Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1220/04.4TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
FALÊNCIA
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.377 CT ( LEI Nº 29/2003 DE 27/8) , 686, 748, 751 CC
Sumário: 1. O art. 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 29/2003 de 27 de Agosto ( com entrada em vigor a 28 de Agosto de 2004 ) criou um privilégio imobiliário especial, substituindo o preexistente privilégio imobiliário geral que, para os mesmos créditos, vigorava ao abrigo da Leis nº 17/86, de 14/6 e nº 96/2001, de 20/8.

2. O art.377 do Código do Trabalho ( aprovado pela Lei nº 29/2003 de 27 de Agosto) aplica-se a todos os direitos de crédito dos trabalhadores constituídos desde o dia 28/08/2004, independentemente de resultarem de relações jurídicas laborais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados, consoante os casos, antes ou depois daquela data, apenas se exceptuando do mencionado regime, com a consequência de dever aplicar-se o regime anterior, os créditos laborais que se tenham constituído antes de 28/08/2004 no âmbito de contratos de trabalho que se tenham extinto anteriormente.

3. Não é materialmente inconstitucional a norma do art. 377 nº1 b) do Código do Trabalho.

4. Declarada a falência do empregador, após a entrada vem vigor do Código do Trabalho, os créditos posteriormente reclamados pelos respectivos trabalhadores são garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador e prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

Declarada a Falência de “V (…), LDA.”, por sentença proferida a 2 de Setembro de 2004, já transitada em julgado, foram, por apenso ao respectivo processo, reclamados os seguintes créditos:

1.A (…), LDA., no total de € 214.03, relativo a fornecimento de serviços;

2.L (…), S.A, no valor de € 136.691,35, relativo a fornecimentos de serviços;

3.A (…), Lda.”, no valor de € 19.535,81, relativo a fornecimentos de serviços;

4.Ministério Público, em representação do Estado, no montante de € 2.983,47, relativos a coimas e custas devidas nos processos de execução aí identificados (fls. 31-32);

5.J (…)e A (…), no valor de € 47.035,31, relativo a empréstimo;

6.M (…), Lda., no valor de 26.879,01, relativo a fornecimentos efectuados;

7.P (…), no valor de € 9.128,44, relativo a créditos laborais;

8.L (…), S.A.”, no valor de € 1.635,65, relativo a fornecimentos;

9.W (...), S.A., no valor de € 5.730,32 relativos a fornecimentos;

10.Y (...), S.A., no valor de € 11.784,75, relativo a fornecimento de serviços;

11.  BANCO X (...), S.A., no valor de € 240.246,22, referente a empréstimo;

12. Z (...), S.A., no valor de € 6.781,45, relativo a fornecimento de serviços;

13. J (…), no valor de 7.531,30 €, relativo a créditos laborais;

14. A (…), no valor de € 1.321,88, relativo a créditos laborais;

15. M (…), no valor de € 3.832,71, relativo a créditos laborais;

16. R (…), no valor de € 8.257,09, relativo a créditos laborais;

17. L (…), no valor de € 8.192,67, relativo a créditos laborais;

18. J (…), no valor de € 2.403,57, relativo a créditos laborais;

19. R (…), no valor de € 8.185,40, relativo a créditos laborais;

20. M (…), no valor de € 7.112,19, relativo a créditos laborais;

21. A (…), no valor de € 3.819,59, relativo a créditos laborais;

22. J (…), no valor de € 10.883,44, relativo a créditos laborais;

23.  P (…), S.A., no valor de € 317,47, relativo a fornecimentos;

24. ISS, IP – Centro Distrital de Segurança Social de ( ...), no valor de € 298.123,90, referente a contribuições e respectivos juros;

25. Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, no valor de 151.816,60, relativos a Contribuição Autárquica, Coimas, IRS, IMI e IVA;

26. IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, no valor € 21.033,83;

27. L (…), LDA., no valor de 6.098,49, relativo a fornecimentos;

28. K (...), S.A., no valor de € 348.247,13;

29. R (…)no valor de € 7.240,59, relativo a créditos laborais;

30. P (…), no valor de € 7.875,60, relativo a créditos laborais;

31. J (…), no valor de € 16.851,38, relativo a créditos laborais;

32. A (…), no valor de € 5.854,85, relativo a créditos laborais;

33. J (…) no valor de € 9.924,44, relativo a créditos laborais;

34. E (…), no valor de € 4.814,38, relativo a créditos laborais;

35. T (…), S.A., no valor de € 1.346,50.

            Na pendência dos autos de Reclamação de Créditos, foram apreendidos os bens móveis constantes do auto de apreensão de bens de fls. 2 a 4 e o bem imóvel constituído por prédio urbano composto de um pavilhão amplo destinado à indústria vidreira e armazenamento, com escritório, balneário, com área coberta de 780 m2 e logradouro com 1.222 m2, inscrito na matriz da freguesia da ( ...) sob o artigo ( ...)e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, sob o n.º 00 ( ...)/981010 da ( ...).

