Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3713/16.1T8LRA.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
VALOR PROBATÓRIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO DAS PARTES E PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL
DEVER DE CONHECER DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO
PREÇO DECLARADO EM DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA DA DECLARAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO DE CRÉDITOS ENTRE EX-CÔNJUGES
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 371.º, N.º 1, 372.º, N.º 2, 374.º, 376.º, 393.º, N.º 2, E 551.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 5.º, N.º 1, E N.º 2, ALÍNEA B), DO CPC.
Sumário: I -  No julgamento da matéria de facto não deve dar-se como provado ou não provado que uma das partes escreveu pelo seu punho determinados documentos, porque estes apenas visam comprovar aqueles.

II - Documentos de onde não conste a letra e assinatura ou só a assinatura da parte são documentos de apreciação livre (conjugação dos arts. 374º e 376º do CC), que sem mais, só por si, não têm a virtualidade de comprovar o pretendido pela parte;

III - Se o facto que se pretende seja dado por provado tiver a natureza de principal essencial e não foi alegado pela parte respectiva não pode ser considerado em impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de violação do disposto no art. 5º, nº 1, do NCPC; se tiver a natureza de facto principal complementar e resultar da instrução da causa e que as partes conheceram, só pode ser considerado, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para o considerar factualmente ou a parte requerer que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório;

IV) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução de direito e mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

v) Apesar de estarem declarados determinados preços nas escrituras/títulos de compra e venda, poderão ser considerados probatoriamente de forma livre outros preços, por a prova testemunhal e documental, devidamente conjugada para aí apontar, já que a força probatória dos documentos autênticos se resume ao que as partes declararam sobre o montante dos preços das compra e vendas (arts. 371º, nº 1, 372º, nº 2, 393º, nº 2, a contrario, do CC); tanto mais que não estamos no presente processo num confronto entre partes simuladoras dos contratos, de um lado e de outro, mas sim num conflito interno entre os simuladores do preço dos contratos de compra e venda, A. e R. como vendedores (de vendas feitas a terceiros compradores);

vi) É de actualizar no momento da partilha os créditos por compensações entre ex-cônjuges, nos termos do art. 551º do CC.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. AA, residente em ..., intentou acção declarativa contra BB, residente em ..., pedindo que seja declarado que (o pedido inicial foi entretanto alterado e admitido):

I -

a) O autor adquiriu a título gratuito os imóveis tal como identificados em 1º, 2º e 3º, bem como o montante em dinheiro indicado em 19º;

b) Os preços das apontadas vendas, efectivamente pagos e recebidos por autor e ré são os indicados em 13º, 17º e 22º;

c) Conservam a qualidade de bens próprios do autor, os dinheiros dos preços por que foram alienados os referidos bens imóveis e os pinheiros, no total de 86.240 € e o dinheiro só a ele doado no montante de 9.900 €;

d) Todas as referidas benfeitorias, nos valores de 25.250 € quanto à casa e seu logradouro, e de 59.900 € quanto ao barracão, porque sub-rogadas no lugar de bens próprios do autor, conservam a qualidade de bens próprios do autor; e

e) por isso, aqueles montantes devem ser atribuídos ao autor, por ter um direito de crédito no total de 85.150 € sobre o património comum do ora dissolvido casal de autor e ré; ou, a não se entender assim, sobre a ré.

II - Deve ser declarado que a ré tem a obrigação de compensar o autor no montante de 16.000 €; ou, a não se entender assim, sempre e pelo menos pela metade deste valor.

III - Deve a ré ser condenada a tudo reconhecer.

IV- Devem ser atualizados, à data da sentença ou outra que se vier a fixar, os valores monetários dos pedidos I- b) e c) e II, mediante correção monetária conforme os índices de preços no consumidor do INE e sempre para valores acima dos ora indicados em 8º.

V- Deve a ré ser condenada a pagar ao autor juros de mora, à taxa legal em vigor, sobre os valores atualizados referidos em IV e desde a data que aí se vier a fixar até à data da partilha entre autor e ré ou ao seu recebimento integral pelo autor;

ou caso venha a improceder este pedido – sua 2ª parte:

VI- Deve a ré ser condenada a pagar ao autor juros de mora à taxa legal em vigor, sobre todos e quaisquer montantes do pedido e que venham a ser fixados na sentença, desde a citação até à data da mesma partilha entre autor e ré ou até ao seu recebimento integral pelo autor.

Para alicerçar a sua pretensão, alegou, em síntese, que: por doação e partilha, de Outubro de 1986, recebeu determinados bens, que identificou, designadamente uma casa; por outra partilha, de Julho de 1997, recebeu outro bem, que identificou; casou com a ré em Julho de 1987, no regime da comunhão geral de bens, tendo o seu casamento sido dissolvido por divórcio, por decisão transitada em julgado em Outubro de 2014; a casa supra referida, até uns meses antes do casamento, mantinha-se sem quaisquer condições de poder vir a ser a casa de morada de família após o casamento, pelo que ambos decidiram levar a cabo obras de acabamento e melhoramento, com o custo que ambos pagaram, tendo aí construído também contiguamente uma churrasqueira, currais e um muro em tijolo, com o custo que ambos também pagaram; para realizarem dinheiro com que pagaram os custos das obras, ambos fizeram venda de vários bens; numa parcela, desanexada por ambos, de um terreno que a ré havia adquirido em partilhas, construíram um barracão, com custo suportado por ambos; para realizarem dinheiro de que necessitavam para os pagamentos de tais obras, ambos venderam dois bens; recebeu por herança da tia mais um determinado valor que indicou, tendo tal dinheiro sido também destinado por ambos aos pagamentos das obras de construção do referido pavilhão; que as benfeitorias assim pagas, nos valores de 25.250 € quanto à casa e seu logradouro, e de 59.900 € quanto ao barracão, porque sub-rogadas no lugar de bens próprios do autor, conservam a qualidade de bens próprios do autor e, no momento da partilha, aqueles montantes devem ser atribuídos ao autor, por ter um direito de crédito no valor total de 85.150 € sobre o património comum do dissolvido casal, ou, a não se entender assim, sobre a ré e que sempre e em qualquer caso deve ser pago ao autor; que a ré é obrigada a participar em metade numa dívida de 16.000 € que referiu e que foi paga, na sua totalidade, com o dinheiro da venda do imóvel pertencente ao autor, impondo-se a obrigação de compensar o autor nesse montante ou, se não, sempre e pelo menos pela metade destes valor, aquando da partilha.

A ré contestou e deduziu reconvenção, tendo naquela aceite parte dos factos alegados e impugnado os restantes. Pugnou, a final, pela improcedência da acção.

O autor replicou, tendo, além do mais, suscitado incidente de litigância de má-fé da ré, requerendo a sua condenação em multa e em indemnização a seu favor, no montante de 3.000 € por danos não patrimoniais e em valor a fixar a final como indemnização pelos danos patrimoniais. A ré exerceu o contraditório.

A reconvenção foi julgada inadmissível.

*

A final foi proferida sentença que reconheceu que o A. adquiriu os bens a que se referem os factos provados 2. e 4. a título não oneroso, em tudo o mais se julgando a acção improcedente, absolvendo-se a R. do pedido, mais se julgando improcedente o incidente de litigância de má-fé suscitado pelo A., absolvendo-se a R. do mesmo.

*

2. O A. recorreu. Nesta Relação, por decisão sumária do relator, foi julgado parcialmente procedente o recurso, e, em consequência ordenou-se a realização da perícia requerida pelo A.  

Foi efectuada a referida perícia. O A. reclamou dela, reclamação que foi indeferida.

*

Entretanto o A. alterou o pedido, reduzindo-o, por um lado e ampliando-o, por outro, alteração que foi admitida.

*

A final foi proferida nova sentença igual à anterior.

*

3. Sob novo recurso do A. foi proferida nova decisão sumária do relator que julgou procedente o recurso, e, em consequência deferiu a aludida reclamação à perícia, decisão mantida em acórdão, após pedido de intervenção da conferência.  

A seguir o A. requereu a junção aos autos de 17 documentos que não foram admitidos, decisão que sob novo recurso do A. foi mantida por nova decisão sumária do relator.

Entretanto o A. veio prescindir da reclamação à perícia.

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4. Tendo o A. interposto, oportunamente, recurso, nele concluiu que:

1ª – (… neste momento irrelevante).

2ª – A decisão sobre a matéria de facto errou e a Mª Juiz julgou – a incorretamente e daí dever ser alterada a matéria de facto, em conformidade com os pontos desta alegação e a seguir mencionados:

2.1- deve ser dado como provado que a R. apelada escreveu pelo seu punho os documentos de fls. 268, 185 vº a 186 vº e 315, por sua iniciativa e de acordo com a sua vontade;

2.2- deve ser alterada a redação dos factos provados dos pontos 9. e 12., nos termos deste ponto e devem, ainda, serem dados como provados os factos 17., 18., 19. e 20. a aditar aos já dados como provados e nos termos deste mesmo ponto 2.2, com a consequente eliminação das alíneas c), f), g), h), k), l) e o) dos factos não provados da sentença recorrida;

2.3- deve ser alterada a redação do facto provado 14. da sentença recorrida, nos termos deste ponto 2.3, com a consequente eliminação da alínea m) dos factos não provados da sentença recorrida;

2.4- deve ser aditado ao facto 20., o facto 21. que deve ser dado como provado com a redação que consta deste ponto 2.4 e ficando assim prejudicado o alegado no ponto 1. da alegação quanto ao barracão e, em consequência, deve eliminar-se a alínea j) dos factos não provados da sentença recorrida; e

2.5- deve ser aditado ao facto 21., o facto 22. que deve ser dado como provado com a redação que consta deste ponto 2.5.

2.6- deve ser alterada a redação do facto provado 11., devendo o seu segmento inicial até “6000m2 “ inclusive passar a ser como consta no inicio deste supra ponto 2.6, mantendo – se a sua redação daí em diante e até final.

3ª –- Na sentença recorrida ocorreram erros notórios na apreciação da prova testemunhal, como se refere no ponto 3. desta alegação, pois que apenas se terá de dar credibilidade às testemunhas do A. apelante e não às da R. apelada, desde logo por estarem de relações cortadas com aquele.

4ª - A sentença recorrida não se pronunciou e deveria tê-lo feito sobre a 2ª parte do pedido I- a) que também deve ser julgado procedente e o que configura nulidade nos termos do artº 615º nº 1- d) CPC.

5ª- A sentença recorrida deve ser revogada, na parte em que julgou a ação improcedente; ou seja, os pedidos I- a) 2ª parte b) a e), II e III e o incidente de litigância de má fé por parte da R. apelada, devendo proferir–se douto acórdão que, no provimento do recurso, julgue a ação procedente tendo em conta, também, os aditados pedidos IV, V e VI em resultado da admitida alteração do pedido.

6ª- Fazendo errada interpretação e aplicação, o Tribunal “a quo “violou as seguintes disposições legais:

- artºs do CPC: 467º, 475º, 485º e 480 º (quanto à decisão interlocutória do ponto 1.1); 5º, 411º, 423º, 444º, 574º nº 2 e 607º nºs 3 e 5 e 413º, 608º nº2, 635º nº 3.

- artºs do Ccivil: 371ºnº 1, 374º, 376º, 473º, 479º, 1790º, 1722º, 1723º, 1730º nº 1, 1691º nº1- a) e 1697 e 280º, 286º, 294º, 354º-a) c), 360º, 1376º, 1377º-c).

- artºs do DL 555/99 de 16.12, na redação da Lei 28/2010 de 2.9:2º-i) 4ºnº2-a),6ºnº1 d) e nº 5.

- artº do DL 116/2008 de 4.7: 22º

3. A R. contra-alegou, concluindo que:

1ª  a 3ª (… neste momento irrelevantes).

4ª Relativamente às considerações da matéria de facto, sempre se dirá que é mister distinguir entre erro na apreciação ou julgamento da matéria de facto ou simples apreciações distintas.

5ª Isto porque, o que o autor pretende é que a prova devidamente produzida e trazida a julgamento seja apreciada e valorada, simplesmente, de forma a que lhe dê jeito.

Vejamos:

6ª O autor pretende que sejam dados como provados os pontos 2.1 a 2.5 das suas Alegações.

7ª Contudo, para almejar esse fim, não consegue trazer nada que não tenha sido já devidamente conhecido e apreciado em Tribunal.

