Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2368/15.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MONTANTE DA COIMA
RECURSO
APLICAÇÃO DO DIREITO
CULPA CONTRAORDENACIONAL
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 49º, Nº 2, E 60º DA LEI Nº 107/2009, DE 14/09; ARTº 9º, Nº 1 DO DEC. LEI Nº 433/82, DE 27/10.
Sumário: I – Atento o disposto no artº 49º, nº 2 da Lei nº 107/2009, de 1409, o Tribunal da Relação pode aceitar o recurso contraordenacional, a requerimento do arguido ou do M.º P.º, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

II – No que concerne à primeira parte desse normativo, importa destacar que o legislador não define o que entende por ‘melhoria da aplicação do direito’, pelo que compete ao intérprete explicitar o conteúdo do conceito genérico utilizado.

III – Só se verifica essa manifesta necessidade quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito visível, assim não sucedendo perante uma mera discordância quanto à aplicação do direito.

IV – A ‘melhoria da aplicação do direito’ justifica-se quando a decisão proferida pelo tribunal recorrido revele um erro evidente (manifesto), clamoroso, intolerável, incontroverso e de tal forma grave que não se pode manter, por constituir uma decisão absurda de exercício da função jurisdicional.

V – É sabido que o direito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa distinta da que está subjacente ao direito criminal.

VI – Enquanto a culpa penal comporta um juízo de censura ético-jurídica, a culpa no âmbito do direito contraordenacional corresponde a um juízo de censura de violação de um dever legal – artº 9º, nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A.... – Companhia de Seguros, S.A, com sede em (…), veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho - Centro Local do Mondego (doravante designada por ACT), que lhe aplicou a coima única no montante de 10.000,00 € (dez mil euros), por infração das Cláusulas 35.º n.º 1 (Processos n.ºs 091500003; 091500004; 091500005 e 091500006) e 42.º n.º 1 (Processos n.ºs 091500003; 091500004; 091500005 e 091500006) do CCT celebrado entre a APS e a SINAPSA, ambas tipificadas como leves (artigo 521.º n.º 2 do Código do Trabalho de 2009, multiplicável pelo número de trabalhadores), puníveis a título de negligência pelo artigo 554.º n.º 2, al. b) do aludido código.

Constituiu-se assistente nos presentes autos a associação sindical SINAPSA – Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins.

Tendo o processo seguido a tramitação que resulta dos autos, conhecida das partes, em 07-12-2015, foi proferido despacho, nos termos previstos pelo artigo 39.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que julgou a impugnação totalmente procedente e absolveu a impugnante dos ilícitos contraordenacionais imputados.

Não se conformando com esta decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, ao abrigo do artigo 49.º n.º 1, alínea c), (quanto às contraordenações em que era aplicável coima superior a 25 UC) e n.º 2 da Lei n.º 107/2009 (em relação às contraordenações em que era aplicável coima inferior a 25 UC).

Condensa as suas alegações de recurso, nas seguintes conclusões:

[…]

Admitido o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, relegou-se a apreciação da admissibilidade do recurso interposto com fundamento no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009 para o Tribunal da Relação.

A impugnante veio responder ao recurso, apelando, a título de “questão prévia”, à rejeição do mesmo para os efeitos previstos no mencionado n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.

Concluiu, no final:

[…]

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Exas., Venerandos Senhores Juízes Desembargadores junto do Tribunal da Relação de Coimbra, mui doutamente suprirão, deve julgar-se improcedente o recurso apresentado pelo Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.»

Tendo os autos subido à Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer emitido, acompanhou a posição assumida no recurso. Todavia, perante a possibilidade de se considerar não existir relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito, considera que se deve conhecer do recurso relativamente à absolvição das contraordenações cuja coima que havia sido aplicada ultrapassava as 25 UC.

Não foi oferecida qualquer resposta.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

II. Questão prévia: admissibilidade do recurso ao abrigo do artigo 49.º n.º 2 da Lei n.º 107/2009

Em requerimento que nos é dirigido, requer o recorrente que seja admitido o recurso relativamente à decisão de absolvição dos ilícitos contraordenacionais que haviam sido sancionados com coimas inferiores a 25 UC pela entidade administrativa, porquanto sendo a questão que se discute nos autos transversal a todos os processos contraordenacionais apreciados, a uniformização de julgados no caso concreto assim o exige, para além do recurso se justificar para melhoria da aplicação do direito.

