriores como stripper, mas que à data dos factos, as suas funções consistiam em acompanhar os clientes, induzindo-os a um maior consumo de bebidas alcoólicas, o que vulgarmente se denomina como alterne. Disse também que no âmbito destas funções, recebia 50% de todas as bebidas que os clientes que acompanhava consumiam, ficando o restante para a casa (a sociedade arguida), usava indumentária adequada ao exercício dessa actividade (“maneiras vulgares de vestir”) e apesar de não ter hora para sair, sabia que devia entrar no bar até às 23h00m. Mais referiu que apesar de não ter penalização por faltar um dia, sabia que não podia faltar persistentemente sem prestar qualquer esclarecimento, sob pena de não a deixarem continuar a ali trabalhar. Relativamente a uma eventual contrato com a empresa “ C..., Lda.”, referiu que efetivamente tinha subscrito um contrato com essa sociedade, representada por L.... Contudo, esclareceu que esse contrato era “falso”, não prestando serviços para essa sociedade a tendo até que pagar a esse L.. para esse efeito. Mais referiu que naquela data descobriu que aquele não pagava a Segurança Social.

Como referimos, o facto de a cidadã brasileira B... estar no interior do bar explorado pela arguida, a quando das circunstâncias de tempo e de lugar descritas na acusação resulta da conjugação de todos os elementos probatórios acima mencionados. A circunstância de ali estar a exercer atividade de alterne decorre do depoimento prestado pela própria, que confirmou o exercício dessa atividade. Confirmou também que essa atividade era desenvolvida naquele bar, sendo este o seu local de trabalho, e para a arguida, referindo que tinha uma remuneração variável e previamente calculada (50% do consumo dos clientes que acompanhava, ficando o restante para a arguida), que tinha um horário de entrada (23h00), que vestia uma indumentária adequada à atividade desenvolvida, que sabia que caso faltasse sem dar justificações, deixaria de ali poder trabalhar. Mais resultou que a cidadã tinha os seus pertences, nomeadamente os seus documentos guardados num espaço reservado do bar. Todos estes factos constituem indícios de que esta cidadã se encontrava a exercer aquela atividade de altere sob orientação e autoridade da recorrente, como acabamos por dar como provado.

A existência do contrato de fls. 24 e dos documentos comprovativos de que a sociedade « C..., Lda.» estava a efetuar descontos para a Segurança Social relativamente a esta cidadã não afasta os factos e as conclusões acima enunciadas. O contrato de fls. 24, celebrado entre a « C..., Lda.» e a arguida e que tem como finalidade a prestação de serviços da primeira à segunda, tendo a duração de um mês (1 de Novembro de 2010 até 30 de Novembro de 2010), pelo valor de €2420,00. Tal contrato não especifica a natureza desta prestação de serviço, designadamente se a mesma tem a ver com a prestação de trabalho por parte da cidadã braseira B.... Contudo, aquando da situação dos autos, ocorrida em 30 de Dezembro de 2010, já esse contrato tinha caducado. A circunstância de constar das bases de dados da Segurança Social que em Dezembro de 2010, esta sociedade fez descontos para aquele instituto relativamente a B... também não permite afastar desta estar a exercer atividade de alterne para a arguida, já que como a mesma referiu, o contrato que celebrou com a « C..., Lda.» era “falso”, nunca recebeu remuneração desta sociedade, tendo sido a própria a entregar o dinheiro ao sócio-gerente desta sociedade relativamente à Segurança Social. Por esta razão consideramos não provado o facto constante do ponto A) supra.

A factualidade constante dos pontos 3) a 5) supra resultou da valoração dos elementos probatórios acima indicados, em conjugação com as regras de experiência comum. Sendo a actividade do bar explorado pela sociedade arguida, o alterne, e sendo habitual que este seja exercido por cidadãs de nacionalidades estrangeiras, não podia a mesma sociedade deixar de conhecer as suas obrigações e proibições relativamente ao emprego destas cidadãs sem autorização de residência ou permanência, tanto mais que, na data já havia sido fiscalizada pelo SEF, pelo menos uma vez, tendo-lhe sido levantado auto de contraordenação pelos mesmos factos, auto cujo conteúdo que lhe foi necessariamente comunicado e que deu origem ao processo de contraordenação n.º 43/2010/PCO/200, facto este que a recorrente não impugnou.

