Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1358/15.2T9CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
PROCEDIMENTO
INCUMPRIMENTO
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRESTAÇÃO
ALIMENTOS
DEDUÇÃO
QUANTIA DEVIDA
SALÁRIO
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 348.º, N.º 1, AL. B), DO CP; ART. 189.º DA OTM (ACTUALMENTE, ART. 48.º DO REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL)
Sumário: Incorre no crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do CP, verificados que estejam os demais elementos típicos, o agente – simultaneamente devedor de alimentos a menor, credor de ordenado e representante legal da sociedade comercial a quem presta serviço – que, no âmbito de procedimento de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais previsto no artigo 189.º da OTM (hoje, art. 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), expressamente advertido para proceder ao desconto mensal de certa quantia monetária por si auferida como trabalhador do referido ente colectivo, e entregá-la a quem era devida, com comprovação nos autos respectivos, sob pena de, não o fazendo, incorrer, além do mais, na prática daquele ilícito penal, ainda assim, não acatou a dita ordem.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A decisão proferida em 29 de Abril de 2016 condenou o arguido em multa de 2,5UCS, por falta injustificada à audiência de discussão e julgamento, para a qual se encontrava devidamente notificado.

2. Por sentença datada de 5 de Maio de 2016, foi o arguido, A.... , melhor identificado nos autos, condenado pela prática, como autor material, de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7,50€.

3. Inconformado com as condenações, delas recorre o arguido formulando as seguintes conclusões:

1. No caso dos autos a falta do arguido foi tempestiva e devidamente justificada, porquanto se encontra demonstrada a imprevisibilidade da mesma, pelo que o facto da sua ausência na leitura de sentença no dia 29 de Abril de 2014 não foi um acto voluntário, nem consciente, nem premeditado e consequentemente não lhe pode ser imputável.

2. Se a doença é crónica que pode implicar espaçadamente ou não crises, não havia hipóteses de o arguido vir aos autos justificar a sua ausência com 5 dias de antecedência, uma vez que não era previsível, cumprindo, assim, o nº 2, do artigo 117º, do Código de Processo Penal.

3. Deve, pois ser revogada a condenação em multa aplicada ao arguido.

4. A douta decisão recorrida, não fez a correta interpretação dos factos e a adequada aplicação do Direito, pelo que o Recorrente está convicto de que Vossas Excelências, reapreciando a situação factual e subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão ora recorrida, ordenando a sua substituição por outra que corrija a pena concretamente aplicada, e reponha a justiça;

5. Com o devido respeito, entende o Arguido que o Tribunal a quo valorou de forma errada a prova produzida em sede de julgamento, o que impõe necessariamente a sua reformulação;

6. Assim, em estrita obediência à forma processualmente exigida para a impugnação da matéria de facto, e de modo a facultar aos Venerandos Desembargadores os meios necessários à formação da sua própria convicção, o Recorrente discriminou detalhadamente quais os factos que considera terem sido incorretamente julgados, fazendo referência aos concretos elementos probatórios que impõem um julgamento diverso;

7. Na verdade, o tribunal a quo desconsiderou injustificadamente o teor de toda a prova testemunhal produzida em julgamento, bem como ignorou ostensivamente toda a prova documental que inequivocamente foi produzida no sentido de provar que o arguido agiu na convicção de que a notificação efetuada sob cominação se tratava de um lapso de repetição do Tribunal de Família e Menores, sendo que julga já ter dado a devida resposta a tal notificação;

8. O Tribunal a quo lavra em clamoroso erro lógico que reside na circunstância (aparentemente simplista) de entender não poder dar como provado que o arguido respondeu a todas as notificações do Tribunal de Família e Menores, não obstante o próprio Tribunal ter criado confusão entre o que era o processo principal e os seus apensos;

9. Razão pela qual o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos relevantes:
Facto n.º 7:

10. “O arguido não efetivou o desconto ordenado, tendo no entanto respondido ao Tribunal, a 23 de dezembro de 2014, informando que o visado era funcionário dos quadros da empresa e que auferia, à data, o salário mínimo nacional.
Facto n.º 8:

11. “O arguido, agindo de acordo com indicações que lhe haviam sido transmitidas pelo seu mandatário, optou por não responder à notificação do Tribunal, na convicção da mesma se tratar de um lapso do Tribunal (repetição), uma vez que julgava já ter dado resposta à mesma em 23 de dezembro de 2014.”

12. Como se alcança, a aplicação do direito efetuada na sentença recorrida assenta sobre pressupostos errados, que não se adequam à prova produzida em audiência, o que conduz necessariamente à distorção das premissas factuais que vieram a merecer acolhimento, e sobre as quais naturalmente incidiu uma desadequada aplicação do direito, que assim se repudia;

13. Desde logo, o Arguido nunca foi notificado pelo Tribunal de Família e Menores de Coimbra a título pessoal, mas sim enquanto legal representante da sociedade “D.... Lda.”;

14. Pelo que, a considerar-se haver desobediência (que não há) sempre teria que ser a pessoa coletiva a ser incriminada, e não o Arguido a título pessoal, tudo nos termos expressamente previstos no artigo 11.º n.º 2 do Código Penal;

15. Razão pela qual o arguido, isoladamente, não tem qualquer responsabilidade pessoal nos factos descritos na acusação, pelo que deveria ter sido liminarmente absolvido do crime de que vem acusado;

16. Mas mesmo que assim não se entenda,

17. O Arguido, na sua convicção fundamentada (uma vez que suportada no parecer técnico do causídico que lhe prestava apoio jurídico), considerava que os requerimentos apresentados máxime o requerimento efetuado pela D... , Lda. a 23 de dezembro de 2014, davam cabal resposta às notificações provenientes dos mencionados autos, respeitantes à penhora de salário, do qual a concreta notificação que deu origem aos presentes autos, constituía mera repetição;

18. Assim, face ao descrito supra, entendemos inexistir qualquer situação que possa configurar dolo do Arguido, na medida em que este representou como cumprida a obrigação de resposta aos comandos legais mobilizados;

19. No máximo, seria discutível a eventual negligência do Arguido, que, caso tivesse formação jurídica, ou prática com a lide dos Tribunais, sempre poderia ter repetido novamente a resposta já dada, por cautela;

20. No entanto tal jamais poderia preencher o elemento subjetivo do ilícito típico do crime de desobediência.

21. De facto, não nos parece ser de censurar a atuação do Arguido que se fundou no parecer direto do causídico que o acompanhava e que referiu, sem margem para dúvidas, que o Arguido não tinha que responder à notificação porquanto a mesma se trataria certamente de lapso do Tribunal;

22. Pelo que jamais poderá considerar-se que o Arguido teve como intenção direta e intencional desobedecer à ordem formulada, pelo que deverá ser absolvido do crime de que vem acusado.

3. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do Recorrente, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.

4. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto secunda a posição do Ministério Público em primeira instância.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II. AS DECISÕES RECORRIDAS

1. Despacho interlocutório
Para apreciação da questão suscitada no recurso interlocutório, relevam os seguintes actos processuais:
Em 14 de Abril de 2016 (primeira sessão de audiência de julgamento), o arguido e o seu ilustre defensor foram notificados, pessoalmente, para comparecerem na leitura de sentença designada para o dia 29 de Abril do mesmo ano (data acordada com o ilustre defensor do arguido).
Em 29 de Abril de 2016, pelas 14:47M, declarada reaberta a audiência, a ilustre defensora oficiosa presente, com substabelecimento que, no momento, foi junto aos autos, no uso da palavra que lhe foi concedida, disse:
«Face à ausência do arguido A... (…) e por impedimento do mesmo estar presente na leitura de sentença ao dia 29 de Abril, às 14:30 horas, venho por este meio solicitar e requerer a dispensa do arguido na presente leitura de sentença».
Sobre este requerimento, foi proferido o seguinte despacho:
«O arguido encontra-se regularmente notificado para a presente sessão de audiência de julgamento, respeitante à leitura da sentença.
Não se descobre, salvo o devido respeito por contrário entendimento, qualquer fundamento para a pretendida “dispensa”.
Acresce que tratando-se de impossibilidade de comparência, deveria, nos termos do artigo 117º, nº 2, do C.P.P. ser indicado (sob pena de não justificação de falta) o concreto motivo, o local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração provável do impedimento, o que não sucede.
Pelo exposto, indefiro a requerida “dispensa” e, considerando a falta do arguido, visto o preceituado nos artºs. 116º, nº 1 e 117º, nº 2, do C.P.P. condeno o mesmo na multa processual de 2,5UC».
Em 3 de Maio de 2016, o arguido requereu a justificação da falta à audiência de 29 de Abril de 2016, com fundamento na necessidade urgente de procurar auxílio médico junto do Centro de saúde (...) , por ter sido assolado de doença crónica de que padece, o que constitui um motivo naturalmente imprevisível, não tendo sido possível comunicá-lo ao tribunal no mesmo dia.
 Juntou aos autos documento emitido pelo Centro de Saúde onde consta que o arguido ali compareceu no dia 29 de Abril, das 14H às 18:30, para marcar e ir a consulta.
Este requerimento foi indeferido pelo Senhor Juiz a quo com os seguintes argumentos:
 «Da comunicação efectuada na pretérita sessão de audiência de julgamento não foi dado pontual cumprimento ao disposto no artigo 117º, nº 2, do C.P.P, não indicando o arguido o concreto motivo, local onde pudesse ser encontrado, nem a duração previsível do impedimento.
Por outro lado, o documento ora junto alude a uma marcação de consulta e ida a consulta, não demonstrando que se trata de uma situação de urgência.
Por último, sobre a pretendida justificação da falta já o tribunal, na pretérita sessão se pronunciou, considerando a falta injustificada e condenando o arguido em multa processual.
Pelo exposto, indefiro o ora requerido quanto à pretendida justificação da falta e ao “dar sem efeito” a condenação em multa».