            Preceitua o artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, (legislação aplicável aos presentes autos), sob o título “Decisões judiciais que admitem recurso”:

            «1-Admite-se o recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferido nos termos do artigo 39.º, quando:

            a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;

            b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;

            c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;

            d) A impugnação judicial for rejeitada;

            e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º2 do artigo 39,º.

            2- Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

            3- Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a algumas das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobre com esses limites».

            Atento o consagrado no n.º 2 do artigo, o tribunal da Relação pode aceitar o recurso, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

            No que concerne à primeira parte do normativo, importa destacar que o legislador não define o que entende por “melhoria da aplicação do direito”, pelo que, compete ao intérprete explicitar o conteúdo do conceito genérico utilizado.

            Na interpretação da norma, deverá ter-se em consideração o consagrado no artigo 9.º do Código Civil, isto é, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve visar reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cf. n.º 1 do artigo 9.º).

            Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, de harmonia com o n.º 2 do normativo.

            Por fim, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

            Ora, considerando estas regras da interpretação da lei, passemos, então, a explicitar o que se deve entender por “manifesta necessidade à melhoria da aplicação do direito”.

            Na Secção Social deste Tribunal da Relação tem-se entendido que só se verifica aquela manifesta necessidade quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito visível, assim não sucedendo perante uma mera discordância quanto à aplicação do direito [cf. Acórdão de 09/12/2010, P. 51/10.7TTTMR.C1 (Azevedo Mendes), disponível em www.dgsi.pt].

            Não vislumbramos qualquer razão para alterar tal posição, que, também, sempre defendemos.

            Afigura-se-nos que o n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, visa possibilitar a via recursória, quando a mesma não é admitida pelas regras “normais” (designadamente pelo n.º1), mas razões de interesse geral e de dignificação da justiça, tornam pertinente a reapreciação do caso por tribunal superior. Daí que esteja dependente de requerimento e esteja dependente da aceitação do tribunal ad quem, que perante o processo e o decidido deve verificar a existência das razões consagradas no normativo.

            Assim, “a melhoria da aplicação do direito”, justifica-se quando a decisão proferida pelo tribunal a quo revela um erro evidente (manifesto), clamoroso, intolerável, incontroverso e de tal forma grave que não se pode manter, por constituir uma decisão absurda de exercício da função jurisdicional.

            Distinta desta situação é a que decorre da existência de uma aplicação de direito, que se mostra devidamente fundamentada, como acontece nos autos, mas com a qual o recorrente não concorda.

            Sobre a temática, escreveu-se, com interesse, no Acórdão da Relação de Guimarães, de 08/11/2004, P. 1073/04-1, disponível em www.dgsi.pt:

            «Sendo certo que o próprio conceito de recurso para o tribunal superior tem implícito o fim de uma melhor aplicação do direito, que deverá concretizar-se, em cada caso, como um dos efeitos do recurso, temos para nós que não é ao melhor direito resultante – ou, em princípio, resultante – de cada decisão do Tribunal superior que o legislador se refere na disposição que nos ocupa.

            Se assim fosse, justificar-se-ia sempre aceitar o recurso e a exceção transformar-se-ia em regra, inutilizando o regime que estabelecia esta, no caso o disposto no n.º 1 do art.º 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10.

            Não é, portanto, à normal superação da ilegalidade resultante de uma errada aplicação do direito, nem a correção desta através da decisão do tribunal superior que legislador se refere. Se este tal quisesse, bastava-lhe conferir o direito ao recurso em termos mais amplos.

            Nem mesmo, se bem pensamos, se refere aos casos de existência daqueles vícios que, por demais patentes, consignou no n.º 2 do art.º 410.º do C. P. P., como fundamentadores de recurso em matéria de facto, mesmo nos casos em que o Tribunal superior conhece apenas de direito. Isto, pelo mesmo argumento de que, tendo o legislador identificado e tipificado tais vícios, nada mais seguro do que transpor os termos da previsão, para a norma aqui em causa.

