Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
732/16.1T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
PER
Data do Acordão: 06/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – COVILHÃ – JUÍZO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-C, Nº 3, AL. A), E 17º-E, Nº 1, AMBOS DO CIRE.
Sumário: I – O PER traduz-se num instrumento processual, de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja ainda passível de viabilização económico-financeira.

II – Nos termos do artº 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do PER obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

III - Na expressão ‘ações para cobrança de dívidas’ do artº 17º-E, nº 1 do CIRE devem-se considerar abrangidas não só as ações executivas para pagamento de quantia certa, mas também as ações declarativas contra a devedor para obtenção da condenação deste no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.

IV – Uma vez aprovado e homologado o plano de recuperação, todos os créditos reconhecidos aos credores, por existirem e poderem ser reclamados no PER à data da respetiva reclamação, caem na previsão do artº 17º-E, nº 1 do CIRE, pelo que relativamente a estes créditos as ações para cobrança de dívidas devem ser declaradas extintas.

Decisão Texto Integral:








Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I –A…, casada, residente no (…) Covilhã, veio propor a presente acção de processo comum, contra a ré B…, pessoa colectiva nº (…) , com sede na (…) Lisboa, pedindo que seja declarada e reconhecida a ilicitude do despedimento que proferiu nos termos descritos na petição inicial e, consequentemente, seja a ré condenada a:

– Reintegrar a Autora no estabelecimento e lugar que neste ocupava e a que tem direito nos termos decorrentes do contrato individual de trabalho e demais factores enunciados nesta petição, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos do artigo 389º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho (sem prejuízo da faculdade de opção da Autora pela indemnização, em substituição da reintegração, que a Autora venha eventualmente a exercer, nos termos e no tempo previstos no artigo 391º do Código do Trabalho);

– Ver declarado e reconhecer que o contrato individual de trabalho da Autora é um contrato sem termo e que a remuneração/hora fixada é de € 15,00 (quinze euros), com horário incompleto e variável;

– Pagar imediatamente à Autora a quantia de € 6.137,16 (seis mil cento e trinta e sete euros e dezasseis cêntimos) a título das retribuições e diferenças salariais devidas desde 13 de Setembro de 2010, segundo o cálculo e descriminação indicados nos artigos 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º e 36º da Petição Inicial, nomeadamente a título das diferenças salariais resultantes da quantia fixada para a remuneração/hora, retribuições em falta, férias, subsidio de férias, subsidio de natal e respectivos proporcionais – acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento;

– Pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta acção, nos termos do disposto no artigo 390º, nº 1 do Código do Trabalho – acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento;

Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que por sentença datada de 03 de Setembro de 2015 proferida nos autos de processo nº (…)  da 2ª Secção de Trabalho – J1 da Instância Central da Covilhã – Comarca de Castelo Branco, em Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho – confirmada pelo Acórdão proferido em 03 de Março de 2016 pelo Tribunal da Relação de Coimbra – foi reconhecida e declarada à Autora a existência de contrato de trabalho vigente entre esta e a Ré, fixando-se a data do inicio do contrato em 13 de Setembro de 2010. Assim, não tendo a autora sido reconhecida pela ré, como sua trabalhadora; desde o início da vigência do contrato de trabalho entre a Autora e a Ré – fixado a 13 de Setembro de 2010 – nunca a Autora gozou férias, assim como nunca a Ré pagou quaisquer subsídios de férias ou de natal, pelo que deverá ser condenada a pagar os montantes correspondentes às retribuições omitidas; ademais, procedeu a ré, de forma unilateral, à diminuição da retribuição da trabalhadora, sendo que, no ano lectivo de 2012/2013 e 2013/2014, a Ré reduziu a remuneração mensal da Autora para € 13,00 (treze euros) por hora, tendo no ano lectivo de 2014/2015 reduzido a remuneração mensal da Autora para € 11,00 (onze euros) por hora, devendo pagar-lhe as diferenças salariais. Alega, também, que a ré colocou, de forma ilícita fim à relação laboral que mantinha com a autora, uma vez que o contrato de trabalho sem termo só pode cessar por caducidade, revogação, despedimento por facto imputável ao trabalhador, despedimento colectivo, despedimento por extinção do posto de trabalho, despedimento por inadaptação, resolução ou denúncia pelo trabalhador – sendo que não se verificou qualquer das modalidades elencadas – devendo, por conseguinte, integrar a autora no seu posto de trabalho, caso esta não opte pela indemnização legalmente prevista, e pagar-lhe as retribuições intercalares.