2. Sentença

A primeira instância deu como provados os seguintes factos:

«1 – Correm os seus termos sob o n.º 678/12.2TMCBR no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Instância Central – Secção de Família e Menores, autos atinentes ao incumprimento de responsabilidades parentais;

2 – Nesses autos, foi o arguido notificado, por ordem da M.ma Juíza titular, em 26 de Junho de 2014, na qualidade de representante legal da sociedade denominada D... L.da, para proceder ao desconto mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), no seu vencimento;

3 – Tal montante deveria ser mensalmente enviado à ali requerente B..., para a conta com o NIB (...) , a título de pensão de alimentos;

4 – Aquando da predita notificação, foi o arguido advertido de que deveria declarar nos autos supra referidos, no prazo de 10 (dez) dias, a data de início dos descontos referidos, impendendo ainda sobre o mesmo a obrigação de fazer prova nos autos da entrega à requerente do primeiro desconto efectuado;

5 – No dia 29 de Janeiro de 2015, nos supra aludidos autos, por ordem da M.ma Juíza titular, foi o arguido pessoalmente notificado para, em 5 (cinco) dias, comprovar nos autos referidos a efectivação dos descontos anteriormente ordenados, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa e de incorrer na prática de um crime de desobediência;

6 – De tudo o arguido ficou ciente;

7 – O arguido não efectivou o desconto ordenado, nem justificou o facto de não ter procedido ao aludido desconto e posterior entrega;

8 – Agiu o arguido livre e conscientemente, com o propósito de não cumprir o comando ínsito na intimação a que se aludiu, que sabia emanar de autoridade com competência para tanto e no âmbito das suas funções, sabendo que praticava acto proibido e punido por lei penal;

9 – O arguido não tem inscrito no seu registo criminal nenhuma condenação;

10 – O arguido é divorciado, vivendo na companhia da sua mãe, em casa à mesma pertencente, e de um filho com 11 anos de idade;

11 – Tem a profissão de administrador de empresas, dedicando-se à gerência de uma sociedade que tem 3 trabalhadores ao seu serviço, com salários entre os € 600,00 e o SMN, e sem salários em atraso;

12 – Não tem recebido retribuição pela gerência desta sociedade, por decisão sua, justificada pelo propósito de assegurar a laboração da sociedade;

13 – Tem um outro filho, com 22 anos de idade, que vive com a respectiva mãe.

14 – No apenso B dos autos com o n.º 678/12.2TMCBR consta requerimento da sociedade D... , L.da, datado de 23/12/2014, onde consta “temos a informar que A... é funcionário dos quadros da empresa auferindo, no presente, o ordenado mínimo nacional”;

15 – Com data de 22/01/2015, consta, dos mesmos autos, requerimento elaborado pelo ilustre mandatário do ali executado, A... , cuja cópia consta de fls. 125 e 126 e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido, onde peticiona “a suspensão ou isenção da penhora”.

B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem factos não provados.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

C) DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

Os factos dados como provados foram assim considerados tendo em atenção a prova produzida e analisada em audiência de julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do tribunal (art.ºs 127.º e 355.º do Cód. de Proc. Penal).

Designadamente:

A certidão extraída dos autos que correm os seus termos sob o n.º 678/12.2TMCBR no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Instância Central – Secção de Família e Menores, a fls. 2 e ss., relevou no que tange ao âmbito, circunstancialismo, conteúdo da ordem e tomada de conhecimento da mesma pelo arguido, sendo certo, ademais, que o mesmo, prestando declarações em audiência de julgamento, o confirmou.

Relativamente aos requerimentos apresentados no “apenso B” e seus conteúdos, o Tribunal atendeu à certidão junta, contendo cópias das pertinentes peças processuais.

A não efectivação do desconto ordenado, nem a justificação do facto de não ter procedido ao aludido desconto e posterior entrega, decorre, outrossim, da supra aludida certidão e das declarações do próprio arguido, que o confirmou.

A testemunha B... ., ex-mulher do arguido, corroborou o circunstancialismo atinente aos descontos, bem como a sua não concretização.

No que respeita à subjectividade presente no arguido, não se vislumbra, dos factos objectivamente demonstrados, outro propósito que não um comportamento deliberado e concomitante incumprimento da ordem, acrescendo que as consequências penais lhe haviam sido comunicadas, não as podendo, pois, o arguido desconhecer.

Com efeito, pese embora o arguido procurasse justificar o seu comportamento com o facto de ter contactado o ilustre causídico que o representava no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais e seus apensos e de o mesmo ter dito que se trataria de um erro, ficando de resolver a situação, certo é que os requerimentos datados de 23/12/2014 e de 22/01/2015 se reportam a uma acção executiva que constitui apenso diverso daquele de incumprimento das responsabilidades parentais, e a testemunha E...., advogado que patrocinava o arguido enquanto um dos pais nesses autos (não enquanto sócio e gerente da sociedade D... L.da), foi peremptória em afirmar não se recordar de ter visto a notificação em causa e aludiu sempre a pedidos de isenção de penhora (reportando-se, portanto, ao apenso executivo e não àquele de incumprimento).

Acresce que o arguido, simultaneamente, pai da criança e sócio e gerente da sociedade D... L.da, conforme salientado pela testemunha B... , jamais procedeu a qualquer pagamento da devida pensão de alimentos, o que, de algum modo, foi confirmado pelo depoimento de E... , quando disse que os pagamentos que fez terão sido em numerário, não tendo forma de o provar.

Do que, somado à persistência no silêncio perante as duas notificações nos autos de incumprimento e à insistência no âmbito da acção executiva, sublinhando, aí, o pagamento do valor do salário mínimo nacional e o pedido de isenção da penhora, resulta um claro propósito de não proceder a pagamento algum, ou, na perspectiva de gerente da sociedade D... L.da, in casu, de não efectuar nenhum desconto no vencimento.

No que respeita aos antecedentes criminais, foi considerado o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.

As condições pessoais e económicas do arguido resultaram das declarações que o mesmo a este respeito prestou».

III. QUESTÕES A DECIDIR

Na Motivação do recurso, pede o recorrente a reapreciação da medida concreta da pena (ponto V, fls. 176 e 176 verso).

Compulsadas as 16 Conclusões de fls. 176 vº a 178, facilmente se constata que nenhuma referência é feita àquela matéria.

Ora, como é sabido, ao tribunal de recurso apenas incumbe apreciar as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350), sem prejuízo daquelas que são de conhecimento oficioso.

Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 19-6-96 (Boletim do Ministério da Justiça n.º 458,98) e de 24-3-1999 e os Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques.

Ensinam estes últimos (em Recursos em Processo Penal, 4.ª edição, 2001, pág. 53 e 54):

«Se o recorrente não retoma as conclusões que suscitou na motivação, ou porque quis restringir o objecto de recurso ou porque pura e simplesmente se absteve de o fazer, o tribunal de recurso, como vem entendendo o STJ, só conhece das que nelas vierem resumidas, pois o seu poder de cognição é determinado por essas mesmas questões».

«O poder de cognição do tribunal de recurso é determinado pelas questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da motivação, podendo contudo conhecer, para além dessas questões, de nulidades de conhecimento oficioso» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 17.09.1997; CJ, Acórdãos STJ, ano V, tomo 3, 173).

No caso dos autos, não tendo o recorrente sintetizado nas Conclusões a matéria relativa à medida concreta da pena, deixou-a de fora do objecto do presente recurso, não sendo, por isso, apreciada por esta instância.

Desde logo, porque, não há lugar, neste caso, ao convite ao aperfeiçoamento a que alude o artigo 417, nº 3, do Código de Processo Penal.

Com efeito, o recorrente não só apresentou as conclusões, como delas se deduz total e parcialmente as indicações previstas no nº 2 e 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.

Por outro lado, a decisão recorrida que versa sobre tais matérias não está, a nosso ver e salvo melhor opinião, inquinada de vício de conhecimento oficioso.

Do que precede resulta que as questões a apreciar traduzem-se em saber se:

- Se o arguido comunicou atempadamente o impedimento imprevisível;

- Se o motivo invocado pelo arguido para ausência à audiência de 29 de Abril de 2016 integra o conceito de imprevisibilidade a que se alude no artigo 117º, nº 2 e 3, do Código de Processo Penal.

- O tribunal a quo errou no julgamento dos factos nºs 7 e 8;

- A conduta do arguido integra a prática do crime de desobediência.