8ª Atente-se que o mesmo utiliza apenas pequenos excertos dos depoimentos das testemunhas do autor, apenas, para os tentar desvirtuar e descontextualizar (não junta sequer as transcrições devidas e integrais como se lhe impunha, salvo o devido respeito).

9ª E não o faz porque, como o Douto Tribunal recorrido já havia constatado (… reprodução de texto da sentença) ainda que, (…reprodução de texto da sentença).

10ª Em suma, o autor requereu a condenação da Ré, nomeadamente:

“c) (… reprodução do pedido)

d) (… reprodução do pedido)

e) (… reprodução do pedido)

11ª Contudo, em momento algum logrou provar esses factos nem por prova documental (mister in casu), nem através de prova testemunhal, pois que, reiterando as palavras da douta sentença recorrida:

(…reprodução de texto da sentença).

12ª Socorrendo-se deste regime legal, pretendia o autor que fosse reconhecida a sua qualidade de credor sobre o património comum ou, se assim não se entendesse, sobre a ré, por ter aplicado o produto da venda de bens próprios e o dinheiro que recebeu de sua tia na realização de benfeitorias.

13ª Não logrou, porém, o autor provar – como lhe competia – que tenha sido com o seu dinheiro próprio que as obras de acabamento da “casa e seu logradouro” e do “barracão” foram pagas, pelo que improcede, nessa parte, o seu pedido.

14ª Pelo que, sempre com a maior reverência e respeito, se poderá dizer que andou bem o Tribunal a quo na decisão, não merecendo esta qualquer reparo.

15ª Não tendo o recorrente trazido absolutamente nada de novo nas presentes Alegações, nem tão pouco tendo conseguido pôr em crise a sentença ora recorrida, a qual, se encontra muitíssimo bem fundamentada, não só legalmente, como em termos de apreciação probatória, não havendo consequentemente qualquer erro notório na apreciação da prova testemunhal!

16ª Quanto à nulidade requerida (ponto 4ª das Conclusões das Alegações), o mesmo não se refere em particular a nada, apenas se limitando a afirmar que “a sentença não se pronunciou e deveria tê-lo feito sobre a 2ª parte do pedido I-a)”, contudo, logo de seguida, no ponto 5ª refere “a sentença recorrida deve ser revogada, na parte em que julgou a ação improcedente, ou seja, os pedidos I-a) 2ª parte).

17ª Isto é, a confusão é tal que o recorrente pede a nulidade da sentença por não haver pronuncia de algo que, imediatamente, requer revogação da decisão por dela não concordar.

18ª Em suma, facilmente se compreende que as Alegações de Recurso ora alvo de resposta não se encontram minimamente sustentadas, tendo o recorrente apenas se limitado a recorrer, limitando-se a alegar pressupostos e normas legais, todavia desprovidas de qualquer contexto concreto com o processo e o ocorrido/trazido ao mesmo.

19ª Devendo, assim, improceder as referidas Alegações, por não provadas.

Nestes termos, deve o recurso ser julgado improcedente, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA!

II - Factos Provados

 

1. O autor e a ré casaram em 14.07.1987, no regime convencionado da comunhão geral de bens, tendo esse casamento sido dissolvido por divórcio, por decisão transitada em julgado em 20.10.2014, proferida em processo de divórcio por mútuo consentimento da Conservatória do Registo Civil ... (conforme documento junto a fls.24-26 do processo físico).

2. Na escritura de doação e partilha, outorgada em 03.10.1986, no ... Cartório Notarial ..., consta, além do mais e ora com interesse:

a) AA (ora autor), no estado de solteiro, maior, foi herdeiro, juntamente com sua mãe CC e dois irmãos DD e EE, de seu falecido pai FF ou só DD.

b) A mãe CC fez doação a estes três filhos, em comum e partes iguais, do seu quinhão na herança do falecido marido e bem assim da sua meação nos bens que foram do dissolvido casal.

c) O autor e seus irmãos procederam à partilha dos mesmos bens, tendo sido adjudicadas ao autor, além do mais, as verbas:

- 9: 1/3 indiviso de terra de semeadura, no sítio da ... ou ..., com a área total de 1760 m2, a confrontar do norte com lagar de azeite, nascente com GG, sul com ... e poente ... e HH, com o artigo matricial ...04.

- 12: Terra de semeadura, no sítio das ..., com a área de 590 m2, a confrontar do norte com II, nascente e poente com ... e sul com JJ, com o artigo matricial ...97.

- 21: Pinhal no sítio do ..., com a área de 4950 m2, a confrontar do norte com KK, nascente com LL, sul com MM e poente com NN, com o artigo matricial ...31.

- 27: Terra com eucaliptos, no sítio da ..., com a área de 400 m2, a confrontar do norte e poente com OO, nascente com PP e sul com QQ, com o artigo matricial ...81.

- 29: ½ indivisa de pinhal, no sítio do ... ou ..., com a área total de 2800 m2, a confrontar do norte com RR, nascente com herdeiros de SS, sul com TT e poente com caminho, com o artigo matricial ...56.

- 32: 1/3 indiviso de uma casa que serve de lagar de azeite, no sítio da ... ou ..., com a superfície coberta de 78 m2 e dependências com 10 m2, a confrontar do norte com estrada, nascente com II, sul com terra dos próprios e poente com HH, com o artigo matricial urbano (então) ...13.

(Tudo conforme documento de fls.9 e segs. do processo físico).

3. Aquelas verbas 9 e 32, embora formalmente assim descritas, à data da escritura, já antes, tinham existência material como prédios autónomos e distintos, o que era respeitado pelos nisso interessados e, por isso, ao autor passaram então a caber, na prática:

a) como verba 9: uma parcela de terreno de semeadura com a área de cerca de 580 m2, delimitado por marcos a nascente, por ... a sul e poente e, do lado norte, por casa de habitação da verba 32.

b) como verba 32: casa de habitação inacabada na extremidade lado poente do antigo lagar de azeite, de r/c amplo e 1º andar.

4. Na escritura de partilha, outorgada em 09.07.1997, no ... Cartório Notarial ..., aí exarada a fls. 30 do Livro ..., por óbito do acima referido pai do autor, foi partilhado o seguinte prédio pertença do dissolvido casal dele com CC e situado na freguesia de C..., concelho ...: “Prédio urbano composto de barracão destinado a oficina, telheiro, e arrecadação com a área coberta de 340 m2 e logradouro e quintal com a área de 585 m2, sito na Rua S..., ..., a confrontar do norte com EE, sul com DD, nascente com UU e outro e poente com Estrada e caminho e omisso à matriz” e agora com o artigo matricial urbano ...07, o qual foi adjudicado, em partes iguais, ao autor e a seu irmão EE, mediante o pagamento, por estes, de tornas aos demais interessados delas credores (conforme documento de fls.17-19 do processo físico).

5. A casa referida em 3. b), até uns meses antes do casamento de autor e ré, mantinha-se inacabada e sem quaisquer condições de poder ser habitada e vir a ser a casa de morada do casal, tal como estes decidiram e veio a acontecer após o respetivo matrimónio.

6. Autor e ré decidiram, tendo em vista o seu casamento e durante alguns meses que o antecederam, levar a cabo obras de acabamento e melhoramento da mencionada casa, bem como procederem ao seu recheio, sendo que, nomeadamente:

a) no r/c, abriram os vãos dos dois portões que aí colocaram;

b) no 1º andar, rebocaram-no, colocaram ladrilhos no chão, colocaram a canalização de águas e esgotos, bem como a instalação elétrica;

c) mobilaram a cozinha, com bancada e mesa, além do mais e instalaram eletrodomésticos vários, mormente, fogão, frigorífico, esquentador, placa a gaz;

d) mobilaram o quarto de casal e a sala, nomeadamente, com cama, cómoda, mesinhas, mesa em vidro e inox, cadeiras e móvel;

e) instalaram motor no poço para abastecimento de água;

f) pintaram o interior do 1º andar e todo o exterior;

g) construíram uma marquise na parte posterior do 1º andar e a partir do chão, com cerca de 10 m2, paredes em tijolo e cobertura em placa de cimento e telhado, que pintaram e nela puseram canalização de águas e esgotos, bem como instalação elétrica.

7. No terreno referido acima sob 3. a), ao longo e contíguo à sua estrema poente, após o casamento, autor e ré procederam à construção de:

a) uma churrasqueira, composta de parede em tijolo com 2 m de comprimento por 2,5 m de altura e de uma cobertura em placas de fibrocimento assentes em vigas de cimento e com uma largura de cerca de 2 m;

b) currais vários para criação, com paredes de tijolo num comprimento de 8 m, largura de cerca de 3 m e altura de 2,5 m, com cobertura em madeira de eucalipto e telha marselha; e

c) entre a marquise e a churrasqueira e à estrema, um muro em tijolo com 9 m de comprimento e 80 cm de altura.

8. O custo das obras e o valor da aquisição dos bens móveis referidos em 6. e 7. foram pagos por autor e ré.

9. No decurso do casamento mencionado em 1., autor e ré procederam à venda do terreno na ... (verba 27) a VV, pelo preço declarado de €74,82 (à data, Esc.15.000$00), e do terreno no ... (verba 21) a EE, pelo preço declarado de €810.00

10. Essas vendas vieram a ser formalizadas, pelo autor e pela ré, com a outorga, respetivamente:

- De escritura de compra e venda celebrada com VV, em 24.07.1991 (documento de fls.29-30 do processo físico),

- De título de compra e venda de 21.03.2013, celebrado, por indicação de EE, com o filho deste XX (documento de fls.31-33 do processo físico).

11. Numa parcela com a área aproximadamente de 2.600 m2, desanexada por autor e ré de um terreno de vinha e pinhal com a área de cerca de 6.000m2 que a ré havia adquirido em partilhas por óbito de seu pai YY, entre o verão de 2011 e início de 2012, autor e ré levaram a cabo a construção de raiz, que concluíram, de um barracão de rés do chão amplo e 2 divisões para casa de banho e arrecadação, destinado a armazéns e atividade industrial, com a área coberta (de implantação do edifício) de cerca de 490,60 m2 e logradouros (área descoberta) com aproximadamente 2.060 m2, situado na Rua F..., no lugar de ..., agora União das Freguesias ... e ..., concelho ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...93, sendo o valor atual de mercado do imóvel de cerca de €166.804,00.

12. Por título de compra e venda de 22.09.2011, outorgado na ... CRP ..., autor e ré venderam a ZZ, pelo preço declarado de €5.000,00, o prédio rústico composto de terra de semeadura, no sítio de ..., freguesia de C..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...97 (documento de fls.36-38 do processo físico).

13. Por escritura de compra e venda de 03.01.2012, outorgada no Cartório Notarial ..., autor e ré venderam a EE, pelo preço real ajustado de €55.000,00 e por conta do qual, então, só receberam €39.000,00€, ½ indivisa do prédio urbano composto por barracão destinado a oficina, telheiro, arrecadações, logradouro e quintal, sito na Rua S... em ..., freguesia de C..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...07 (documento de fls.40-42 do processo físico).

14. A diferença entre o preço da transmissão referida em 13. e o montante efetivamente recebido pelos autores (o qual se cifra no valor de 16.000,00) foi usado, conforme combinado entre o autor e EE, para pagamento de dívidas da sociedade B... Lda.

15. Após a morte de AAA, o dinheiro desta foi distribuído entre os seus sobrinhos, tendo o autor recebido, nessa qualidade, a quantia de €9.900,68, mediante cheque datado de 09.07.2011.

16. O autor constituiu Mandatário para intentar esta ação, contactou as pessoas que visava arrolar como testemunhas e compilou documentos.

*

Factos não provados:

(…)

c) Qual o custo das obras e dos bens móveis mencionados em 6.

(…)

f) Que o produto das vendas mencionadas em 9. e 10. tenha sido usado, exclusivamente ou em parte determinada, para pagamento dos custos das obras e aquisição de bens mencionados em 6. e 7.

g) Que as vendas referidas em 9. se hajam realizado, respetivamente, pelos preços reais de €8.750,00 e de €8.750,00.

h) Que, para realizarem dinheiro com que pagaram os custos das mesmas obras, autor e ré tenham vendido os pinheiros do terreno no ... para a serração dos ... em ..., pelo preço real e efetivamente por eles recebido de €5.500,00, e dos pinheiros da ½ adjudicada ao autor no terreno do ... ou ... para a serração de BBB, pelo preço real e efetivamente por eles recebido de €4.750,00.

