Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
19017/20.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RICARDO
Descritores: PRAZO PARA RECORRER
SENTENÇA ORAL REPRODUZIDA NO PROCESSO
NOTIFICAÇÃO POSTERIOR À LEITURA
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CALDAS DA RAINHA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 638.º, N.ºS 1, 3 E 7, 138.º, N.º 1, E 141.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – O prazo para interposição de recurso, quando se trata de uma sentença oral reproduzida no processo, conta-se a partir do dia em que a mesma foi proferida, se a parte estiver presente ou tiver sido notificada para assistir ao acto.
II – É irrelevante, para efeitos de contabilização do prazo em curso, a circunstância de a secretaria judicial ter procedido à notificação da sentença em data posterior à audiência em que se procedeu à leitura.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra  

I – RELATÓRIO.

 Nos autos que A... S.A., move contra B... UNIPESSOAL LDA., veio a ré interpor recurso da sentença proferida a 12/4/2023, pelos fundamentos que constam das alegações oportunamente incorporadas nos autos.     


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A apelada, em reposta, sustentou, entre outras questões, que o recurso é extemporâneo, uma vez que a sentença foi lida em sede de julgamento, o que significa que é aplicável o regime previsto no art. 638º, nº3, do C.P.C..

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Notificada para se pronunciar sobre a invocada extemporaneidade, a apelante nada disse.

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Por decisão proferida a 24/10/2023, foi o recurso julgado extemporâneo, sendo que a apelante, não se conformando com o teor da mesma, reclamou para a conferência, nos seguintes termos:

-1-

Decidiu o Tribunal a quo pela rejeição do recurso por extemporaneidade (cfr. Doc. 1 cuja junção se requer e teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).

-2-

Para tanto, considerou o Tribunal que a prolação da sentença recorrida teve lugar em audiência final realizada no passado dia 12.04.2023, tendo o recurso sido interposto em 2/06/2023.

-3-

Salvo, porém, o devido respeito, carece de total fundamento o despacho reclamado.

Senão vejamos:


-4-

Na ata da sessão de julgamento de 24.03.2023, ficou a constar. “Atenta a necessidade de ponderação de prova, não se profere, não se profere sentença de imediato e designa-se para a sua leitura o próximo dia 12 de Abril de 2023, às 10.00 horas.”         

-5-

Da ata de leitura de sentença de 12.04.2023, ficou a constar: “Quando eram 10.00 horas, pela Mma Juiz de Direito foi declarada reaberta a presente audiência, e verificando não se encontrarem presentes as partes, nem os seus ilustres mandatários, procedeu de seguida à leitura da seguinte: SENTENÇA”.

-6-

Conforme resulta dos autos, a sentença recorrida foi notificada aos mandatários« das partes a 13.04.2023, considerando-se os mesmos notificados a 17.04.2023.

-7-

Daí que, salvo melhor opinião o prazo de recurso de 30 dias, com o acréscimo de 10 dias (nº. 7 do art. 638º), terminava a 29.05.2023.

-8-

Podendo o recurso ainda ser apresentado dentro dos três primeiros dias subsequentes a 29.05.2023, sujeito ao pagamento de multa (nº. 5 do art. 139º do CPC), ou seja, até 01.06.2023.

-9-

Ora, o presente recurso foi apresentado pela A. a 01.06.2023, mediante o pagamento da respetiva multa ( al. c) do citado nº. 5 do art. 139 CPC).

-10-

Pelo que, o recurso é tempestivo.

-11-

Aliás, a questão da tempestividade do recurso foi já apreciada no Tribunal de Primeira Instância no d. despacho de admissão de recurso, datado de 11.09.2023, onde se lê: “…Nas suas contra-alegações, apresentadas no dia 04.09.2023, vem a autora suscitar a intempestividade do recurso, com fundamento no disposto no art. 638.º n.º3 do novo CPC.

Vejamos.

Por despacho proferido no dia 24.03.2023, encerrada a audiência de julgamento, foi designada data para a leitura da sentença, tendo sido ambas as partes notificadas para, querendo, comparecerem à mesma [cf. acta de 24.03.2023].

Na ausência de ambas as partes, a sentença recorrida foi inserida na acta datada de 24.03.2023, ordenando-se a respectiva notificação às partes.

A sentença foi, assim, notificada a mabas as partes através de ofícios electrónicos remetidos aos Ils. Mandatários no dia 13.04.2023.

Destarte, no caso concreto, não obstante o disposto no n.º3 do art. 638.º do novo CPC, invocado pela autora recorrida, certo é que ambas as partes foram notificadas da referida sentença através de ofício remetido no dia 13.04.2023.

E, nessa medida, em consequência de tal notificação, o prazo para interposição de recurso iniciou-se com a notificação da sentença nos termos e para os efeitos do disposto no n.º1 do art. 638.º do novo CPC, a qual se presume realizada no 3.º dia posterior à expedição ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (cf. os arts. 248.º e 249.º n.º1 do novo CPC), in casu, no dia 17.04.2023.