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO
A. Recurso interlocutório

1. Questão nova

Antes de entrarmos na apreciação questão suscitada pelo Recorrente, importa delimitar quais os argumentos fácticos que podem ser atendidos por esta Relação, na medida em que as conclusões de recurso assentam em factos novos não invocados perante o tribunal recorrido.
Com efeito, no requerimento junto aos autos no dia 3 de Maio de 2016, depois de esclarecer que a ilustre advogada que o representava na leitura de sentença desconhecia o motivo pelo qual estava ausente, afirma o recorrente que o motivo da falta se deveu «ao facto de ter sido assolado por uma crise de doença crónica de que padece, tendo tido necessidade urgente de procurar auxílio médico junto do Centro de saúde (...) » (artigo 3º).
De forma genérica e abstracta, invoca uma crise aguda de doença crónica que necessita de auxílio médico urgente no Centro de Saúde.
Em sede de recurso, o arguido não se limita à alegação daquela matéria, trazendo, ainda, para a discussão outros factos, a saber:
«O arguido padece de doença crónica de cefaleias, vulga enxaquecas, a qual em determinadas alturas que não podem ser determináveis, provocam crises agudas de dores de cabeça e que obrigam a recorrer a auxílio médico especifico.
O arguido encontra-se medicado para estas crises, por toma oral, mas em certas ocasiões é mesmo necessário o recurso às unidades de saúde para toma de medicação intravenosa e devido a acompanhamento e evolução da situação de crise.
Não sendo esta uma doença contínua, não obstante ser crónica, não é previsível o acontecimento de crises agudas, as quais em alguns momentos, umas vezes espaçados, outras vezes não.
Foi o que aconteceu no dia 29 de Abril de 2016 ao arguido o qual de manhã ainda recorreu à medicação oral, mas face à permanência das dores teve que se deslocar a uma unidade médica».
Estes factos são novos, não foram apreciados pela primeira instância, não podendo, por isso, este tribunal de recurso ser agora chamado a pronunciar-se aquela matéria não suscitada ao tribunal recorrido.
Na verdade,
O recurso prefigura-se como um meio processual destinado a provocar a reapreciação da sentença por forma a corrigir certas imperfeições - Manuel Simas Santos e Manuel Lela Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 20 – visando, assim, o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e não meios para obter decisões novas.
Constitui jurisprudência uniforme dos tribunais superiores que os recursos são meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais visam obter o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, e não obter decisões - novas - sobre questões não suscitadas perante o tribunal recorrido.
Neste particular, cf., entre outros, o Acórdão desta Relação de 23 de Maio de 2012 (www.dgsi.pt), «citando por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2008 - (“O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – cf. Acs. do STJ de 27-07-1965, BMJ 149.º/297; de 26-03-1985, BMJ 345.º/362; de 02-12-1998, BMJ 482.º/150; de 12-07-1989, BMJ 389.º/510; de 09-03-1994, Proc. n.º 43402; de 01-03-2000, Proc. n.º 43/00, SASTJ n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, Proc. n.º 160/00; de 06-06-2001, Proc. n.º 1874/02 - 5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01 - 5.ª; de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01 - 3.ª; de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01 - 3.ª; de 30-10-2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 22-10-2003, Proc. n.º 2446/03 - 3.ª, SASTJ n.º 74, pág. 147; de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª; de 02-05-2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª; e de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª.”) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 (“os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.”)».
Em suma, o tribunal de recurso, por regra, não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
Vale isto para dizer que os argumentos aduzidos na Motivação de Recurso e acima elencados não podem ser apreciado nesta instância, o que se decide.

2. Comunicação da justificação para falta de comparecimento.

A questão suscitada pelo recorrente consiste em saber até que momento deve o ausente comunicar o impedimento imprevisível de comparecer em diligência processual para o qual se encontra regularmente notificado.

A justificação da falta de comparecimento em acto processual encontra-se regulada no artigo 117º, do Código de Processo Penal que reza assim:

«1 - Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.

2 - A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.

3 - Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3.º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.

4 - Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença.

5 - Se for impossível obter atestado médico, é admissível qualquer outro meio de prova.

6 - Havendo impossibilidade de comparecimento, mas não de prestação de declarações ou de depoimento, esta realizar-se-á no dia, hora e local que a autoridade judiciária designar, ouvido o médico assistente, se necessário.

7 - A falsidade da justificação é punida, consoante os casos, nos termos dos artigos 260.º e 360.º do Código Penal.

8 - O disposto nos números anteriores no que se refere aos elementos exigíveis de prova não se aplica aos advogados, podendo a autoridade judiciária comunicar as faltas injustificadas ao organismo disciplinar da respectiva Ordem».

A justificação da falta depende, assim da verificação cumulativa de pressupostos materiais e formais.

O pressuposto material consta do nº 1, do preceito em análise, exigindo que a justificação da falta seja motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.

Para além desta alegação, a justificação da falta depende ainda, da regularidade formal da respectiva comunicação.

A comunicação deve ser efectuada com cinco dias de antecedência, se a impossibilidade de comparecimento for previsível (nº 2), ou no dia e hora designados para a prática do acto, se a impossibilidade for imprevisível (nº 2).

Os meios de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser juntos com a comunicação do impedimento (nº 3), ou, tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, podem ser apresentados até ao 3.º dia útil seguinte, quando houver motivo justificado (nº 3).

Deve, ainda, ser indicado o respectivo motivo, o local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração previsível do impedimento (n º2).

Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento (nº 4).

No caso em apreço, o arguido, regularmente notificado para comparecer à leitura de sentença designada para o dia 29 de Abril de 2014, não compareceu, nem contactou o tribunal ou a ilustre defensora para comunicar a ausência, omitindo, por completo a comunicação a que alude o nº 2 do artigo 117º, do Código de Processo Penal. Não pode, pois, lançar mão, das faculdades concedidas pelo nº 3, do mesmo preceito e diploma.

Estas pressupõem a existência da comunicação da falta por motivo imprevisível, nos exactos termos previstos no número 2 do mesmo preceito e diploma.

Neste sentido, decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 5 de Novembro de 2012 (www.dgsi.pt):

«No caso de ter havido um justo impedimento para o arguido cumprir no momento processual adequado a obrigação de comunicação, cabia ao mesmo arguido invocá-lo expressamente e apresentar os respectivos elementos de prova mediante requerimento apresentado no prazo de três dias após o termo do prazo ou cessação do impedimento” (art.º 107.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal e art.º 146.º do Código de Processo Civil).

Com efeito, a informação do tribunal da impossibilidade de comparecimento no dia e hora marcados pode ser efectuada por qualquer meio, pessoalmente ou por intermédio de outrem, aqui se incluindo naturalmente a comunicação por telefone.

(…)

A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.

 Deste modo, entre os requisitos constantes do artigo 117.º para a justificação da falta de comparecimento, o arguido não cumpriu a obrigação de comunicação no próprio dia e hora e assim tornou extemporânea a apresentação dos elementos de prova (recorde-se uma vez mais que só é admissível a apresentação dos meios de prova num prazo até ao 3.º dia útil seguinte ao da prática do acto processual, por motivo justificado, se tiver havido a devida comunicação de impossibilidade de comparecimento)».

No caso, o requerimento apresentado pela ilustre defensora, pedindo a dispensa de comparência ao arguido no acto da leitura da sentença, não traduz comunicação do motivo da falta à diligência, tudo se passando, como se o recorrente nada tivesse comunicado ao Tribunal.

Note-se, que é o próprio recorrente quem vem afirmar que, nem mesmo a sua ilustre defensora conhecia as razões pelas quais não compareceu na diligência agendada.

Este comportamento omissivo do arguido/recorrente - consubstanciado na ausência de comunicação à secretaria do tribunal, por si ou por interposta pessoa, do motivo da falta, da indicação do local onde poderia ser encontrado e a duração previsível do impedimento – é cominado com falta injustificada nos termos do artigo 117º, nº 2, do Código de Processo Penal, in fine.

Esta interpretação está conforme os preceitos constitucionais como aliás, já decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 521/2000  (www.dgsi.pt).

Bem andou assim a decisão recorrida em julgar a falta do recorrente injustificada.

3. Impedimento Imprevisível

Mas mesmo que se admitisse a tempestividade da justificação da falta, ainda assim, os motivos e a prova indicada pelo recorrente não permitiam concluir pela imprevisibilidade do impedimento para comparecer no dia 29 de Abril de 2016.

Desde logo, porque o desconhecimento da ilustre defensora da razão da ausência do faltoso, em nada lhe aproveita para efeitos da justificação da falta de comparecimento prevista no artigo117º, que vimos analisando.

Depois, porque, da mera indicação de que o arguido foi assolado de uma crise de doença crónica e necessitou de ir ao Centro de Saúde, não se pode inferir, segundo as regras da experiência comum, que o arguido se encontrava, por doença, impossibilitado de comunicar, pelo menos, pelo telefone com o tribunal ou com a ilustre defensora, indicando-lhe que estava doente e impossibilitado de se deslocar ao tribunal.

Além de que não esclareceu de que forma a doença constituía impedimento para comparecer em Tribunal.

Por outro lado, a declaração de presença no Centro de Saúde, no período compreendido entre as 14H e as 18:30H, não corresponde ao atestado médico comprovativo da invocada «crise de doença crónica» e «da necessidade urgente de procurar auxílio médico junto do Centro de Saúde (...) ».

Ora, quando se alega uma doença como motivo do impedimento da comparência, deve o faltoso apresentar atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento, nos termos do nº 4 do referenciado artigo 117º, do Código de Processo Penal.

Também, aqui, o recorrente não cumpriu aqueles deveres, por meio de prova adequado que, no caso, correspondia ao atestado/declaração médica.

E, nem se diga, como sugere o recorrente que não teve possibilidades de obter o atestado médico, uma vez que que o Centro de Saúde se limita a emitir uma declaração de presença, sem especificar a natureza da consulta ou o tipo de doença.

É que, nada impedia o recorrente de pedir ao médico que o assistiu na urgência que atestasse as razões causadoras do grave inconveniente ou da impossibilidade de comparecer naquele momento no tribunal para leitura de sentença. Se tal pedido lhe fosse negado, o arguido tinha, ainda, a faculdade de requerer ao tribunal que requisitasse directamente ao Centro de Saúde aquelas informações.

Não colhe, pois, toda a argumentação sobre a competência da secretaria do Centro de Saúde para emitir declarações médicas.

A mera alegação de doença, sem especificação da «impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento», desacompanhada do respectivo atestado médico, não constitui motivo justificado e muito menos imprevisível para a falta de comparência do arguido à diligência do dia 29 de Abril.

Não assiste, assim, qualquer razão ao recorrente.
 