(…)

j) A identidade das pessoas que levaram a cabo a construção do barracão referido em 11. e qual o custo dessas obras.

k) Que a venda mencionada em 12. se tenha realizado pelo preço real de €11.000,00.

l) Que todo ou parte do dinheiro proveniente das vendas mencionadas em 12. e 13. tenha sido despendido na obra aludida em 11.

m) Que o dinheiro aludido em 14. tenha sido utilizado para pagamento de dívidas comuns do autor e da própria ré.

(…) 

o) Que o dinheiro referido em 15. tenha sido destinado, na sua totalidade, por autor e ré, ao pagamento das obras de construção do supra mencionado barracão ou em que parte teve tal destino.

(…)

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Bens próprios do autor e património do A. compensado pela R.

- Litigância de má-fé da R.

2. O A. veio arguir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, relativamente à 2ª parte do pedido I- a), nos termos do art. 615º nº 1, d), do NCPC. Mas ao mesmo tempo, pede revogação da sentença na parte em que julgou a acção improcedente quanto ao pedido I- a), 2ª parte (cfr. conclusões de recurso 4ª e 5ª).

Perante esta contradição, que não cabe ao tribunal de recurso ultrapassar, só por aqui, havia motivo para indeferir tal nulidade. Na verdade, se o A. pede a revogação do decidido quanto a essa parte do pedido é porque reconhece que houve pronúncia do tribunal a quo.

E, efectivamente, o tribunal recorrido emitiu pronúncia, conforme se vê do seguinte segmento da fundamentação jurídica da decisão apelada “Já quanto ao dinheiro a que se refere o facto provado 15., não se dispondo de factos que permitam concretizar qual a causa do recebimento desse dinheiro – se por vontade da de cujus, se por outro título e se o mesmo foi destinado apenas ao autor ou antes ao casal que então formava com a ré –, pensa-se não estar devidamente fundamentada a inerente pretensão do autor vertida sobre o seu primeiro pedido, que, consequentemente, improcede.”.

Por conseguinte, indefere-se a arguida nulidade. 

3. O A. veio impugnar a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 9., 11., 12. e 14., aditando-se outra factualidade e eliminando-se os factos não provados c), f) a h), j) a m) e o), sugerindo as correspondentes novas redações factuais, pelas razões e meios probatórios que invoca (conferir conclusões de recurso 2ª e 3ª, e corpo das alegações).

Na sentença exarou-se a seguinte motivação:

Consignados os factos que se julgam provados e aqueles que se entende não se terem demonstrado, urge proceder à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Nesta sede e antes de mais, cumpre referir que a ré, na sua contestação, aceitou grande parte dos factos alegados na petição inicial, o que, aliado à prova documental junta com a petição inicial dos factos que dela carecem (nomeadamente, dos factos retratados em documentos autênticos), conduziu a que grande parte do factualismo integrador da causa de pedir não tenha ingressado no elenco dos temas de prova (conforme infra melhor se tentará precisar).

E analisados os depoimentos prestados em audiência, verifica-se que grande parte dos mesmos teve por objeto matéria que não era, já então, controvertida (e que, como tal, não era objeto da instrução, como se foi, amiúde, alertando aquando da condução da audiência de julgamento e como se pensa ser evidente em face da audição desses depoimentos, que se encontram gravados e que não há aqui que estar a reproduzir ou mesmo apenas a sumariar).

Mais se constata, na sequência da análise ou audição dos depoimentos prestados em audiência, que, em relação à matéria de facto que era, efetivamente, objeto da instrução – porquanto integradora dos temas de prova – a prova testemunhal produzida foi, em grande parte, frágil e inconsistente, assim como contraditória entre si – como também abaixo melhor se tentará desenvolver.

Não se pode, ainda, aqui e desde já, deixar de salientada a falta de credibilidade que mereceram os depoimentos de testemunhas que, revelando uma capacidade de memória absolutamente prodigiosa, pretenderam vir relatar conversas (pretensamente) tidas com o autor, há mais de 30 anos e referentes a assuntos corriqueiros, como se se tratasse de conversas tidas no mês passado ou, quando muito, no ano transato.

(…)

Acerca dos factos provados 9. …, considerou-se a confissão parcial da ré, a par das cópias da escritura de compra e venda e do título de compra e venda neles aludidos, que foram juntas com a petição inicial.

O factualismo inserto sob 11. também se mostra, na sua maioria, admitido por acordo e assim, provado por confissão, sendo que a precisão da área da construção emergiu da prova pericial entretanto produzida, assim como foi com base neste meio de prova que se considerou assente o atual valor de mercado do imóvel.

A prova do facto 12. emergiu, parcialmente, do acordo das partes e do teor do documento a propósito dele referido.

(…) depoimento da testemunha EE, sendo que este também confirmou o factualismo inserto sob 14, para cuja demonstração se atendeu, ainda, ao documento que consta de fls.70 do processo físico.

(…)

Quanto ao demais factualismo relevante que permanecia controvertido, valorou-se a prova produzida como insuficiente para a respetiva demonstração.

Mais precisamente, há que relembrar que os temas de prova oportunamente enunciados (sem qualquer reclamação) foram:

a. Conhecer os valores e respetivos destinos dos produtos das vendas referidas pelo autor na sua petição inicial e, designadamente

b. Saber qual a concreta proveniência dos valores usados para pagamento das obras a que o autor se referiu na sua petição inicial.

No âmbito do processo, foram produzidos os seguintes meios de prova: pericial, documental, testemunhal e por depoimentos e declarações de parte, quer do autor, quer da ré, sendo que todos eles foram sopesados conjunta e criticamente, à luz das regras da experiência comum e da normalidade das coisas.

Concretamente acerca da matéria dos temas de prova, os documentos juntos ao processo foram valorados como insuficientes para, só por si, conduzirem à demonstração cabal de qualquer um dos factos neles integrados.

A prova pericial revelou-se útil para demonstração do atual valor de mercado do imóvel referido em 11., assim como para melhor precisão da área da construção. No mais, o Sr. Perito não se mostrou habilitado a percecionar as datas em que foram levadas a cabo as obras que visualizou, nem a precisar quais os respetivos custos efetivamente suportados.

Prestaram depoimento, em sede de audiência de julgamento, na qualidade de testemunhas:

1. – DD, que disse ser irmão do autor, com quem denotou ter um bom relacionamento.

Acerca dos temas de prova, aqui muito em síntese, quando instado a precisar qual a fonte do dinheiro gasto nas obras feitas na casa em que o casal residiu, referiu-se, pro conhecimento meramente indireto – mais precisamente, por tal lhe ter sido dito pelo autor - à venda de um terreno ao cunhado CCC; aludiu, ainda, de forma muito imprecisa e genérica, a outras vendas realizadas por seu irmão, mas deixou bem claro não saber qual o destino dado ao respetivo produto.

Mais se referiu à venda, mais recentemente, de um tereno à DDD e da “quota” do autor no barracão antigo, sendo que, quanto ao destino do dinheiro, apenas soube relatar o que o seu irmão lhe contou – também aqui nenhum conhecimento direto havendo revelado dos factos.

Revelou um absoluto desconhecimento quer dos preços das vendas que ouviu dizer terem sido efetuadas por seu irmão, quer dos custos de ambas as obras em apreço nos autos.

Por conhecimento direto, confirmou o recebimento, por cada um dos sobrinhos de sua tia AAA, de “quase dez mil euros”, o que assumiu interesse para a formação da convicção do tribunal acerca do facto provado 15.

Quanto ao destino dado a esse dinheiro, voltou a limitar-se a referir o que o próprio autor lhe contou.

Ainda por conhecimento direto, confirmou o envolvimento do pai da ré na obra de acabamento e melhoramento da casa que veio a ser a morada do casal.

Foi, também, instado quanto à matéria alegada pelo autor em sede de incidente de litigância de má-fé, ao que apenas soube referir que o seu irmão ficou arrasado em virtude dos desentendimentos com a aqui ré, sua ex-mulher (e não propriamente com o facto de ter optado por intentar esta ação)

A testemunha revelou, ao longo do seu depoimento uma especial proximidade com o autor – como é natural, atenta a relação de parentesco e de amizade que os une –, pelo que o seu depoimento, em função desse seu pendor tendencioso, foi valorado com algum cuidado e sempre de forma conjugada com os demais depoimentos ouvidos.

Acresce que, quanto a grande parte dos factos essenciais controvertidos, a testemunha revelou um mero conhecimento indireto, tendo como única fonte o que o autor (alegadamente) lhe contou (sendo que algumas dessas conversas datam de há mais de três décadas, aqui se remetendo para a consideração genérica acima vertida acerca do modo como se valoraram, nessa parte, os depoimentos ouvidos).

Sopesado conjuntamente todo o exposto, o depoimento da testemunha, só por si, foi valorado como não tendo consistência bastante para convencer da veracidade de qualquer um dos factos controvertidos, tendo assumiu algum interesse apenas quanto foi corroborada por outros e mais seguros meios de prova.

2. – VV, que confirmou a aquisição ao autor do terreno aludido nos autos, pela qual afirmou ter pago €3.740,98 (Esc. 750.000$00) e não o valor constante da escritura posteriormente realizada (nem tão pouco aquele que o autor alegou ter recebido).

Com interesse para a formação da convicção do tribunal, referiu, ainda, ter sido ele a propor ao autor a aquisição do terreno – porque precisava dele – e não o autor a propor-lhe o negócio, o que contribuiu para abalar ou, pelo menos, não confirmar a tese do autor no sentido de ter andado a desfazer-se dos seus bens por sua iniciativa e unicamente para conseguir suportar o custo das obras.

Confirmou, ainda, que, quando pagou ao autor o terreno, este ainda era solteiro e andava a preparar a casa em que veio a habitar, com a ré, após o casamento, mas manifestou absoluta ignorância acerca do destino dado ao dinheiro (ou seja, não tendo sabido confirmar que tenha sido aplicado na obra e sendo certo que não se pode deixar de atender ao facto de, em vésperas de um casamento, haver muitas outras despesas a suportar, de entre as quais se destacam – para além de despesas pessoais – as inerentes ao recheio da casa – aquisição de bens móveis).

Este depoimento foi valorado como tendo alguma credibilidade e teve primordial interesse para a valoração do documento junto pelo autor a fls.44 e cujo original – já com outros dizeres apostos – veio a ser junto pela ré e para dar credibilidade ao contexto em que por ela foi dito ter lavrado esse escrito – aqui se remetendo para o respetivo depoimento e declaração de parte.

Na verdade, não tendo o comprador pago o preço que autor disse – ou seja, os €8.750,00 vertidos na petição inicial e naquele documento -, mas antes (a ser verdade a simulação do preço) valor significativamente inferior, só se compreende que a ré tenha escrito aquele primeiro montante por tal ter sido o que lhe foi dito / ditado pelo autor, aquando da tentativa de resolução amigável da partilha dos bens.

Quanto ao real preço da venda, considerou-se, porém, esse depoimento, só por si e porquanto não corroborado por qualquer outro meio de prova, como sendo insuficiente para demonstração cabal de uma realidade diversa daquela que ficou exarada num documento autêntico.

Nesta sede, não se pôde deixar de estranhar que, na versão do autor, quanto a todas as vendas que fez, houve simulação de preço – e sempre no sentido de o favorecer – sem que tenha apresentado qualquer outra prova que não os depoimentos dos respetivos simuladores, quando, nomeadamente a propósito da venda mais recente, que foi dito ter sido paga através de cheque, estava ao seu alcance ter produzido uma mais precisa prova, mormente, de tipo documental.

3. – EEE, que confirmou ter figurado como comprador do prédio referido sob os factos provados 9. e 10., no contexto dado como assente, sendo que, quando ao sucedido na época em que seu pai celebrou oralmente o negócio de compra com o autor e lhe pagou o preço, revelou nada saber por conhecimento direto, mas apenas o que seu pai lhe disse.

4. – EE, que confirmou a veracidade dos factos 9. e 10., na parte que a si e ao seu filho respeitam, havendo afirmado que pagou ao autor e à ré €6.234,97 (“1250 contos”) pelo imóvel.

Ambos os depoimentos foram valorados na parte em que cada um denotou um conhecimento direto dos respetivos factos que lhe respeitam e também a menção a um preço real diferente daquele que o autor fez constar da sua petição inicial e que, coincidentemente, foi também o que foi escrito no aludido documento de fls.44 assumiu relevância para conferir credibilidade à justificação que a ré deu, quando ouvida em audiência de julgamento, quanto ao contexto em que foi escrito o documento de que o autor, agora tão aferradamente, se pretende aproveitar.