Como tal, o prazo para interposição de recurso, acrescido de 10 dias, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do art. 638.º do novo CPC terminou no dia 29.05.2023. Destarte, o recurso interposto no dia 01.06.2023 foi apresentado no terceiro dia útil posterior ao término do prazo, tendo a ré recorrente procedido, com vista à sua admissibilidade, à autoliquidação da multa prevista na alínea c) do n.º5 do art. 139.º do novo CPC.

Concluo, em consequência, pela tempestividade do recurso apresentado pela ré.”


-12-

Em face do exposto, não existe fundamento para a rejeição do recurso.

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A reclamada, na sequência da notificação que lhe foi feita, apresentou a seguinte resposta:

A decisão reclamada que julgou a apelação extemporânea e, em consequência, não admiti o recurso interposto pela Ré é tão clara, límpida e transparente quanto o preceito legal que aplicou (nº 3 do artigo 638º do C.P.C.) e não merece qualquer reparo.

A Requerente lamenta e apela à compreensão de V. Exas., mas não tem outra forma de responder à reclamação em apreciação, que não seja repetir a factualidade e fundamentação da extemporaneidade do recurso, que apresentou em contra-alegações e que é a seguinte:

Em matéria de recursos, a regra geral no domínio do “dies a quo” é a data da notificação da sentença a impugnar, tal como expressamente resulta do disposto no nº 1, do artº 638º, do CPC.  

Porém, em sede de sentenças orais, o “dies a quo” para efeitos de interposição de recurso conta-se a partir do dia em que a mesma foi proferida, quando a parte tenha estado presente ou tenha sido notificada para assistir ao acto, conforme claramente prescreve o nº 3 do mesmo artigo 638º.  

Iniciando-se o prazo para interpor recurso das decisões orais a partir da data da sua prolação, e não carecendo ela de à parte voltar a ser notificada - pois que vale como notificação a convocatória e comunicação feita aos interessados presentes em acto processual, cfr. artº 254º, do CPC.         

Nos presentes autos a audiência de julgamento teve lugar no passado dia 24.03.2023, pelas 10 horas, conforme consta da respectiva acta registada na Plataforma Citius com a Referência 103329474.

Da mesma acta, consta o seguinte:

“Terminadas as alegações por parte dos Ilustres Mandatários, a Mmª Juiz proferiu o seguinte:

DESPACHO

“Atenta a necessidade de ponderação da prova, não se profere sentença de imediato e designa-se para a sua leitura o próximo dia 12 de Abril de 2023, às 10:00 horas.

Notifique.”

Dos despachos proferidos foram os presentes notificados, do que ficaram cientes, tendo a audiência sido declarada encerrada quando eram 13:15 horas.”

Verifica-se, assim, que ambas as partes foram notificadas da data da leitura da sentença e para tal devidamente convocadas nos termos do artigo 254º do C.P.C., encontrando-se tal notificação devidamente documentada na respectiva acta, como já se referiu

A leitura de sentença ocorreu efectivamente no dia 12.04.2023, pelas 10 horas, conforme consta da Acta de Leitura de Sentença, com a Referência Citius 103486286.

Assim sendo, o prazo para a interposição de recurso iniciou-se no dia em que foi proferida a sentença em 12.04.2023 – nº 3 do artigo 638º do C.P.C..

O prazo geral de recurso de 30 dias iniciado em 12.04.2023 terminou no dia 12.05.2023 – nº 1 do artigo 638º do C.P.C..

Os 10 dias acrescidos nos termos do nº 7 terminaram no dia 22.05.2023 – nº 7 do artigo 638º do C.P.C..

Os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo de recurso em que a Ré podia ter praticado o acto com pagamento imediato de multa, terminou no dia 25.05.2023 – nº 5 do artigo 139º do C.P.C..

Contudo a Ré só interpôs o presente recurso de apelação no dia 01.06.2023, conforme consta da certificação Citius aposta no requerimento que apresentou e que se encontra registado na mesma Plataforma com a Referência 9806072.

Por último, importa dizer que, o facto dos mandatários das partes virem a ser notificados posteriormente por intermédio do Citius não tem a virtualidade de inutilizar o prazo que se iniciou nos termos do nº 3 do artigo 638º do C.P.C., que é norma especial.  

Face ao exposto, que se encontra devidamente documentado, é claro e manifesto que o recurso interposto pela Ré é extemporâneo, pelo que o requerimento de recurso deverá ser indeferido uma vez que foi interposto fora de prazo – al. b) do nº 2 do artigo 641º do C.P.C., mantendo-se a douta decisão reclamada e que assim decidiu.”.


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Questão objecto da reclamação: oportunidade da interposição do recurso apresentado pela apelante.


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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Factos provados.

