Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4447/17.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 312, 314 CVM, 563 CC
Sumário: I – A omissão de informações por parte do banco acerca da natureza, caraterísticas e riscos do produto que intermediava, necessárias para o cliente formar a decisão de adquirir esse produto, viola os deveres de informação impostos ao banco pelo artigo 312.º do CVM.

II – Há nexo de causalidade adequada (artigo 563.º do CC) entre, por um lado, a omissão de informações ou a prestação de informações em desconformidade com a realidade, quando estas determinaram a autora a celebrar um contrato cuja contraprestação, com ignorância sua, comportava um risco de incumprimento, e, por outro lado, o dano que consistiu, mais tarde, na concretização desse risco de incumprimento, que na altura da formação do contrato era hipotético, como ocorre sempre que algo, se se verificar, só se verificará no futuro.

Decisão Texto Integral:








I. Relatório

a) P (…) intentou a presente ação contra o Banco B (…) S. A., alegando, em síntese, o seguinte:

A autora era cliente do B (…) S.A., na agência de x (....) , com a conta à ordem n.º (…), onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e colocava poupanças.

Em Outubro de 2006, o gerente da agência de x (....) do banco Réu disse à Autora que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo B (…) e com rentabilidade assegurada.

O dito funcionário do Banco réu sabia que a Autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

E que tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

Sucede que o seu dinheiro – EUR100.000,00 – veio a ser colocado em obrigações S (…) 2006, sem que a Autora soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a S(…) era uma empresa.

O que motivou a autorização da Autora foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

A Autora atuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso num produto com risco exclusivamente Banco.

Se a Autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações Q (....) 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo B (…) não o autorizaria.

Nunca foi intenção da Autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu.

A autora sempre esteve convencida que o réu lhes restituiria o capital e os juros, quando o solicitasse.

O réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

Os juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança aos autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito à autora pelo referido gerente da agência das x (....) .

Em novembro de 2015 o Banco réu deixou de pagar os juros respetivos.

Agora, o Banco réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à S (…) entidade que a Autora nem sabia existir.

A autora pensava que S(…) era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco réu utilizava.

A autora desconhecia e nem podia conhecer que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo pois, caso soubesse que se tratava de um produto de risco, não o teria adquirido.

A autora não foi informada sobre a compra das obrigações subordinadas S(…) 2006.

Nunca o gerente ou funcionários do réu nem ninguém leu ou explicou à autora o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações S(…) 2006.

O réu mantém aplicados EUR 100.000,00 em obrigações S(…) 2006, sendo que este dinheiro deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas S(…), nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela autora; e nem nunca conheceu a autora qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações S(…), não lhe tendo sido entregue documento correspondente.

E tais eventuais documentos a existirem só podem ser contratos de cláusulas gerais, cujas assinaturas feitas, nas condições supra descritas, não têm validade, por os contratos serem nulos.

Os contratos não correspondem à real vontade da autora, tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que a autora nunca aceitaria se acaso o réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações S(…) 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco réu.

A liquidez, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros ou retribuição, são cláusulas essenciais de qualquer aplicação financeira.

Sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5.º e seguintes do DL. 446/85 de 15/10.

A autora vê-se confrontada com a subscrição de produtos de risco, sem que o montante de capital investido se encontre garantido no prazo de maturidade, que ocorreu em Maio de 2016.

Por efeito do incumprimento do réu quanto à garantia de capital e juros que tinham dado para data certa, a autora ficou impedida de usar o seu dinheiro como bem entendesse.

Com a sua atuação, o réu colocou a autora num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida, andando a autora em permanente estado de “stress”, doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossada das suas economias de uma vida e sem perspetivas de futuro.

Concluiu a autora pedindo a condenação do réu a pagar-lhes o valor do capital e juros vencidos e garantidos, no montante de EUR 110.000,00 à data da instauração da ação, a que acrescem os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente pediram a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os EUR 100.000,00 que a autora lhe entregou em obrigações subordinadas S(…) 2006, que seja declarada ineficaz em relação à autora a aplicação que o réu tenha feito desses montantes e que o réu seja condenado a restituir à autora EUR 100.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregaram ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, desde a mora, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento.

Cumulativamente pediram a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de EUR 5.000,00 a título de dano não patrimonial e a condenação do réu no pagamento das custas e demais encargos legais.

2. O réu contestou, alegando, em síntese, o seguinte:

A incompetência do Tribunal em razão do território.

A prescrição do direito invocado pela autora, argumentando que qualquer direito sobre o intermediário financeiro por eventual responsabilidade em transação em que haja intervindo prescreve no prazo de 2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação; que o negócio descrito na petição inicial constituiu um ato de intermediação financeira, pelo qual o Réu cumpriu ordens dadas pelos seus clientes, no sentido de subscrição de obrigações S(…) 2006; que as informações prestadas foram verdadeiras e nunca o réu agiu perante qualquer cliente com intenção de enganar ou prejudicar, ou sequer de omitir informação relevante de forma consciente; que qualquer tipo de deficiência de informação prestada, a ter existido, sempre existiu apenas a título de mera negligência, ou culpa leve.

As obrigações S(…) 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S (…), S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.

Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser «mãe» do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.

Dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações.

O risco de um depósito a prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da Q (....) ser indexado ao risco do próprio Banco, sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de EUR 25.000,00 por conta bancária.

O produto dado à subscrição dos autores era seguro, acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas.

Sempre foi explicado aos clientes que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro, apresentando as condições do produto, concretamente remuneração vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, prazo de 10 anos, condições de reembolso, e obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso, que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

Os clientes eram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto, de forma acompanhada com a respetiva nota técnica.

E sabiam perfeitamente que não tinham um depósito a prazo, ou sequer algo parecido com um depósito a prazo.

Nunca o réu disse aos clientes que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da Q (....) .

O réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos clientes.

A subscrição de Obrigações S(…) não foi sujeita a qualquer tipo de contrato de adesão, ou qualquer tipo de formulário de cláusulas contratuais gerais.

Sendo um contrato entre o subscritor e a S(…) (não o Banco), não se corporizou, que o réu saiba, num qualquer escrito, mas apenas e tão-só numa proposta da S(…), veiculada pelo Banco réu e numa aceitação do subscritor corporizada numa ordem de subscrição de títulos.

Não existiu qualquer contrato de adesão ou quaisquer cláusulas contratuais gerais, além das condições gerais da emissão de valores mobiliários. Ainda que tivesse existido sempre seria celebrado com a S(…)e nunca com o réu.

3. A autora exerceu contraditório relativamente às exceções invocadas pelo réu; foi proferido despacho saneador e realizada audiência de julgamento foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação improcedente e, em consequência,

1. Absolvo o réu dos pedidos formulados pela autora;

2. Condeno a autora nas custas do processo».

b) É desta decisão que vem interposto o recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) O Banco recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

II. Objeto do recurso

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - Em primeiro lugar, o recurso coloca a questão da alteração da matéria de facto.