Na parte referente à insuficiência desses depoimentos para demonstração cabal de que a venda foi realizada por preço diverso do declarado no documento autêntico em que foi formalizada, remete-se para as considerações supra acabadas de tecer acerca de tal temática (a respeito do depoimento da testemunha 2).

Na parte em que esta última testemunha opinou que o autor e a ré, sem a venda de bens, não tinham dinheiro para as obras na casa, o depoimento em apreço assumiu escasso interesse, uma vez que foi produzido por quem não revelou o mínimo de conhecimento preciso quer da situação de cada um dos elementos do casal, quer da eventual ajuda financeira que os pais da ré poderão ter prestado (a qual veio a ser afirmado por testemunhas infra identificadas).

5. – ZZ, a qual confirmou a veracidade do facto provado 12.

Apesar de ter, designadamente, admitido a falsidade do preço declarado, mais uma vez aqui remetendo para o raciocínio supra exposto quanto a tal matéria, valorou-se o seu depoimento como insuficiente para infirmação de facto que ficou exarado num documento autêntico.

A testemunha foi, ainda, clara ao afirmar nada saber acerca do destino dado ao dinheiro por si pago ao autor e à ré.

(…)

7. – FFF, que – a par do mais – e na parte que diretamente importa porquanto respeitante aos temas de prova, afirmou ter comprado ao autor pinheiros para a sua serração, pelo preço de “950 contos”, “com certeza” porque ele precisava de dinheiro, pois andava a acabar a casa.

Atendendo a que “950 contos”, em 1987, era um valor significativo – em euros, perfazia €4.738,58, quando o salário mínimo nacional era, então, de €125,70 – muito se estranha que o corte de um pinhal com a área alegada pelo autor tenha rendido, àquela época, tal montante e que não haja qualquer documento comprovativo dessa venda e / ou do pagamento do preço (alegadamente feito em cheque), pelo que o depoimento desta testemunha, desacompanhado de outros meios de prova precisos (v.g., de cariz documental), se valorou como insuficiente para convencer da veracidade do por ela afirmado.

Tanto mais que este depoimento se perspetivou como claramente tendencioso, porquanto sempre foi prestado no sentido de procurar corroborar a posição do autor, nomeadamente, quando a testemunha se propôs fazer a avaliação do custo das obras sem quaisquer conhecimentos técnicos para o efeito e quando (pasme-se), confessadamente, nunca entrou na casa em apreço e, como tal, ignora em absoluto o seu interior, as obras aí feitas e a qualidade dos materiais aplicados.

(…)

9. – GGG, a qual esclareceu ser irmã da aqui ré e estar de relações cortadas com o autor.

Afirmou que seus pais trabalharam na obra de acabamento da casa destinada a ser morada do autor e da ré e que deram a esta “mil contos” para auxílio no pagamento dessas obras, bem como que a foram ajudando com outras quantias, ao longo do casamento, do que se afirmou ciente porque também recebeu tais valores e seus pais sempre igualaram ambas as filhas.

Mais se referiu ao modo de vida do seu cunhado como sendo pautado pela instabilidade financeira – sempre teve de vender bens e recorrer a crédito para a sua atividade e gastos pessoais.

Referiu-se, ainda, ao empréstimo que o casal contraiu para a construção do barracão aludido nos autos.

Pese embora se haja tratado de um depoimento que, objetivamente, não se pode deixar de encarar com algumas reservas – atendendo ao específico relacionamento que mantém com cada um das partes (fraternal e de amizade, no caso da ré, e mau, relativamente ao autor) –, o certo é que não foi menos credível do que a maioria dos depoimentos prestados pelas anteriores testemunhas que revelaram relações familiares com o autor e contribuiu para abalar a já de si fraca credibilidade que haviam merecido.

10. – HHH, que disse ser casado com a anterior testemunha, dando-se bem com a ré, sua cunhada.

Confirmou a versão de sua mulher no sentido de seu sogro ter dado dinheiro a cada uma das filhas, nomeadamente, para a obra de acabamento da casa de sua cunhada, mas de tal revelou um mero conhecimento indireto.

Por conhecimento pessoal, confirmou que seus sogros, ao longo dos tempos, foram dando diversos montantes em dinheiro a cada uma das filhas. Também se referiu à existência de um crédito bancário contraído por autor e ré para financiamento da construção do barracão, o que disse ser do seu conhecimento por tal lhe ter sido falado por ambos.

Atento o escasso conhecimento pessoal que revelou dos factos controvertidos, este depoimento – que foi valorado com os mesmos cuidados que mereceram os demais depoimentos vindos de familiares das aqui partes - assumiu fraco interesse para a formação da convicção do tribunal.

11. – EE, que disse ser irmão do autor e com ele ter um mau relacionamento, pese embora hajam trabalhado em conjunto, tendo ambos sido sócios da empresa B....

Confirmou o pagamento a seu irmão da quantia de trinta e nove mil e tal euros, no seguimento da venda documentada no processo e explicou que o remanescente do preço foi por si utilizado para pagamento de dívidas da sociedade à Banca.

Acerca do destino dado pelo seu irmão àquele dinheiro, revelou nada de concreto saber.

Referiu-se às obras na casa que veio a ser do casal, antes do casamento e acrescentou que o autor lhe disse que o pai da ré lhes tinha dado “mil contos” para ajuda nas obras da casa e que vendera um bocadito de terreno ao WW e uns pinheiros para prover às despesas com a casa.

Afirmou, de modo absolutamente convicto e que mereceu a confiança do tribunal, que a venda do terreno pelo autor a EE se deu depois das obras de acabamento e recheio da casa, quando aquele já era casado e na época em que o irmão mais velho desistiu da sua participação na sociedade da família e houve que proceder ao pagamento da sua parte.

Este segmento do depoimento da testemunha 11. contribuiu para pôr em dúvida a credibilidade e isenção do depoimento da testemunha 4.

12. – III, que se afirmou filha de autor e ré e disse manter um bom relacionamento com sua mãe e estar afastada de seu pai, por causa de situação pessoal entre ambos e não em virtude do litígio que o opõe à ré. De forma serena e coerente, depôs acerca do contexto em que sua mãe produziu o escrito a que o autor tanta enfâse deu nestes autos; quanto à existência de um empréstimo contraído por seus pais para suportar o custo da construção do barracão mencionado nos autos e disse ignorar qual o destino que seu pai deu ao dinheiro proveniente da venda de um terreno “à Srª. DDD”, desconfiando que não tenha sido o pagamento daquela obra.

Referiu-se ao modo de vida que seu pai levou ao longo dos anos, no sentido de despender dinheiro com as suas próprias atividades de lazer e não com a família, sendo que – na versão da testemunha - sempre foi primordialmente a sua mãe a prover pelas necessidades do agregado familiar.

Obviamente que se encarou este depoimento com as reservas inerentes à parcialidade dele decorrente – a testemunha toma, claramente, partido por sua mãe, em detrimento de seu pai, pelos motivos objetivos que bem explicou -, mas não deixou de ser considerado como idóneo a abalar a (já por si) frágil, credibilidade com que haviam sido ouvidos os depoimentos dos familiares e amigos do autor, nomeadamente, atendendo ao conhecimento direito que, de forma absolutamente consistente e credível, expôs acerca do modo de vida financeira de seu pai.

Ouviu-se, seguidamente, a ré BB, que narrou o modo como foi produzido o documento de que o autor pretende extrair a sua admissão dos factos – cuja cópia por ele foi junta a fls.44 do processo físico – e como vieram a ser acrescentados os demais dizeres apostos no original que juntou, de forma que – em face dos demais meios de prova produzidos e atendendo ao supra sumariado (aqui se remetendo, v.g., para as considerações acima vertidas acerca dos valores respeitantes a determinadas vendas) - se valorou como credível.

Tomaram-se, ainda, declarações de parte ao autor AA, o qual se limitou a rebater as declarações da ré, em termos que, face ao já acima referido, se valoraram como despidos de credibilidade.

Sopesado conjuntamente tudo o que se deixou exposto e mais precisamente:

(…)

- Do que supra se sumariou quanto aos depoimentos prestados e na ausência de qualquer fatura ou outro documento que se saiba respeitar a tais obras e ser demonstrativo de quaisquer pagamentos, ficou-se na absoluta ignorância acerca da matéria das alíneas c) …, não nos podendo, obviamente, bastar com meras opiniões genéricas de algumas testemunhas, não alicerçadas no conhecimento efetivo de factos concretos bastantes para considerar tais opiniões fundadas.

(…)

- Quanto à alínea f), pensa-se que supra se esclareceu já a fragilidade dos depoimentos produzidos acerca dessa matéria, sendo que, após conjugação e valoração crítica de todos eles, se ficou na dúvida quanto à verdade desses factos.

Essa insuficiência da prova testemunhal não foi colmatada por qualquer outro meio de prova (nomeadamente e como seria natural, de tipo documental), pelo que, aplicando o princípio do ónus da prova consagrado no nosso Código Civil (artigo 342º, nº1, do Código Civil), se impôs o julgamento negativo da matéria de facto abrangida por tal dúvida.

Aliás, nesta sede, não se pode deixar de atender a que, como alegado pelo próprio autor, as despesas dos então noivos tendo em vista a preparação da sua vida em comum não se restringiram às obras de acabamento da casa que destinavam a ser sua morada de família; mais precisamente, trataram também de a mobiliar e equipar com os demais bens móveis necessários ao fim a que se destinava, sendo que, certamente também aí, despenderam o dinheiro de que ambos dispunham (e não sendo a propriedade desses bens que aqui está em litígio).

Não se percebe, assim, como pretende o autor que o tribunal saiba, após a prova que entendeu por bem produzir, com que dinheiro foram pagas aquelas obras e qual aquele que foi destinado à aquisição de bens móveis que o próprio elencou (e que, sendo desligáveis e / ou independentes do imóvel, dele não constituem benfeitorias e, por conseguinte, ora não estão em causa).

- No que respeita a g), remete-se aqui para o que supra se foi dizendo, a propósito dos depoimentos que incidiram sobre tal matéria.

Apenas se acrescenta que se julga continuar a ser exigível, no nosso sistema jurídico, algum rigor e coerência no tratamento das questões, assim como probidade na conduta dos interessados. E pensa-se enfermar de uma evidente ligeireza ser pretendido que, optando os contraentes por verterem num documento autêntico uma determinada afirmação, para, posteriormente, se poderem aproveitar de realidade diversa, se limitem a trazer a tribunal alguém que tal, despudoradamente, afirme.

Assim, conjugada a supra apontada fragilidade da prova testemunhal, nomeadamente quanto aos factos que ora nos ocupam, com a ausência de outro e mais seguro meio de prova, entende-se ter ficado por demonstrar a realidade dos factos insertos sob a mencionada alínea.

- No concernente à alínea h) e para justificação do seu julgamento negativo, quanto ao seu primeiro segmento, há que consignar a absoluta falta de prova e, no atinente à sua segunda parte, apenas se tem por pertinente remeter para as considerações supra tecidas a propósito do depoimento de que foi alvo.

- Em relação aos factos provados em i), não foi produzida, ao que se julga, prova bastante.

- Igual afirmação há que fazer acerca da matéria da alínea j), acrescentando-se que muito se estranha que, tratando-se de factos recentes, não tenha sido junto um único documento comprovativo do(s) contrato(s) de empreitada efetivamente celebrado(s) para a realização da obra, nem qualquer fatura demonstrativa dos respetivos pagamentos.

- Acerca da alínea k), remete-se para as considerações concernentes à alínea g), apenas se tendo a acrescentar que, sendo um negócio mais recente, ainda mais se estranha a ausência de prova documental.

- A inconsistência dos depoimentos prestados quanto aos factos a que se refere a alínea l) – pautados pelo desconhecimento pessoal dos factos e apenas reveladores do que são as respetivas opiniões ou conjeturas -, aliada ao conhecimento da existência de um empréstimo bancário que teve em vista suportar (se total ou parcialmente, não se sabe) o custo da obra – para além dos depoimentos testemunhais e com maior relevo do que estes, vejam-se os documentos de fls.133 a 138 do processo físico -, levou a que, com seriedade, seja impossível afirmar a demonstração de tais factos. Pela mesma ordem de razões, se considerou não provada a matéria da alínea o).

- Na ausência de qualquer prova demonstrativa de que as dívidas que o dinheiro a que se reporta a alínea m) se destinou a pagar fossem dívidas pessoais e comuns do autor e da ré, impôs-se julgar tal facto não provado.”.