            Tem, portanto, que ser algo mais do que isso.

            Fazendo apelo ao argumento literal vemos que o legislador aplicou a expressão “melhoria da aplicação”, em vez de, por exemplo “uma melhor aplicação”. E enquanto, na segunda expressão – dada como mero exemplo comparativo – existe a conotação de uma mera superação de qualidade, que é dado pelo grau do adjetivo, na expressão usada pelo legislador a utilização do substantivo “melhoria”, introduz um significado de estabilidade da melhora. Melhoria significa “mudança para melhor.” Não se trata, já, apenas de melhorar, mas de conseguir que a melhora passe a ser a norma.

            Em articulação, foi usada a expressão “manifestamente necessário”. Não se trata apenas de conseguir uma “melhoria” na aplicação do direito, mas de limitá-lo aos casos de isso ser manifestamente necessário. A um critério de necessidade acrescenta-se uma circunstância de premência, de avultamento do desacerto.

            Se assim é, podemos concluir que é de aceitar o recurso quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele.»

            Ora, na concreta situação dos autos, não estamos perante uma qualquer aplicação errónea do direito (nem tal é invocado), mas sim, perante uma discordância da aplicação do direito, não sendo pois admissível o recurso e a intervenção do tribunal superior com fundamento na “manifesta necessidade de melhoria de aplicação do direito”. A manifestada discordância é questão distinta da ocorrência de um erro jurídico evidente na aplicação do direito, no sentido de se estar perante uma solução jurídica patentemente errada, indigna, desprestigiante da própria magistratura ou que constitua uma manifesta afronta ao direito.

            Em suma, em face do exposto não se nos afigura manifestamente necessária a interposição de recurso para a melhoria da aplicação do direito.

            Justificar-se-á então a admissão do recurso por o mesmo se revelar manifestamente necessário “à promoção da uniformidade da jurisprudência”?

            O conceito (igualmente) genérico utilizado na lei pressupõe a existência de decisões contraditórias sobre uma questão essencial de direito.

            Ora, no recurso interposto nada é referido sobre a possibilidade de a decisão recorrida ferir ou pôr em causa a uniformidade da jurisprudência.

            E o argumento de que a eventual revogação do decidido na 1.ª instância quanto às contraordenações em que estão em causa coimas superiores a 25 UC e a manutenção da decisão absolutória quanto às demais contraordenações por irrecorribilidade desta decisão, constituiria uma solução aberrante e incompreensível para os destinatários da decisão não releva para o critério legal da admissibilidade do recurso. Dito de outro modo, tal argumentação não preenche o conceito consagrado na lei, para a admissão excecional do recurso.

            Dessarte, não se verifica, igualmente, a segunda situação legalmente prevista para a possibilidade de interposição de recurso, ao abrigo no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, em relação às contraordenações em que a autoridade administrativa competente aplicou uma coima inferior a 25 UC.

            Por conseguinte, o recurso apenas é admissível em relação às contraordenações em que o arguido foi absolvido e em que foi aplicada uma coima igual ou superior a 25 UC pela entidade administrativa [artigo 49.º n.º 1, alínea c) da Lei n.º 107/2009].

            E, porque o artigo 49.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, tem por base o princípio da cindibilidade consagrado no artigo 403.º do Código de Processo Penal, nada impede que, em conferência, se rejeite algumas das pretensões deduzidas no recurso, prosseguindo o recurso quanto às demais.

            Assim, rejeita-se o recurso, em relação às contraordenações em que a autoridade administrativa competente aplicou uma coima inferior a 25 UC, admitindo-se o recurso quanto às demais.


*

III. Objeto do recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e artigos 50.º n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

            Em função destas premissas, o objeto do recurso é constituído exclusivamente pelo invocado preenchimento do elemento subjetivo dos ilícitos contraordenacionais.


*

IV. Matéria de Facto

            A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte:

            […]


*

            V. Enquadramento jurídico

            A única questão que importa apreciar e conhecer, como referido anteriormente, respeita ao alegado preenchimento do elemento subjetivo dos ilícitos contraordenacionais imputados.