A Autora pretende que que sejam declarados provados os seguintes factos, pelas razões que explicitou:

«A Autora não sabia o que eram obrigações»;

«Nunca a Autora abriu conta de títulos»;

«Ninguém explicou à Autora que B (…) e S (…)eram duas entidades distintas e que investir em S (…), era diferente de aplicar dinheiro no B (…)»;

«Era um produto de capital garantido e o Banco B (…) era responsável pela garantia do capital»;

«A autora nunca teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo B (…)».

2 – Em segundo lugar, colocam-se a questão de saber se após a entrada em vigor do Dec-Lei n.º 357-A/2007 de 31 de Outubro, o Banco réu deveria ter regularizado as situações já existentes e celebrado os contratos de intermediação financeira, por escrito, e se esta omissão implica a nulidade dos contratos e a consequente restituição das quantias da Autora utilizadas.

3 – Em terceiro lugar, cumpre verificar se resulta dos factos provados que a autora não sabia que estava a celebrar um contrato de intermediação financeira com a S (…), sendo também nulo por tal razão.

4 – Em quarto lugar, no que respeita à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil emergente do contrato de intermediação financeira, cumpre verificar se se verifica ou não o requisito da «ilicitude» consubstanciado no facto de resultar dos pontos 4, 6, 7 e 8 dos factos provados que a Autora tinha um perfil conservador, estava convencida que se tratava de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, o que era falso, com capital garantido a rentabilidade assegurada; e que foi o facto de lhe ter sido dito que o capital era garantido, o que era falso, que motivou a sua autorização.

5 – Em quinto lugar, cumpre verificar se, tendo o Banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, se torna responsável pelos prejuízos causados à autora, nos termos do art. 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o n.º 2 do citado art. 314.º e que impende sobre o Banco Réu; ou tendo como base a responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do Código Civil.

6 – Em sexto lugar, averiguar-se-á se recaía sobre o banco o ónus da prova de que a Autora sempre investiria no produto em causa, isto é, nas obrigações Q (....) .

7 – Por fim, verificar-se-á se a ação procede, incluindo a questão de saber se os factos provados justificam a existência de um dano não patrimonial grave e que, por isso, merece a tutela do direito.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

1 – Como se referiu, a autora pretende que que sejam declarados provados os seguintes factos:

«A Autora não sabia o que eram obrigações»;

«Nunca a Autora abriu conta de títulos»;

«Ninguém explicou à Autora que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…), era diferente de aplicar dinheiro no B (…)»;

«Era um produto de capital garantido e o Banco B (…) era responsável pela garantia do capital»;

«A autora nunca teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo B (…)».

A prova disponível consiste no depoimento escrito da testemunha J (…) a fls. 99 verso e 100, e nos depoimentos orais das testemunhas A (…) e J (…)

Estes depoimentos foram ouvidos e verifica-se que se encontram fielmente reproduzidos nas alegações de recurso da recorrente.

A testemunha A (…) era à data dos factos funcionária do B (…) na agência de x (....) e foi com ela que a testemunha J (…) negociou, em nome da autora, a aquisição das obrigações aqui em questão.

Vejamos então.

■ Relativamente aos factos «A Autora não sabia o que eram obrigações» e «Nunca a Autora abriu conta de títulos», a resposta tem de permanecer «não provado».

Desde logo porque se ignora de todo quem é a autora.

Não se alegou sequer em que data nasceu e qual a sua idade aproximada, o que fez em geral ao longo da vida, a sua atividade profissional, por que razão está nos EUA, que habilitações literárias possui, etc.

Por conseguinte, não se pode formar qualquer ideia sobre se a autora sabia ou não sabia o que eram «obrigações» e se tinha feito alguma vez algum investimento em títulos financeiros.

■ Quanto ao facto «Ninguém explicou à Autora que B (…) e S (…)eram duas entidades distintas e que investir em S (…), era diferente de aplicar dinheiro no B (…)».

A resposta a esta matéria é afirmativa e resulta do depoimento da testemunha Alcina.

Com efeito, quando lhe foi perguntado (minuto 06:49) se ela e os colegas do Banco, quando falavam com os clientes, distinguiam claramente as entidades S(…)e banco B (…) e se diziam aos clientes que a S (…) era a dona do banco B (…), mas o banco B (…) não tinha nada a ver com o produto que estava a ser comercializado, a testemunha respondeu (minuto 07:07) «Não. Jamais falava disso. Não».

E, continuando, à pergunta «Portanto, no caso concreto, as pessoas quando colocavam o dinheiro neste produto, portanto, quando falavam com a Sra. Dra., não saíam convencidos, portanto, pela porta do banco a dizerem "deixei ali dinheiro aplicado num produto, mas o W (....) não tem nada a ver com este produto"», a testemunha respondeu (minuto 07:30), «Não. Não, nem, nem os clientes, nem nós».

E, à pergunta «Portanto, não havia distinção no fundo entre W (....) e Q (....) ?», respondeu (minuto 07:47), «Não», «À data de 2006 não, não».

Resulta deste extrato do depoimento, quanto ao qual não há qualquer razão para duvidar que não corresponda à realidade histórica, que nas condições reais, concretas, de conversação entre funcionário bancário e cliente, de negociação, como ocorreu no caso concreto, não foi explicado ao representante da autora que B (…) e S (…)  eram entidades, pessoas jurídicas distintas; que a S (…) era a «dona» do banco B (…) mas distinta deste, que a autora estava a investir numa entidade diferente do B (…).

Isto é, tais questões não eram faladas, não se colocavam.

É certo que no facto provado 6, não impugnado, consta que foi declarado ao representante da autora que o produto financeiro adquirido era da «dona do Banco», mas como nada foi dito acerca da sociedade S (…), o representante da autora não ficou a saber quem era afinal a «dona do Banco».

Ignora-se também em que termos tal informação acerca da «dona do Banco» foi assimilada pelo dito representante da autora e que dúvidas isso lhe colocou, se algumas colocou, mas se colocou dúvidas não terão sido exteriorizadas porque nada é afirmado sobre essa matéria nos articulados.

Por conseguinte, a convicção forma-se no sentido de que «Ninguém explicou à autora que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…) era diferente de aplicar dinheiro no B (…)».

Tal facto passará para os factos provados com o n.º «6-A».

■ Quanto ao facto «Era um produto de capital garantido e o Banco B (…) era responsável pela garantia do capital».

Já consta do facto provado n.º 7, não impugnado, que «O que motivou a autorização da autora foi o facto de lhe ter sido dito pelos funcionários do Banco que o capital era garantido».

Estando já provado que foi dito ao cliente que «o capital era garantido», deverá considerar-se provado, por isso, que «Era um produto de capital garantido»?

A resposta é negativa.