3.1. A primeira pretensão do A. é a que deve ser dado como provado que a R. escreveu pelo seu punho os documentos de fls. 268, 185 vº a 186 vº e 315, por sua iniciativa e de acordo com a sua vontade.

Pretensão que não pode ser concedida. Na verdade, o A. confunde factos com documentos quando estes apenas visam comprovar aqueles. Logo, a impugnação da decisão da matéria de facto destina-se apenas a questionar factos, debruçando-se, se necessário, sobre os documentos que possam conduzir àqueles.

Não procede, esta parte da impugnação.   

3.2. Relativamente à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto no que toca à redação dos factos provados 9. e 12., para 9. “Antes do casamento mencionado em 1., autor e ré procederam às vendas verbais do terreno na ... (verba 27) a VV, pelo preço de 750 contos, agora 3.740,98 € que então receberam e não o declarado na escritura mencionada em 10. de 15 contos, agora 74,82€ e do terreno no ... (verba 21) a EE pelo preço de 1250 contos, agora 6.234,97 € que então receberam e não o declarado na escritura mencionada em 10. de 810,00€.”, 12. “Por título de compra e venda de 22.09.2011, outorgado na ... CRP ..., autor e ré venderam a ZZ, pelo preço real de 11000,00€ e não o declarado de €5.000,00, o prédio rústico composto de terra de semeadura, no sítio de ..., freguesia de C..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...97“, aditamento dos factos provados 17. “O produto das vendas mencionadas em 9., foi aplicado no pagamento dos custos das obras na casa, mencionados em 6. e o mesmo aconteceu com 1000 contos dos pais da R.”, 18. ”Para realizar dinheiro com que A. e R. pagaram os custos das obras na casa dita em 6., foram vendidos, também , os pinheiros do terreno da verbas 21(no ... ) e metade dos pinheiros da verba 29 (no ...) do facto provado 1., respetivamente, por 1250 contos ,agora 5.500,00€ e por 950 contos, agora 4.738,58 €“, 19. “Para realizar dinheiro com que A. e R. pagaram as obras da construção do barracão identificado no facto provado 11., efetuaram as vendas mencionadas nos factos provados 12. e 13.” e 20. “O dinheiro indicado em 15. corresponde à parte do A. na herança da referida tia e foi também aplicado na construção do barracão referido em 11.“, e eliminação dos factos não provados c), f), g), h), k), l) e o).

Para assim se ter de entender, releva o A. a força probatória plena dos documentos de fls. 185 vº a 186 vº, 268 e 315, que a R. aceitou expressamente que escreveu pelo seu punho, sem ter impugnado a veracidade do que escreveu, tudo nos termos do art. 374º, nº 1, e 376º do CCivil. Por outro lado, tendo a R. impugnado a alegação do A. de que ela “os escreveu por exclusiva iniciativa e de livre vontade “, contrapondo ela que “ao escrevê-los, não referiu que os aceitava“, a apelada tinha o ónus de provar que tal não correspondia à sua vontade, nos vários e sucessivos momentos em que os escreveu, uma vez que são factos impeditivos de se ter, desde logo, por plenamente provada a veracidade desses factos contrários aos seus interesses. Mas, nenhuma prova foi produzida de que a apelada, ao escrever qualquer dos documentos, o fez contra a sua vontade.  

Mas, salvo o devido respeito, não se nos afigura ser assim. Em tais documentos só consta a letra da R., não a sua assinatura, e a lei exige a letra e a assinatura ou só a assinatura. São, por isso, documentos de mera apreciação livre e não de força probatória vinculada, como resulta da conjugação dos arts. 374º e 376º do CC. Ou seja, tais docs., sem mais, só por si, não têm a virtualidade de comprovar o pretendido pelo A.

Por outro lado, perante esta conclusão, é patente que face à aludida impugnação da R., passa a recair sobre o A. a prova do que alegara, a saber, que a R. escreveu os indicados docs. por sua exclusiva iniciativa e de livre vontade, assim os aceitando.

De sorte que sendo os ditos docs. de apreciação livre, só com reforço de outra prova, nomeadamente por confissão, testemunhal ou por declarações, tais documentos podem levar ao resultado final factual a que o A. aspira.   

Ouvimos a prova gravada em CD, designadamente a indicada pelo recorrente, no que interessa para a matéria impugnada. 

DD, irmão do A., declarou o que consta da motivação de facto da julgadora a quo. No entanto, ao contrário do que aí se afirma, não descortinámos, no seu depoimento, nenhum “pendor tendencioso”.

Mais em concreto referiu que na altura das obras na casa, e não depois do casamento, e vivendo a cerca de 100m encontrava-se com o irmão e a então namorada, a ora R., e falavam nas vendas que iam fazer. O irmão vendeu o terreno da ... ao seu cunhado, o CCC, que era terreno da herança e numa dessas conversas ele disse que ia vender esse terreno para acabar a casa. Também das conversas, antes do casamento, soube que o irmão queria vender, para pagar as obras da casa, ½ dos pinheiros do ..., onde ele testemunha tem a outra metade. Não sabe se o dinheiro da venda destes pinheiros foi para a casa ou obras do barracão. Na altura das obras do barracão, o irmão disse-lhe que ia vender o terreno à DDD/ZZ para realizar dinheiro para a construção do barracão e o casal estava de acordo. E vendeu a ½ num barracão ao outro irmão EE e ouviu da boca do casal que o dinheiro foi para o barracão. Das conversas tidas com o A. e a R., sabe que a BB estava de acordo. Quanto à herança da tia AAA tem conhecimento directo, como sobrinho, que coube a ele, ao A. e ao irmão EE quase 10.000 €, pagos por cheque. O destino do dinheiro foi o barracão, segundo o que eles lhe disseram.

JJJ, vizinho do A., referiu o que consta da motivação de facto da julgadora a quo. Mais em concreto precisou que na altura, antes do casamento, andando a preparar a casita deles, ele foi lá fazer a baixada da luz. Procurou ao A. se queria vender o terreno na ... porque estava interessado no mesmo. E ele disse-lhe que o vendia e investia o dinheiro nas obras. Revelou, de forma segura, que o preço ajustado foi de 750 mil escudos e não os 15 contos que constam da escritura. Nesta o A. não recebeu nada, pois ele já tinha pago tudo aquando do negócio.

EEE, primo do A., disse o que consta da motivação de facto da julgadora a quo. Mais em concreto mencionou que a escritura em que interveio se refere a um pinhal no ... e que o pai sempre lhe contou que o tinha comprado, por boca, quando andavam eles a construir a casa, antes do casamento. Que o valor da venda foi 1200/1250 contos, pagos então e não pagou nada a eles na escritura.

EE, tio do A. e pai da anterior testemunha, mencionou o que consta da motivação de facto da julgadora a quo. Mais em concreto precisou que comprou, por boca, um terreno, sem os pinheiros pois o A. tinha-os vendido aos ..., no ... por 1250 contos, antes do casamento, porque o rapaz precisava de dinheiro para a casa, para fazer obras para casar. Aquando do negócio o A. era solteiro. O pagamento foi feito junto ao lagar de azeite, foi em dinheiro que entregou ao A. à frente da R.

Não se descortinou, no seu depoimento, nenhuma inclinação para proteger o A. sobrinho. Mais, tendo o seu depoimento, na parte referente à venda antes do casamento colidido com o depoimento de KKK, seu sobrinho e irmão do A., que se dá mal com o A., e que afirmara que a venda à testemunha EE, se dera depois das obras de acabamento da casa, quando o mesmo já era casado, foi efectuada acareação. O EE, comprador do terreno manteve-se firme e seguro ao contrário do KKK que se mostrou hesitante e inseguro, dizendo que pelo menos foi assim que o irmão A. lhe contara. O que, diversamente do afirmado na motivação da julgadora de facto, lhe retira a absoluta confiança no seu depoimento.    

ZZ, vizinha do A., declarou o que consta da motivação de facto da julgadora a quo. Mais em particular, disse que o A. veio ter com ela e perguntou-lhe se ela queria comprar o terreno por 11.000 €, ela falou com o marido e comprou-lho por aquele preço 11.000 €, que pagou por cheque. A. e R. estavam os dois juntos na escritura. Nada sabe sobre o destino dado ao dinheiro.

WW, tio do A. e vizinho, produziu um depoimento vago e genérico, como referido na motivação de recurso da julgadora de facto. Um pouco mais em concreto indicou que por ali passando diariamente, durante as obras na casa via lá a BB e o pai e que o AA falou-lhe na venda da ... para pagar essas despesas. A aflição do AA era arranjar dinheiro para pôr na construção do barracão. Quanto à herança da tia AAA diz saber que o A. herdou dinheiro dela mas não concretiza. Pensa que o dinheiro foi aplicado no barracão, mas não sabe em concreto.

FFF, amigo de A. e R., declarou o que consta da motivação de facto da julgadora a quo. No entanto, ao contrário do que aí se afirma, não notámos que o seu depoimento fosse “claramente tendencioso”.

Mais em particular indicou que o A. fez obras na casa, antes do casamento, para ir para lá viver. Foram os dois, A. e R., à sua serração e o AA perguntou se eu queria pinheiros lá para os lados do .... Fizemos negócio, paguei 950 contos. Até questionou, mas vais vender os pinheiros que o teu pai te deixou para quê ? E o A. respondeu vou casar, ando a acabar a casa e preciso do dinheiro para gastar na casa. A BB soube que o marido que vendeu os pinheiros e para investir na casa. O pagamento foi em cheque, foi lá à obra pagar.

III, filha de A. e R., referiu o que consta da motivação de facto da julgadora. Notou-se clara parcialidade a favor da mãe R.

Mais particularizou que a mãe se apercebeu que não podia confiar no pai em termos de dinheiro. Os papéis que a mãe escreveu era para de boa fé tentar fazer um apanhado do que é que cada uma das partes tinha cedido para o casal para tentar separar os bens. A minha mãe tinha o hábito nestas coisas importantes de escrever o que poderia ser relevante. O documento original de fls. 268 foi ditado pelo pai e a mãe escreveu, mas não quer dizer que os aceitasse. Não presenciou, todavia, a escrita dos papéis, apenas sabendo o que a mãe lhe contou. Não sabe se as escrituras estavam lá em casa na altura da escrita dos documentos e se eram guardadas pelo pai ou pela mãe e que acha que o pai não sabia de cor os artigos da matriz.

A R. BB declarou que havia desgoverno financeiro do marido tendo chegado a aparecer credores à porta e então quis salvaguardar os bens herdados do pai. O rosto do documento de fls. 268 foi ela que o escreveu mas foi o A. a ditar. Ele fotocopiou e levou. O que está na parte de trás foi ela que escreveu, cerca de uma semana depois, mas ele não ditou, nem colaborou na sua feitura. Não sabe se o A. chegou a conhecer outros documentos por si elaborados. Nos documentos de fls. 185 v. a 186 v. e 315, por ela elaborados o marido não teve intervenção. Escrituras e papéis do IMI permitiram a identificação das referências nas vendas referidas no doc. de fls. 268. Os valores aí referidos apesar de escritos por si não quer dizer que os aceite. Não sabe o destino dos dinheiros das vendas. Quanto ao aparecimento do doc. de fls. 268 disse que foi numa altura em que queria separar os nossos bens, e que tentou fazer uma partilha a bem e disse ao marido, olha vamos lá numa boa, dizes-me tudo quanto gastaste, o que vendeste, o que aplicaste, tu vais dizer-me tudo e eu escrevi. Levas isto ao teu advogado, eu depois faço o apanhado com o que os meus pais me deram e levo ao advogado. Perguntada, ainda, sobre os aqueles docs. de fls. 185 v. a 186 v. disse que isso era tudo o que queria perguntar ao advogado, fazia parte de um caderno de que tenho o original, está numerado, tem sequência para a frente e para trás e sempre que eu me lembrava escrevia.

O A. declarou não ter estado presente aquando da elaboração dos documentos pela mulher e que os tenha ditado, designadamente o rosto do doc. de fls. 268. Encontrou o original, sem a última linha escrita, que estava numa das pastas lá na gaveta e tirou fotocópia voltando a pôr lá o original. Na altura em que encontrou o papel pouco ou nada conversavam um com o outro, as coisas não estavam bem e o casamento estava em rutura. Ainda hoje não sei fazer a conversão de contos para euros.

Analisando.