***

II – Designada a audiência de partes, veio esta a frustrar-se por não ter sido possível obter a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar, o que esta fez, impugnado no geral, tal como também consta da sentença impugnada, toda a factualidade alegada na petição inicial, alegando a extinção da instância, por inutilidade da lide, atenta a pendência de um Processo Especial de Revitalização, em que é visada.

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III – Findos os articulados foi proferido decisão sobre a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com o seguinte dispositivo: “…Assim sendo, somos do entendimento que os créditos cujo pagamento a autora reclama nestes autos não se encontram abrangidos pelo plano de revitalização, porque o respectivo fundamento foi conhecido em momento posterior à reclamação de créditos nos autos de PER, pelo que, inexiste fundamento para julgar extinta a instância da presente acção declarativa nos termos do artigo 17º E n.º 1 do CIRE, concluindo-se pela improcedência da excepção da inutilidade da lide, arguida pela ré”.

                                                                     +

Prosseguiram os autos sem convocação de audiência prévia e sem enunciação do objecto do processo e dos temas de prova tendo, a final, sido proferida sentença que decidiu, tal como consta do seu dispositivo, julgar parcialmente procedente a presente acção, e em consequência condenou a ré/Entidade Empregadora B…, a pagar à trabalhadora A... a quantia de € 6.137,16 (seis mil cento e trinta e sete euros e dezasseis cêntimos) a título de retribuições não pagas, diferenças salariais (decorrentes da ilícita diminuição da sua retribuição) férias, subsidio de férias, subsidio de natal e respectivos proporcionais, absolvendo-se a ré do mais peticionado.

Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a data do vencimento e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4%”.

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III – Inconformada, veio a ré apelar alegando e concluindo:

[…]


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Contra alegou a autora, concluindo:

[…]


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Recebida a apelação o Exmª PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da confirmação da decisão.

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Corridos os vistos legais cumpre decidir.

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IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte factualidade:

[…]

c) Com data de 14.01.2016 foi no processo de revitalização n.º 34274/15.8T8LSB da Secção do Comércio de Lisboa, Juiz 4, proferido o despacho a que alude o artº 17-C nº 1 al. a) no qual, para além do mais, se exarou, “publique-se o presente despacho, nos termos do artº 37º nº 8 do CIRE, advertindo-se que o prazo para a reclamação de créditos é de 20 dias a contar da publicação deste despacho no portal CITIUS (artº 17º-D nº 2 do mesmo código”.

d) A presente acção deu entrada em juízo no dia 09.06.16 (cfr. certificação digital de peça processual de fls 37).

A 1ª instância entendeu que não há razões para declarar essa extinção conforme decisão que, apesar da extensão, mas para um melhor enquadramento, a seguir se transcreve:

“ (…)

Resulta, documentalmente, provado nos autos que:

[…]

 (…)

O artigo 17-E, nº 1, do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pela Leinº 16/2012 de 20 de Abril, diploma que introduziu no nosso ordenamento jurídico o chamado PER (Processo Especial de Revitalização), dispõe que:

“A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do art.º 17-C obsta à instauração de quaisquer acções para a cobrança de dívidas ao devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

(…)

No artigo 17º-E nº1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, a significar que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor (para além da expressão “acções para cobrança de dívida” o legislador emprega também a expressão “ações em curso com idêntica finalidade”, não se referindo, concretamente, à espécie de acção mas à sua concreta finalidade).

João Aveiro Pereira defende que “embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa” (…).

Em suma: conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no Código de Processo Civil, ao referir-se, no artigo 17º-E, nº1, da Lei nº16/2012, de20/04, às acções que têm por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.

Contudo, nos presentes autos a pendência dos autos de PER não tem a virtualidade de extinguir ou, sequer, suspender os presentes autos, por várias ordens de razões.

Desde logo, porque, tendo já sido proferida sentença de homologação do plano de revitalização apresentado no processo que correu termos junto da Secção do Comércio de Lisboa, Juiz 4, com o n.º 34274/15.8T8LSB, não poderá considerar-se a suspensão da presente instância nos termos do disposto no artigo 17º E do CIRE, porquanto, tal suspensão apenas se verifica apenas enquanto perdurarem as negociações tendentes à aprovação do plano, o que, manifestamente, já não se verifica.