Se com a expressão «Era um produto de capital garantido» se pretende significar algo de objetivo, não só no âmbito da relação autora/B (…), mas em geral, para qualquer interessado, no sentido de ser essa uma qualidade intrínseca afirmada pelo B (…) a respeito do próprio produto, então, neste caso, o facto em causa deve permanecer não provado porque não se pode formar a convicção de que o produto possuía essa qualidade, que aliás não está caraterizada (garantido como? EM que termos?).

O que se sabe é que foi dito ao representante da autora que o capital era garantido.

Essa factualidade, como se disse, já consta do facto provado n.º 7.

Concluindo esta parte, resulta «não provado» que, em termos objetivos, se tratasse de um produto com capital garantido e resulta provado que foi feita a declaração «que o capital era garantido».

Quanto à parte «… e o Banco B(…) era responsável pela garantia do capital».

A convicção forma-se em sentido afirmativo porque, como resulta do depoimento da testemunha (…), não foi explicado que a entidade emitente das obrigações era a S (…) e que o B (…) nada tinha a ver com o reembolso do capital.

Nestas condições factuais, que crença ([1]) formou o representante da autora, ou teria formado outrem que tivesse estado no seu lugar?

Vejamos.

(I) Era espectável para um cliente do B (…), que adquiriu um produto financeiro ao balcão do B (…), que caso o produto fosse alheio ao B (…), propriedade de um terceiro, o funcionário do B (…) lhe tivesse dito que não se tratava de um produto do B (…), mas sim da entidade «A» ou «B», que identificaria.

(II) Não existiu a informação de que que a entidade titula do produto comercializado era a S (…)

(III) Por isso, na ausência de qualquer informação sobre a entidade titular do produto (emitente das obrigações), no caso a sociedade S (…), o representante da autora formaria a convicção de que estava a adquirir um produto do próprio B (…) e como tal adquiriria a crença de que «…o Banco B (…) era responsável pela garantia do capital».

E como lhe foi dito que o produto era da «dona do B (…)», isto reforçaria a crença do representante da autora que estava a adquirir um produto do banco B (…).

Acrescentar-se-á tal facto ao facto provado n.º 7, que ficará com esta redação:

«7. O que motivou a autorização da autora foi o facto de lhe ter sido dito pelos funcionários do Banco que o capital era garantido e o B (…) garantia o capital».

Esta conclusão implica que se elimine o facto da al. a) dos factos não provados que tem esta redação: «Antes de a autora subscrever a obrigação referida em 2 o funcionário do B (…) disse-lhe que a aplicação tinha capital garantido pelo B (…)», evitando-se assim a aparente contradição que resultaria da mesma afirmação constar como provada e não provada.

Tal facto será, por isso, eliminado.

■ Relativamente ao facto «A autora nunca teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo W (....) ».

 A resposta é positiva pelas seguintes razões:

Trata-se de uma questão de natureza factual, mas não estamos perante um facto histórico, situado no tempo e no espaço, mas apenas perante um facto hipotético.

Nestas condições poder-se-á argumentar que a resposta deverá ser sempre «não provado», resultando esta resposta da impossibilidade de responder perentoriamente, positivamente ou negativamente, a um facto desta natureza, porque, não tendo ocorrido de todo o facto, parecem ser sempre equivalentes as razões para qualquer uma das respostas possíveis: ocorreu ou não ocorreu.

Por outras palavras, ainda que haja boas razões para responder num certo sentido, é sempre possível contrapor que, no caso concreto, «as coisas poderão/poderiam ter-se passado de outro modo» e, por isso, neste tipo de questões cairemos sempre num non liquet, e esta postura cognitiva levará a uma resposta «não provado».

Afigura-se, porém, que não podendo ocorrer na prática ambas as situações, porque se excluem mutuamente, o tribunal deve responder de acordo com a hipótese que se mostrar ter uma probabilidade forte em desfavor da outra, se esta revelar no contexto factual considerado uma probabilidade débil.

Vejamos então.

Se a autora (quer-se dizer, o representante da autora) soubesse que as obrigações não eram garantidas pelo banco B (…), iria perguntar ao funcionário do banco quem era afinal a entidade que as garantia.

Isto porque estando em causa um capital de EUR 100.000,00 e não constando que a autora fosse digamos «milionária», importar-se-ia com a segurança do seu dinheiro e perguntaria o que estava em causa nesse investimento.

Nesta hipótese, o funcionário teria de responder a esta pergunta, sob pena da autora não investir, porque se o funcionário não respondesse geraria uma desconfiança que inviabilizaria a decisão de adquirir o produto.

O funcionário ao responder que a entidade emitente era a sociedade S (…) e era esta que garantia afinal a devolução do dinheiro, levaria a autora a perguntar quem era a sociedade S (…) e quais eram as garantias que dava do bom cumprimento no final do prazo, que era longo (10 anos).

O funcionário responderia que a sociedade S (…) era a dona da totalidade do capital do B (…) e quanto às garantias de bom cumprimento por parte da S (…), o funcionário teria de lhe explicar o que era a S (…) e também, se soubesse, em que negócios estava envolvida a S (…) e que património (ativo e passivo) tinha além do B (…)

Aqui, o funcionário iria talvez afirmar que a S (…) era de confiança, como não podia deixar de dizer, sob pena da colocação das obrigações ser um fracasso naquela agência, mas o funcionário teria de admitir que dava respostas vagas, que não estava a par da atividade comercial da S (…), porque não era funcionário da S (…) e o desempenho da sua atividade profissional era levado a cabo à margem da atividade da S (…)

Esta postura do funcionário geraria com alta probabilidade na autora a ideia de que ele não estava apto a emitir um parecer digno de confiança, de alguém que sabe porque efetivamente conhece aquilo de que fala.

Perante este desconhecimento do funcionário, a autora certamente não arriscaria investir EUR 100.000,00, porque:

(I) O funcionário não mostrava conhecer com algum pormenor os negócios da S (…) e respetivo património, para além de saber que a Q (....) era dona do banco W (....) ;

(II) Por isso, também não podia saber quais eram as chances do bom pagamento do capital investido ao fim de 10 anos.

É certo que à data ainda não tinha surgido o fenómeno da insolvência dos bancos, mas a sociedade em causa não era um banco e os seus negócios, se os tinha, podiam correr bem ou mal e, por isso, na mente da autora não podia deixar de pairar a ideia de risco naquele investimento.

Principalmente tratando-se de EUR 100.000,00 e por ou período de 10 anos, que é longo face às rápidas mudanças do mundo contemporâneo.

Cumpre aqui anotar o seguinte:

No caso concreto, esta representação simples do diálogo que poderia ter existido entre funcionário do banco e cliente, representa o quadro básico informativo que devia ter ocorrido e não ocorreu no caso concreto.

Não se sabe, no caso, se o B (…)ofereceu o produto à autora chamando-a para ir ao banco conversar, mas estando em causa um investimento de EUR 100,000,00, num produto que era constituído por obrigações reembolsáveis ao fim de 10 anos, e subordinadas, o funcionário do banco tinha de prestar ao cliente todas as informações necessárias de molde a ele poder formar uma ideia dos riscos que corria, se algum corria, ao adquirir aquele produto.