B. Recurso da Sentença
1.Impugnação da decisão sobre a matéria de facto     
Insurge-se o arguido contra a decisão que deu como provados os pontos de facto nº 7 e 8, requerendo a alteração da decisão, nos seguintes termos:
A matéria que consta no ponto de facto nº 7 - o arguido não efectivou o desconto ordenado, nem justificou o acto de não ter procedido ao aludido desconto e posterior entrega - deve ser alterada para: o arguido não efectivou o desconto ordenado, tendo no entanto respondido ao Tribunal, a 23 de Dezembro de 2014, informando que o visado era funcionário dos quadros da empresa e que à data auferia o salário mínimo nacional.
Os factos constantes do ponto 8 devem ser substituídos por, o arguido, agindo de acordo com indicações que lhe haviam sido transmitidas pelo mandatário, optou por não responder à notificação do tribunal, na convicção da mesma se tratar de um lapso do Tribunal (repetição) uma vez que julgava já ter dado resposta à mesma em 23 de Dezembro de 2014.
Vejamos, então, se os meios concretos de prova indicados pelo recorrente - suas declarações e as da testemunha, Sr. Dr. E... - impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Em causa está o desconto no vencimento do arguido na sociedade D... , da pensão vincenda de alimentos (e não alimentos vencidos), no valor de 150€, devida ao seu filho C... , conforme despacho de fls. 3, notificado ao legal representante da sociedade (arguido e devedor dos alimentos), em 27 de Junho de 2014.
Mais lhe foi ordenado, para, em dez dias, declarar no processo, a data do início dos descontos, fazendo prova nos autos da entrega do 1º desconto à mãe do seu filho, B... (fls. 2 a 4). 
Até 13 de Novembro de 2014, a sociedade e legal representante remeteram-se ao silêncio, não comunicando ao tribunal se, em Junho de 2014, na data de pagamento do salário do arguido, nele deduziu da quantia de 150€ mensais no vencimento do arguido e a entregou à credora, ou as razões pelas quais não a ordem não poderia ser cumprida (fls. 4 a 7).
Mais tarde, em 23 de Dezembro de 2014, a sociedade D... , Lda., informa o tribunal que «o arguido era funcionário dos quadros da empresa auferindo, no presente, o salário mínimo nacional».
Em 8 de Janeiro de 2015 (fls. 10), o arguido, legal representante da sociedade, é, pessoalmente, notificado, para, «no prazo de 5 dias comprovar nos autos a efectivação dos descontos ordenados, sob pena de não o fazendo, ser condenado em multa (fls. 9). 
Em 22 de Janeiro de 2015, o arguido pede a suspensão da penhora dos vencimentos, no âmbito da execução especial de alimentos que constituía o apenso B) (fls. 125 a 126).
Em 6 de Março de 2015, o arguido, como legal representante da sociedade, foi, pessoalmente, notificado para «em cinco dias, comprovar nos autos a efectivação dos descontos anteriormente ordenados, sob pena de ser novamente condenando em multa e incorrer num crime de desobediência» (fls. 16 e 17).
O recorrente não apresentou qualquer resposta aos despachos notificados em 24 de Junho de 2014, 8 de Janeiro de 2015 e 6 de Março de 2015.
Os requerimentos que apresentou, no processo principal ou nos apensos, em seu nome pessoal e em nome da sociedade que representa (23 de Dezembro de 2014 e 22 de Janeiro de 2015, não fazem qualquer menção aos descontos ordenados e não comprovam que, no vencimento de Junho de 2014 do recorrente, este, em nome da sociedade, deduziu a quantia de 150€, a depositou na conta bancária de B... e, disso, informou o tribunal, nos exactos termos da ordem dada, nem indicam as razões pelas quais adoptou tal comportamento.
A informação sobre os rendimentos que auferia e o pedido de suspensão da penhora do vencimento, no âmbito da execução, (este reportando factos posteriores a Junho de 2014), não constitui qualquer informação e muito menos justificação para o não cumprimento do ordenado judicialmente ao abrigo do artigo 189º, da Organização Tutelar de Menores.
Sobre a dedução do montante de 150€ no vencimento do recorrente ordenada e devida em Junho de 2014, com a consequente entrega a B... e prova nos autos, nunca o arguido se pronunciou ou apresentou qualquer justificação até hoje
Por isso, nenhuma dúvida subsiste que o arguido não procedeu aos descontos ordenados pelo tribunal nem justificou as razões pelas quais o não fez, tal como se deu como provado no ponto nº 7.
Além de que, a apresentação e o teor do requerimento de 23 de Dezembro de 2014 foi enunciado e considerado no facto provado sob o nº 14.
A alteração do ponto de facto nº 7 não tem, assim, qualquer fundamento.
De igual modo, não assiste razão ao recorrente, em relação ao ponto de facto nº 8, totalmente coincidente com o que resulta dos factos objectivos e com das regras da experiência comum.
Não se pode olvidar, como faz o recorrente, que as notificações que o tribunal lhe efectuou, se reportam, insiste-se, aos descontos ordenados em Junho de 2014 (notificados em 27 de Junho de 2014) que o arguido não efectuou, nem deu qualquer explicação ao tribunal sobre as razões pelas quais o não fez, no prazo de dez dias que lhe foi concedido ou posteriormente.
Como já se disse, nem o requerimento de 23 de Dezembro de 2014, nem a suspensão da penhora requerida em Janeiro de 2015, fazem qualquer referência aos motivos pelos quais, em Junho de 2014, não descontou no seu vencimento a pensão de alimentos devida ao filho, como não explicam os motivos pelos quais não entregou à mãe da criança a quantia de 150€.
Acresce que, não decorre das declarações do arguido e/ou da testemunha, que o ilustre advogado tenha dado instruções ao recorrente para não responder à notificação de 27 de Junho de 2014, reiterada em 8 de Janeiro de 2015 e em 6 de Março de 2015.
E, diga-se, que não é necessário ser licenciado em direito para perceber que a informação sobre o salário do devedor não cumpre, nem justifica, a ordem  de proceder ao desconto de 150€, no vencimento do arguido e remetê-lo à requerente e comprovar o início e a efectivação dos descontos.
Sabia o arguido, enquanto devedor dos alimentos e legal representante da sociedade, que devia descontar a quantia de 150€ no vencimento que ele mesmo auferia na D... , entregando-a à mãe do seu filho.
Mais foi o recorrente notificado de que ficava investido na qualidade de fiel depositário relativamente àquelas quantias, as quais deveria remeter a B... , de imediato.
Porém, ciente desta ordem, o arguido, enquanto legal representante da entidade patronal pagou a si mesmo, na qualidade de trabalhador, o vencimento integral, não o entregando à mãe do seu filho, como lhe foi ordenado, sendo, assim, irrelevantes, para este efeito, as alegadas instruções dadas pelo ilustre mandatário.
As explicações dadas pelo arguido e pela testemunha – ilustre advogado – não beliscam, minimamente a coerência e a lógica do raciocínio do Senhor Juiz da Secção Criminal da Instância Local de Coimbra, quando decidiu:
 «No que respeita à subjectividade presente no arguido, não se vislumbra, dos factos objectivamente demonstrados, outro propósito que não um comportamento deliberado e concomitante incumprimento da ordem, acrescendo que as consequências penais lhe haviam sido comunicadas, não as podendo, pois, o arguido desconhecer.

Com efeito, pese embora o arguido procurasse justificar o seu comportamento com o facto de ter contactado o ilustre causídico que o representava no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais e seus apensos e de o mesmo ter dito que se trataria de um erro, ficando de resolver a situação, certo é que os requerimentos datados de 23/12/2014 e de 22/01/2015 se reportam a uma acção executiva que constitui apenso diverso daquele de incumprimento das responsabilidades parentais, e a testemunha E... , advogado que patrocinava o arguido enquanto um dos pais nesses autos (não enquanto sócio e gerente da sociedade D... L.da), foi peremptória em afirmar não se recordar de ter visto a notificação em causa e aludiu sempre a pedidos de isenção de penhora (reportando-se, portanto, ao apenso executivo e não àquele de incumprimento).

Acresce que o arguido, simultaneamente, pai da criança e sócio e gerente da sociedade D... L.da, conforme salientado pela testemunha B... , jamais procedeu a qualquer pagamento da devida pensão de alimentos, o que, de algum modo, foi confirmado pelo depoimento de E... , quando disse que os pagamentos que fez terão sido em numerário, não tendo forma de o provar.
Do que, somado à persistência no silêncio perante as duas notificações nos autos de incumprimento e à insistência no âmbito da acção executiva, sublinhando, aí, o pagamento do valor do salário mínimo nacional e o pedido de isenção da penhora, resulta um claro propósito de não proceder a pagamento algum, ou, na perspectiva de gerente da sociedade D... L.da, in casu, de não efectuar nenhum desconto no vencimento».
Tudo para concluir, que as declarações do arguido e da testemunha indicadas pelo recorrente não afastam as razões pelas quais a primeira instância se convenceu que o arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito de não cumprir o ínsito na intimação a que se aludiu, que sabia emanar de autoridade com competência para tanto e no âmbito das suas funções, sabendo que praticava acto proibido e punido por lei penal, improcedendo a impugnação do ponto de facto nº 8.

Mantemos, assim, na íntegra, a decisão sobre a matéria de facto proferida na primeira instância.

2. Qualificação jurídico-penal

2.1. Mantida a decisão da matéria de facto, ficam prejudicadas as questões suscitadas nas Conclusões nº 7 e 11.

2.2. Crime de desobediência
Insurge-se o recorrente contra a qualificação jurídico-penal dos factos, reiterando que a sua conduta não preenche os elementos do crime de desobediência pelo qual foi condenado.
A questão resume-se, assim, a saber, se a factualidade apurada preenche os elementos objectivos e subjectivos do crime previsto e punido pelo artigo 348, n º 1, al. b) do Código Penal.