Por outro lado, e como já se exarou no despacho proferido em 04/07/201, nestes mesmos autos, pretende, em primeira linha, a autora, ser reintegrada no seus posto de trabalho e, essa prestação de facto, embora possa ter expressão económica, não visa atingir, directamente, o património do devedor, pelo que, é insusceptível de determinar a suspensão da presente instância e, muito menos, a extinção da mesma nos termos do citado 17º En.º 1 do CIRE.

Finalmente, não é despiciendo referir, que a instauração da presente acção, se apresenta como decorrência do reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre a autora e a ré, nos autos referidos no ponto 1. da matéria de facto assente, nos quais, por sentença datada de 03 de Setembro de 2015, foi reconhecida e declarada à Autora a existência de contrato de trabalho vigente entre esta e a Ré, fixando-se a data do início do contrato em 13 de Setembro de 2010. Tal decisão, apenas transitou em julgado no passado mês de Abril, sendo que os presentes autos deram entrada em juízo no dia 09/06/2015.

Como decorre dos autos, os créditos reclamados pela autora, nos autos de PER, têm subjacente uma relação entre esta e a ré, configurada, então, pela aqui autora, como de prestação de serviços. A laboralidade da relação, apenas foi reconhecida em Abril passado, através do meio processual idóneo (Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho prevista nos artigos 186º K e seguintes do Código de Processo do Trabalho), sendo que, nessa data, já há muito tinha findado o prazo para a apresentação da reclamação de créditos, que terminava, o mais tardar, em meados de Fevereiro de 2016 (como decorre do documento de fls. 113 e seguintes).

Assim sendo, porque reconhecida a relação laboral em momento posterior ao terminus do prazo para a reclamação de créditos no âmbito do PER relativo à ré, os créditos a tal relação concernentes, não se encontram abrangidos pelo plano de revitalização e, como tal, inexiste fundamento para julgar extinta a instância da presente acção declarativa, uma vez que o fundamento em que assentam os créditos que a trabalhadora pretende fazer valer nestes autos, foi constituído e reconhecido posteriormente à reclamação de créditos no PER4.

Na verdade, quando a lei prescreve que a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, do CIRE obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor (cfr. artigo 17.º-E, n.º 1 do mesmo diploma legal) só pode reportar-se às dívidas existentes naquela data.

O processo de recuperação visa permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores então existentes com vista a permitir um acordo que permita a revitalização daquele; assim, as negociações são com os credores existentes e em relação a créditos vencidos e não também com quaisquer eventuais credores em relação a eventuais créditos futuros. E com vista ao estabelecimento de tal acordo de revitalização não podem ser instauradas acções para cobranças de dívidas contra o devedor enquanto decorrem as negociações ou suspendem-se as acções existentes, pois, de outro modo, inviabilizava-se, ou, pelo menos, dificultava-se a obtenção de um acordo que permitisse a revitalização.

Contudo, por um lado, tal acordo e consequente plano de recuperação não abrange créditos que à data não existiam; por outro, aprovado o acordo e homologado o plano de recuperação, não extrai da lei, maxime do referido artigo 17.º-E, n.º 1, que um credor cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no PER e, portanto, não estejam enquadráveis neste, se encontre impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo.

A entender-se de outro modo, os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito (não só não era reconhecidos os créditos no âmbito do PER e, por isso, não eram por ele abrangidos, como também não podiam posteriormente ver reconhecido os créditos), o que, afigura-se, colide com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).

O mesmo se diga, mutandis mutatis, no caso do fundamento dos créditos invocados apenas vir a ser jurisdicionalmente reconhecido, em acção própria, em momento posterior à reclamação de créditos no PER.

É que, no presente caso poderia sustentar-se que os pretensos créditos da autora já existiam à data da reclamação de créditos no PER; sucede, contudo, que, embora seja defensável essa existência prévia, em virtude de resultarem de uma relação de trabalho pré constituída, certo é que, à data da reclamação de créditos a relação entre a autora e ré encontrava-se configurada, pela credora reclamante nos autos de PER (aqui autora) como se de uma relação de prestação de serviços se tratasse, inexistindo qualquer elemento que permitisse configurá-la como uma relação de trabalho, v.g. um contrato de trabalho escrito.

O reconhecimento da natureza laboral da relação que a autora que mantinha com a ré, veio a ser, previamente, feito através do meio processual próprio, que in casu é a Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho prevista nos artigos 186º K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, criada pela Lei 63/2013, de 27/08.