O funcionário do B (…) tinha de informar o representante da autora sobre o significado de «subordinadas», o que passava por lhe dizer que em caso de insolvência da sociedade S (…), a autora só seria paga depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados, como resultava do disposto na al. c) do artigo 48.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (D.L. n.º 53/2004, de 18 de Março), onde se determinava e se determina, que se consideram subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, «c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes».

Ora, quando o funcionário falasse em eventual «insolvência» da S (…), o representante da autora ficaria alertado para a possibilidade, ainda que lhe fosse garantido tratar-se de uma possibilidade remota, praticamente inexistente, ficava alertado, dizia-se, para um risco que podia ocorrer nos próximos 10 anos.

Como se disse, este seria um quadro de informações básicas que teria de ser fornecido ao cliente e não foi.

Continuando.

Acresce que a testemunha J (…) referiu que a autora era pessoa já idosa, com uns oitenta anos (minuto 02:40) ([2]), mais velha, portanto, que a testemunha.

Sendo certo que a testemunha nasceu em 1937, como consta da ata da audiência, a autora teria à data da subscrição das obrigações, no ano de 2006, seguramente mais de 60 anos de idade (dado que a testemunha em 2006 teria 69 anos de idade).

Face ao que fica referido, estando provado que a autora tinha um perfil conservador (facto provado n.º 6), a convicção forma-se no sentido de que ela não teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo W (....) .

Porquê?

Porque, dado o perfil conservador e a idade, a autora não estava em condições pessoais e psicológicas para correr riscos, por não ter necessidade de os correr.

É certo que se pode afirmar que há sempre pessoas que correm riscos e até se sentem confortáveis a correr riscos.

Mas tem de se atender ao caso concreto da autora e não a hipóteses especulativas, as quais são sempre viáveis, salvo se logica ou fisicamente impossíveis.

Com a sua idade e tendo um perfil conservador, a autora não tinha qualquer necessidade de correr riscos e se não tinha necessidade de correr riscos a resposta só pode ser uma: não os corria.

Por conseguinte, se a autora soubesse que havia algum risco de não reembolso do capital, não tinha feito o investimento em questão nos autos, pois não tinha, como se disse, necessidade de correr riscos, ainda que improváveis nessa altura, mas não no futuro que é sempre incerto, principalmente ao longo de 10 anos.

E o mesmo se afirma em relação à convicção de que o capital era garantido pelo B (…) pois se a autora soubesse que o B (…) não ficava responsável pelo reembolso iria informar-se sobre quem era o responsável e verificaria que o B (…)não era responsável, mas sim uma entidade denominada S (…)

E, como já se disse acima, a autoria iria querer saber quem era a S (…) e se os funcionários cumprissem os seus deveres teriam de dizer à autora que a S (…) era a «dona» do B (…); que a S (…) era a responsável pelo pagamento das obrigações ao fim de 10 anos; que só podia reaver o dinheiro ao fim de 10 anos, salvo se aparecesse algum outro cliente que quisesse suceder à autora na sua posição contratual, isto é, que a liquidação das obrigações dependia do aparecimento de outro cliente interessado em adquiri-las, caso contrário o reembolso só se daria ao fim de 10 anos; que não sabiam especificar, com certeza, que património global tinha a S (…), os negócios em que estava envolvida e riscos de corriam tais negócios; que havia sempre o risco da sociedade emitente de obrigações não as conseguir pagar no prazo previsto para o reembolso, sendo mais difícil a previsão sobre a evolução futura da economia a da solvabilidade de uma sociedade emissora de obrigações consoante o período de reembolso for mais ou menos longo e no caso eram 10 anos.

É certo que é sempre possível, como se disse, admitir como possível de acontecer, por não ser de todo impossível, que, «mesmo assim», a autora arriscaria.

Porém, além da remuneração ser apelativa, nenhum incentivo temos que pudesse levar a autora a adquirir tais obrigações, face ao capital utilizado de EUR 100.000,00, que era elevado e face ao desconhecimento em que se veria envolvida acerca da sociedade S (…) e sua solvabilidade ao fim de 10 anos, em 2016, ano previsto para o reembolso dos EUR 100.000,00.

Depois, não é de afastar a hipótese de existirem no mercado outros produtos com remuneração inferior, mas preferíveis, por envolverem menor risco, desde logo devido ao prazo de reembolso ser menor, como, por exemplo 3 ou 5 anos ou ser mesmo imediato.

Por isso, é de caraterizar como débil a hipótese da autora investir os EUR 100.000,00 como investiu se lhe tivesse sido colocado um cenário de risco, ainda que mínimo, mas existente, no reembolso e do B (…) não ser responsável pelo reembolso, principalmente devido ao prazo de reembolso ser de 10 anos e ao facto da autora já ter, seguramente, mais de 60 anos nessa data (2006).

Efetivamente, um prazo de 10 anos aumenta o risco de poderem ocorrer vicissitudes várias com a entidade emitente das obrigações e até o risco a que está sujeita a própria vida do investidor, que pode nesse lapso de tempo necessitar do capital investido e não o pode reaver.

Daí que a convicção de forme afirmativamente em relação a esta factualidade, que passará para os factos provados com o número «7-A».

A convicção a que se chegou quanto aos factos agora aditados implica que se eliminem os seguintes factos declarados não provados:

«c) Quando subscreveu a obrigação referida em 2 a autora desconhecia a Q (....) e não sabia que se tratava de uma empresa.

d) Se a autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações S (…) 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo B (…) não o autorizaria.

e) Nunca foi intenção da autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu».

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. A autora era cliente da ré (B(…)), na agência de x (....) , com a conta à ordem nº (…), onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.

2. Em 10 de abril de 2006, na Agência do B (…) das x (....) , a autora, através de J (…), subscreveu duas obrigações subordinadas S (…) 2006, no valor global de EUR 100.000,00, cujo boletim tem o seguinte conteúdo:

B (..)                                                                                                    S (…) 2006

                                                                                            Boletim de Subscrição

EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS

NATUREZA DA EMISSÃO

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos

investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas

MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO

€50.000,00 (1 obrigação)

PRAZO E REEMBOLSO

O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o

reembolso do capital efectuado em 9 de maio

de 2016. O reembolso antecipado da emissão

só é possível por iniciativa da Q (....) – (....) , SA, a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

REMUNERAÇÃO

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:



Cupões
Taxa Anual Nominal Bruta

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO

De 10 de abril a 05 de maio de 2006. O período de subscrição terminará antes de 5 de maio de 2006, caso as ordens de subscrição recebidas perfaçam o montante total da emissão.

DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA

08 de maio de 2006



1.º Semestre
4,5%*
9 cupões seguintes
Euribor 6 meses + 1,15%
Restantes Semestres
Euribor 6 meses + 1,50%



* Taxa Anual Efectiva líquida: 3, 632

IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR

(…) [em parte manuscrito]

ORDEM DE SUBSCRIÇÃO

(…) €100.000 (…)

ORDEM DE DÉBITO

(…) 

O Banco
O Subscritor/O Representante do Subscritor

(…)(…)

3. Os EUR 100.000,00 entregues na sequência da subscrição do documento referido em 2. não foram restituídos.

4. Antes de subscrever a obrigação referida em 2, o funcionário do banco disse a José Júlio que a obrigação era um produto a 10 anos, com juros semestrais, se necessitasse do dinheiro ficaria disponível, era um produto de capital garantido, era da dona do Banco e semelhante a um depósito a prazo.

5. No momento da subscrição da obrigação referida em 2, para os funcionários da Agência do B (…) das x (....) , a S (…) era a dona do B (…), sendo a obrigação subordinada S (…) 2006 um produto seguro, sem risco, com capital garantido e com possibilidade de transmissão.

6. A autora, antes da subscrição da obrigação referida em 2, era tida pelos funcionários do B (…) como uma investidora conservadora.

6-A. Ninguém explicou à Autora que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…), era diferente de aplicar dinheiro no B (…).

7. O que motivou a autorização da autora foi o facto de lhe ter sido dito pelos funcionários do Banco que o capital era garantido e o B (…) garantia o capital.

7-A. A autora nunca teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo B (…)

8. A autora atuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo.

9. Em data não apurada, os juros da obrigação referida em 2 deixaram de ser pagos.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) (eliminado).

b) O dito funcionário do Banco réu sabia que a autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

c) (eliminado).

d) (eliminado).

e) (eliminado).

f) Com a sua atuação o réu colocou a autora num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida, andando a autora em permanente estado de “stress”, doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossada das suas economias de uma vida e sem perspetivas de futuro.

b) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 – Vejamos se após a entrada em vigor do Dec-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, o Banco réu deveria ter regularizado as situações já existentes e celebrado os contratos de intermediação financeira, por escrito, e se esta omissão implica a nulidade dos contratos e a consequente restituição das quantias da autora utilizadas.

A resposta a esta questão é negativa.

Face aos factos provados (cfr. n.º 2) temos que a autora subscreveu duas obrigações subordinadas S (…) 2006, no valor global de EUR100.000,00 em 10 de abril de 2006, ou seja, num tempo em que não havia exigência de formalização por escrito dos contratos de intermediação financeira.

Por outro lado, o Decreto – Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, não obrigou à formalização dos contratos já celebrados em momento anterior ao da sua vigência.

Como não havia, à data, exigência de forma escrita, o contrato foi válido na mera forma oral e válido continuou.

Por conseguinte, tendo o alegado contrato sido celebrado (se é que existiu contrato, questão a tratar de seguida) na forma verbal e sendo esta forma válida à data, não ficou a padecer de falta de forma a posteriori, porque a lei não obrigou à formalização por escrito. 

Improcede, por conseguinte, esta argumentação.

2 – Vejamos se resulta dos factos provados que a autora não sabia que estava a celebrar um contrato de intermediação financeira, sendo o alegado contrato nulo por tal razão.

 A resposta é negativa, pelas seguintes razões:

Muito embora a matéria de facto seja exígua relativamente ao teor das conversas havidas entre banco B (…) e representante da autora, provou-se, porém, que «4. Antes de subscrever a obrigação referida em 2, o funcionário do banco disse a J (…) que a obrigação era um produto a 10 anos, com juros semestrais, se necessitasse do dinheiro ficaria disponível, era um produto de capital garantido, era da dona do Banco e semelhante a um depósito a prazo».

Provou-se que era um produto da dona do Banco.

Ora, se se provou que foi dito ao representante da autora que era um produto da dona do Banco, o representante da autora foi colocado em condições de formara ideia que o produto financeiro não era do próprio banco B (…) e que o banco B (…) estava a agir como agente de ligação entre uma entidade que era a «dona do banco» B(…) e a autora.

Assim, muito embora também tenha ficado provado que «6-A. Ninguém explicou à autora que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…) era diferente de aplicar dinheiro no B (…)», tal omissão não releva, porque não diminui a informação prestada de que o produto não era do B (…), mas da «dona do B(…)».

E como o cliente não foi informado sobre quem era a S (…) este também não podia formar a ideia de que a S (…) era a «dona do banco».

Conclui-se, por conseguinte, que não há fundamento para concluir pela falta de consciência por parte do representante da autora de que não existia outra parte naquele negócio e que o negócio era apenas entre a autora e o banco B (…)

Havendo uma outra parte o representante da autora tinha de concluir que o banco B (…) era um intermediário.

Improcede, pelo exposto, este fundamento recursivo.

3 – Vejamos agora os pressupostos da responsabilidade civil emergente do contrato de intermediação financeira.

Cumpre verificar se se verifica ou não o requisito da «ilicitude» consubstanciado no facto de resultar dos pontos 4, 6, 7 e 8 dos factos provados que a Autora tinha um perfil conservador; estava convencida que se tratava de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, o que era falso, com capital garantido e rentabilidade assegurada; e que foi o facto de lhe ter sido dito que o capital era garantido, o que era falso, que motivou a sua autorização.

A ilicitude «…consiste na infracção de um dever jurídico» ([3]). Traduz-se na desconformidade da ação ou da omissão levadas a cabo pelo sujeito em relação a deveres legais para cuja infração a lei prevê uma sanção, assim se distinguindo estas situações daquelas em que a lei impõe ónus jurídicos, como nos casos em que impõe formalidades para a celebração dos negócios jurídicos, sob pena de nulidade dos mesmos.

Vejamos então se o banco B(…) violou deveres de informação a que estava obrigado para com a autora ([4]).

À data da subscrição, o artigo 312.º do CVM, determinava o seguinte:

«1.O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral».

Cumpre pois verificar se, no caso concreto, o B (…), através dos seus funcionários, infringiu algum dever de informação que devesse ter prestado ao representante da autora e não prestou ou prestou de modo insuficiente.

Cumpre ponderar que tipo de avaliação se poderá fazer quanto ao desempenho informativo do B (…).

Adiantando já a conclusão, afigura-se que a avaliação é negativa porque a respetiva performance informativa não promoveu o esclarecimento do cliente, antes o despromoveu, isto é, em vez de esclarecer o cliente, promoveu a sua ignorância.

O que se passou constituiu uma atuação oposta à realização dos deveres consignados, à data, no artigo 312.º do CVM, norma que que impunha ao intermediário financeiro a prestação de todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abrangesse os serviços a prestar.

Vejamos.

Face aos factos provados, a informação relevante prestado pelo B (…) ao representante da autora foi esta:

«6. A autora, antes da subscrição da obrigação referida em 2, era tida pelos funcionários do B (…) como uma investidora conservadora».

«4. Antes de subscrever a obrigação referida em 2, o funcionário do banco disse a José Júlio que a obrigação era um produto a 10 anos, com juros semestrais, se necessitasse do dinheiro ficaria disponível, era um produto de capital garantido, era da dona do Banco e semelhante a um depósito a prazo».