Não foi deduzida qualquer contestação quanto à existência e/ou montante dos créditos reclamados, quer por parte da falida, quer por parte de qualquer dos credores, nos termos do artigo 192.º, do CPEREF.

            A Sr.ª Liquidatária Judicial emitiu parecer sobre os créditos reclamados, considerando que se devem ter por verificados e reconhecidos os créditos reclamados, impugnando, porém, todas as contabilizações de juros efectuadas após a data da declaração de falência – cfr. 151.º, n.º2, do CPEREF.

            Por seu turno, e relativamente ao crédito reclamado por J (…) adiantou a Sr. Liquidatária que não tendo sido junto qualquer documento quanto à existência de tal crédito, não poderia se pronunciar quanto ao mesmo.

            Quanto ao crédito reclamado por E (…), e atentando ao teor da sentença proferida no Tribunal de Trabalho de Leiria, entendeu a Sr.ª Liquidatária que apenas deveria ser reconhecido o crédito no valor de € 2.229,89.

Efectuado saneamento do processo, que julgou válida e regular a instância, veio a ser proferida decisão que, julgando verificados os créditos reclamados e reconhecidos, procedeu à sua graduação pela forma seguinte:
A) Pelo produto da venda do imóvel:
1. Em primeiro lugar, será pago o crédito (hipotecário) reclamado pela K ( ...), S.A., até ao montante máximo constante do registo da hipoteca e com a restrição dos juros aos três anos.
2. Em segundo lugar, pelo remanescente, se o houver, será pago o crédito reclamado pelo Banco X ( ...), até ao montante máximo constante do registo da hipoteca e com a restrição dos juros aos três anos.
3. Em terceiro lugar, pelo remanescente, se o houver, será pago o crédito reclamado pelo ISS – IP, Centro Distrital de Segurança Social de ( ...), até ao montante máximo constante do registo da hipoteca.
4. Em quarto lugar, serão pagos os créditos laborais e referenciados em 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 29., 30., 31., 32., 33. e 34.
5. Em quinto lugar, pelo remanescente, se o houver, serão pagos os restantes créditos (comuns), com rateio entre eles.
B) Pelo produto da venda dos bens móveis:
1. Em primeiro lugar, serão pagos os créditos laborais referenciados em 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 29., 30., 31., 32., 33. e 34.
2. Em segundo lugar, pelo remanescente, se o houver, serão pagos os restantes créditos”,

tendo a data da falência sido fixada em 2 de Setembro de 2004, data em que foi proferida sentença a decretar a mesma, entretanto transitada em julgado.

Em complemento daquela, foi, a 29-01-2010, proferida decisão a determinar “que o FGS fique sub-rogado nos direitos e garantias dos trabalhadores da insolvente (nomeadamente (…)) na medida das pagamentos efectuados, devendo tais pagamentos ser tomados em consideração na satisfação dos respectivos créditos”.

2. Notificados da decisão que procedeu à graduação dos créditos reclamados, julgados verificados e reconhecidos, por dela discordarem, vieram J (…) e outros interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“1ª Os créditos reclamados pelos recorrentes são emergentes de contrato individual de trabalho e da sua violação;

2ª- Os ora recorrentes reclamaram nos autos créditos de natureza laboral, referindo expressamente, em sede de requerimento de reclamação (art°s 1° e 2° dos requerimentos de reclamação), que prestavam o seu trabalho no único prédio apreendido nos presentes autos, identificado na Douta Sentença Recorrida, não tendo sido tais artigos impugnados nos autos, quer pela insolvente, quer por qualquer dos credores reclamante.

3ª A sentença de graduação de créditos foi agora proferida, encontrando-se ainda, actualmente, pendente o processo com vista à sua definitiva fixação.

4ª - A todos os créditos dos recorrentes assiste privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial sobre o imóvel referido na conclusão 2º - por aplicação imediata do art° 333° do CT ( (correspondente, em termos literais, ao art° 377° do Código do Trabalho (que entrou em vigor no dia 01/12/2003), atentos todos fundamentos expostos no ponto 1. Do Cap.II (entrada em vigor do CT, artº 12° n° e C. Civil e art° 13 do mesmo diploma);

5ª- Efectivamente, o actual Código do Trabalho (art° 333°), vigente na data em que foi proferida a Douta Sentença recorrida, e também a sua anterior versão (artº 377°) que entrou em vigor 1/12/2003, veio estabelecer um novo regime relativo aos privilégios emergentes de contrato laboral e/ou da sua violação, nos quais se têm de incluir os resultantes de indemnização por antiguidade (privilégio imobiliário especial sobre bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade) - art°s 377°, n° l, b) e 751° do C. Civ..