É punido com o crime de desobediência, nos termos do citado artigo 348º, nº 1:

«Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente (…) se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação».

Tem vindo a ser entendido que este tipo de ilícito se decompõe, objectivamente, nos seguintes elementos: a) a existência de uma ordem formal e substancialmente legitima; b) emanada de uma autoridade ou funcionário competente; c) o não acatamento daquela ordem; e d) a comunicação regular daquela ordem.

No que diz respeito ao elemento subjectivo do tipo, para a sua verificação, exige-se o dolo, em qualquer das suas modalidades enunciadas no artigo 14º, do Código Penal (directo, necessário ou eventual).

Não se questionando que, a ordem emanou de entidade competente - o Tribunal de Família e Menores de Coimbra, a quem compete conhecer e apreciar as providências a que alude o artigo 189º, da Organização Tutelar de Menores [cf. artigo 46º, alíneas d) e e) da OTM, correspondem, actualmente, ao artigo 3º, alíneas c) e d) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível], - que o arguido não a acatou – não comprovou que descontou no seu vencimento a pensão de alimentos do filho devida em Junho de 2014 e a sua entrega à mãe - que a comunicação da ordem foi regular, resta-nos analisar, a legitimidade substancial e formal da ordem a que o arguido desobedeceu.

2.2.1. Em causa está, a conduta do agente, expressamente advertido para proceder ao desconto mensal de 150,00€ no vencimento que auferia como trabalhador da Sociedade denominada D... , L.da, entregá-lo a B... , comprová-lo nos autos, sob pena de, não o fazendo ser condenado em multa e de incorrer na prática de um crime de desobediência, ainda assim, decidiu contrariar a ordem que lhe foi dada.

Os descontos no vencimento do arguido foram ordenados ao abrigo do procedimento de incumprimento de regulação do exercício das responsabilidades parentais prevista no artigo 189º, da Organização Tutelar de Menores (hoje, artigo 48º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), que constitui um dos meios possíveis para tornar efectiva a prestação de alimentos.

Efectivamente, como se lê, no Acórdão do Supremo Tribuna de Justiça de 8 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt) :

(…) nosso ordenamento jurídico estão previstas duas vias possíveis para se obter o cumprimento coercivo da obrigação de alimentos devidos a menor: a via executiva «normal»- embora as especificidades da tramitação da execução por alimentos envolvam a previsão de um processo «especial» - e uma via específica e particularmente simplificada, de natureza incidental relativamente ao processo em que foram judicialmente arbitrados os alimentos, expressa no procedimento regulado no art. 189º da OTM».

E, mais adiante:

«Trata-se de uma providência «pré-executiva» (no sentido de que a mesma, embora direccionada para uma efectiva reintegração dos direitos violados - cfr. Remédio Marques, Aspectos Sobre o Cumprimento Coercivo da Obrigação de Alimentos, in Comemorações dos 35 Anos do CC, pag. 619 - não passa pela instauração de uma instância executiva autónoma) , de natureza «incidental» relativamente à causa em que foram arbitrados os alimentos – conduzindo o referido art. 189º a que, em última análise, tais processos se conformem como procedimentos «mistos», podendo comportar uma fase declaratória e uma subsequente fase executiva; por outro lado, as providências de cariz executório aí reguladas caracterizam-se pela sua linearidade e simplicidade, já que os «descontos» aí previstos se efectivam à margem das regras sobre a penhora, sem envolverem a específica tramitação caracterizadora do processo executivo propriamente dito.

Tal simplicidade procedimental tem, porém, como contraponto, uma substancial limitação do âmbito das medidas coercitivas possíveis, já que naturalmente apenas podem ser «agredidos» os rendimentos auferidos pelo devedor de alimentos, aí especificamente previstos, e não quaisquer outros bens de que este seja titular.

(…) Considera-se, deste modo, que o incidente «pré- executivo» regulado no art. 189º da OTM não pode configurar-se – atento o âmbito limitado dos bens do devedor que nele podem ser atingidos com vista à satisfação da prestação alimentar - como um processo «especialíssimo», relativamente à execução especial por alimentos, regida pelo CPC, cabendo , em consequência, ao interessado optar pela via procedimental que, em concreto, considere mais favorável a uma plena e eficaz realização coerciva do seu direito».

O artigo 189º citado, cuja redacção foi mantida pelo 48º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, dispõe, no seu número 1, que, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á, o seguinte:

a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente;

b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária;

c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.

Já o número 2, do mesmo preceito, esclarece que as quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.

O recurso a este meio de cobrança que depende, assim, de três pressupostos:

1) Existência de uma decisão judicial que fixe a prestação de alimentos;

2) Não pagamento da pensão fixada nos dez dias seguintes à data do vencimento;

3) Possuir o devedor uma das qualidades seguintes: a) funcionário público; b) empregado ou assalariado e c) recebedor de rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes.

Num outro plano, pode, ainda acrescentar-se um outro pressuposto que tem a ver com a questão de saber, se à semelhança do que acontece na lei processual civil, os limites da impenhorabilidade deste tipo de rendimentos, se aplicam a prestações alimentares devidas a crianças.

Recorde-se que a alteração do artigo 824º do Código de Processo Civil de 1961, levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março – na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 177/2002, de 2 de Julho de 2002 (julgou inconstitucional a penhora de um terço sobre pensões ou outras regalias sociais, de valor inferior ao salário mínimo nacional, por ferir o principio da dignidade humana plasmado nas disposições conjugadas nos artigos 1º, 59º, nº 2, al. a) e 63º, nº 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa) – excepcionava do limite mínimo da impenhorabilidade prescrita no nº 1 e 2 (salário mínimo nacional), o crédito de alimentos.

Discutida a questão na jurisprudência, designadamente, no Tribunal Constitucional, entre outros, os Acórdãos nºs 306/2005 e 312/2007 e 394/14, no Acórdãos da Relação de Guimarães de 29 de Março de 2011 (citando o Acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2004 e um outro Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº 503-D/1996, G1), o Código de Processo Civil actual veio estabelecer, no seu artigo 738º, nº 4, o critério especial de impenhorabilidade da quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, para créditos de alimentos.

Em 2014, data em que foram ordenados os descontos no vencimento do requerido, o artigo 7º, nº 1, da Portaria nº 378-B/2013, de 31 de Dezembro fixava o quantitativo mensal das pensões de invalidez e de velhice do regime não contributivo, em € 199,53.

No caso concreto, a factualidade apurada permite concluir que o recurso ao mecanismo de cobrança do artigo 189º, da OTM, é legítimo.

Com efeito, estando demonstrado nos autos, de um lado, que a prestação de alimentos de 150,00€, - (em especial a devida e vencida em Junho de 2014), a cargo do arguido e em benefício do seu filho, de menor idade, C... - foi fixada por decisão judicial - regulou o exercício das responsabilidades parentais - , não foi paga pelo arguido atempadamente, e, de outro, que o arguido, em 2014, recebia de ordenado da sociedade, D... - , da qual é o sócio gerente e legal representante - pelo menos, a quantia líquida de 527,36€ (fls. 129 e ponto de facto nº 14), o desconto de 150€ nesta quantia, deixava ao arguido a quantia de 377,36€ -  superior ao valor da pensão de invalidez e de velhice do regime não contributivo (199,53€) -  verificando-se, por isso, todos os pressupostos de legitimação substancial dos descontos ordenados.

2.2.2. No que toca aos pressupostos formais são regulados pela Organização Tutelar de Menores e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil [ex vi artigo 161º, da OTM (corresponde ao actual artigo 33º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível Processual Civil)].

A alínea b) do nº 1, do artigo 189º, estatui que, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em divida, se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária.

A dedução da prestação alimentar no ordenado do devedor é feita, através da notificação da respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária, sendo que as quantias descontadas - abrangendo também os alimentos que se forem vencendo - serão directamente entregues a quem deva recebê-las [artigo 189º, nº 1, al. b) e nº 2].

Diferentemente do que acontece com a penhora dos vencimentos, nos termos do artigo 779º, nº 1, e 2, do Código de Processo Civil, em que os valores penhorados são depositados em instituição de crédito, as prestações de alimentos descontadas são entregues directamente à pessoa que deva recebê-las.

Proferido o despacho judicial que ordene os descontos, é este notificado à entidade patronal, que, nos termos do artigo 189º, citado (artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) deduzirá no vencimento do seu colaborador, o montante indicado e o remeterá à entidade que o deva receber, ficando investido, na qualidade de depositário relativamente às quantias a descontar.

Cumpre à entidade patronal – regularmente notificada - declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à efectivação do desconto. Nada dizendo, entende-se que ele reconhece o trabalhador como seu assalariado, com ordenado mensal (artigo 773º, nº 2 e 4 do Código de Processo Civil, interpretado à luz do artigo 189º da OTM).

Logo que a divida se vença – data de pagamento do vencimento ao trabalhador - o devedor que não a haja contestado, é, obrigado, nos termos do artigo 189º, da OTM, a entregar ao credor o valor deduzido e apresentar documento comprovativo do desconto no tribunal, ficando como se disse investido na qualidade de depositário da prestação pecuniária descontada.

Volvendo ao caso concreto, podemos afirmar que a forma como foram ordenados os desconto à D... (…) na pessoa do arguido e seu legal representante, obedeceu a todas as formalidades a que acabamos de aludir.

Com efeito, foi proferido despacho judicial a ordenar os descontos (facto nº 1) que, foi notificado, através de registo postal com aviso de recepção, ao legal representante, no dia 27 de Junho de 2014.