            A arguida admitiu não ter cumprido as cláusulas 35.º n.º1 e 42.º n.º1 do CCT celebrado entre a APS e a SINAPSA. Todavia, em sede de impugnação judicial veio negar a existência de qualquer culpa (negligência) da sua parte. No essencial, argumentou que na altura da prática dos factos, estava convencida da não aplicabilidade do referido instrumento de regulamentação coletiva, por caducidade do mesmo, em virtude da indicação que lhe foi dada pela A.P.S. (Associação Portuguesa de Seguros) e tendo em conta os pareceres jurídicos que recolheu sobre a questão.

            O tribunal de 1.ª instância pronunciou-se sobre a controversa questão, nos seguintes termos:

«O CCT celebrado entre a APS — Associação Portuguesa de Seguradores e outro e o STAS — Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Seguradora e outros estipula na cláusula 35.ª (duração e subsídio de férias) n.º 1 que os trabalhadores têm direito anualmente a 25 dias úteis de férias, gozados seguida ou interpoladamente, sem prejuízo do regime legal de compensação de faltas. No n.º 2 refere que quando o início de funções ocorra no 1.º semestre do ano civil, o trabalhador terá direito, nesse mesmo ano, a um período de férias de oito dias úteis. No n.º 3 que o subsídio de férias corresponde ao ordenado efetivo do trabalhador em 31 de Outubro do ano em que as férias são gozadas.

A cláusula 42.ª (licença com retribuição) estabelece no n.º 1 que os trabalhadores têm direito, em cada ano, aos seguintes dias de licença com retribuição: a) Três dias, quando perfizerem 50 anos de idade e 15 anos de antiguidade na empresa; b) Quatro dias, quando perfizerem 52 anos de idade e 18 anos de antiguidade na empresa; c) Cinco dias, quando perfizerem 54 anos de idade e 20 anos de antiguidade na empresa. No n.º 2 que ao número de dias de licença com retribuição serão deduzidas as faltas dadas pelo trabalhador no ano civil anterior, com exceção de: a) As justificadas, até cinco por ano; b) As referentes a internamento hospitalar; c) As dadas por trabalhadores dirigentes sindicais, nos termos da cláusula 79.ª; d) As dadas por morte do cônjuge ou pessoa com quem vivia maritalmente, filhos, enteados, pais, sogros, padrastos, noras e genros. O n.º 3 que quando o trabalhador reunir os requisitos mínimos exigidos para requerer a reforma e o não fizer perde o direito à licença com retribuição.

Conforme salienta a arguida/impugnante efetivamente a questão da caducidade daquele CCT chegou a colocar-se tendo sido alvo de disputa judicial entre a A.P.S (Associação Portuguesa de Seguros) (o qual defendia tal desiderato) e, o Sindicato aqui constituído assistente (que não aceitava tal destino ao CCT).

Tal questão foi por fim definitivamente resolvida através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. do STJ de 22.04.2015, in www.dgsi.pt) transitado em julgado, no qual se lê, no respetivo sumário, o seguinte:

Não se pode concluir pela caducidade da convenção coletiva em causa, à luz da disposição transitória contida no artigo 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, pois à data da entrada em vigor dessa Lei, embora a denúncia operada pela autora tivesse ocorrido há mais de 18 meses e não fosse de reputar de inválida, o certo é que após aquela denúncia a convenção coletiva foi revista, acrescendo que desde a entrada em vigor da última publicação integral da convenção não tinham, ainda, decorrido seis anos e meio.

2. O artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe sobre os efeitos emergentes dos factos que enuncia, pelo que só se aplica aos ocorridos depois da sua entrada em vigor, sendo que o novo regime de sobrevigência e caducidade de convenção coletiva aí consagrado não abstrai do facto (denúncia) que determina a cessação dos seus efeitos, daí que se configure um caso de sobrevigência da lei antiga.

3. A esta conclusão não se opõe o regime previsto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, já que o facto (denúncia) praticado pela autora teve o pertinente efeito (a negociação) totalmente passado no domínio da lei antiga, logo a denúncia efetivada, em 30 de Março de 2004, não teve a virtualidade de operar a caducidade do CCT celebrado entre as partes.