6ª - Encontrando-se apreendidos nos autos prédios onde se localizava o local de trabalho dos trabalhadores ora recorrentes, sobre os quais incidem hipotecas, estas têm de ceder perante o referido privilégio a favor do trabalhador/recorrente - art° 751° do C. Civ., pois, neste domínio, é regra a aplicação imediata ou retroactiva das leis relativas ao regime dos privilégios creditórios.

7ª- Conforme resulta dos requerimentos de reclamação de créditos dos «correntes (apresentados em 2006), estes exerciam o seu trabalho no prédio objecto de garantia de hipoteca a favor dos credores hipotecários - cujos créditos foram graduados antes dos dos recorrentes.

8ª- Também por mera cautela e sem prescindir (para o caso de não se considerar aplicável o regime dos art°s 377° do CT anterior e actual 333°) assiste a todos os seus créditos privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral - conforme dispôs a Lei n° 96/2001, também ela de aplicação imediata, conforme fundamentação ínsita nestas alegações;

9ª- Na graduação dos créditos dos recorridos, de harmonia com os princípios subjacentes a uma interpretação sistemática da lei, deverá observar-se a seguinte

DICOTOMIA:

a) Ou se considera que aos créditos dos trabalhadores recorrentes assiste o privilégio imobiliário especial (art° 377° CT), que prefere à hipoteca, nos termos da nova redacção do art° 751° do C. Civil;

b) Ou se entende, necessariamente que, estando tais créditos abrangidos pelo privilégio imobiliário geral consagrado nas Leis n°s 17/86 e 96/2001, deverá aplicar-se, por analogia, o mesmo normativo, na sua anterior redacção / ou o actual normativo, por interpretação extensiva, analógica ou correctiva - conduzindo sempre tais operações ao resultado de prevalência dos créditos emergentes de contrato individual de trabalho e da sua violação face a créditos hipotecários.

10ª- Os recorrentes entendem que a sua situação se subsume à alínea a) da anterior conclusão.

11ª- Por mera cautela, e sem prescindir, entendem que, mesmo que assim não venha a ser entendido, SEMPRE, nos termos expostos na alínea b) da mesma conclusão 9ª, os seus créditos deverão ser graduados à frente dos créditos hipotecários que foram julgados prioritários.

12ª- A interpretação proposta através da dicotomia apresentada na conclusão 9ª é a única que:

a) Respeita o elemento literal das normas em análise (art° 12° da Lei n° 17/86; art° 4° da Lei n° 96/2001; art° 751° da C. Civil nas redacções anterior e actual);

b) Faz sentido, tendo em conta o elemento sistemático, conjugando a aplicação das normas em causa;

c) Respeita a finalidade de protecção dos créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação, atribuindo-lhes preferência face à hipoteca, conforme quis o legislador, de forma evolutiva, na Lei n° 17/86, Lei n° 96/2001 e nos arts 377° do CT anterior e 333° do actual;

d) Cumpre o direito dos trabalhadores à retribuição do seu trabalho (de natureza fundamental), previsto na alínea a) do n° l do art° 59° da CRP;

e) Traduz uma solução para o problema em análise conforme à lei, mas também justa, resolvendo-o de forma razoável;

f) Segue a linha definida pelo Tribunal Constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional n° 498/2003, Proc° n° 317/2002, de 22/10 (in Dr II Série, n° 2 de 03/01/2004) e em vasta e esclarecida Jurisprudência, exemplificativamente enumerada no Cap. II, ponto 2..

13ª- Não obstante a filosofia que enferma o Código Civil, negatória da existência de privilégios imobiliários gerais, as normas que previram os privilégios imobiliários gerais relativamente aos créditos laborais são lei especial que, nesta medida, revogam o regime geral que o Código Civil dimana.

14ª- Por isso, há que aplicar, naturalmente e por interpretação teleológica (tendo em conta a analogia), ao caso, a disposição do art° 751° do Código Civil, nos termos da qual os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros e preferem à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior.

15ª- Efectivamente, o regime do art° 751° do Cód. Civil deve aplicar-se aos :réditos dos trabalhadores que gozam do privilégio imobiliário geral porque têm ambos imóveis por objecto e a razão dos privilégios imobiliários serem oponíveis a terceiros que adquiram o imóvel e preferirem à hipoteca, ainda que seja anterior, é precisamente terem o imóvel por objecto. (…)

16º- A aplicabilidade de tal regime (art. 751°, do CC), coloca em confronto dois princípios de dimensão constitucional, a saber, o princípio da segurança (no tráfico do comércio jurídico imobiliário) e o princípio do direito ao salário pelo trabalhador, devendo prevalecer este por se tratar de um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.