Na notificação constava que «deveria proceder ao desconto mensal de €150, no vencimento de A... , que enviará mensalmente á Requerente, B... , para a conta com o NIB (…)

Deverá declarar nos autos, no prazo de dez dias, a data de início daqueles descontos, devendo fazer prova nos autos do 1º desconto à requerente (…);

Mais de adverte que fica investido na qualidade de fiel depositário relativamente às quantias a descontar, as quais deverá remeter de imediato, à requerente acima identificada».

O arguido, assim notificado, nada disse.

Enquanto legal representante da entidade patronal não deduziu no seu próprio vencimento, a quantia de 150€ nem entregou aquela mesma quantia à credora dos alimentos, nem mesmo depois de ter sido advertido, pessoalmente, em 8 de Janeiro de 2015, para, em 5 dias, comprovar nos autos a efectivação dos descontos ordenados e a entrega da respectiva quantia à credora.

Por isso, em 29 de Janeiro de 2015, aquela mesma ordem foi reiterada, através de despacho judicial a ordenar a notificação do legal representante da sociedade «para, em 5 dias, comprovar nos autos a efectivação dos descontos anteriormente ordenados, sob pena de se novamente condenado em multa e incorrer na prática de um crime de desobediência», despacho notificado, pessoalmente ao arguido, como consta de fls. 12 a 17. 

Donde,

A ordem para proceder ao desconto de 150€ no vencimento do recorrente, a consequente entrega à credora e a comprovação dos mesmos nos autos, era, assim, substancial e formalmente legitima, emanou de autoridade competente e foi regularmente notificada ao arguido, que a não acatou.

2.2.3. O acto de desobediência é punido criminalmente, quando exista disposição legal que expressamente assim o comine, (cf. artigo 348º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código Penal) ou, na ausência de tal previsão legal, quando a autoridade ou o funcionário emitente da ordem fizerem a correspondente cominação (artigo 348º, nº 1, al. b), do Código Penal).

No primeiro caso, a obediência decorre directa e expressamente de uma norma geral e abstracta, no segundo, depende de acto de vontade da autoridade ou funcionário competente para ditaram a cominação.

O tribunal recorrido, perante a letra do artigo 189º, da Organização Tutelar de Menores, concluiu:

«Inexiste, portanto, neste âmbito, norma sancionatória para o silêncio da entidade empregadora ordenada para efectuar os determinados descontos no salário, existindo, a possibilidade da cominação da desobediência, cuja foi levada a efeito».

A esta conclusão pode objectar-se, como faz o recorrente, que existindo, no processo civil, sanções para a conduta omissiva do recorrente, afastada fica a possibilidade de cominação com o crime de desobediência, sob pena de violação do princípio da subsidiariedade do direito penal.

Que dizer?

É certo que, que, no caso, não há norma legal que expressamente puna a conduta do arguido, como crime de desobediência, resultando a cominação de um acto praticado por autoridade judicial, o que nos leva à alínea b), do mesmo artigo 348º, do Código Penal.

Já não é certo afirmar-se que inexiste sanção de outra natureza para o não cumprimento da ordem dada ao abrigo do disposto no artigo 189º, da Organização Tutelar de Menores.

Com efeito, não regulando a Organização Tutelar de Menores (e actual Regime Geral do Processo Tutelar Cível), o regime de incumprimento da ordem do tribunal que ordena o desconto de determinada quantia e a não entrega da quantia descontada, aquele segue, com as necessárias adaptações, o preceituado no Código de Processo Civil, aplicável, por força do artigo 161º da OTM e do artigo 33º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Trata-se de um meio de efectivar a cobrança de um crédito de alimentos a filhos de menor idade, aplicando-se, subsidiariamente, primeiro as regras da execução especial por alimentos prevista no artigo 933º, do Código de Processo de Civil e depois, as regras gerais do processo executivo, sempre adaptadas à natureza, âmbito e finalidade especificas do procedimento do artigo 189º, como acima se evidenciou. 

O Código de Processo Civil regula a falta de depósito ou entrega da prestação devida no artigo 777º,  que rege assim:

«1 - Logo que a dívida se vença, o devedor que não a haja contestado é obrigado:

a) A depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria; e

b) A apresentar o documento do depósito ou a entregar a coisa devida ao agente de execução ou à secretaria, que funciona como seu depositário.

2 – (…)

3 - Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito».

Perante este preceito (correspondente ao anterior artigo 854º, do Código de Processo Civil), defende-se que, existindo uma sanção civil para falta de depósito ou entrega da prestação – fazer seguir execução contra o devedor que, notificado para depositar ou entregar a prestação, não o fez - a cominação com a prática do crime de desobediência viola o principio da subsidiariedade do direito penal.

Assim decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 22 de Maio de 1990, in www.dgsi.), sobre o incumprimento da entidade patronal para proceder ao desconto de 1/6 do vencimento do seu assalariado, com referência aos então artigos 854º e 860º do Código de Processo Civil de 1961:

«I - O normativo do artigo 388, nº 1 do Código Penal só tem aplicação em situações de formalizada desobediência " desprovidas de específica sanção ".

II - Assim, não comete o aludido crime, o patrão que notificado para proceder ao desconto de 1/6 do vencimento do executado, o não efectua.

III - É que para esta conduta existe específica sanção que é a prevista no artigo 860º, nº 3 do Código de Processo Civil: pode o exequente exigir dele a prestação, servindo de título executivo o despacho que ordenou a penhora.

IV - As consequências do incumprimento das obrigações do depositário ou do patrão são diferentes, como se verifica dos artigos 854º e 860º do Código de Processo Civil: enquanto para o fiel depositário se prevê procedimento criminal que acrescerá a medidas cíveis, para quem não procede a descontos está apenas previsto que lhe possa ser exigida a prestação que deixou de descontar».

Porém, salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que ao caso não se aplica o citado artigo 777º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Com efeito,

Nesta providência tutelar cível, um pouco à semelhança do que se passa, na execução especial por alimentos, prevista no artigo 933º, nº 1, do Código de Processo Civil, em que exequente pode requerer a adjudicação de parte das quantias, vencimentos ou pensões que o executado esteja percebendo, prevê-se a adjudicação directa ao credor da parte do ordenado recebido pelo devedor, independentemente do acto de penhora.

A entidade patronal é notificada para proceder à entrega directamente à credora/exequente da parte adjudicada no vencimento (cf. artigo 189º, nº 1 e 2, da Organização Tutelar de Menores), ficando investido na qualidade de fiel depositário.

O efeito da notificação judicial da entidade patronal para deduzir, no ordenado do empregado, a prestação alimentar entregando-a a quem haja de a receber, ficando na situação de fiel depositário (artigo 189º, nº1, b) e nº 2, da OTM, hoje artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) deve ser entendido, no dizer do Professor José Alberto dos Reis - Processo de Execução, 2º volume pág. 191 - como uma apreensão simbólica, exactamente como na penhora de imóveis, fazendo-se saber ao devedor, mediante notificação que o crédito do executado (…) se considera apreendido para a execução (…), ao mesmo tempo adverte-se o notificado que se pagar ao credor não se exonera da divida, quer dizer dá-se-lhe este aviso: fica inibido de pagar ao credor sob pena de pagar segunda vez».

Em consequência da notificação, a entidade patronal fica depositária do objecto da prestação - no caso de natureza pecuniária (artigo 2005º, do Código Civil) - com os deveres e responsabilidades do fiel depositário.

Com a notificação fica, assim, a entidade patronal na posse da quantia que deveria descontar no vencimento do seu trabalhador, sabendo que se o não o fizer, ainda, assim, pode o tribunal exigir-lhe que entregue o montante que lhe foi confiado, enquanto depositário.

Ora, perante a redacção do artigo 189º, nº 1, al, b) e nº 2, da Organização Tutelar de Menores (artigo 48º, nº 1, al. b) e nº 2, do Regime Geral Tutelar Cível) não subsistem dúvidas que a entidade patronal sobre a qualidade de fiel depositária da entidade patronal que, notificada para deduzir no vencimento do seu assalariado uma prestação alimentar e entregá-la a determinada pessoa, não procede como ordenado pelo tribunal.

Como ensina o Professor José Alberto dos Reis - Processo de Execução, 2º volume pág. 194 e 196 - , a propósito da sanção por omissão do depósito da importância penhorada por parte do notificado,  «o devedor é depositário da quantia apreendida à ordem do processo (…)

Se a dívida consistir em prestação pecuniária, logo que esta se vença o devedor será obrigado a apresentá-la, desde que o tribunal ordene a entrega, sob pena de incorrer nas sanções estabelecidas» para o depositário das coisas móveis.

De entre os deveres do depositário dos bens, quando se trate de prestação pecuniária, como é o caso dos autos, figura o de os apresentar, quando lhe for ordenado, sendo que o incumprimento pode originar responsabilidade penal.

Tal resulta do artigo 771º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, à providência de cobrança coerciva de alimentos a crianças.

Defendemos, assim, que a entidade patronal, notificada para deduzir a prestação alimentar no vencimento do trabalhador, investida da qualidade de depositária em relação àquelas quantias, fica sujeita aos direitos e deveres de fiel depositário, designadamente, o de entregar, quando solicitado, as quantias que lhe foram confiadas [cf. artigo 771º, do Código de Processo Civil (artigo 854º, do Código de Processo Civil de 1961)]. Não procedendo à entrega da prestação alimentar, incorre nas sanções civis - arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito – e criminais que lhe couberem, nos termos do artigo 771º, nº 2, do Código de Processo Civil.

