Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
878/11.2TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REJEIÇÃO
REQUERIMENTO
INQUÉRITO
REABERTURA
NOVO REQUERIMENTO
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 277º, 279º E 287º CPP
Sumário: Determinada a reabertura do inquérito, pode a assistente, em face de novo despacho de arquivamento, requerer a abertura de instrução com vista a que aquela decisão seja novamente sindicada pelo juiz, por inexistir qualquer caso julgado formal resultante da rejeição do anterior requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

No encerramento do inquérito n.º 878/11.2TALRA que correu termos pela 1ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Leiria, o Ministério Público determinou o rearquivamento dos autos, ao abrigo do preceituado no artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Discordando desse despacho, a assistente A... requereu a abertura de instrução, após cuja realização foi proferido despacho que decidiu julgar verificada a excepção de caso julgado do despacho que indeferiu a abertura da fase de instrução e determinou o arquivamento dos autos.

Inconformada com tal despacho, dele interpôs recurso a assistente, concluindo a sua motivação nos termos seguintes (transcrição):

«A) O Douto Despacho recorrido padece de vícios que prejudicam a sua legalidade, constituindo ainda uma decisão profundamente injusta.

B) Padece nomeadamente, salvo o devido respeito, nos termos do preceituado no artigo 410º e 412º do Código de Processo Penal, dos vícios de violação dos Princípios do Acusatório e do Caso Julgado Formal, e do preceituado nos artigos 263º, 267º, 279º e n.º 3 do artigo 287º, todos do Código de Processo Penal.

C) A Douta Decisão concluiu que o Ministério Público não determinou a reabertura do Inquérito, todavia e, pese embora não o tenha afirmado expressamente no seu Douto Despacho, a notificação das testemunhas para prestarem declarações, salvo melhor opinião, configura ainda que tacitamente, uma decisão de Reabertura de Inquérito, tendo procedido à produção de prova, ou seja, à inquirição das testemunhas arroladas pela Assistente, no seu Requerimento onde requereu a Reabertura de Inquérito.

D) E se dúvidas existissem, se se estava perante um novo inquérito ou, uma reabertura, pese embora, se afigure à Assistente, que quer perante uma situação, quer a outra, não invalidava a possibilidade legal de requerer a Abertura da fase da Instrução, importa referir, que aquando do seu despacho final, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público, determinou o “rearquivamento” dos autos, ao utilizar tal terminologia, considerou necessariamente e, salvo melhor opinião, inequivocamente, ter existido uma reabertura do inquérito, isso mesmo resulta da letra do seu Despacho, e resulta também dos procedimentos levados ao cabo com a prova produzida, bem como, importa atentar, que se o Ministério Público tivesse considerado não haver lugar à Reabertura do Inquérito, teria necessariamente de proferir despacho nesse sentido, o qual seria susceptível de reclamação para o superior hierárquico imediato.

E) A Assistente indicou novos meios de prova, estes não foram foi suficientes, para no entender do Ministério Público, abalarem os fundamentos do anterior despacho de arquivamento, se o tivessem sido, a Assistente não teria tido a necessidade de requer a Abertura da fase de Instrução

F) Ao considerar não ter existido Reabertura do Inquérito, a posição do Tribunal “A Quo” consubstancia, salvo melhor opinião, uma violação do Principio do Acusatório (artigo 35º n.º2 da Constituição da República Portuguesa), que não lhe permite apreciar e pronunciar relativamente a tal fase processual da exclusiva competência do Ministério Público – conforme decorre do preceituado nos artigos 263º e 267º do Código de Processo Penal, e conforme entendimento preconizado nos Doutos Acórdãos, deste Venerando Tribunal – Proc. n.º 131/04.8 PBVNO.C2 de 25.11.2009, do Supremo Tribunal de Justiça – Proc. n.º 06P2798 e do Tribunal da Relação de Lisboa -  Proc. n.º 2747.3 de 14.11.2007, bem como actuou ainda em violação do preceituado no artigo 279º do Código do Processo Penal, que refere expressamente os tramites da Reabertura do Inquérito, pretendendo o Tribunal Recorrido obstar aos mesmos.

G) O Despacho que declarou aberta a Instrução não pode ser considerado um despacho meramente tabelar ou genérico, pois está-se perante um despacho que pode fazer “findar” um processo, motivo aliás pelo qual, se encontram expressamente enumeradas no nº 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal, as situações em que o requerimento da Abertura de Instrução pode ser rejeitado, sendo susceptível de recurso.

H) O Despacho que determinou a Abertura de Instrução foi proferido há quase um ano, há muito transitou em julgado, e do mesmo resulta de forma expressa, face ao requerimento de Abertura de Instrução da Assistente, que foi apresentado em tempo, existe legitimidade por parte da Assistente, e que sendo legalmente admissível, se declara aberta a fase da Instrução, constituindo caso julgado formal, não devendo, ser agora corrigido ou, dado sem efeito, quase um ano decorrido, ao concluir-se pela existência de uma excepção de caso julgado.