Ora, o juízo de censura imputado pela autoridade administrativa é o cometimento da infração a título de negligência.

Com efeito, a negligência define-se como a inobservância do dever objetivo de cuidado imposto por lei e, traduz-se num comportamento (por omissão).

Assim, impondo a lei determinada conduta e provando-se que um agente não a adotou, verifica-se, desde logo, a contraordenação imputável a título de negligência. Na verdade, a culpa nas contraordenações não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto ao agente, bastando-se por isso com a imputação do facto ao agente, sendo certo que, nos termos do art. 550.º do CT2009, a negligência nas contraordenações laborais é sempre punível.

Importa, todavia, trazer aqui à colação o erro sobre a proibição também conhecida por erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade, o qual ocorre quando o agente, muito embora tenha conhecimento do tipo objetivo, isto é, do facto na sua materialidade, não o tem relativamente ao seu desvalor jurídico, por falta de conhecimento/consciência da proibição.

Conforme salienta António de Oliveira Mendes e, José dos Santos Cabral, in notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, pág. 39.º, ao agente falta a consciência da ilicitude por pensar que o facto é permitido em virtude de um erro, isto é, o agente devido a erro não tem conhecimento/consciência da punibilidade do facto, ou seja, da norma proibitiva que contraordenacionaliza o facto.

Mais referem tais autores que, ocorrerá, ainda, erro sobre a proibição quando o agente muito embora não ignore a norma proibitiva, julga que a mesma se não encontra em vigor, ou a tenha interpretado incorretamente e por esta razão a considere inaplicável.

Por outro lado, quando estão em causa incriminações com evidente ressonância ética, o artigo 17.º do Código Penal apenas admite excluir a responsabilidade se a falta de consciência da ilicitude não for censurável ao agente (vide, o art. 9.º do RGCOC).

Diz o art. 9.º n.º 1 do RGCOC: “Age sem culpa quem atua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável”.

Aqui se contempla o erro sobre a ilicitude ou erro de permissão, também denominado de erro de proibição indireto, o qual ocorre quando o agente, muito embora tenha conhecimento do tipo e do seu inerente desvalor, erra sobre a intervenção de uma norma permissiva, isto é, supõe existir uma norma de justificação, quando ela na realidade não existe, ou, existindo, está aquém da sua suposição, no sentido de que a conduta do agente não é por ela abrangida – vide, António de Oliveira Mendes e, José dos Santos Cabral, in obra supra citada, pág. 43.º.

Mencionando Jescheck, in tratado de derecho penal parte general (4.ª edição-1993), pág. 417, o agente supõe, por erro, a existência de uma causa de justificação (que julga) reconhecida pelo ordenamento jurídico (erro sobre a existência), ou ignora os limites jurídicos de uma causa de justificação (que julga) reconhecida (erro sobre os limites).

Ao agente falta a consciência da ilicitude, falta essa alicerçada na falsa ou equívoca suposição de uma norma permissiva.

Trata-se pois de um erro de proibição indireto, na medida em que o agente não pensa, sem mais, que o facto é lícito.

Daí, ser distinto o erro aqui contemplado e o erro de proibição (direto), previsto na segunda parte do número 2, do art. 8.º do RGCOC, erro em que o agente pensa, sem mais, que o facto

é lícito, porquanto desconhece a norma proibitiva. Isto é, enquanto o erro de tipo permissivo recai sobre os pressupostos de um obstáculo à ilicitude, o erro aqui contemplado recai sobre a existência ou limites do próprio obstáculo.

Cremos assim que a arguida incorreu no denominado erro de permissão ou de proibição indireto.

Com efeito, do cotejo dos factos acima dados por provados, extrai-se que, a arguida/impugnante não aplicou ao universo dos trabalhadores supra identificados nos factos acima dados por provados, as referidas Cl’as 35.º e 42.º do CCT, por considerar que as mesmas não se encontravam em vigor, por força da caducidade daquele instrumento de regulamentação coletiva, tendo para o efeito seguido a orientação e informação veiculada pela A.P.S (Associação Portuguesa de Seguros).