Como atrás se disse, os documentos especificados pelo recorrente não têm força probatória vinculativa, sendo antes de apreciação probatória livre. Podendo e devendo, portanto, ser inter-conexiados com a prova testemunhal e, por sua vez, esta com a prova documental, se tudo devidamente conjugado tiver suficiente grau de consistência e persuasão que permita a convicção do tribunal de recurso (arts. 663º, nº 2, e 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC) que determinada realidade se verificou.  

Vejamos, então.

O depoimento/declarações da R. pouca credibilidade merece para sustentar a sua tese. Ainda que ditado pelo A., embora só a R. o afirma, pois a filha III transmitiu apenas o que lhe foi dito pela mãe, tudo aponta claramente para que ela concordou com o que ela própria escreveu no rosto do documento de fls. 268 -  onde escreveu “AA VENDEU – Artº ...81 .... 8750,00 €, Aplicado na casa - Artº ...31 .... 6250,00 € Aplicado na casa; – Artº ...97 .... 11.000,00 € Aplicado no Barracão; – Artº ...07 Urbano Carang. 55.000,00 € Aplicado no Barracão 39,000,00 €; - ... 5.500,00 € Aplicado na casa; – ... 4.750,00 € Aplicado na casa; – Doação da tia em dinheiro 9.900,00 € Aplicado no Barracão;” - já que nenhuma reserva lhe apôs.

E é mesmo entendível que assim seja, pois ela explicou que o documento se destinava a negociações para fazer a “partilha a bem“ e, sendo assim, é de concluir que ela não estava constrangida para escrever o que escreveu, ou seja, escreveu de modo livre, nem muito menos se evidencia lhe foi imposto esse conteúdo. Inclusive, o que é inverosímil é ela não concordar com a frente do documento, que tem teor a si desfavorável, mas já concordar com o que nele sozinha escreveu no verso, referente a ajudas do pai, onde diz o marido não teve intervenção. Mais, ainda, nos outros documentos de fls. 185 v. a 186 v. e 315, em que ela escreveu o teor que consta dos mesmos sozinha e por sua livre e exclusiva iniciativa conforme lhe vinha à lembrança, sem intervenção do marido, não deixa de vir mencionado parte do teor do dito doc. de fls. 268, assim exposto: no de fls 185vº:” …; Construção dinheiro vindo da parte do AA: venda de bens do marido: barracão - 38.501,57 €; Terreno venda DDD - 5.000€ foi valor superior; e herança da tia - +- 10.000€ (sem escritura); no de fls 186:“…; - Construção dinheiro vindo de venda de bens do marido: parte da venda de ½ barracão + venda de 1 terreno + herança da tia + empréstimo; no de fls. fls. 315: “…; Dinheiro para construção do barracão: venda do artº 6997rústico (herança do AA) – 5.000 € na escritura; venda de ½ do artº urbano - 38.501,57 € na escritura; herança da tia do AA ?? +- 10.000€ - sem documento comprovativo (deve haver cheque ou transferência) tudo do AA, 55.000€ empréstimo c/ hipoteca à Banco 1...”.

Tendo em conta o que resulta dos aludidos docs. há que conjugar com a prova testemunhal e verificar a sua compatibilidade. Não sem olvidar que os preços declarados nas escrituras/títulos de compra e venda, relacionadas com os factos provados 9., 10. e 12., poderão ser considerados probatoriamente de forma livre, por tal prova testemunhal ser admissível já que a força probatória dos documentos autênticos se resume ao que as partes declararam sobre o montante dos preços das compra e vendas, podendo, por isso, provar-se que os preços reais são outros (arts. 371º, nº 1, 372º, nº 2, 393º, nº 2, a contrario, do CC, e A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao art. 371º, pág. 326, e nota 3. ao art. 393º, pág. 341). Tanto mais que não estamos no presente processo num confronto entre partes simuladoras dos contratos, de um lado e de outro, mas sim num conflito interno entre os simuladores do preço dos contratos de compra e venda, os A. e R. como vendedores (de vendas feitas a terceiros compradores).

Assim, temos o seguinte quadro:

- a testemunha JJJ revelou, de forma segura, que o preço ajustado foi de 750 mil escudos (ou seja 3.740,98 €) e não os 15 contos que constam da escritura. Foi antes do casamento. O A. disse-lhe que ia investir o dinheiro nas obras, o que o aludido doc. de fls. 268 confirma.

- a testemunha EE, tio do A., sem aparente favoritismo a este, precisou que comprou o terreno, por 1.250 contos (ou seja 6.234,97 €), antes do casamento, porque o rapaz precisava de dinheiro para a casa, para fazer obras para casar. Aquando do negócio o A. era solteiro. Nesta última parte tendo o seu depoimento colidido com o depoimento de KKK, seu sobrinho e irmão do A., que se dá mal com o A., e que afirmara que a venda à testemunha EE, se dera depois das obras de acabamento da casa, quando o mesmo já era casado, foi efectuada acareação. O EE, comprador do terreno manteve-se firme e seguro ao contrário do KKK que se mostrou hesitante e inseguro, dizendo que pelo menos foi assim que o irmão A. lhe contara. O que lhe retirou absoluta confiança no seu depoimento. Privilegiou-se, pois o depoimento do LLL. O que o doc. de fls. 268 confirma.    

Também do depoimento de DD, irmão do A., sem aparente favoritismo, sai reforçado esta factualidade quanto à venda  do terreno da ... ao seu cunhado, o CCC, para acabar a casa, na altura das obras na mesma antes do casamento.  

Assim, nenhuma prova existe nos autos que permita localizar as vendas do facto provado 9. no decurso do casamento.

Por outro lado, ao contrário do que o A. afirma as partes não estão de acordo – ver articulados de contestação e réplica -, que o pai da R. contribui com 1.000 contos para beneficiar ambos, pois a R. alegou que lhe foram doados unicamente a ela e que ela aplicou nas obras da casa. É coisa diferente do que o A. pretende.

Reflectindo toda esta realidade, e assim procedendo, parcialmente, a impugnação do A., o facto provado 9. deverá ser alterado, elimina-se o facto não provado f), mas não o g) e adita-se um facto novo sob 17. (a negrito, ficando os anteriores factos em letra minúscula).

9. Antes do casamento mencionado em 1., autor e ré procederam à venda verbal do terreno na ... (verba 27) a VV, pelo preço não declarado de 3.740,98 €, e do terreno no ... (verba 21) a EE, pelo preço não declarado de 6.234,97 €.

17. O produto das vendas mencionadas em 9. e 10. foi usado para pagamento dos custos das obras e aquisição de bens mencionados em 6. 

- a testemunha ZZ, vizinha do A., de modo isento disse que o A. veio ter com ela e perguntou-lhe se ela queria comprar o terreno por 11.000 €, ela falou com o marido e comprou-lho por aquele preço 11.000 €, que pagou por cheque. O que o doc. de fls. 268 confirma, bem como os de fls. 185 v., 186 e 315.

Reflectindo esta realidade, e assim procedendo a impugnação do A., o facto provado 12. deverá ser alterado e elimina-se o facto não provado k) – ficando a negrito, e o anterior não provado em letra minúscula).

12. Por título de compra e venda de 22.09.2011, outorgado na ... CRP ..., autor e ré venderam a ZZ, pelo preço real de 11.000 €, o prédio rústico composto de terra de semeadura, no sítio de ..., freguesia de C..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...97.

-  FFF, amigo de A. e R., em depoimento não tendencioso, indicou que o A. fez obras na casa, antes do casamento, para ir para lá viver. Foram os dois, A. e R., à sua serração e o AA perguntou se eu queria pinheiros lá para os lados do .... Fizemos negócio, paguei 950 contos (4.738,59 €). Até questionou, mas vais vender os pinheiros que o teu pai te deixou para quê ? E o A. respondeu vou casar, ando a acabar a casa e preciso do dinheiro para gastar na casa. A BB soube que o marido que vendeu os pinheiros e para investir na casa. O que o doc. de fls. 268 confirma.

O pagamento foi em cheque, foi lá à obra pagar.

A não junção do cheque aos autos, com que o FFF afirma ter pago, não tem a relevância que a julgadora de facto lhe emprestou, dado terem decorrido mais de 30 anos depois de ter ocorrido.

Quanto à venda dos pinheiros no ..., só está reconhecida no doc. de fls. 268. Mas inexiste outra prova, designadamente testemunhal, confirmatória desse negócio. Assim, procede, parcialmente a impugnação, eliminando-se parte do facto não provado h), e aditando-se um novo facto sob 18. (em letra minúscula e a negrito, respectivamente).

18. Antes do casamento mencionado em 1., para realizarem dinheiro com que pagaram os custos das obras referidas na casa em 6., autor e ré venderam os pinheiros da ½ adjudicada ao autor no terreno do ... ou ... para a serração de FFF pelo preço real e efetivamente por eles recebido de 4.738,58 €.

- Do doc. de fls. 268, mas também dos aludidos docs. de fls. 185 v., 186 e 315, aí reconhece a R. que os dinheiros provenientes das vendas mencionadas em 12. e 13. foram aplicados no barracão, e o dinheiro da doação indicado em 15. também. O que sai reforçado pelo depoimento, não tendencioso, da testemunha DD.

Por isso, procede a impugnação, eliminando-se os factos não provados l) e o) e aditando-se 2 novos factos provados sob 19. e 20. (a negrito e a anterior redação em letra minúscula).

19. Para realizar dinheiro com que pagaram as obras de construção do barracão identificado em 11. efectuaram-se as vendas mencionadas em 12. e 13. 

20. O dinheiro referido em 15. correspondente a parte da do A. na herança da tia foi também aplicado na construção do barracão referido em 11.

Quanto à c) dos factos não provados e aquilo que o A. pretende inexiste prova.

3.3. No que respeita ao facto 14., o A. pretende a alteração da sua redação devendo a mesma ser corrigida para “A. e R., como avalistas e fiadores em contratos de mútuo da sociedade B... Ldª junto dos Banco 2... e Banco 1..., que a mesma não liquidou, assumiram ambos essas dívidas comuns do casal, que foram pagas com 16.000€ que não receberam do comprador na transmissão referida em 13.”, assim se eliminando, dos factos não provados, a alínea m). Para assim concluir, releva os documentos nos autos a fls. 78, 84, 85 e 88, que a sentença não considerou, bem como fls. 70 e 72.

Ora, aqueles documentos reportam-se a contrato de abertura de crédito e contratos de empréstimo à sociedade B... Lda, na qual o A. e seu irmão EE são sócios gerentes. Nesses contratos o A. e a R., tal com o irmão daquele MMM foram avalistas e fiadores junto do Banco 2... e Banco 1.... Nada mais atestam tais docs.

Por outro lado, o doc. de fls. 72 alude a um contrato promessa de compra e venda, depois escriturado (consta do facto 13.), no qual o mesmo EE se obriga a pagar as dívidas bancárias da aludida sociedade, mas descontando no aludido preço de promessa de compra e venda e depois escriturado de 55.000 €, o valor das dividas bancárias da sociedade, dívidas essas no valor total de 16.498,43 €, valor que serviu como sinal e princípio de pagamento no dito contrato promessa. Valor esse que o A. e o EE declararam ter sido pagas aos referidos Bancos pelo EE (como decorre do doc. de fls. 70). Por sua vez, na motivação da decisão da matéria de facto ao facto provado 14. o tribunal não deixou de considerar tal doc. de fls. 70 assim como considerou o depoimento do EE confirmatório desse facto 14. Em consonância se referindo na mesma motivação a razão da não prova do facto não provado m).

Portanto, face aos referidos elementos não resulta linearmente que se tivesse provado o que o A. pretende.

Indefere-se, por isso, nesta parte a dita impugnação. 

3.4. Quanto à eliminação da alínea j) dos factos não provados, devendo dar-se como provado mais o seguinte facto 21. e com a seguinte redação: “A construção do barracão do facto provado em 11. foi levada a cabo por empreitada pelas empresas e pessoas identificadas nos doc.s de fls 235 vº a 241 e a empresa identificada a fls. 241vº forneceu os aí mencionados materiais e o custo total foi de 106.355,56€“. Para assim entender, releva o A. a sua alegação nos arts. 43º e 44º da sua réplica, em que juntou aqueles documentos, não impugnados, e por isso o seu conteúdo se terá de haver como assente. A correspondente alegação factual do A. tinha sido feita no art. 16º da p.i., sem junção de qualquer documento. Mas a R. impugnou tal artigo no art. 18º da sua contestação. Portanto, há impugnação de tal factualidade por parte da R.