I) Do explanado, não ocorreu excepção de caso julgado nos presentes Autos, uma vez que, foi admitida pelo Ministério Público a Reabertura de Inquérito, e após a produção de prova, ordenado o seu rearquivamento, pelo que a Assistente, ao abrigo da prevista no nº1 do artigo 287º do Código de Processo Penal, tinha a faculdade de requer a abertura da Instrução, conforme entendimento preconizado também nesta parte no Douto Acórdão proferido por esta Relação, datado de 25.11.2009, no Proc. n.º 131/04.8 PBVNO.C2, disponível em www.dgsi.pt, a qual veio, conforme, salvo melhor opinião, se impunha a ser admitida, pelo que não assiste razão ao Tribunal “A Quo”, na excepção julgada procedente.

VENERANDOS DESEMBARGADORES, considera a RECORRENTE muito respeitosamente, atento o exposto, que o DOUTO DESPACHO RECORRIDO proferido pelo Tribunal “A Quo”, padece de vícios que prejudicam de forma grave a legalidade do mesmo, além de constituir uma Decisão injusta.

Pelo que, deve o DOUTO DESPACHO recorrido ser revogado e, substituido por outro, que pronuncie os Arguidos, sujeitando os mesmos a Julgamento em Processo Comum, perante Tribunal Singular, pela prática em co-autoria, de três Crime de Falsificação de Documento previstos e punidos pelo artigo 256º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Código Penal, na redacção em vigor à data da prática dos factos.

 Ou, não sendo este o entendimento de V.Ex:ªs VENERANDAS, que o DOUTO DESPACHO seja revogado, julgando-se improcedente a excepção e, ordenando-se ao Tribunal “A Quo”, que profira despacho considerando a prova produzida, com a maior brevidade possível, a fim de evitar, a prescrição do procedimento criminal de alguns dos crimes objecto do presente litigio. 

Assim decidindo farão V.EX.ªS VENERANDAS a costumada

                                                                                           JUSTIÇA

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O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de não se ter por verificada a excepção de caso julgado e ser determinada a prolação de despacho final na instrução que se pronuncie sobre a existência ou não de indícios suficientes da prática dos crimes em causa.

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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não houve resposta.

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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

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II - Fundamentação

1. É o seguinte o teor do despacho recorrido (transcrição):

«Cumpre apreciar e decidir.

1.Relatório

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Inconformada com o despacho de arquivamento do DM do Ministério Público veio a Assistente A... requerer a abertura da instrução, contra os arguidos:

- B..., casada, empregada camarária, nascida a 30-11-1982, filha de C... e de D... e residente na ... Leiria;

-E..., casado, nascido em 9-05-1975, filho de F... e de G... e residente na ... Leiria;

Imputando-lhe, a prática, em co-autoria material, e em concurso real de infracções de três crimes de crimes de falsificação de documentos, p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 255º. a) e artº. 256º. nº. 1 d) e e) e n.º 3 ambos do CP

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Para o efeito alega, em síntese, os arguidos terão assistido a uma demonstração de produtos para o lar feita pela empresa H... , Ldª e tendo adquirido à referida sociedade diversos produtos para o lar a pagar através de financiamento bancário em prestações; sucede que não conseguiram obter crédito pelo que já na posse dos bens terão indicado os dados identificativos da Assistente para que o crédito fosse solicitado em nome desta;

Sucede que a Assistente desconhece por completo como os arguidos terão tomado conhecimento dos seus dados pessoais sendo que em face da entrega dos dados pessoais da Assistente à Sociedade H... Ldª o que lhes permitiu obter um contrato de crédito para os arguidos, após o que foram entregues um contrato de crédito, uma livrança e a autorização de debito;

Os arguidos em comunhão de esforços, preencheram o contrato de crédito com os dados da Assistente e no local da assinatura do proponente, apuseram pelo seu punho, uma assinatura em tudo similar à da Assistente, primeiro no contrato m de seguida na livrança e depois na autorização de débito;

Tudo sem conhecimento e autorização da Assistente, agindo com a intenção de obterem um beneficio ilegítimo para si sendo que a Assistente só tomou conhecimento de tal situação em Setembro de 2006 quando viu penhorado parte do seu vencimento;

Com tais fundamentos conclui requerendo a pronúncia dos arguidos pelos factos imputados;

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Foi declarada a abertura da instrução no decurso da qual se procedeu à tomada de declarações da Assistente A...; procedeu-se à inquirição de I..., J..., L...; M...; N...e O...; foram ainda juntos os documentos de fls. 547 a 558; 631 a 633; 638 a 641; 650 a 660.

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Procedeu-se à realização de debate instrutório, com a observância do pertinente formalismo e no decurso do qual não foram requeridas quaisquer diligências de prova.

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2. Saneamento

O Tribunal é competente.

Inexistem nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer além da seguinte excepção peremptória de caso julgado;

No âmbito do processo 600/07. 8 JBLSB foi proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público, por entender não existir indícios de que os arguidos tenham praticado qualquer ilícito criminal, designadamente o crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1 e 2 do Código Penal.