O incumprimento da obrigação de efectivar os descontos e de os entregar ao credor, ordenado no âmbito do procedimento do artigo 189º que vimos referenciando (artigo 48º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), é abrangido pela previsão do artigo 771º, do Código de Processo Civil (dever de apresentação de bens) e não pela norma do artigo 777º, nº 1, do mesmo diploma.

Em abono desta orientação, encontram-se, ainda os seguintes argumentos:

O procedimento para a cobrança coerciva de alimentos devidos a filho de menor idade, sendo regulado por norma especial da Organização Tutelar de Menores, afasta aplicação da regra geral das penhoras de crédito, designadamente, a prevista no artigo 777º, do Código de Processo Civil.

Com efeito, no artigo 189º, prevê-se, como se disse, a forma de realizar a dedução da prestação alimentar no vencimento auferido pelo devedor de alimentos, definindo as obrigações da entidade patronal: proceder ao desconto, ficando investido da qualidade de depositário e entregar a quantia directamente à pessoa que haja de receber a prestação alimentar.

Desta forma, o empregador não fica sujeito às obrigações previstas no nº 1, do artigo 777º, do Código de Processo Civil, ou seja:

«Depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria; e apresentar o documento do depósito ou a entregar a coisa devida ao agente de execução ou à secretaria, que funciona como seu depositário». 

 A sanção estabelecida no nº 3, do artigo 777º, do Código de Processo Civil, pressupõe como resulta da própria letra do preceito, que a entidade patronal não cumpra a obrigação que, por via da inserção sistemática se hão-de reportar às elencadas no nº 1 e 2 do mesmo preceito.

Ora, no caso de cobrança coerciva de crédito a alimentos através de desconto no vencimento do devedor de alimentos, a empregadora está na posse da quantia a descontar, desde o momento recebe a notificação até à data em que a entrega.

A entrega da prestação ao trabalhador não o desonera da obrigação de a entregar ao tribunal ou a quem este lhe indicar, nos termos da ordem judicial.

Donde, não estando a entidade patronal sujeita àquelas obrigações, mas às definidas no artigo 189º, nº 1, b) e 2, da Organização Tutelar de Menores, afastada fica a sanção prevista no artigo 777º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, na previsão do artigo 189º, da Organização Tutelar de Menores, a entidade patronal, credora do ordenado do devedor, fica imediatamente investida como depositária do valor mensal da prestação de alimentos, um crédito que assume natureza pecuniária mensal (artigo 2005º e 550º, do Código Civil).

Por outro lado, o artigo 189º, nº 2, da Organização Tutelar de Menores, ao estabelecer que «as quantias deduzidas são directamente entregues a quem deva recebê-las», prevê a adjudicação directa daquela quantia à credora dos alimentos, independentemente de qualquer penhora, em termos similares aos que prevê para a execução por alimentos, no artigo 933º, do Código de Processo Civil, afastando, assim, a previsão do artigo 777º, do Código de Processo Civil.

Por último, as obrigações e sanções do respectivo incumprimento decorrentes do artigo 777º, do Código de Processo Civil, não se adequam à natureza do meio processual de cobrança da prestação de alimentos previsto no artigo 189º, da OTM.

De facto, a sanção elencada no nº 3, do mesmo artigo 777º - « (…) pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração » -  dificilmente se coaduna com a simplicidade da providência tutelar cível com vista à cobrança efectiva da prestação de alimentos devidos a filho.

Recorde-se que estamos perante «um procedimento de natureza pré-executiva, pois embora orientado para a reintegração de direitos violados, não passa pela instauração de instância executiva autónoma e incidental quanto aos autos em que foram arbitrados os alimentos, caracterizado, sobretudo, por uma literalidade e simplicidade, pois os descontos previstos efectivam-se à margem das regras sobre a penhora, em envolver os trâmites normais do processo executivo.

De tal simplicidade, contudo, decorre uma clara limitação das possíveis medidas coercivas em termos de satisfação dos interesses do credor, pois apenas podem ser afectados os rendimentos do devedor dos alimentos indicados nos normativos (…).

Na verdade, na interpretação do referenciado nº 1, do artigo 189º, da OTM, no atendimento que na procura do respectivo sentido importa ater-nos aos elementos gramaticais, lógicos, mas também teleológicos, em termos de justificação social da lei, ressalta a ideia que se visa, sobretudo, assegurar o mais rápida e eficazmente, a prestação alimentícia devida ao menor, com vista ao suprimento das respectivas necessidades, bastando assim que decorra o mero prazo de dez dias após o vencimento» - Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt). 

Donde, a incorporação de uma acção executiva nos próprios autos da providência tutelar cível, de feição não executiva, mostra-se inadmissível, do ponto de vista substantivo e processual, afastando, também, aqui, a aplicabilidade do artigo 777º, nº 3, do Código de Processo Civil. 

 Restam-nos, pois, as sanções civis e criminais estabelecidas para a violação dos deveres do depositário, nos termos que acima expandimos, designadamente, a obrigação da entrega das prestações pecuniárias que, por via da notificação, foram confiadas ao empregador, tal como resulta do artigo 771º, nº 2, do Código de Processo Civil, onde se lê:

«Se o depositário não apresentar os bens que tenha recebido dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado pelo juiz arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal».

De tudo, podemos concluir que:

Os efeitos do incumprimento das obrigações do depositário da prestação pecuniária de alimentos devida a filhos, ordenada ao abrigo do disposto do artigo 189º, da OTM (artigo 48º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) prevê, ao lado de mecanismos de coerção de natureza civil, procedimentos criminais.

A falta de entrega dos bens por parte do depositário, pode ser punida criminalmente, através do crime de abuso de confiança ou desobediência, se observados os demais pressupostos da incriminação de cada um destes ilícitos.

Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 1999, (CJ 1999, tomo II, página 238)., a Relação de Guimarães, no Acórdão de 10 de Janeiro de 2005 (www.dgsi.pt).

Escreveu-se, neste último:

«Independentemente do arresto a que alude o artigo 854º, nº 2, do Código de Processo Civil, o depositário ficará sujeito ao procedimento criminal que ao caso couber. Ora a perseguição penal pode concretizar-se no descaminho ou destruição do objecto que o depositário havia sido confiado (…) ou pode integrar o ilícito (…) que gira no âmbito de apropriação indevida. Sem que com isso se exclua a possibilidade de, no caso, confluírem os elementos  pertinentes ao crime de desobediência, mas um deles exprime-se na correspondente cominação, já que a lei directamente a não anuncia».

«O crime em análise, sanciona-se o fazer (facere) ou deixar de fazer (non facere) aquilo que foi legitimamente ordenado, independentemente das consequências ou do resultado posterior, sendo o resultado imputado ao sujeito pela simples acção ou omissão.

Só haverá ilícito criminal quando o destinatário, ao ser-lhe transmitida a ordem ou mandado, sabe que, se os não cumprir, incorre na prática de um crime de desobediência» - Acórdão desta Relação de 23 de Maio de 2012 (www.dgsi.pt).

No caso dos autos, a advertência ao arguido feita pelo tribunal de que se não comprovasse a efectivação dos descontos sobre o vencimento que auferia na empresa D... , da qual era trabalhador e legal representante, e a sua entrega à mãe do seu filho C... , contrariando as sucessivas ordens que lhe foram, incorreria no crime de desobediência, preenche um dos elementos objectivo do crime de desobediência.

Não podemos olvidar que esta cominação veio na consequência de ordens judiciais anteriores, totalmente desrespeitadas pelo arguido, determinando que o recorrente descontasse os 150€ no seu próprio vencimento e os entregasse a B... , mão do filho do recorrente.

A falta de comprovação dos depósitos equivale, no caso, à falta de entrega das prestações alimentares mensais, no valor de 150 €, cada, que o arguido estava obrigado a descontar no seu vencimento e das quais tinha sido constituído fiel depositário, em Junho de 2014.

Com a responsabilização penal do depositário da coisa que recuse a entrega da mesma, quando solicitada (cf. artigo 771º, do Código de Processo Civil), quis o legislador acautelar a eficácia da ordem, com tutela penal, salvaguardando-se, assim, o principio da subsidiariedade do direito penal.

Este só deve intervir quando a sua protecção se revele imprescindível à salvaguarda dos bens jurídicos que sejam fundamentais à defesa do Estado de Direito, e só intervém se e quando os outros ramos do ordenamento jurídico se revelem incapazes de os defender eficazmente, o que vale por dizer que o Direito Penal constitui a ultima ratio.

«É neste sentido que se afirma que o Direito Penal é subsidiário dos outros ramos de direito: o que é adequadamente tratado pelos outros ramos do Direito, não deve ser objecto de tutela penal. E é também neste sentido que se considera o Direito Penal fragmentário pois que, de toda a gama de acções proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal só se ocupa de uma parte ou fragmento, se bem que da maior importância.

Este carácter fragmentário do Direito Penal aparece numa tripla forma em todas as actuais legislações penais: em primeiro lugar, defendendo o bem jurídico só contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punição da comissão negligente nalguns casos, etc; em segundo lugar, tipificando só uma parte do que nos demais ramos do ordenamento jurídico se considera como antijurídico; e, por último, deixando sem castigo, em princípio, as acções meramente imorais» - Acórdão desta Relação de 23 de Maio de 2012 (www.dgsi.pt).

No caso em apreço, ordenada a dedução da prestação alimentar no vencimento que o arguido auferia na sociedade, da qual era o legal representante e bem assim a entrega daquela quantia à credora dos alimentos, investindo a entidade patronal na qualidade de fiel depositária das quantias a descontar, o legislador quis acautelar a eficácia da ordem, sancionando o depositário, com medidas cíveis e criminais.