17ª- Quer a Lei n° 17/86, quer a Lei n° 96/2001 foram apresentadas e apresentam teores correspondentes a claros reforços da tutela dos créditos laborais, sendo intenção do legislador que tais créditos prevalecessem face ao hipotecários, conforme se retira da análise do Ac. RL de 09/03/2006, que analisa esta questão;

18ª- Caso não se entenda ser esta a conclusão directamente retirada do texto da lei, sempre deverá ser sufragada, por se entender o contrário consubstanciar abuso de direito por parte dos credores hipotecários, nos termos do art° 334° do C. Civil.

19ª- A interpretação defendida pela Douta Sentença recorrida para o art° 751º (versão anterior) e para a do art° 4° da Lei n° 96/2001 - no sentido de o privilégio geral imobiliário nelas conferido aos créditos emergentes de contrato individual de trabalho, não preferir à hipoteca, nos termos do art° 749° do C. Civil, tornaria, só nesse sentido, aquelas normas inconstitucionais - por violação do art° 59°, n° l, a) da Constituição da República Portuguesa e do princípio geral do Estado de Direito consagrado no art° 2° do mesmo diploma.

20ª- A Douta Sentença recorrida violou e interpretou erradamente as normas dos art°s 12°, n° 2, 13° e 751° (versão actual e anterior) do Código Civil, art° 12° da Lei n° 17/86; art° 4° da Lei n° 96/2001, art°s 333° do Código do Trabalho, art° 18°, n° 2, 59°, n° l, a) da Constituição da República Portuguesa e o princípio geral do Estado de Direito consagrado no art° 2° do mesmo diploma;

21ª- Deveria ter interpretado e aplicados tais normas de harmonia a decidir conforme as anteriores conclusões 1ª a 20ª.

22ª- Os créditos dos todos os recorrentes deverão, assim, ser graduados com preferência aos dos credores hipotecários, relativamente ao produto da venda do prédio onerado com tais hipotecas e apreendido nos autos, ordenando-se a revogação da Douta Sentença recorrida e a sua substituição por outra que gradue os créditos dos recorrentes com prioridade em relação aos daqueles credores”.

Não houve contra - alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

1.  Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

2.  Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente a natureza do privilégio de que gozam os créditos reclamados pelos recorrentes, verificados e reconhecidos, e sua graduação.

 

III. FUNDAMENTO DE FACTO

São os factos descritos no relatório supra os pertinentes para o conhecimento do objecto do recurso.

           

            IV. FUNDAMENTO DE DIREITO

            A questão fulcral aqui em debate traduz-se na determinação da ordem da graduação dos créditos dos recorrentes -créditos emergentes da relação laboral de cada um deles -, em relação ao imóvel apreendido para a massa falida (único, de resto, e no qual desenvolviam a sua actividade profissional, conforme alegado no requerimento de reclamação de créditos, que não foi objecto de impugnação). Mais concretamente, importa determinar se os créditos dos trabalhadores da entidade insolvente devem prevalecer sobre os créditos hipotecários que incidem sobre o aludido imóvel.

            A equação da questão em análise pressupõe a aferição do regime legal a aplicar relativamente aos créditos reclamados pelos ora apelantes. Esse regime é definido pela lei vigente à data em que é decretada a falência: é com o trânsito em julgado da decisão que decreta a falência que se inicia o concurso de credores[3].

            No caso, a sentença foi proferida a 2 de Setembro de 2004.

            A Lei 17/86, de 14/06 (Lei dos Salários em Atraso), conferiu aos créditos dos trabalhadores emergentes do não pagamento pontual da retribuição[4] privilégio imobiliário geral, preferência que lhes reconhecia o direito a serem graduados antes dos créditos mencionados no artigo 748º do Código Civil e dos créditos da Segurança Social[5].

Por seu turno, a Lei 96/2001, de 20/08 procedeu a alteração ao regime dos privilégios dos créditos dos trabalhadores resultantes da mencionada Lei dos Salários em Atraso e dos demais créditos emergentes do contrato de trabalho e a graduação dos mesmos em processos instaurados ao abrigo do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência[6], mantendo o privilégio imobiliário geral para os créditos resultantes do não pagamento pontual da retribuição e atribuindo também igual privilégio aos créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei nº 17/86, de 14/6, levando a que os mesmos fossem também graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e dos créditos devidos à segurança social[7].