Depois o A. juntou os aludidos docs., com a alegação feita nos referidos arts. 43º e 44º da réplica. Que a R., aliás, impugnou na sua resposta (no art. 20º). Contudo, em tais docs. (juntos como nºs 66 a 72) não consta a letra e assinatura da R. São, por isso, documentos de apreciação livre, como resulta da conjugação dos arts. 374º e 376º do CC. A julgadora de facto considerou que não havia prova bastante, como expressou na respectiva motivação de facto. E decidiu bem, pois tais docs., sem mais, só por si, não têm a virtualidade de comprovar o pretendido pelo A.

Assim, ao contrário do que o A. defende, a sentença recorrida não tinha que dar como provada esta factualidade por a mesma estar plenamente provada por documentos e por acordo das partes.

Não procede, nesta parte, a impugnação do A.

3.5. Relativamente ao adicionamento de um novo facto provado sob 22. com a seguinte redação “Em 22.11.2011, A. e R. contraíram um empréstimo junto da Banco 1... no montante de 55.000,00€ para a construção do barracão mencionado no facto provado 11. e dele só foi utilizado, entre 25.11.2011 e 15.11.2012, o total de 40.500,00 €“. Para o efeito, o A. releva o teor dos documentos de fls. 136, 137, 138 e 233 vº a 235º que não foram impugnados e daí que, no que ora interessa, assente se tem de dar que o dinheiro do dito empréstimo era creditado ao A. e R., na conta respetiva nº ...90 da Banco 1..., após pedido justificado para as obras do barracão, assinado pelo A. para cada tranche, mas face à carta da R. de fls. 138 a tranche de fls. 235 teve de ser assinada por A. e R., após o que não foi possível desbloquear mais tranches.

Sobre esta temática há que sublinhar que o A. não alegou essa factualidade na p.i., pelo que, por princípio, não pode aspirar a que ela seja considerada e provada, como decorre do art. 5º, nº 1, do NCPC.

Por outro lado, mesmo que se concebesse hipoteticamente que tal factualidade é complementar de factos essenciais, teríamos que verificar se o A. oportunamente, dela se quis aproveitar manifestando essa sua vontade; como decorre do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, e é entendimento jurisprudencial (vide neste sentido o importante Acd. do STJ de 7.2.2017, Proc.1758/10.4TBPRD, não publicado, e Acds. desta Relação, de 9.1.2018, Proc.825/15.2T8LRA e 31.3.2020, Proc.22/17.2T8CLB, este do presente Colectivo, ambos em www.dgsi.pt). Ora, em lado algum dos autos o A. manifestou essa sua vontade, designadamente na audiência de julgamento, último momento apropriado para o efeito, nomeadamente para contraditório da parte contrária e sua consideração pelo juiz julgador.  

Por último, verifica-se, até, que tal matéria respeitante à alegada aplicação de parte do apontado montante emprestado foi contrariada pelo próprio A. Na verdade, na p.i. - arts. 15º, 17º, 19º, 20º e 22º, c), -, em sentido diverso, alegou que para a construção do mencionado barracão foi utilizado o dinheiro proveniente das vendas mencionadas nos factos provados 12. e 13. e o dinheiro referido no facto provado 15. ! Nada se referindo sobre tal empréstimo.

Inclusive, acaso fosse verdade a sua pretendida adição factual, então parece que teria que ser inverídica a matéria substantiva constante dos factos não provados l) e o), que, contudo, o A. queria eliminar, para passarem a ficar como provados sob os novos factos 19. e 20. e que logrou  !

Em que ficamos então ? Certo é que não podem ser dados como provados determinados factos e ao mesmo tempo outros antagónicos e conflituantes entre si.   

Do exposto, vai indeferida, nesta parte, a impugnação do A.   

3.6. Quanto à alteração da redação do segmento do facto provado 11., desde o seu inicio até 6.000 m2, inclusive, e que deverá ser a seguinte: No terreno de pinhal com a área de 2600m2, sito em ..., extinta freguesia de S..., a confrontar do norte com BB, sul com Rua F..., nascente com NNN e poente com ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...32“.

Para assim se ter de entender e concluir, releva o A. o doc. 13 da contestação (fls 142 e segs.), que é uma escritura de partilha que comprova que a apelada adquiriu apenas o prédio nela descrito como verba 18 e precisamente como identificado está acima. O doc. 16 da contestação, a caderneta predial urbana do barracão do facto provado 11., com o teor, além do mais, de área total do terreno de 2.600m2, localização do prédio em ... - nº 115, Rua F..., artigo urbano ...93 da União de freguesias ... e ... e, ainda, com os dizeres manuscritos “verba 18“. O teor do art. 49º da contestação (fls. 58) em que a R. descreve a mesma verba 18 nos precisos termos daquela escritura de partilha e refere que o dito artigo ...32 deu origem e corresponde ao atual artigo urbano ...93 da União de freguesias ... e .... O teor do art. 24º da Réplica (fls. 175vº) no qual o A. impugnou e não aceitou, o alegado no artigo 16º da contestação (fls. 52) mormente este seu segmento: “após a desanexação houve lugar à inscrição na matriz da parcela desanexada e que deu origem ao artigo matricial urbano ...99 da freguesia de S...“. O teor do artigo 18º da Réplica (fls. 175) no qual o A. refere expressamente, “ser impossível e absurdo até a existência, como prédio autónomo e distinto, daquela parcela”. O teor do artigo 26º da Réplica (fls. 176) no qual o A. apelante refere expressamente: “sendo aquela (mesmo artº 18º da Réplica) a única realidade e face à descrição da verba 21 (quis dizer 18) daquela partilha, o A. corrige o que erradamente alegou na parte inicial do artº 15º da p.i.“. Sendo, também, de relevar a conclusão a que se tem de chegar de imediato que, nos autos, nada foi alegado e nem muito menos documentado quanto à formalização legalmente exigível da alegada desanexação, pelo que inexistindo o titulo formal legalmente exigível (cfr. art. 22º do DL 116/2008 de 4.7) para a efetivação da alegada desanexação, jamais se poderia dar como aceite por acordo das partes e assente/ provado este segmento ora em causa. Aliás, nem sequer alegado foi e daí se desconhecer em absoluto qual o prédio em concreto do qual terá sido, supostamente, desintegrada a parcela com 2.600m2 e quanto é que terá “sobrado“ como remanescente ao “prédio mãe“. Ora, provado documentalmente está sim que foi a totalidade dum prédio rústico – a dita verba 18 – que foi adjudicada à apelante e que só este podia ter sido ocupado com a construção do barracão, como efetivamente veio a acontecer. Também, proibido estava, legalmente, a alegada desanexação, pois que não se verificam os requisitos e condicionalismos impostos pelas pertinentes disposições legais, mormente os artigos 2º - i), 4º nº 2- a) e 6º nº 1 -d) e nº 5 do DL 555/99 de 16.12. na redação aplicável à data, ou seja, era necessário, antes da competente formalização, a obtenção de licença administrativa e, por outro lado, tal “operação de loteamento” que se traduzia no destaque de uma parcela de terreno jamais se poderia realizar uma vez que o pinhal (“prédio mãe“), supostamente só teria 6.000m2 e situava- se fora de perímetro urbano e a alegada parcela de 2.600m2 não era para construir edifício que se destinasse exclusivamente a fins habitacionais e não respeitava a área da unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respetiva. Portanto, era impossível de ter resultado a constituição de duas novas unidades prediais autónomas decorrentes da divisão do prédio rústico inicial e daí não ter ocorrido qualquer divisão jurídica de prédio rústico com “6.000m2” de que tenha resultado a “outra“ parcela de 2600m2, bem pelo contrário todo o terreno rústico da dita verba 16, desapareceu e todo ele foi destinado à construção do barracão que, como prédio urbano, se apresenta como uma unidade predial autónoma e perfeitamente individualizada e correspondente na sua localização e área ao original prédio rústico de onde proveio, a dita verba 18 da Partilha. Pelo que, é nula e de nenhum efeito a desanexação aludida, pois que viola lei imperativa, nos termos dos artigos 280º e 294º do Código Civil, nulidade esta que, nos termos do artigo 286º CC, pode ser invocada a todo o tempo e daí se arguir aqui e é do conhecimento oficioso do tribunal que sempre e em qualquer caso a deveria ter declarado e não o tendo feito a 1ª instância, deverá em sede deste recurso ser declarada. Por sua vez e atento o que supra se releva, jamais se pode entender ter havido confissão do A. no segmento inicial do art 15º da p.i. que tenha sido aceite pela R. em face do seu art. 15º da contestação. É que, mesmo que se entendesse ter havido “confissão” ela era inadmissível e daí não poder fazer prova plena contra o A., pois verificam-se as situações contempladas no art. 354º -a) e c) do CC. E, mesmo que assim se não entenda, atento o principio da indivisibilidade da confissão do art. 360º do CC, para que a R. apelada pudesse aproveitar-se dessa declaração do A. (parte inicial do art. 15º da p.i.) como prova plena contra ele, tinha de aceitar também como verdadeiro outro facto constante do mesmo art. 15º (“o valor da parcela de terreno com a área de 2600m2 não excedia 2000,00€”) e o que ela não fez, atento que, no art. 15º da contestação, expressamente, excepciona e retira da sua aceitação aquele segmento. Posto que, muito menos se poderá invocar aqui o art. 46º do NCPC. E, assim sendo, também por esta via, vedado estava ao tribunal dar como provado o referido segmento do facto 11. com a redação da sentença recorrida, como impõe o art. 607º nº 5 CPC e já que a lei exige requisitos e formalismo especial para a alegada desanexação e ao que a sentença não atentou.

Bom, analisando, diremos que todo este arrazoado é numa parte de difícil compreensão e de acompanhamento argumentativo e noutra parte inútil.

Objectivando e sintetizando, observa-se que o facto provado 11. corresponde à alegação do A. vertida no art. 15º da p.i. (menos no valor actual) e admitido expressamente pela R. no art. 15º da sua contestação. Depois, constata-se que os documentos referidos pelo recorrente, o 13 e o 16 da contestação respeitam a matéria constante do pedido reconvencional da R., que não foi admitido, decisão que transitou em julgado e que, assim, está fechada, o mesmo acontecendo com a respectiva factualidade e docs. subjacentes. O mesmo acontece com o teor do referido art. 49º da contestação, que integra tal reconvenção. E o mesmo decorre dos invocados arts. 24º e 26º da réplica que respeitam à impugnação da dita reconvenção, e art. 18º da réplica que respeita à arguição pelo A. da excepção de ineptidão da petição reconvencional, questão que também ficou fechada definitivamente.  

Ora, o facto que ficou provado por acordo, como se menciona na motivação da decisão da matéria de facto, e com relevo para a solução de direito e decisão da causa, foi a construção do barracão, porque atento a causa de pedir e pedido invocados pelo A. o que interessa é apurar, se são ou não bens próprios do A. as benfeitorias feitas quanto ao barracão, conforme se conclui compulsando os arts. 26º e 27º da p.i. e pedidos formulados em I-, sob d) e e).
De nada interessando, pois, saber se existiu ou não desanexação ilegal e nula, ou confissão inadmissível do indicado art. 354ºdo CC, ou se a confissão é indivisível, ou se funciona o art. 46º do NCPC.

Sendo assim, face ao que verdadeiramente está em jogo, que acabámos de enunciar, temos de afirmar que é apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante ou insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

No nosso caso verifica-se que o mencionado facto pretendido alterar pelo A. acaba por não ter importância para o seu recurso e para a solução jurídica da causa, como atrás dissemos.  

Considerando o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pelo A. visa factualidade que acaba por se tornar irrelevante para a sorte do seu recurso, então a referida impugnação, relativamente à apontada factualidade não tem de ser conhecida.

Não se conhece, por isso, a impugnação nesta parte deduzida pelo A.        

4. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Considerados os pedidos do autor, acima transcritos, há que começar por afirmar – sem necessidade de outras e mais desenvolvidas considerações – que é incontrovertido (porquanto não foi posto em causa) que aquele adquiriu a título gratuito – ou seja, não oneroso – os imóveis a que se referem os factos provados 2. e 4., por força dos atos jurídicos (de partilhas e de doação) vertidos nas escrituras públicas aí aludidas.

Mas, efetuado o julgamento dos demais factos essenciais (esses sim, alvo do litígio, porquanto controvertidos), logo se constata, sem necessidade de profundas reflexões, que o reconhecimento do (incontrovertido, repete-se) direito do autor sobre aqueles bens não lhe permite alcançar o efeito útil pretendido com esta causa.