«6-A. Ninguém explicou à Autora que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em Q (....) , era diferente de aplicar dinheiro no B (…)».

Remete-se para o que ficou dito atrás em «a) Impugnação da matéria de facto», na parte «III. Fundamentação», sobre a informação básica que o B (…) devia ter prestado e não prestou à autora, isto é:

Resultou dos depoimentos prestados que durante as conversações entre funcionário bancário e cliente não foi explicado ao representante da autora que B (…) e S (…) eram entidades/pessoas jurídicas distintas; que a S (…) era a «dona» do banco B(…) e que a autora estava a investir numa entidade diferente do B(…).

Tais questões não eram faladas e nem se colocavam.

Era espectável para um cliente do B(…), que adquiriu um produto financeiro ao balcão do B (…) que caso o produto fosse alheio ao B(…), propriedade de um terceiro, o funcionário do B(…)tivesse dito que não se tratava de um produto do B(…), mas sim da entidade «A» ou «B», que identificaria.

Não existiu informação no sentido de que a entidade titular do produto comercializado era a S(…).

Por isso, na ausência de qualquer informação sobre a entidade titular do produto (emitente das obrigações), no caso a sociedade S(…), o representante da autora formaria a convicção de que estava a adquirir um produto do banco B(…) e como tal adquiriria a crença de que «…o Banco B(…) era responsável pela garantia do capital».

E o facto de lhe ter sido dito que o produto era da «dona do B(…», tal não permite concluir que seria suficiente para alterar a crença do representante da autora no sentido de que não estava a adquirir um produto do banco B(…), pois tudo era B(…), a «dona» e o banco.

A omissão da informação clara no sentido do banco B(…) não ter qualquer responsabilidade no reembolso do capital assumiu gravidade.

Com efeito, se a autora soubesse que o banco B(…) não ficava responsável pelo reembolso do capital, iria perguntar ao funcionário do banco quem era afinal a entidade que mais tarde restituiria o capital.

Isto porque estando em causa um capital de EUR 100.000,00 e não constando que a autora fosse, digamos «milionária», ela importar-se-ia com a segurança do seu dinheiro e perguntaria o que entendesse para compreender os riscos que corria no investimento.

Nesta hipótese, o funcionário teria de responder a esta pergunta, sob pena da autora não investir, porque se o funcionário não respondesse geraria uma desconfiança que inviabilizaria a decisão de adquirir o produto.

O funcionário ao responder que a entidade emitente era a sociedade S (…) e era esta que garantia no final dos 10 anos a devolução do dinheiro, levaria a autora a perguntar quem era a sociedade S(…) e quais eram as garantias que dava do bom cumprimento no final do prazo, que era longo.

O funcionário responderia que a sociedade S(…) era a dona da totalidade do capital do B (…) e quanto às garantias de bom cumprimento por parte da S(…), o funcionário teria de lhe explicar o que era a S(…)e também, se soubesse, em que negócios estava envolvida a S(…), que património (ativo e passivo) tinha além do B (…), etc.

Aqui, o funcionário iria talvez afirmar que a S(…) era de confiança, como não podia deixar de dizer, sob pena da colocação das obrigações ser um fracasso naquela agência, mas o funcionário teria de admitir que dava respostas vagas, que não estava a par da atividade comercial da S(…), porque não era funcionário da S(…) e o desempenho da sua atividade profissional era levado a cabo à margem da atividade da S/(…).

Esta postura do funcionário geraria com alta probabilidade na autora a ideia de que ele não estava apto a emitir um parecer digno de confiança, de alguém que sabe porque efetivamente conhece aquilo de que fala.

Perante este desconhecimento do funcionário, a autora certamente não arriscaria investir EUR 100.000,00, pelos seguintes motivos:

(I) O funcionário não mostrava conhecer com algum pormenor os negócios da Q (....) e respetivo património, para além de saber que a Q (....) era dona do banco W (....) ;

(II) Por isso, também não podia saber quais eram as probabilidades do bom pagamento do capital investido ao fim de 10 anos.

É certo que à data ainda não tinha surgido o fenómeno da insolvência dos bancos, mas a sociedade em causa não era um banco e os seus negócios, se os tinha, podiam correr bem ou mal e, por isso, na mente da autora não podia deixar de pairar a ideia de risco naquele investimento, pois a qualquer altura o banco também poderia sair da órbita patrimonial da S (…).

Principalmente tratando-se de EUR 100.000,00 e por um período de 10 anos, que é longo face às rápidas mudanças do mundo contemporâneo.

No caso concreto, esta representação simples do diálogo que fica exposta, poderia ter existido entre funcionário do banco e cliente, por ser perfeitamente viável e representar o quadro básico informativo que devia ter ocorrido, mas não ocorreu no caso concreto.

Não se sabe, no caso, se o B (…) ofereceu o produto à autora chamando-a para ir ao banco conversar, situação que seria até mais grave, mas estando em causa um investimento de EUR 100,000,00, num produto que era constituído por obrigações reembolsáveis ao fim de 10 anos, e subordinadas, o funcionário do banco tinha de prestar ao cliente todas as informações necessárias a ele poder formar uma ideia dos riscos que corria, se algum corria, ao adquirir aquele produto.

O funcionário do B (…) tinha de informar o representante da autora sobre o significado de obrigações «subordinadas», o que passava por lhe dizer que em caso de insolvência futura da sociedade S(..), a autora só seria paga depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados, como resultava do disposto na al. c) do artigo 48.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (D.L. n.º 53/2004, de 18 de Março), onde se determinava e se determina, que se consideram subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, «c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes».

Ora, quando o funcionário falasse em eventual «insolvência» da Q (....) , o representante da autora seria logo alertado para a possibilidade, ainda que lhe fosse garantido tratar-se de uma hipótese remota, praticamente inexistente, ficava alertado, dizia-se, para um risco que podia ocorrer, que não podia ser excluído, nos próximos 10 anos.

Como se disse, este seria um quadro de informações básicas que teria de ser fornecido ao cliente e não foi.

Como se concluiu acima na impugnação da matéria de facto, se a autora soubesse que havia algum risco de não reembolso do capital, não tinha feito o investimento em questão nos autos, pois não tinha, como se disse, necessidade de correr riscos, ainda que improváveis nessa altura, mas não de todo improváveis no futuro que é sempre incerto, principalmente quando se prolonga por um período de 10 anos.

E se a autora soubesse que o B (…) não ficava responsável pelo reembolso iria informar-se sobre quem era o responsável e verificaria que o B(…) não era responsável, mas sim uma entidade denominada S(…).