As normas em causa, prevendo um privilégio imobiliário geral, que atribuem nos citados moldes aos créditos laborais, não cuidaram nem de proceder à sua regulamentação, nem de determinar qual o regime aplicável na hipótese dos créditos em causa concorrerem com outros créditos dotados de garantia, designadamente a hipoteca voluntária.

Por sua vez, o Código Civil[8] não contempla aquele tipo de privilégio - privilégio imobiliário geral -, sendo ainda omisso quanto a normas que regulem a concorrência daquele privilégio com direitos reais de garantia, quer antes quer após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08/03.

Note-se que os “privilégios especiais são garantias reais de cumprimento das obrigações e os privilégios gerais constituem tão só preferências de pagamentos (preferências gerais anómalas), despidas das características dos direitos reais, entende-se que a posição dos créditos munidos de privilégio imobiliário geral é em tudo idêntica à dos créditos com privilégio mobiliário geral, quando em concurso com créditos de terceiros beneficiando de garantias reais”[9].

Ou, como de forma elucidativa, se refere no Acórdão do STJ, de 26.10.2010[10]: “tradicionalmente, integrada na categoria conceitual das garantias especiais das obrigações, os privilégios creditórios caracterizam-se, em primeiro lugar, pela sua fonte, porque derivam sempre da lei, e nunca de negócio jurídico, ao contrário do que acontece, normalmente, com as restantes garantias, em segundo lugar, em atenção à causa do crédito, e nisto se aproximam da hipoteca legal, que a lei confere a certos credores, e, finalmente, porque não estão sujeitos a registo, ainda que recaiam sobre bens imóveis.
O carácter real dos privilégios creditórios, e não como um mero atributo ou qualidade do crédito a que respeita, revela-se, igualmente, na preferência concedida ao credor de ser pago com prevalência sobre os outros credores, mas, também, em certos casos, no direito de sequela conferido ao mesmo, podendo a garantia tornar-se efectiva, no património de terceiros, em conformidade com o disposto pelo artigo 751º, do CC (…).

Porém, o grande perigo que se encontra associado aos privilégios creditórios contende com a segurança do comércio jurídico, por inexistir um mínimo de publicidade a assinalar a sua presença, proveniente do facto de valerem, em face de terceiros, independentemente de registo, formando uma parte substancial dos designados ónus ocultos, que escapam, normalmente, aos olhares dos credores comuns, mas dotados de susceptibilidade para poderem atingir, seriamente, os terceiros que contratam com o devedor, na ignorância da sua existência, com os inerentes reflexos sobre a garantia patrimonial que oferecem (…).

Por sua vez, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, sendo certo que é a natureza imobiliária dos bens por ela abrangidos que justifica a solução excepcional de a sua eficácia depender de registo, mesmo em relação às partes, nos termos das disposições combinadas dos artigos 686º, nº 1 e 687º, do CC, e 4º, nº 2, do Código do Registo Predial.

No que respeita às hipotecas legais, que resultam, directamente, da lei, sem dependência da vontade das partes, podendo constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança, em conformidade com o estipulado pelo artigo 704º, do CC, é o acto de registo que representa o seu nascimento, visível para qualquer interessado diligente, porquanto a hipoteca não tem existência jurídica, anteriormente ao mesmo, nele se especificando os bens onerados e a identidade, especialmente, o montante do crédito garantido”.

A resolução da controversa questão não encontrou na doutrina e na jurisprudência uniformidade, tendo, a propósito da mesma, se confrontado posições antagónicas.

Revogado aquele quadro normativo com a vigência do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, a questão até então debatida viria a ser ultrapassada pelo artigo 377º deste diploma, (cuja entrada em vigor viria a ocorrer em 28 de Agosto de 2004[11], logo antes de decretada a falência que viria, no caso em análise, a ditar o concurso de credores), sendo que o nº1, alínea b), na parte aqui relevante, estatui: “os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: (…) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”.

Segundo o nº1 do artigo 8º da citada Lei, “ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.

Neste sentido, vem a jurisprudência decidindo, com critérios relativamente uniformes, que o disposto no artigo 477º do Código do Trabalho, aprovado pela mencionada Lei nº 29/2003 de 27 de Agosto, se aplica a todos os direitos de crédito dos trabalhadores constituídos desde o dia 28/08/2004, independentemente de resultarem de relações jurídicas laborais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados, consoante os casos, antes ou depois daquela data, apenas se exceptuando do mencionado regime, com a consequência de dever aplicar-se o regime anterior, os créditos laborais que se tenham constituído antes de 28/08/2004 no âmbito de contratos de trabalho que se tenham extinto anteriormente[12].