            A factualidade constante dos pontos 6) e 7) supra resultou da valoração conjugada da prova documental dos autos com os depoimentos das testemunhas I...e J...

            Relativamente à prova documental, consideramos o teor do auto de notícia de fls. 8/9 (que faz fé em juízo); da cópia do documento de identificação da cidadã brasileira D..., sem qualquer visto de trabalho aposto no mesmo (cf. fls. 11 a 14); ficha de identificação de cidadã estrangeira (cf. fls. 15); da cópia da notificação desta cidadã para abandono voluntário do território nacional por permanência no país (cf. fls. 16); do relatório operacional de fls. 17.

            Quanto à prova testemunhal, consideraram-se os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas I...e J.., Inspectores do SEF, sendo o primeiro a pessoa que elaborou o auto de notícia que deu origem aos presentes autos e cujo teor confirmou em sede de audiência de julgamento, e o segundo a pessoa que acompanhou o primeiro nesta fiscalização.

            A testemunha I...referiu que foi ao local no dia dos factos constatando que a cidadã brasileira D..., que identificou melhor no auto, se encontrava no local, sendo que ali exercia a actividade de alterne, acompanhando clientes e induzindo-os no consumo de bebidas, sendo que recebia 50% desse consumo, ficando o restante para a arguida. Para o efeito, verificou que D... tinha um cartão na sua posse, onde consumo de cliente que acompanhava era anotado, sendo-lhe pago no final. Mais pôde constatar que esta cidadã brasileira tinha os documentos de identificação e haveres pessoais se encontravam guardados numa zona estrita, zona reservada situada junto do Bar. Mais disse ter apurado, na sequência da acção inspectiva realizada que aquela cidadã não estava habilitada para o exercício de qualquer actividade profissional e não tinham qualquer autorização de residência nem qualquer outro título que as habilitasse ao exercício de qualquer actividade profissional em Portugal.

A testemunha J.. referiu ao entrar no referido bar, constatou que ali se encontrava D..., que identificou no auto e que verificou tratar-se da mesma pessoa do documento de identificação apresentado. Mais pôde constatar que esta cidadã brasileira não tinha consigo os seus documentos de identificação e haveres pessoais, que se encontravam guardados numa zona estrita, zona reservada situada junto do Bar, onde a viu ir buscá-los. Mais referiu que durante toda a fiscalização, esta cidadã assumiu-se como “alternadeira”, tendo explicado que recebia 50% das bebidas consumidas pelos acompanhantes.

Nesta situação, não foi possível notificar a cidadã D... para que pudesse esclarecer os factos. Contudo, os factos descritos pelas testemunhas acima referidas permitem-nos concluir no mesmo sentido. Referiram terem constatado que esta cidadã se apresentou como “alternadeira”, encontrando-se naquele bar a desenvolver aquela atividade, tinha uma remuneração variável e previamente calculada (50% do consumo dos clientes que acompanhava, ficando o restante para a recorrente), vestia uma indumentária adequada à atividade desenvolvida, e tinha os seus pertences guardados num espaço reservado do bar. Todos estes factos constituem indícios de que esta cidadã se encontrava a exercer aquela atividade de altere sob orientação e autoridade da recorrente, como acabamos por dar como provado.

A factualidade constante dos pontos 8) a 10) supra resultou da valoração dos elementos probatórios acima indicados, em conjugação com as regras de experiência comum. Sendo a atividade do bar explorado pela sociedade arguida, o alterne, e sendo habitual que este seja exercido por cidadãs de nacionalidades estrangeiras, não podia a mesma sociedade deixar de conhecer as suas obrigações e proibições relativamente ao emprego destas cidadãs sem autorização de residência ou permanência, tanto mais que, na data já havia sido fiscalizada pelo SEF, pelo menos uma vez, tendo-lhe sido levantado auto de contraordenação pelos mesmos factos, auto cujo conteúdo que lhe foi necessariamente comunicado e que deu origem ao processo de contraordenação n.º 43/2010/PCO/200, facto este que a recorrente não impugnou. 

A matéria referida em 11) resultou do documento de fls. 58/60 (declaração de IRC da arguida, do ano de 2010).