Importa tomar em consideração a seguinte tramitação processual com interesse para o conhecimento da reclamação apresentada:

1 – Em audiência final realizada no âmbito da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias que corre termos no Juízo Local Cível das Caldas da Rainha sob o n º19017/20...., com a presença dos ilustres mandatários das partes, após produção de prova e alegações, a Meretíssima Juíza proferiu o seguinte despacho

Atenta a necessidade de ponderação da prova, não se profere sentença de imediato e designa-se para a sua leitura o próximo dia 12 de Abril de 2023, às 10:00 horas.

Notifique.”

2 – O despacho referido em 1 foi notificado aos presentes, designadamente aos ilustres mandatários das partes.

3 – No dia 12/4/2023, a Meretíssima Juíza que presidiu à audiência procedeu à leitura da correspondente sentença, nos termos que constam da respectiva acta, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

4 – Os ilustres mandatários das partes não se encontravam presentes aquando da leitura da sentença.

5 – Em 13/4/2023, a secretaria judicial remeteu aos ilustres mandatários das partes cópia da sentença supra aludida.

6 – Em 2/6/2923, a ré interpôs recurso da referida sentença, recurso que foi indeferido por despacho proferido em 24/10/2023,


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2.2. Direito aplicável.

Dispõe o art. 638º, nº1, do C.P.C. que “O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão (…), acrescentando o nº7 do mesmo artigo que “Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.”.

Por sua vez, estabelece o nº3 do mesmo art. 638º que “Tratando-se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve presente ou foi notificada para assistir ao ato.” [1].

Na situação em apreço, constata-se que em audiência final realizada no passado dia 12/4/2023 ocorreu a prolação da sentença, sendo que o recurso foi interposto em 2/6/2023

Mais, se constata que as partes, nomeadamente a ré, foram notificadas para assistir à leitura da sentença, conforme consta da acta da sessão de julgamento que teve lugar em 24/3/2023.

É, pois, evidente, atenta a data em que o recurso foi apresentado, que o mesmo é extemporâneo, sendo que, para o efeito, não releva a notificação que a secretaria efectuou em momento ulterior [2], dado que não tem a virtualidade de prorrogar um prazo que já se encontrava em curso (cf. arts. 138º, nº1, e 141º, nº1, ambos do C.P.C.) [3].

Deste modo, improcede a reclamação apresentada, devendo decidir-se em conformidade, com os efeitos daí resultantes.


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III – DECISÃO.

Pelo exposto, decide-se julgar a reclamação improcedente e, em consequência, manter a decisão reclamada.

Custas pela reclamante/apelante.

Coimbra, 9 de Janeiro de 2024

 (assinado digitalmente)


Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Maria Teresa Albuquerque

(1ª adjunta)

António Fernando Marques da Silva

(2º adjunto)



[1] O sublinhado é nosso.
O regime jurídico em apreço transitou do anterior Código de Processo Civil, sendo pacífico, a nível jurisprudencial, que quando se trata de uma sentença oral reproduzida no processo, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir do dia em que a mesma foi proferida, se a parte estiver presente ou tiver sido notificada para assistir ao acto.
Neste sentido, cf. o Acórdão da Relação de Guimarães de 7/5/2013, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/1825ec4022a3051080257b780054980d?OpenDocument
O sumário do Aresto em questão é o seguinte:
1. - A regra geral que vigora em sede de contagem do prazo para a interposição do recurso no domínio do “dies a quo” é a da data da notificação da sentença a impugnar, tal como expressamente o refere o nº1, do artº 685º, do CPC ;
2.- Porém, tratando-se de sentenças orais reproduzidas no processo, o “dies a quo” do prazo para efeitos de interposição de recurso conta-se já a partir do dia em que a mesma foi proferida, quando a parte tenha estado presente ou tenha sido notificada para assistir ao acto - cfr. nº 3, do artº 685º;
3. - É que, em rigor, dir-se-á que a “presença” a que se faz referência no referido nº3, do artº 685º, do CPC, há-de entender-se não no sentido de presença física, mas de presença processual, ou seja, desde que regularmente convocada para a audiência mas à mesma não comparecendo fisicamente, tal não impede porém que se considere que a parte esteve presente processualmente , e , como tal, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data em que a sentença foi proferida, não se impondo uma sua ulterior - e efectiva - notificação .
4.- Destarte, estando a correr o prazo de interposição de recurso de sentença ditada para acta de audiência de julgamento, tem a parte que estava notificada mas que não esteve presente, porque à audiência não compareceu, o ónus de se informar do que aconteceu nesse acto.”.
No mesmo sentido e da mesma Relação, cf. o Acórdão de 17/12/2013, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2013:156200.12.0YIPRT.G1.B8/.
[2] Trata-se de um acto inútil - art. 130º do C.P.C. -, uma vez que a notificação, neste caso, já estava efectuada, nos termos previstos no art. 638º, nº3, do mesmo Código.
[3] - Art. 138º, nº1, do C.P.C.: “O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo (…)”.
- Art. 141º, nº1, do C.P.C.: “O prazo processual marcado pela lei é prorrogável nos casos nela previstos.”.