Conforme decorre expressamente do número 1.º do art. 9.º do RGCOC, quando não censurável, certo é que, o erro exclui a culpa.

Seguindo de perto as lições de Cavaleiro Ferreira, in Lições de direito penal parte geral (3.ª edição-1992), pág. 343.º, tal mestre entende que só a consciência errónea, mas certa e segura, do agente (porque devida a erro desculpável) exclui a culpabilidade e a responsabilidade penal, pelo que em caso de dúvida sobre a ilicitude, tem o agente o dever de se informar, sendo que se não o fizer o erro é censurável.

Na situação aqui em análise, há que equacionar que a questão da aplicabilidade ou não daquelas cláusulas do CCT foi alvo de disputa e controvérsia judicial, estando a arguida/impugnante convicta, na altura, em que os factos ocorreram – entendimento jurídico este que, não foi o acolhido pelo STJ (vide, os factos provados em 13), 29), 45) e, 59)) -, da não aplicabilidade das mesmas àquele universo de trabalhadores, seguindo para o efeito a orientação perfilhada pela ASP (Associação Portuguesa de Seguros), sendo que, após, a prolação do Ac. do STJ repôs a situação dos trabalhadores conforme as Cláusulas 35.º e 42.º do CCT publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 23, de 22 de junho de 1995, com as respetivas alterações, tentando mitigar os danos causados – vide, os factos provados em 14), 30), 36) e 60).

Destarte, entendemos que o erro de permissão ou de proibição indireto não lhe é censurável.

Na verdade, não se logra comprovar que a falta de consciência da ilicitude ficou a dever-se direta e imediatamente, a uma qualidade desvaliosa e jurídico-contra-ordenacionalmente relevante da aqui arguida, antes se fundando em uma atitude de fidelidade a pontos de vista juridicamente relevantes (embora não sufragados pelas instâncias judiciais).

Ao que acresce que a questão da caducidade dos contratos coletivos de trabalho do ponto de vista do direito não se traduz numa questão banal e rotineira, tratando-se efetivamente de uma matéria complexa e discutível a sobrevigência das convenções coletivas de trabalho.

Deste modo, inexistindo o nexo de imputação subjetiva da prática dos ilícitos contraordenacionais à aqui arguida a nível de culpa, seguindo-se a máxima em direito penal do princípio nulla poena sine culpa, impõe-se proferir decisão absolutória – vide, o art. 9.º n.º 1 do RGCOC.»

Desde já se adianta que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida que apreciou a matéria relativa ao elemento subjetivo dos ilícitos com muita lucidez e sapiência.

É sabido que o direito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa distinta da que está subjacente ao direito criminal.

            Esta distinção era já defendida pelo Prof. Eduardo Correia, no seu Direito Criminal I, 1971, págs. 27 a 35 e 216/7. Daí que não surpreenda que este Ilustre Jurista tenha aproveitado a circunstância de ter exercido funções como Ministro da Justiça (1978/1979), para introduzir em Portugal o direito de mera ordenação social, por via do Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho.

            «O ilícito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa cujo fundamento dogmático é a subsidiariedade do Direito Penal e a necessidade de sancionar comportamentos ilícitos mas axiologicamente neutros. Do ponto de vista teleológico, as contraordenações são uma medida de proteção da legalidade, o que justifica a maior flexibilidade na análise dos pressupostos da imputação, designadamente da culpa, que é diferente da culpa penal[1]».      

Enquanto a culpa penal comporta um juízo de censura ético-jurídica, a culpa no âmbito do direito contraordenacional, corresponde a um juízo de censura de violação de um dever legal.

No caso em apreciação nos autos, mostra-se incontroverso que a arguida não cumpriu o estipulado nas cláusulas 35.º n.º1 e 42.º n.º1 do CCT celebrado entre a APS e a SINAPSA, ou seja, só concedeu aos trabalhadores identificados 22 dias úteis de férias em vez dos 25 dias úteis que resultavam da cláusula 35.ª e não lhes permitiu gozar os dias de licença sem retribuição estabelecidos na cláusula 42.ª.

Todavia, o incumprimento destes deveres resulta da circunstância da arguida considerar que a convenção coletiva em causa havia caducado, já não se encontrado em vigor à data da prática dos factos.