E, como já se disse acima, a autora iria querer saber quem era a S(…) e se os funcionários cumprissem os seus deveres teriam de dizer à autora que a S(…) era a «dona» do B(…); que a S(…) era a responsável pelo pagamento das obrigações; que só podia reaver o dinheiro ao fim de 10 anos, salvo se aparecesse algum outro cliente que quisesse suceder à autora na sua posição contratual, isto é, que a liquidação das obrigações dependia do aparecimento de outro cliente interessado em adquiri-las; que não sabiam especificar, com certeza, que património global tinha a S (…) os negócios em que estava envolvida e riscos de corriam tais negócios; que havia sempre o risco da sociedade emitente de obrigações não as conseguir pagar no prazo previsto para o reembolso, sendo mais difícil a previsão sobre a evolução futura da economia a da solvabilidade de uma sociedade emissora de obrigações consoante o período de reembolso for mais ou menos longo e no caso eram 10 anos.

De tudo o que fica dito, mais detalhadamente na parte relativa à impugnação da matéria de facto, emerge uma atuação do banco B (…) lesiva dos deveres de informação que recaíam sobre si.

Verificando mais de perto.

Vejamos se foi transmitida alguma informação não correspondente à realidade.

Neste aspeto temos:

«se necessitasse do dinheiro ficaria disponível»;

«era um produto semelhante a um depósito a prazo».

Temos ainda uma afirmação propícia a gerar equívocos:

«era um produto de capital garantido».

A informação «se necessitasse do dinheiro ficaria disponível» não correspondia à realidade porque o investimento era/foi feito em obrigações e só era possível reaver o dinheiro investido se aparecesse alguém, um outro investidor, a adquiri-las.

Por conseguinte, a informação em questão não podia ter sido dada porque gerava na mente do cliente uma falsa representação da realidade, ou seja, o cliente passava a acreditar que quando quisesse ia ao B(…) e levantava o dinheiro, como sucede num depósito a prazo.

Por conseguinte, como já acima se referiu, o comportamento dos funcionários do B (…) na matéria agora em análise, tinha de ser semelhante a este:

 «Sr. F…. este produto é uma obrigação emitida pela S (…) que é a sociedade titular do capital social do B (…). Isto significa que os EUR 50.000,00 investidos em cada obrigação são transferidos para a S (…) pelo período de 10 anos, pagando-lhe esta entidade os juros já mencionados. No final deste período de 10 anos é-lhe restituído o dinheiro pela S(…). Se porventura o senhor quiser reaver o dinheiro antes dos 10 anos tal só é possível se aparecer algum investidor interessado na sua aquisição e pelo preço que este estiver interessado em despender».

Este comportamento informativo não só foi omitido pelo B (…), como foi substituído por outro de sinal contrário, isto é, foi dito, contrariando a realidade, que em caso de necessidade o dinheiro estava acessível e o investimento era semelhante a um depósito a prazo.

Afirmação: «era um produto semelhante a um depósito a prazo».

Pelas razões acabadas de referir esta informação não correspondia à realidade e gerava na mente do cliente uma representação falsa da realidade.

E tão deformadora da realidade que era adequada a determinar o cliente a contratar, pois criava a ideia de que não havia qualquer risco e se fosse necessário o dinheiro era imediatamente resgatado.

A afirmação «era um produto de capital garantido».

Esta informação não correspondia à realidade.

Como já se disse acima, se os funcionários do B(…) tivessem informado, como era seu dever, quem era a entidade emitente das obrigações o representante da autora iria querer saber mais informações acerca da S(…) e se os funcionários cumprissem os seus deveres teriam de dizer que a S(…)era a «dona» do B (…); que a S(…) era a responsável pelo pagamento das obrigações ao fim de 10 anos e não o B(…); que não sabiam especificar com boa certeza que património global tinha a S(…), os negócios em que estava envolvida e riscos de corriam tais negócios.

É certo que os funcionários do B(…) diriam que a S(…) era uma entidade financeiramente sólida (caso contrário não conseguiriam angariar investidores), segura, que não eram previsíveis riscos além dos riscos que há sempre na circunstância de uma sociedade emitente de obrigações não as pagar no prazo previsto para o reembolso, sendo mais difícil a previsão sobre a evolução futura da economia a da solvabilidade de uma sociedade emissora de obrigações consoante o período de reembolso for mais ou menos longo e no caso eram 10 anos.

Por conseguinte, a garantia dada não era mais que a garantia resultante do património do devedor, ou seja, não era uma garantia ad hoc, e não se tratava de modo algum de um investimento «semelhante a um depósito a prazo».

Conclui-se, por conseguinte, que o B (…) omitiu informações necessárias a formar a decisão de contratar que deveria ter prestado e não prestou, agindo em contradição com os deveres previstos no artigo 312.º do CVM.

Concluir assim é concluir pela licitude da atuação do banco B (…).

5 – Vejamos se recaía sobre o banco o ónus da prova de que a Autora sempre investiria no produto em causa, isto é, nas obrigações S (…)

Afigura-se que esta questão respeita ao nexo de causalidade entre a atuação do banco e a decisão da autora adquirir as duas obrigações da empresa S (…)

Tal ónus recai sobre a autora porque faz parte dos pressupostos da obrigação de indemnizar, portanto, dos factos constitutivos do direito.

Esta questão será tratada de seguida.

6 – Vejamos, por fim, se os factos provados justificam a existência de um dano patrimonial e também de um dano não patrimonial grave e que, por isso, merece a tutela do direito.

Os factos provados não revelam a existência de um dano não patrimonial ([5]), pelo que improcede a pretensão a tal título.

Quanto a danos patrimoniais.

É facto público que a empresa S (…) foi declarada insolvente, o que significa impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas (artigo 3.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

A sequência cronológica dos factos foi esta:

1.º - Omissão de informações e prestação de informações não correspondentes com a realidade, por parte do B (…), as quais, umas e outras, determinaram a decisão da autora contratar, mas ignorando que estava a contratar com a S(…) e quem era esta entidade.

2.º - Aquisição pela autora, por atuação do B (…), como acabou de ser referido, de obrigações subordinadas da sociedade S(…), com um prazo de reembolso de 10 anos, sendo inerente a estas obrigações o risco de no final do período previsto para o reembolso, não serem pagas, no todo ou em parte.

3.º - Insolvência da S(…).

4.º Não reembolso das obrigações adquiridas pela Autora (dano).

A responsabilidade civil do intermediário financeiro, estava prevista no artigo 314.º do CVM, nestes termos:

«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

No caso já se concluiu que o B (…) violou os deveres de informação que lhe eram impostos e a violação destes deveres implicou que a autora tivesse formado a decisão de investir.

A culpa é-lhe imputável (ao B(…)), pois trata-se de omissão de deveres que facilmente poderiam ter sido cumpridos.

Seja como for, a culpa presume-se, nos termos do n.º 2 deste artigo, porque a decisão de investir que levou à perda dos EUR 100.000,00 (dano) resultou da postura omissiva do banco B(…).

Quanto ao nexo de causalidade.

A doutrina e a jurisprudência nacionais sustentam que o artigo 563.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada, segundo a qual cumpre eleger de entre todas as condições que produziram o dano apenas aquela ou aquelas que se apresentam como normais tendo em vista a produção do dano, de harmonia com as regras de experiência da vida.