Ou seja: “a norma do art. 377º do Código do Trabalho é aplicável para o futuro, mas com eficácia imediata, abrangendo, nessa medida, efeitos actuais de factos passados – ou seja, é aplicável aos créditos gerados pela violação ou cessação de contratos de trabalho subsistentes à data da sua entrada em vigor”[13].

Como salienta o citado Acórdão da Relação do Porto, de 23.2.2010, “a aplicação do artº 377º do CT a situações anteriormente constituídas (por força do artº 8º, nº 1, do diploma preambular) consubstancia uma retroactividade normal ou de grau mínimo (aplicação retrospectiva ou imediata a situações duradouras, derivadas de factos passados), que aflora particularmente na previsão da 2ª parte do nº 2 do artigo 12º do C. Civil, mas que não constitui uma retroactividade em sentido próprio (aliás, a jurisprudência constitucional alemã tem-na mesmo qualificado de retroactividade imprópria ou inautêntica), na medida em que há ainda aplicação para futuro, embora sobre situação jurídica iniciada na vigência da lei antiga”.

Esclarece o Acórdão do STJ, de 05.06.2007[14], citado pelo Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 02.07.2009[15], que “importa notar que a lei nova, o art. 377º do C.T., não introduziu qualquer modificação ao instituto da hipoteca e seus efeitos”.

E, em complemento de tal entendimento, refere este último que o artigo 377º do Código do Trabalho, “deixou completamente intocados os preceitos do C. Civil que regulam as preferências de pagamento de que goza o credor hipotecário e a sua posição relativamente aos privilégios imobiliários especiais, nomeadamente os já convocados arts. 686º e 751º.

O art. 377º limitou-se a criar um privilégio imobiliário especial, que substituiu ao preexistente privilégio imobiliário geral que, para os mesmos créditos, vigorava ao abrigo da Leis nº 17/86, de 14/6 e nº 96/2001, de 20/8 (art. 4º-1 deste último diploma).

Consequentemente, a lei nova não veio regular quaisquer efeitos jurídicos da hipoteca já produzidos. A garantia existente manteve-se, embora, em abstracto, tivesse ficado enfraquecida com a transformação operada pela lei do privilégio geral previsto ao tempo da constituição da hipoteca em privilégio especial. E disse-se apenas em abstracto, desde logo porque não era uniforme o entendimento sobre o enquadramento deste privilégio imobiliário geral, surgindo nas decisões judiciais, ora (maioritariamente) submetido à aplicação do art. 749º C. Civil, ora ao regime do art. 751º, como, sem discussão, resulta agora do C. Trabalho”.

Segundo o Prof. Baptista Machado[16], “a lei nova relativa ao conteúdo (ou efeitos) duma relação jurídica só não abstrai dos factos que a essa relação deram origem quando define ou modela intrinsecamente esse conteúdo em função de tais factos, isto é, quando os efeitos ou consequências jurídicas que ela determina são o produto da valoração legal de tais factos e variam consoante essa valoração, de tal modo que se possa dizer que a aplicação da lei nova aos efeitos duma relação constituída com base num facto representaria uma nova valoração desse facto passado e, consequentemente, teria carácter retroactivo”, sustentando, agora referindo-se aos privilégios creditórios, que as normas a eles respeitantes “quer estabeleçam novos privilégios, quer suprimam os anteriormente existentes, são sempre de aplicação imediata”, sendo que “não definem, rigorosamente, o conteúdo (os efeitos) verdadeiro e próprio da relação ou situação jurídica constituída com base nesses factos, mas tão-somente determinam consequências laterais ou extrínsecas dessa relação jurídica, isto é, consequências que apenas incidem sobre o todo de efectivação dos direitos das partes. Essas normas, como não afectam esses direitos em si mesmos, como não podem envolver o não reconhecimento duma situação jurídica anteriormente constituída nem, muito menos, implicar uma nova valração dos factos passados - e como, por outro lado, visam estabelecer a boa ordem da sociedade civil e reflectem, por isso mesmo, interesses gerais da comunidade - são de aplicação imediata”[17].

Poder-se-ia questionar se a retroactividade da norma em causa pode afectar o princípio da protecção da confiança, próprio de um Estado de Direito democrático, espelhado no artigo 2º da Constituição da República Português, e as legítimas expectativas jurídicas que o anterior registo de hipoteca deveria conferir aos credores hipotecários.