Ou seja, a arguida incumpriu as aludidas cláusulas sem ter a consciência da ilicitude do facto praticado, pois estava convicta que não estava a violar qualquer obrigação emanada do mencionado instrumento de regulamentação coletiva.

Ora, dispõe o artigo 9.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicável por força da remissão prevista no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009:

«Age sem culpa quem atua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável».

A censurabilidade do erro está dependente de se apurar se face às circunstâncias concretas, o agente tinha ou não que conhecer o erro (cf. “Contra-Ordenações Laborais”, João Soares Ribeiro, 2. ª edição, pág. 85).

Ora, na concreta situação dos autos, este juízo de censurabilidade, no nosso entender, está dependente do cumprimento ou não do dever de informação que recaía sobre a arguida enquanto empregadora, sobre a legislação e regulamentação coletiva que tinha que aplicar ao universo dos seus trabalhadores.

E, perante os elementos que resultam dos autos, julgamos que a arguida cumpriu esse dever de estar informada.

Efetivamente, por estar inscrita na A.P.S., a arguida tinha de se informar sobre os instrumentos de regulamentação coletiva outorgados por esta associação que a vinculavam. Em relação ao contrato coletivo violado, foi a arguida informada pela A.P.S que o mesmo havia caducado. Ou seja, a própria outorgante e entidade a quem é normal que a arguida solicite informações, dá a conhecer que o contrato coletivo deixou de vigorar.

Não resultou demonstrada qualquer razão objetiva e atendível para a arguida não confiar na informação prestada.

Ou seja, a arguida atuou com o cuidado que lhe era exigível, para estar informada sobre a legislação e regulamentação coletiva que tinha de cumprir.

Será que lhe era exigível mais, ao tomar conhecimento da posição da ACT quanto à vigência do CCT?

Saber se o CCT se encontrava em vigor ou não, era essencialmente uma questão jurídica (uma vez que a factualidade subjacente, não se nos afigura que tenha sido objeto de controvérsia).

A posição manifestada pela ACT constituía pois, uma tese jurídica, tal como a posição comunicada pela arguida à entidade administrativa.

É sabido que que as questões jurídicas relacionadas com a sobrevigência e a caducidade dos contratos coletivos constituem matéria complexa, que comporta muitas dúvidas e que tem sido decidida de modo diverso pelos tribunais, conforme se refere na sentença recorrida.

Logo, não era exigível em termos de bom senso, razoabilidade e, mesmo, racionalidade que a arguida desprezasse as informações prestadas pela A.P.S., que tinha sido a outorgante do CCT e a quem a arguida estava vinculada.

A circunstância da tese da caducidade do CCT não ter sido acolhida pelas instâncias judiciais, na ação intentada pela A.P.S, também não releva para a questão que se aprecia, pois a arguida não pode ser responsabilizada por um ato de terceiro.

            Sintetizando, a arguida cumpriu o dever de estar informada sobre a legislação e regulamentação coletiva que tinha de aplicar ao universo dos seus trabalhadores. Tendo sido informada de que o CCT entre a APS e o SINAPSA publicado no BTE, 1.ª série, n.º 32, de 29/08/2008, havia deixado de estar em vigor, convenceu-se legitimamente que não tinha que aplicar tal instrumento de regulamentação coletiva. Logo, ao não conceder o gozo dos 25 dias úteis de férias e dos dias de licença sem retribuição, fê-lo sem ter consciência da ilicitude do ato e sem que a ausência dessa consciência lhe seja censurável.

Deste modo, sufragamos o entendimento manifestado pela 1. ª Instância de que o erro sobre a ilicitude não lhe é censurável.

Pelo exposto, atento o preceituado no n.º 1 do artigo 9.º do RGCO, há que considerar que a arguida agiu sem culpa.

E o não preenchimento do elemento subjetivo do tipo, conduz necessariamente à absolvição declarada pelo tribunal a quo.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.


*


VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.

Sem custas.

Coimbra, 13 de outubro de 2013

 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)


[1] Cf. Parecer n.º 11/2013 da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, n.º 178, 2.ª série, em 16 de setembro de 2013