Dentro desta conceção há uma formulação dita positiva (mais restrita) no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente); e uma fórmula negativa (mais ampla) para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se teria produzido por circunstâncias anómalas ou excecionais (não conhecidas do agente). Por esta última formulação no que respeita a factos ilícitos e culposos, opta doutrina da mais representativa ([6]).

O que é que causou o dano e onde se encontra o nexo de causalidade?

Dir-se-á que o dano sofrido pelo Autor é causado pela insolvência da sociedade S(…) e não pela omissão de informações e prestações de informação erradas por parte do B(…).

Porém, não foi apenas a insolvência da S(…) que causou o dano, porque esta insolvência seria inócua em relação à autora se esta não tivesse adquirido as obrigações da S(…).

Por isso, o dano tem uma génese e verifica-se que tem o seu início, a sua primeira condição, na tomada da decisão da autora acerca da aquisição das obrigações.

Afigura-se, pois, que os quatro factos acima referidos estão interligados e que o nexo de causalidade entre o comportamento negocial do B (…) e o dano padecido pela autora existe e é preenchido deste modo:

Ao celebrar-se um contrato que incorpora um risco, no caso, o risco de poder não existir reembolso total ou parcial do capital no final do prazo previsto para o reembolso das obrigações, esse risco faz parte da realidade contratual, pelo que se abrem sempre duas hipóteses para futuro, que consistem, logicamente, (I) uma, em não se verificar (concretizar) o risco e, (II) outra, em ele ocorrer.

O risco existe sempre, assim como a possibilidade de não o querer correr, não adquirindo, neste caso, o produto financeiro.

Por isso, se o risco vem a concretizar-se no futuro, não se pode afirmar que o risco não esteve sempre presente e que o dano contemplado no risco não era um dano provável inerente à celebração do contrato.

E não se pode afirmar isso porque o risco esteve sempre presente desde o início porque fazia parte da realidade contratual e, sendo assim, ao celebrar-se o contrato estava a assumir-se, logo cá atrás, temporalmente falando, o eventual dano futuro inerente à ocorrência do risco.

Por isso, este risco de dano não pode ser excluído da relação de causalidade adequada.

Ou seja, quando se adquirem obrigações de uma empresa com um prazo de reembolso de 10 anos, como no caso dos autos, o adquirente tem de contar, por ser uma situação possível no futuro, com a hipótese da empresa emitente das obrigações não as reembolsar por estar insolvente ou por qualquer outra razão apropriada.

O risco pode não se concretizar, mas se ele se concretizar não se pode dizer que era afinal imprevisível e que a aquisição das obrigações era uma situação indiferente ou inadequada à produção do dano resultante do seu não reembolso.

Assim, há nexo de causalidade adequada (artigo 563.º do CC) entre, por um lado, a omissão de informações ou a prestação de informações em desconformidade com a realidade, quando estas determinaram a autora a celebrar um contrato cuja contraprestação, com ignorância sua, comportava um risco de incumprimento, e, por outro lado, o dano que consistiu, mais tarde, na concretização desse risco de incumprimento, que na altura da formação do contrato era hipotético, como ocorre sempre que algo, se se verificar, só se verificará no futuro.

Aliás, provou-se, pelas razões que ficaram indicadas acima, que «7-A. A autora nunca teria adquirido as obrigações se soubesse em concreto que havia risco de reembolso do capital e que este não era garantido pelo B(…)».

Por outro lado, como se referiu no acórdão do S.T.J. de 17 de Março de 2016, «A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade.

Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236.º n.º 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)”» ([7]).

Conclui-se, por conseguinte, que se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar.

Relativamente à indemnização.

A autora pede uma indemnização de EUR 115.000,00, composta pelos EUR 100.000,00 de capital e o restante de juros vencidos e ainda os juros vencidos desde a citação até efetivo pagamento, mais EUR 5.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais.

Quanto à indemnização por danos não patrimoniais a mesma improcede, como já foi dito, porquanto não se provaram factos que a suportem.

Relativamente ao capital de EUR 100.000,00, o mesmo é devido pois representa o valor do dano sofrido que foi a perda dos EUR 100.000,00 investidos em obrigações da S(…).

Por fim, são devidos os juros legais – previstos no artigo 559.º do Código Civil – por força do disposto no n.º 1 do artigo 805.º do mesmo código, onde se dispõe que o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e artigo 806.º, n.º 1 e 2, ainda do mesmo código, onde se determina que «1 - Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2 - Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal».

O dia da mora coincide com o dia em o capital devia ter sido reembolsado, isto é, 9 de maio de 2016 (ver facto provado 2).

Procede, pois, em parte a ação, cumprindo revogar em parte a sentença recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condena-se o réu Banco B (…), S.A, a pagar aos Autores a quantia de cem mil euros (EUR 100.000,00) e juros de mora legais desde o dia 9 de maio de 2016 até integral pagamento.

b) Mantém-se no restante a sentença recorrida.

c) Custas pelo Réu e Autora na proporção do vencimento e decaimento.


*

Coimbra, 12 de fevereiro de 2019

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luísa Cravo



[1] «Crença», no sentido de conhecimento acerca do modo de funcionamento da realidade quotidiana, desde as relações de causalidade que governam a natureza física às relações de caráter teleológico que se estabelecem entre as pessoas.
[2] A testemunha ter-se-á referido à idade da autora à data em que estava a depor.

[3] Almeida Costa. Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 368.
[4] Quando se aludir doravante a autora quer-se dizer representante da autora, pois como resulta do referido até aqui não foi a autora em pessoa que celebrou o negócio, mas sim a testemunha José Júlio.
[5] O facto não provado relativo a danos não patrimoniais não foi impugnado.

[6] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, 1955, pág. 20, nota 21; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 1991, pág. 885 e segs.; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. I, 1990, págs. 500 e segs.

Nas palavras do Prof. Almeida Costa «Parece aconselhável, no entanto, uma formulação mais ampla da doutrina da causalidade adequada para a responsabilidade por factos ilícitos culposos, contratuais ou extracontratuais, do que relativamente à responsabilidade por intervenções lícitas. Assim, deverá entender-se, no primeiro domínio, que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais; ao invés, na área da responsabilidade indicada em segundo lugar (intervenções lícitas), deixará de haver essa adequação abstracta quando o dano cair fora das consequências normais típicas do facto» - Direito das Obrigações, 4.ª edição. Coimbra Editora, 1984, pág. 519.


[7] Proferido no proc. n.º 70/13.1TBSEI. C1 (Maria Clara Sottomayor), consultável em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, os acórdãos do TRC de 12-09-2017 no processo 986/16.3T8GRD.C1 (Luís Cravo), de 16-01-2018 no processo n.º 3906/16.1T8VIS.C1 (Fonte Ramos) e de 23-01-2018 no proc. 4327/16.1T8VIS.C1 (Fernando Monteiro), todos consultáveis em www.dgsi.pt.