Com efeito, como se pode extrair do Acórdão do T.C. nº 556/2003, de 12 de Novembro[18], “no principio do Estado de direito democrático contido no artigo 2° da CR está, entre o mais, postulada uma ideia de protecção da con­fiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Por isso, a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito demo­crático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica.
Ainda segundo o Tribunal Constitucional, há dois critérios, que se completam, para determinar se ocorre uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas jurídicas:

a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inad­missível quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não pos­sam contar; e ainda,

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao principio da proporciona­lidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do artigo 18° da CR, desde a 1ª revisão).
Mas aqueles dois critérios, atinentes à existência de uma afectação de expectativas constitucionalmente inadmissível, por ser arbitrária ou demasiadamente onerosa, assentam justamente num pressuposto: o pressuposto da consistência das expectativas sobre que incide a controvertida alteração legislativa. Sem expectativas consistentes desqualifica-se o problema da protecção da confiança. Então impõe-se a liberdade do legislador e a auto-revisibilidade que lhe vai ligada).

É que (…) não há um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas dura­doiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. (…). As medidas legislativas de política económica conjuntural poderão ser alteradas, em frustração de expectativas, se a conjuntura económica mudar em consequência da mudança de governo constitucionalmente previsível. Nada dispensa a ponderação na hipótese do interesse público na alteração da lei em confronto com as expectativas sacrificadas.

Vemos, assim, que não basta a frustração de expectativas jurídicas para que, automaticamente, se considere violado o referido princípio da confiança jurídica. É necessário, por um lado, que essas expectativas sejam consistentes de modo a justificar a protecção da confiança e, por outro, que na ponderação dos interesses público e particular em confronto aquele tenha de ceder perante o interesse individual sacrificado, o que acontecerá sempre que as alterações não forem motivadas por interesse público suficientemente relevante face à Constituição (cf. o artigo 18°, nºs 2 e 3), caso em que deve considerar-se arbitrário o sacrifício excessivo da frustração de expectativas”.

A dúvida tem sido largamente equacionada pelo Tribunal Constitucional que tem vindo a sustentar que só a afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das expectativas jurídicas é passível de ofender aquele princípio[19].

Por sua vez, já o Acórdão nº 498/2003, de 22.10.2003[20], do mesmo Tribunal Constitucional se havia pronunciado no sentido de não ser inconstitucional a norma do artigo 12º, nº 1, al. b), da Lei nº 17/86, consagradora de privilégio imobiliário geral para os créditos laborais, quando interpretada no sentido da tese (ainda que minoritária) de que esse privilégio deve preferir à hipoteca.

Ainda o mesmo Tribunal veio tomar posição, agora no âmbito da vigência do Código do Trabalho, considerando não estar afectada de inconstitucionalidade a norma do seu artigo 377º, nº1, b). Assim, no seu Acórdão nº 335/2008, de 19.06.2008[21], sustentando não ser particularmente sólida a expectativa jurídica numa graduação preferencial dos credores hipotecários, designadamente pela incerteza quanto à criação, por via legislativa, de novos créditos, quer pela divergência que já assolava a jurisprudência no quadro normativo anterior, reconhece a realidade que justifica o tratamento diferenciado dos créditos laborais, cujo interesse de ordem pública e social, demanda um reforço da sua tutela constitucional, assim concluindo: “daí que não seja possível dizer-se que os credores cujos créditos se encontravam garantidos por hipotecas constituídas em data anterior à entrada em vigor do Código de Trabalho, tinham uma expectativa legítima, sólida e relevante de que, em caso de falência do devedor, os seus créditos, por força das hipotecas que os garantem, prevaleceriam sobre os dos trabalhadores da falida, no caso das hipotecas recaírem sobre o imóvel onde aqueles laboravam”.

E adianta o mesmo Acórdão: “esta especial consideração pelos créditos laborais afasta qualquer juízo de arbitrariedade sobre a aplicação retrospectiva da norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 377.º, do Código Trabalho, com a consequência dos créditos laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador onde o trabalhador preste a sua actividade prevalecerem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal, desde que a data do evento que determinou o concurso entre os dois tipos de créditos – a falência do devedor-empregador – seja superveniente.

Justifica-se seguramente, face ao peso do interesse social almejado perante as frágeis expectativas dos credores hipotecários, que se procure uma rápida unidade e homogeneidade do ordenamento jurídico perante a nova solução legislativa introduzida, evitando-se um protelamento indefinido da sua vigência efectiva, com o consequente agravamento dos males a que essa intervenção legislativa se propôs dar remédio.
E, no cumprimento deste pensamento revela-se perfeitamente razoável fixar o momento definidor da lei aplicável na data da declaração de falência, salvaguardando-se os concursos de credores já iniciados”[22].
Tal como o defendeu o citado Acórdão, entende-se que a preferência do legislador pelos privilégios creditórios dos créditos laborais sobre os créditos hipotecários não ofende de forma inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa as expectativas jurídicas dos credores hipotecários, não existindo, assim, quanto a eles, expectativas dignas de tutela através do princípio da confiança.
Poder-se-á, deste modo concluir que declarada a falência do empregador após a entrada vem vigor do Código do Trabalho, os créditos posteriormente reclamados pelos respectivos trabalhadores são garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador e prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal.