A Lei 63/2013, de 27/08, trouxe duas novidades: - a criação de um procedimento próprio para utilização pela ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), quando esta considere estar na presença de falsos contratos de prestação de serviço; - a instituição de um novo tipo de processo judicial com natureza urgente, denominada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Esta nova acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços – “falsos recibos verdes”.

Ou seja, no caso, a autora nem sequer teve qualquer intervenção processual na acção, de que veio a resultar o reconhecimento do seu direito, a qual tem natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, pelo que, a mesma se apresenta com uma prévia condição de possibilidade da instauração do presente processo e independente da vontade da própria trabalhadora, aqui autora.

Apenas quando confrontada com a decisão que reconhece como de trabalho a relação mantida entre si e a, ora, ré “ B... (…)”, transitada em julgado em Abril último, facto que até aí, eventualmente, desconheceria, pode a autora configurar a sua posição jurídica e tirar as ilações legais que o estatuto de trabalhadora da ré lhe atribui, com a consequente instauração da presente acção.

À data da reclamação de créditos no PER, a autora não dispunha de toda a informação e dos elementos que lhe permitiriam concluir pela existência dos créditos que, agora, imputa à ré e que decorrem do reconhecimento, pelo tribunal, da laboralidade da sua relação, pelo que, poderemos aqui falar numa espécie de “créditos de reconhecimento sucessivo”, em termos tais, que a autora nestes autos apenas deles tomou conhecimento em momento posterior à reclamação de créditos no PER, após notificação de uma decisão, proferida num processo jurisdicional oficioso a cujo início e desenvolvimento foi alheia e no qual não teve qualquer intervenção processual.

Assim sendo, somos do entendimento que os créditos cujo pagamento a autora reclama nestes autos não se encontram abrangidos pelo plano de revitalização, porque o respectivo fundamento foi conhecido em momento posterior à reclamação de créditos nos autos de PER, pelo que, inexiste fundamento para julgar extinta a instância da presente acção declarativa nos termos do artigo 17º E n.º 1 do CIRE, concluindo-se pela improcedência da excepção da inutilidade da lide, arguida pela ré”.

Do excerto transcrito vemos que a 1ª instância não declarou a extinção da instância (e é de extinção e não de suspensão da instância que estamos a tratar) porquanto embora admita que os créditos da autora já existiam à data da reclamação de créditos no PER (cujo prazo terminou, o mais tardar, em meados de Fevereiro de 2016 considerando a data de prolação do despacho proferido nos termos do artº 17-C nº 1 al. a) do CIRE), a relação entre a autora e ré encontrava-se configurada pela credora reclamante (aqui autora) nos autos de PER como se de uma relação de prestação de serviços se tratasse, inexistindo qualquer elemento que permitisse configurá-la como uma relação de trabalho, o que apenas aconteceu com o acórdão desta Relação de 03.03.2016, transitado em Abril desse ano pelo que, à data da reclamação de créditos no PER, a autora não dispunha de toda a informação e dos elementos que lhe permitissem concluir pela existência dos créditos peticionados na presente acção.

Em primeiro lugar, comecemos por dizer que na expressão “acções para cobrança de dívidas” se devem considerar abrangidas não só as acções executivas como também as declarativas.

Esta Relação pronunciou-se já sobre a questão em várias decisões, designadamente no Acórdão (in www.dgsi.pt) proferido no processo 1112/13.6TTCBR.C1, em 27-02-2014, (relator: Ramalho Pinto ) considerando que nelas se incluem “quaisquer” acções para cobrança de dívidas contra o devedor - acções declarativas e acções executivas - concluindo que, conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPCivil, ao se referir no artigo 17º-E, nº1, da Lei nº16/2012, de 20/04, às acções que tem por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.

Esta posição, que mantemos, foi já reafirmada noutros arestos entretanto proferidos v.g.73/13.6TTFIG.C1, 646/13.4TTVIS.C1, 112/13.6TTCBR.C1 e 513/14.7TTCBR.C1), remetendo-se para a fundamentação desses Acórdãos, com referências jurisprudenciais mais aprofundadas.

Também o STJ no acórdão de 28.11.2015 proferido no processo 1190/12.5TTLSB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj decidiu que “no conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido”, que “nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação” e que “tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte dos AA. - que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da Ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso”.

Este entendimento encontra-se consolidado na Secção Social do STJ como se pode constatar através da consulta da jurisprudência produzida posteriormente ao aresto atrás citado.