Precisando esta conclusão que se acabou de adiantar e socorrendo-nos das normas legais aplicáveis, urge começar por atender a que, por efeito do divórcio de autor e ré, nenhum deles pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos – artigo 1790º do Código Civil.

Dispondo acerca do regime da comunhão de adquiridos, refere o artigo 1722º do Código Civil que:

«1. São considerados próprios dos cônjuges:

a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;

b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;

(…)

Acrescenta o subsequente artigo 1723º que:

«Conservam a qualidade de bens próprios:

(…)

b) O preço dos bens próprios alienados;

c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.»

A propósito desta alínea c), foi entendido pela jurisprudência do nosso Tribunal Superior que: «Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.» - Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2015, proferido no Processo 899/10.2TVLSB.L2.S1 (disponível no site da dgsi).

(…)

Socorrendo-se deste regime legal, pretendia o autor que fosse reconhecida a sua qualidade de credor sobre o património comum ou, se assim não se entendesse, sobre a ré, por ter aplicado o produto da venda de bens próprios e o dinheiro que recebeu de sua tia na realização de benfeitorias.

Não logrou, porém, o autor provar – como lhe competia – que tenha sido com o seu dinheiro próprio que as obras de acabamento da “casa e seu logradouro” e do “barracão” foram pagas, pelo que improcede, nessa parte, o seu pedido.

Assim e em síntese, quanto às diversas parcelas do pedido I, há que confirmar a procedência parcial do pedido de reconhecimento do direito do autor – pedido I. a) -, na parte em que respeita aos direitos sobre bens imóveis que adquiriu por efeito das escrituras de partilha e doação acima aludidas (sem olvidar a desnecessidade desta ação, para o efeito).

Já quanto ao dinheiro a que se refere o facto provado 15., não se dispondo de factos que permitam concretizar qual a causa do recebimento desse dinheiro – se por vontade da de cujus, se por outro título e se o mesmo foi destinado apenas ao autor ou antes ao casal que então formava com a ré –, pensa-se não estar devidamente fundamentada a inerente pretensão do autor vertida sobre o seu primeiro pedido, que, consequentemente, improcede.

Em relação ao pedido I. b), ficaram por demonstrar os factos em que se alicerçava – ou seja, que os valores das vendas a que se refere tenham sido os alegados pelo autor –, pelo que também improcede tal pedido.

Igual conclusão se impõe, em face da mera leitura dos factos provados e não provados, em relação aos pedidos I. c) e I. d), o que determina a improcedência do que, verdadeiramente, constituía, em si, um pedido – no sentido do efeito útil visado pelo autor com a ação – isto é, do pedido e).

Quanto ao pedido II., a sua procedência sempre estaria dependente, em termos de sustentação de facto, da prova de que o valor a que se refere - €16.000,00 – foi despendido no pagamento de dívidas que eram do casal e não apenas do autor ou de terceiro. Percorrida a matéria de facto assente, verifica-se que dela não consta tal factualismo, pelo que – também aqui sem mais desenvolvidas considerações – há que concluir pela improcedência de tal pedido.”.

4.1. O A. diverge (cfr conclusão de recurso 5ª). Já se vê, com clareza que face à alteração da decisão de facto a decisão final terá de ser igualmente alterada.

Os apontados normativos legais e a respectiva interpretação jurisprudencial, são, no entanto, os pertinentes, e estão transcritos na fundamentação de direito.

Deste modo, extraindo as devidas consequências legais, temos que:

- é bem próprio o dinheiro pelo A. herdado da tia e referido nos factos provados 15. e 20., assim procedendo o peticionado sob I., a);

- conservam a qualidade de bens próprios dele, os dinheiros dos preços das vendas dos imóveis e dos pinheiros, referidos nos factos provados 9., 12., 13., 17. a 19.

Tudo somado dá 14.714,53 € (3.740,98 + 6.234,97 + 4.738,58) para as benfeitorias na casa e 59.900,68 € (11.000 + 39.000 + 9.900,68) para as do barracão, assim procedendo parcialmente o peticionado sob I., b), c) e d);

- face à apurada realidade, no momento da partilha entre os ex-cônjuges A. e R. este montante total de 74.615,21 € (14.714,53 + 59.900,68) deve ser atribuído ao A., como direito de crédito que tem sobre o património comum do dissolvido casal, assim procedendo parcialmente o peticionado sob I., e);

- face ao indeferimento da impugnação ao facto provado 14., mantendo-se ele com a mesma redacção improcede o peticionado sob II., pois nenhuma dívida comum se comprovou.

4.2. Prosseguindo, e entrando na análise do peticionado sob IV., a actualização, à data da sentença ou outra que se vier a fixar, dos valores monetários dos pedidos I., b) e c) e II, mediante correção monetária conforme os índices de preços no consumidor do INE, a questão que se põe é a de saber se ela é possível, visto que o legislador nada esclareceu expressamente neste ponto, sabido, porém, que, por princípio, a solução legal é a de as compensações só serem exigíveis no momento da partilha.

Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, em D. Família, Vol. I, 4ª Ed., págs. 438/439, apresentam uma tripla argumentação, com as pertinentes e fundadas justificações, a que aderimos, no sentido da referida actualização. Temos por bom este entendimento, por se afigurar o mais justo e equilibrado, bastando pensar que entre o momento dos movimentos de capital de um dos cônjuges e a data da partilha muitos anos podem mediar, como no nosso caso concreto (há vendas anteriores a 1998). Nestes casos a aplicação da regra do nominalismo (art. 550º do CC) iria desequilibrar patentemente a espécie de “conta-corrente” que existe entre o património comum e os patrimónios próprios do casal, uma “conta” que se fecha apenas no momento da partilha. No mesmo sentido vão também J. Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 5ªEd., 2016, págs. 481/482 e Cristina Araújo Dias, Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, 2009, págs. 863 e segs.

Ou seja, a compensação deve ser actualizada, com base no índice de preços (art. 551ºdo CC), no momento da partilha.  

No caso concreto, os valores de venda acima apurados, de 3.740,98 €, 6.234,97 € e 4.738,58 € reportam-se a data anterior a Julho de 2017, mas o A. só pede, no seu requerimento de ampliação do pedido, a actualização a partir de 1988, pelo que há que limitar a data do início da actualização a tal ano. O mesmo acontece com os valores de 11.000 € e 9.900,68 € que se reportam a 2011 e o A. só pede a actualização a partir de 2012. E ainda com o apontado valor de 39.000 € que se reporta a 2012, pedindo o A. a actualização desde 2013. O que tudo se determina.  

Procedendo-se à actualização dos referidos valores, até à data da partilha é óbvio que não existem juros de mora a fixar, pois mora não existe. Sendo os aludidos créditos de compensação apenas exigíveis no momento da partilha, não há qualquer mora neste momento, nem a consequente indemnização moratória (arts. 805º e 806º do CC). Não procedem, por isso, os pedidos do A. formulados sob V. e VI. 

5. Na mesma sentença escreveu-se ainda:

“Como acima se aludiu, o autor suscitou, ainda, incidente de litigância de má-fé contra a ré, pretendendo a condenação desta no pagamento de multa e indemnização.

Dispõe o artigo 542º, nº2, do Código de Processo Civil que se diz “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

“Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir” – preceitua o nº1 desse artigo 542º - indemnização essa com o conteúdo previsto no artigo 543º do mesmo diploma legal.

O Prof. Alberto dos Reis - in Código de Processo Civil anotado, Volume II, 3ª edição – Reimpressão, páginas 262 -, ao abordar a questão da litigância de má-fé, distingue a lide, em função da conduta do litigante, em:

a) - Lide cautelosa;

b) - Lide simplesmente imprudente;

c) - Lide temerária;

d) - Lide dolosa.

Explicitando estes conceitos, o Prof. Alberto dos Reis escreve: “ No primeiro caso a parte esgotou todos os meios para se assegurar de que tinha razão”. No segundo, “cometeu imprudência, mas imprudência levíssima”. No terceiro, incorreu em “culpa grave ou erro grosseiro”. No quarto, “praticou um facto que merece censura e condenação; sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou”.

Partindo desta classificação, apenas no caso da alínea a) se pode afirmar que o litigante agiu com a prudência normal; todavia não é qualquer uma das demais situações que integra a litigância de má-fé.

E, designadamente, para o que aqui importa, conforme jurisprudência maioritária, não é a mera falta de fundamento legal do alegado pelo requerente, a título de lide temerária, que preenche os requisitos desse figura – vide, neste sentido, a título meramente exemplificativo, o que já há muito (mas que continua com atualidade) foi defendido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2007 e de 28.02.2002, in, respetivamente, processo 07B3444 e processo 01S4429 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Revertendo estes ensinamentos para o caso dos autos, temos que os factos conhecidos, após discussão da causa, não nos permitem afirmar, com a necessária certeza, qual das partes alterou a verdade dos factos, não podendo deixar de estar bem ciente do que estava a fazer.

Ao invés, a fragilidade da prova produzida conduziu a que se tivesse ficado na dúvida acerca da verdade dos factos, o que leva a que não se possa concluir qual das partes mentiu e atuou em contrário aos ditames da boa-fé.

Assim, julgam-se não verificados os pressupostos da litigância de má-fé e, consequentemente, improcedente o incidente suscitado pelo autor ora em análise, havendo que absolver a ré do respetivo pedido.”.

O A. discorda (cfr. conclusão de recurso 5ª). No corpo da alegação dá como reproduzido o por ele alegado ao deduzir o incidente de litigância de má fé. Aí invocou a referida litigância afirmando que a R. tinha uma actuação processual que preenchia os requisitos do art. 542º do NCPC. Todavia, dispensou-se comodamente de indicar quais seriam esses requisitos em concreto, certo que a lei prevê vários, que vão desde a a) a d) do nº 2 do referido art. 542º. Agora em recurso lá vem finalmente concretizar, que face aos documentos escritos pela R. a mesma alterou a verdade dos factos, ou seja terá violado a b) do dito art. 542º. E, face à factualidade provada, dúvida alguma pode ficar no julgador de que a verdade dos factos é a trazida aos autos pelo A., daí se ter de concluir que é a R. que está a mentir e actua contra os ditames da boa-fé.

Mas não é assim, com a linearidade que o A. defende.

Como acima se explicitou, os referidos documentos escritos pela R. não têm assinatura, pelo que são de apreciação livre. Só por si não provavam a versão do A. Sem outras provas adjuvantes o A. não lograria provar a matéria que se apurou. Ou seja, não é só pelo que dos docs. consta que se pode concluir que a R. estava a mentir. O que se provou a final resulta da prova produzida em conjunto e devidamente conjugada. A R., mas o A. também, ficaram sujeitos à contingência incerta das provas. Daí que não possa afirmar-se que a R. actuou com negligência grave, como o corpo do art. 542º, nº 2, exige, embora se possa afirmar que perante tal prova documental ela actuou temerariamente, com culpa mas não grave, ciente que estava a mentir.   

Não procede, pois, esta parte do recurso.

(…)

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, parcialmente, e, em consequência,    

condena-se a R. a reconhecer que:

I. –

a) o autor adquiriu a título gratuito os imóveis tal identificados nos factos provados 2. e 4., bem como o montante em dinheiro indicado no facto provado 15.;

b) Os preços das apontadas vendas, efectivamente pagos e recebidos por A. e R. são os indicados nos factos provados 9., 12., 13. e 18.;

c) Conservam a qualidade de bens próprios do A. os dinheiros dos preços por que foram alienados os referidos bens imóveis e os pinheiros, no total de 64.714,53 € e o dinheiro só a ele doado no montante de 9.900,68 €;

d) Todas as referidas benfeitorias, nos valores de 14.714,53 € € quanto à casa e seu logradouro, e de 59.900,68 € quanto ao barracão, porque sub-rogadas no lugar de bens próprios do A., conservam a qualidade de bens próprios do mesmo; e

e) Aqueles montantes devem ser atribuídos ao autor, no momento da partilha, por ter um direito de crédito no total de 74.615,21 € sobre o património comum do dissolvido casal de A. e R.; 

II. - Devem ser atualizados, à data da partilha, os valores monetários individuais indicados nos factos provados 9., 12., 13., 15. e 18., desde as datas referidas acima (na parte III. ponto 4.2, deste acórdão), mediante correção monetária conforme os índices de preços no consumidor do INE.

*

Custas pela R. e A., na proporção do vencimento/decaimento. 

*

                                                             Coimbra, 13.9.2022

                                                             Moreira do Carmo

                                                             Fonte Ramos

                                                             Alberto Ruço