Nesta conformidade, merece acolhimento o recurso interposto, com a consequente revogação da decisão recorrida e alteração da ordem da graduação dos créditos verificados e reconhecidos.


*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, e, revogando a decisão recorrida, altera-se a ordem da graduação dos créditos constantes da alínea A) da referida decisão nos seguintes termos:

Pelo produto da venda do imóvel apreendido:

1.Em primeiro lugar, os créditos dos trabalhadores, verificados em 7, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 29, 30, 31, 32, 33 e 34;

2.Em segundo lugar, o crédito hipotecário reclamado pela K ( ...), S.A., até ao limite do valor garantido pela hipoteca e com a restrição dos juros aos três anos;

3.Em terceiro lugar, o crédito reclamado pelo Banco X ( ...), até ao limite do valor garantido pela hipoteca e com a restrição dos juros aos três anos.

4.Em quarto lugar, o crédito reclamado pelo ISS - IP, Centro Distrital de Segurança Social de ( ...).

5.Em quinto lugar, os restantes créditos (comuns), com rateio entre eles.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Sem custas.





Judite Pires ( Relatora)
Carlos Gil
Fonte Ramos


[1] Artigos 684º, nº 3 e 690, nº 1 do C.P.C., na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma.
[3] Cfr. Acórdãos do STJ de 30.11.2006, CJ 2006 T.3, p. 140 e de 02.07.2009, processo nº 989/04.0TBOAZ-N.S1, www.dgsi.pt; Acórdão da Relação do Porto, de 10.03.2009, processo nº 1185/07.0TBPRD-H.P1, www.dgsi.pt. .
[4] Artigo 1º, nº1.
[5] Artigo 2º, nºs 1, 2 3 da citada Lei.
[6] Artigo 1º.
[7] Artigo 4º, nºs 1, b), 2, 3, 4) do referido diploma.
[8] Artigo 735º.
[9] Acórdão da Relação do Porto, de 23.02.2010, processo nº 606/03.6TYVNG-A.P1, www.dgsi.pt.
[10] Processo nº 103-H/2000.C1.S2, www.dgsi.pt.
[11] Apesar de o Código do Trabalho ter entrado em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (cfr. art. 3º, nº 1 da Lei 99/2003), o que nele se estabeleceu no artigo 377º no que respeita à garantia dos créditos laborais (seja quanto ao privilégio mobiliário geral, seja quanto ao privilégio imobiliário especial) apenas entrou em vigor em 28/08/2004, ou seja, no trigésimo dia posterior à publicação da Lei 35/2004, de 29/07, que regulamentou a Lei 99/2003. É que, se o art. 3º, nº 1 da Lei 99/2003 determinou que o Código entrasse em vigor no dia 1/12/2003, já o artigo 21º, nº 2 alíneas e) e t), da mesma Lei, estabeleceu que só com a entrada em vigor da regulamentação pertinente ocorreria a revogação da Lei nº17/86 (LSA) e da Lei nº 96/2001 (privilégios creditórios) – e tal regulamentação apenas veio a ocorrer com a Lei nº 35/2004, de 29/07.
[12] Cfr., entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 11/10/2007 (processo nº 07B3427), de 16/06/2009 (processo nº 518-A/1999.C1.S1 relatado pelo Sr. Conselheiro Hélder Roque), de 2/07/2009 (processo nº 989/04.0TBOAZ-N.S1), de 26/10/2010 (processo nº 103-H/2000.C1.S2), todos em www.dgsi.pt. Cfr. ainda Salvador da Costa, “Concurso de Credores”, 3ª edição, págs. 315 e segs.
[13] Acórdão da Relação do Porto, de 23.02.2010, processo nº 606/03.6TYVNG-A.P1, www.dgsi.pt.
[14] Relator : Conselheiro Alves Velho, www.dgsi.pt.
[15] Processo nº 989/04.0TBOAZ-N.S1, www.dgsi.pt.
[16] “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, pág. 18.
[17] Ob. cit. págs. 27, 28.
[18] DR, II série, 07.01.2004.
[19] Cfr. Acórdãos nºs 287/90, de 30 de Outubro, DR, II, de 20 de Fevereiro de 1991, e 556/2003, de 12 de Novembro, DR, II, de 7 de Janeiro de 2004.
[20] DR, II, 03.01.2003.
[21] www.tribunalconstitucional.pt.
[22] Com identidade de argumentos e de sentido, cfr. ainda Acórdão do STJ, 02.07.2009.