As medidas cíveis – o arresto dos bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas – não se mostram adequado ao meio de efectivar a cobrança dos alimentos previsto na Organização Tutelar de Menores ou no Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

E, assim, sendo, in casu, não se coloca em causa a natureza subsidiária apontada ao crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, do Código Penal.

Do que precede, a conduta do arguido subsume-se aos elementos objectivos do tipo de crime de desobediência do citado art.º 348.º, n.º 1, al. b), tal como definiu a sentença recorrida (já que não existe norma penal que sancione, especificamente a conduta desobediente do arguido, legal representante da sociedade).

Verificados estão, também, os elementos subjectivos do crime.

O arguido, que, na mesma pessoa, concentra a qualidade de devedor dos alimentos, trabalhador e legal representante do empregador, agiu sempre livre e conscientemente, com o propósito de não cumprir as ordens que lhe foram dadas, sabendo que não demonstrando nos autos, os descontos ordenados, nem os justificando, de nenhum modo, estava a cometer o crime de desobediência, para o qual foi advertido, actuando, pois com dolo directo.

E, nem se diga, que este se encontra afastado, pelas instruções que lhe terão sido dadas pelo seu advogado.

A ordem dada ao arguido e constante das notificações que, pessoalmente, recebeu e assinou, não deixa margem para dúvidas, a qualquer cidadão médio: o não acatamento da ordem de proceder ao desconto de 150€ no seu vencimento, entrega-lo a B... e comprová-lo nos autos, fá-lo-ia incorrer na prática de um crime de desobediência.

Ao contrariar esta ordem da forma que o fez, agiu o arguido livre e conscientemente com intenção de não entregar a prestação alimentar que deveria ter descontado à mãe do seu filho.

Verificado está, também, o elemento subjectivo do ilícito em que o arguido foi condenado.

3. A responsabilidade penal do arguido
Para o recorrente qualquer responsabilidade penal decorrente dos factos imputados recairá sobre a sociedade “ D... L.da”  e não sobre si mesmo, na medida em nunca foi notificado pelo Tribunal de Família e Menores de Coimbra, a título pessoal, mas sempre enquanto legal representante da sociedade.
A questão a dirimir consiste em saber se o arguido pode, individual e autonomamente, ser responsável penalmente pelos actos que praticou, em nome da sociedade.
Sob a epígrafe, “Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas”, dispõe o artigo 11º, do Código Penal, no seu número 1, que só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal, com excepção do previsto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei.
Por seu turno, o nº 2 do mesmo preceito, estabelece a responsabilidade penal das pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, pelos crimes previstos, entre outros, no artigo 348, quando cometidos:
a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
No actual figurino, a responsabilização penal das pessoas colectivas limita-se a um catálogo legal de crimes (não admitindo a punição criminal das pessoas colectivas em todas as áreas de incriminação do direito penal comum), e depende da verificação dos requisitos elencados no nº 2, do preceito em análise, destacando-se, no caso, o da alínea a): quando o crime for praticado em nome e no interesse da pessoa colectiva por pessoa que nela ocupe posição de liderança.
«Parece-nos que para que haja vontade penalmente da pessoa colectiva a nossa lei exige que o acto seja da pessoa que nela ocupa uma posição de liderança, o que pressupõe a vontade culpável dessa pessoa física, mas acresce-lhe a exigência de actuação em nome da pessoa colectiva e a prossecução do interesse colectivo como condição sine qua non para que a vontade das pessoas físicas seja normativamente atribuída à pessoa colectiva e que a vontade desta seja formada nos termos igualmente prescritos …A “vontade” da pessoa colectiva é sempre construída normativamente. Não é nenhuma vontade histórica, mas sim aquela, que de acordo com as circunstâncias, seja valorativamente de atribuir à pessoa colectiva» - Germano Marques da Silva, in Responsabilidade penal das pessoas colectivas – Alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro Revista do CEJ, 1º semestre 2008, número especial, jornadas sobre a revisão do Código Penal,  pág. 95.
E, mais adiante,
«O não confundir a vontade das pessoas físicas e a sua culpa com a da pessoa colectiva é que precisamente marca a natureza própria da responsabilidade de umas e outras. As vontades culpáveis confundem-se frequentemente, mas não necessariamente.
A vontade das pessoas físicas titulares dos órgãos ou representantes da pessoa colectiva não implica necessariamente a vontade de prosseguir o interesse colectivo, donde que os agentes físicos podem ser penalmente responsáveis sem que o seja a sociedade».
Não se questionando, no caso, que era o arguido quem ocupava a posição de liderança na Sociedade D... , possuindo toda a autoridade para exercer o controlo da actividade societária (artigo 11º, nº 4, citado), apenas se poderiam suscitar dúvidas sobre se actuou em nome próprio e com interesse pessoal ou se actuou em nome da sociedade e no interesse desta.
Note-se que o recorrente assume na sua pessoa, diversas qualidades, como a de devedor dos alimentos ao filho e credor do ordenado que aufere da sociedade, e representante legal da entidade patronal que há-de proceder aos descontos no vencimento dele próprio, centrando e confundindo em si mesmo, todas as decisões que, a este propósito, toma em nome pessoal (v.g. não pagamento da pensão de alimentos ao filho) e em nome da sociedade (não acatar o ordenado pelo tribunal, procedendo ao desconto no seu próprio ordenado da prestação alimentícia, entregando-a à mãe).
Porém, como o crime de desobediência não foi imputado à pessoa colectiva, mas apenas ao seu legal representante, resta apurar se a responsabilidade penal do arguido pelos actos que praticou em nome da sociedade está dependente da punibilidade do ente colectivo.
E, podemos adiantar uma resposta negativa.
A propósito da responsabilidade pessoal dos representantes das sociedades, estatui o artigo 12º, nº 1, do Código Penal, a punibilidade de:
«(…) quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exigir:
a) Determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado; ou
b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado».
Tendo por fonte, o artigo 9º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, discutido na Comissão Revisora, 6ª Sessão, em 10 de Janeiro de 1964, a introdução deste preceito foi justificado, à luz da recusa da responsabilidade penal das sociedades.
Na verdade, a regra de que só o homem individualmente considerado é susceptível de sanções criminais, estatuída no artigo 11º, nº 1, do Código Penal, não significa, que não devam ser punidos os indivíduos que praticam infracções na qualidade de membros da pessoa colectiva ou em representação de outrem. Daí a formulação do artigo 12º, na esteira dos mais modernos códigos e projectos.
Trata-se de uma «norma de extensão» a prever a responsabilização, cumulativa com a das entidades colectivas, dos indivíduos que actuem em representação delas.
O agente de facto bem como o administrador legal responde pessoalmente pelo crime praticado funcionalmente – Manuel Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 2004, pág. 97.
«Trata-se sempre de responsabilidade por actos funcionais, ou seja, por factos praticados no exercício de cargo ou função pelos titulares de órgãos sociais, de membros ou de representantes das sociedades. Por isso, que numa primeira leitura dos textos pode entender-se que o assento primário da responsabilidades daqueles agentes consta do artigo 12º, do Código Penal. A letra do nº 1 do artigo 12º abrange efectivamente a actuação dos titulares dos órgãos sociais e representantes mesmo que não se verifiquem os elementos do tipo requeridos pelas alíneas a) e b) do seu nº 1.
(…)
Do artigo 12º do Código Penal e disposições análogas de outros diplomas decorre que o administrador e o representante da sociedade que agem criminalmente, como tais, ou seja, no exercício funcional dos seus cargos ou incumbências, respondem pessoalmente como agentes do crime, mesmo que se trate de crime próprio e os elementos especificadores só se verifiquem na sociedade. (…)
(…) Todo aquele que no exercício de qualquer função no âmbito de actividade empresarial comete crime, realizando pessoalmente os seus elementos constitutivos, seja por acção, seja por omissão, é por ele responsável». - Germano Marques da Silva, in Responsabilidade Penal das Sociedades e dos Seus Administradores e Representantes, 2009, pág. 284 e 286.
Por outro lado, dispõe o artigo 11º, nº 7, do Código Penal:
«A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes».
Ou seja, a punibilidade da pessoa colectiva não substitui a punibilidade dos seus agentes (uma e outra são cumuláveis), nem depende da responsabilização dos respectivos agentes singulares, possibilitando-se, assim, a responsabilização penal da pessoa singular sem responsabilizar o ente colectivo.
  No caso dos autos, nenhuma dúvida subsiste, que foi o arguido/recorrente, quem não acatou a ordem que lhe foi dada, para enquanto legal representante da Sociedade D... L.da, para proceder ao desconto mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), no seu vencimento e enviando-o mensalmente à requerente B... , para a conta com o NIB (...) , a título de pensão de alimentos;
Mais foi avisado que, deveria, declarar a data de início dos descontos referidos, impendendo ainda sobre o mesmo a obrigação de fazer prova nos autos da entrega à requerente do primeiro desconto efectuado.
Por último foi o mesmo arguido, enquanto representante legal da sociedade, advertido que se não comprovasse ter realizado aqueles descontos incorreria na prática de um crime de desobediência.
Donde, nenhuma censura merece a decisão recorrida por ter concluído que o agente do crime de desobediência é, «efectivamente, o arguido, pois que foi quem empreendeu o comportamento desobediente e é o mesmo, efectivamente, o legal representante da referida sociedade (não releva, portanto, para os presentes autos, a questão da eventual responsabilidade penal da mesma, cuja, aliás, não afastaria a do arguido – cf. art.º 11.º, n.º 7, do Código Penal)».

V. DECISÃO

Nestes termos, os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, acordam em julgar não provido o recurso.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCS.

Notifique.

Coimbra, 8 de Março de 2017

(Alcina da Costa Ribeiro – relatora)

(Elisa Sales – adjunta)