No caso que nos ocupa, os créditos peticionados na presente acção não foram reclamados nem reconhecidos no PER. Neste apenas foi reclamada a quantia de € 1.819,00 relativa a créditos emergentes da execução dos contratos para leccionamento de aulas nos meses de Janeiro a Julho de 2014 e Janeiro a Abril de 2015 (v. artº 3º da reclamação de crédito a fls 117 verso).

No acórdão desta Relação, com mesmo relator do presente, citado no parecer do EXmº PGA (procº 791/15.4TBGRD.C1) decidiu-se que “inexiste fundamento para julgar extinta a instância de uma acção declarativa comum em que um trabalhador pretende fazer valer créditos constituídos posteriormente à reclamação de créditos no PER”.

Todavia, este acórdão[1] não tem a aplicação no caso em análise pois os créditos peticionados na presente acção já se encontravam constituídos (embora não reconhecidos judicialmente) à data da reclamação.

No caso que nos ocupa, os créditos peticionados na presente acção existiam já à data da reclamação de crédito no PER cujo prazo terminou pelo menos em meados de Fevereiro de 2016.

Com efeito, com a cessação da relação contratual em 30.06.205 os créditos ora peticionados na presente acção constituíram-se ou ganharam existência tornando-se exigíveis ao devedor. Simplesmente à data do fim do prazo de reclamações no PER tais créditos mostravam-se controvertidos porquanto, embora exigíveis, não eram judicialmente exigíveis por falta de título; e daí a necessidade do credor de se munir de título, intentando a acção tendo em vista declarar o seu direito. Mas não é a sentença que o constitui, ela reconhece-o, reconhece razão ao demandante.

Queremos com isto tudo dizer que, à data da reclamação de créditos, não estava a ora recorrida impossibilitada de reclamar no PER os créditos que agora peticiona, ainda que não reconhecidos judicialmente, tanto mais que, nessa altura, já tinha sido proferida com data de 03.09.2015 a sentença de 1ª instância a reconhecer a existência do contrato de trabalho (com início em 13 de Setembro de 2010) donde emerge, justamente, o direito a esses créditos.

Acresce que a autora, apesar de não ser parte na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (que correu entre o MºPº como autor e a ora recorrida como ré), teve conhecimento da propositura desta acção por lhe ter sido remetido o duplicado da petição inicial e da contestação nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artº 186º-L Do CPT, para além de ter sido arrolada como testemunha nesta acção.

Por tudo isto entendemos que, aprovado e homologado o plano de recuperação todos os créditos reconhecidos na presente acção à autora, por existirem e poderem ser reclamados no PER à data da respectiva reclamação, caem na previsão do artº 17º-E, nº 1 do C.I.R.E. pelo que relativamente a estes créditos a presente acção deve, no seguimento, aliás, da jurisprudência produzida sobre a questão[2], ser declarada extinta.

Não se coloca na acção a questão de mais difícil abordagem relativa ao pedido de reintegração na medida em que a 1ª instância entendeu não ter havido qualquer despedimento, e, claro, muito menos ilícito, tendo a sentença, nesta parte, transitado em julgado[3].


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IV - Termos em que se delibera julgar apelação procedente em função do que, na revogação da sentença impugnada, se decide declarar extinta a presente acção.

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Custas a cargo da apelada.

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Coimbra, 23 de Junho de 2017

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva loureiro)

(Paula Maria Videira do Paço)



[1] Neste aresto estavam em causa créditos relativos a salários e a créditos de formação vencidos em data posterior ao termo do prazo das reclamações no PER.


[2] Cfr. Acs. STJ de 17.11.16 procº43/13.4TTPRT.P1.S1, de 31.05.16, procº 7976/14.9T8SNT.L1.S1, de 17.03.16 procº 33/13.7TTBRG.P1.G1.S2 e de 26.11.2005 procº 1190/12.5TTLSB.L2.S1 todos consultáveis em www.dgsi.pt/jstj.

Destacando-se o seguinte sumário:

“I - O Processo Especial de Revitalização (designado por PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja, ainda, passível de viabilização económico-financeira. II -– Nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido. IV – Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor”.
[3] Conforme consta do dispositivo da sentença acima transcrito a condenação apenas incidiu sobre os créditos decorrentes da ilícita diminuição da sua retribuição tendo a ré sido absolvida do demais peticionado.