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da recorrente “ A..., lda.”, as questões a decidir são as seguintes:

- se a actividade do alterne não é subsumível ao tipo legal previsto no n.º 2, do art.198.º, da Lei n.º 23/2007, de 04/07; e

- se a sentença padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410.º n.º 2 do C.P.P..


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            Por uma questão de ordem lógica, a primeira questão a decidir respeita ao apontado vício do art. 410.º n.º 2 do C.P.P., pois a verificar-se e não sendo possível decidir da causa, o tribunal de recurso determinará o reenvio do processo para novo julgamento. 

O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, aplicável ao caso por força do disposto no art.41.º do Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 
     c) O erro notório na apreciação da prova.
Este preceito é claro no sentido de que os vícios do art.410.º, n.º 2, do C.P.P. têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, pelo que não é possível a consulta de outros elementos constantes do processo na decisão sobre a sua verificação.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P., existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.[4]
A arguida “ A..., lda.”, invoca a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a) do n.º2 do art.410.º do C.P.P., mas não indica, nem nas conclusões da motivação, nem na motivação, e a partir do texto da sentença, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, um qualquer facto que ficou por averiguar em julgamento, relevante para a boa decisão da causa.

Não especificando a recorrente quaisquer factos que devam ser acrescentados à factualidade dada como provada na sentença recorrida e que ficaram por averiguar, nem se vislumbrando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, factos que ficaram por apurar tendo em vista o conhecimento seguro da imputada contra-ordenação, p. e p. pelo art.198.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04/07, o Tribunal da Relação não tem por verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Assim, improcede a primeira questão.

            Segunda questão.

            A recorrente “ A..., lda.”, defende que deve ser absolvida da condenação que lhe foi aplicada, alegando para o efeito e em síntese, o seguinte: a actividade de alterne não é susceptível de ser considerada actividade profissional, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do art.198.º, da Lei n.º 23/2007, de 04/07.

O n.º 2, do art.198.º, da Lei n.º 23/2007, pressupõe o exercício de uma actividade profissional, reconhecida como tal, e a actividade de alterne, exercida pelas cidadãs de nacionalidade brasileira B... e D..., não é reconhecida como trabalho, nem como trabalho profissional.

Vejamos.

O art.198.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na redacção vigente á data dos factos estatuía, designadamente, o seguinte:

« 1 - O exercício de uma actividade profissional independente por cidadão estrangeiro não  habilitado com a adequada autorização de residência, quando exigível, constitui contra-ordenação punível com uma coima de € 300 a € 1200.

2 - Quem empregar cidadão estrangeiro não autorizado a exercer uma actividade profissional nos termos da presente lei fica sujeito, por cada um deles, à aplicação de uma das seguintes coimas:
a) De € 2000 a € 10 000, se empregar de um a quatro
; ».

O art. 3.º, al. b), da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, define «Actividade profissional independente» como qualquer actividade exercida pessoalmente, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, relativa ao exercício de uma profissão liberal ou sob a forma de sociedade.

O contrato de prestação de serviços « é aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» ( art.1154.º do  Código Civil ).

O empregador, ou seja, a pessoa que “empregar cidadão estrangeiro”, não consta das definições do art.3.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, mas para um declaratário normal é a pessoa para a qual se transmite a disponibilidade da força de trabalho de outra pessoa, ficando com a possibilidade de utilizar essa força de trabalho, mediante uma retribuição.

Entendemos que o n.º2 do preceito respeita à contratação pelo empregador da disponibilidade de prestação de trabalho subordinado, mediante uma retribuição, até por contraposição à situação de prestação de serviço - trabalho autónomo, em que se do contrata o resultado da actividade - prevista no n.º1 do art.198.º da  Lei n.º 23/2007.

Necessário ao preenchimento da contra-ordenação em causa é, ainda, que o cidadão estrangeiro não esteja habilitado com autorização de residência que o autorize ao exercício de uma actividade profissional subordinada nos termos previstos no art.88.º da Lei n.º 23/2007.  

O n.º2 do art.198.º da Lei n.º 23/2007, pressupõe para a prática da contra-ordenação o exercício de uma actividade profissional permitida, ou seja, não proibida, mas não exige o reconhecimento dessa actividade por autoridade ou instituto público ou mesmo a validade formal do contrato de trabalho subordinado.

A Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, procedeu, entretanto, a alterações à Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, separando as condutas previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.198.º.

O exercício não autorizado de uma actividade profissional independente, pelo cidadão estrangeiro não legalmente habilitado para o efeito, continuou a integrar o art.198.º; já o art.198.º- A, passou a regular a “Utilização da actividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal”, estatuindo para o efeito, designadamente, o seguinte:

« 1- Quem utilizar a actividade de cidadão estrangeiro não habilitado com autorização de residência ou visto que autorize o exercício de uma actividade profissional subordinada, fica sujeito à aplicação de uma das seguintes coimas:

a) De € 2000 a € 10 000, se utilizar a actividade de 1 a 4 cidadãos;».

O art.198.º- A, introduzido pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, substituiu o termo “empregar” , do art. 198.º da primitiva redacção da Lei n.º 23/2007, por “utilizar”, ao mesmo tempo que clarificou que a conduta contra-ordenacional respeita ao exercício de uma actividade profissional subordinada.

Quer no caso no art.198.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na primitiva redacção, quer no caso do era.198.º-A, da mesma Lei, na actual redacção, o que se pretende sancionar é a contratação e utilização pelo empregador da disponibilidade da força de trabalho de uma cidadão estrangeiro, mediante retribuição, quando o mesmo cidadão não está autorizado a exercer actividade profissional subordinada no nosso País.

No caso em apreciação, resultou provado que no dia 30 de Dezembro de 2010, pelas 00h00m, no estabelecimento de diversão noturna « E...», sito na (...), Viseu, explorado pela sociedade arguida, a cidadã de nacionalidade brasileira B..., nascida a 23 de Janeiro de 1987, encontrava-se a exercer uma actividade profissional remunerada (actividade de alterne), sob a sua orientação e autoridade.

Também no dia 25 de Agosto de 2011, pelas 01h00m, no estabelecimento de diversão nocturna « E...», sito na (...), Viseu, explorado pela sociedade arguida, a cidadã de nacionalidade brasileira D..., nascida a 21 de Junho de 1980, se  encontrava a exercer uma actividade profissional remunerada (actividade de alterne)

A actividade de “alterne”, desenvolvida no bar explorado pela sociedade arguida através das cidadãs brasileiras atrás identificadas, consistia, designadamente, no acompanhamento por estas dos clientes do bar, induzindo-os ao consumo de bebidas, recebendo elas da empregadora, arguida, uma remuneração variável, previamente calculada (50% do consumo dos clientes que acompanhava, ficando o restante para a arguida).

A actividade de “alterne” não é uma actividade profissional proibida, como bem reconhece a sociedade arguida. E é do conhecimento geral que tendo esta actividade profissional sido desenvolvida durante algum tempo por cidadãs nacionais, um pouco por todo o território nacional, sem pagamento por estas de impostos e de contribuição para a segurança social, com a chegada posterior de fluxos de cidadãs estrangeiras ao nosso País, começaram também estas a entrar neste mercado de trabalho, utilizado por empregadores em bares.

É ainda sabido que as autoridades portuguesas não têm concedido autorização de residência, autorização de permanência ou visto de trabalho a estas cidadãs estrangeiras e, no caso em análise, as duas cidadãs brasileiras que a sociedade arguida empregava no bar que explora, utilizando-as no exercício de uma actividade profissional subordinada, não se encontravam habilitadas com o necessário título que lhes permitisse esse exercício, nomeadamente, autorização de residência, autorização de permanência ou visto de trabalho.

A sociedade arguida conhece as regras para o exercício da actividade profissional por parte de cidadãos de nacionalidade estrangeira e ao empregar as identificadas cidadãs estrangeiras, sem serem titulares de autorização de residência, permanência ou visto de trabalho, conformou-se com a possibilidade estar a empregar cidadãs estrangeiras não autorizadas para o exercício de uma actividade profissional subordinada.

Tendo a sociedade arguida actuado livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, não merece censura a decisão recorrida quando concluiu que a aquela empregadora praticou duas contra-ordenações, p. e p. pelo art. 198, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

Deste modo, improcede também esta questão e o recurso.

          

             Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida “ A..., lda.”, e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pela recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.

                                                                         *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”,  vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.