Inconformado com tal despacho veio a Assistente a fls. 252 requerer a abertura da fase da instrução, a qual, por sua vez veio a ser indeferida por despacho de fls. 276, já transitado em julgado, por inadmissibilidade legal da instrução em face do requerimento de abertura de instrução peça processual que define o objecto do processo não apresentar a construção fáctica sequencial dos factos imputados nas suas circunstâncias de tempo, espaço e modo;

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Após o indeferimento da requerida abertura da fase da instrução, a Assistente constitui novo mandatário e veio através do requerimento de fls. 293 requerer a reabertura do inquérito em conformidade com o disposto no art.º 279º do CPP por supostamente existirem novos meios de prova que punham em causa o despacho de arquivamento do MP.

Sucede que inquiridas as testemunhas apresentadas o MP veio a fls. 519 a concluir que a prova suplementar apresentada não punha em causa os fundamentos do despacho que determinou o arquivamento de inquérito e isto por as testemunhas apresentadas pela ofendida serem testemunhos de «ouvi dizer» nada acrescentando sobre a ausência segura de prova que permitisse apontar no sentido das suspeitas de os arguidos terem levado a cabo conduta crime.

Resulta de tal despacho que o Ministério Público não determinou a reabertura do inquérito. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2008, p. 712: «a reabertura do processo só pode ter lugar se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos do despacho de arquivamento. A natureza da novidade dos «novos elementos de prova» é a mesma que caracteriza a novidade dos «novos factos ou meios de prova» do art.º 449º».

Verifica-se pois que uma vez que não foi determinada a reabertura da fase de inquérito, não podia via a ser requerida, e consequentemente admitida a fase da instrução. Em relação a tal situação já havia sido tomada posição por despacho transitado em julgado, com esgotamento do poder jurisdicional do juiz nessa matéria, em face de não ter surgido situação de reabertura da fase de inquérito.

Aliás, entendimento diverso levaria «ad eternum» a possibilidade de abertura da fase de instrução a tanto bastando a apresentação de novos meios de prova que levaria a novo despacho do MP, e por sua vez a possibilidade de renascimento do prazo de instrução.

Ora a situação de caso julgado resulta em se verificar uma exclusão de recurso ordinário, não podendo a decisão vir a ser impugnada e alterada por essa via e o despacho incidir sobre questão de natureza processual por oposição ao caso julgado material que existe quando a decisão incide sobre a relação material controvertida, transitou em julgado (v. Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil e a relação se pode impor a todos os tribunais).

Na situação de caso julgado formal apenas se verifica uma vinculação processual, ou seja a decisão limita-se ao próprio processo onde foi proferida como resulta do art.º 672º do CPC - aplicável por força do artº 4º do CPP.

Verifica-se que a situação de caso julgado tem inerente o valor da segurança jurídica (cfr. Miranda, Jorge, in Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3ª ed., Coimbra 1966, p. 494) tendo por base o principio da segurança em relação a actos jurisdicionais, principio basilar do Estado de Direito, e como tal constitui uma valor constitucionalmente tutelado.

Como tutela da «paz jurídica» em relação aos arguidos nos presentes autos, os fundamentos que determinaram, no caso, a rejeição do requerimento de abertura de instruição, não podem em principio a ser alvo de reapreciação, nisto se analisando o princípio da segurança do cidadão cfr. Canotilho, Gomes, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 257, sendo que se encontra esgotado o poder jurisdicional no âmbito do processo.

Note-se que em face do principio do acusatório não podia o Juiz de instrução apreciar a reabertura de inquérito pelo que por questões de tramitação foi determinada a extracção de certidão de todo o processado e o seu reenvio ao MP, sendo, pois que na ausência de reabertura de inquérito tal certidão não era mais do que uma reprodução do processo inicial.

Coloca-se agora a questão se saber se o juiz de instrução ao ter determinado a abertura da fase da instrução quando quanto a tal questão já se tinha esgotado o poder jurisdicional, também o mesmo despacho tem o valor de caso julgado formal.

Salvo melhor entendimento, entende-se que não. Seja por em relação a tal questão de abertura da fase da instrução se ter esgotado o poder jurisdicional em face do prévio despacho anterior, seja por se tratar de um despacho meramente tabelar que não conhece de uma questão concreta. O despacho de fls. 570 é simplesmente genérico.

Neste sentido o argumento do douto Acórdão da Relação do Porto de 20-10-2010 acessível in www.dgsi.pt, relatado pelo Exmº Juiz desembargador Dr. José Piedade no sentido da não verificação de caso julgado formal, do despacho que determinou a abertura da fase da instrução:

«O facto de no despacho inicial sobre o pedido de abertura de instrução se afirmar que não há causas de rejeição do respectivo requerimento não é obstáculo a que, no final da instrução, se profira decisão a julgar improcedente esse requerimento, com o fundamento de que não descreve os factos integradores do crime pelo qual se pretende a pronúncia do arguido».

Argumento com valor idêntico para o caso dos autos, e que permite pela inexistência de caso julgado formal para o despacho de determinou a abertura da fase da instrução nos presentes autos .

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3. Decisão

Pelo exposto, julgo procedente a excepção de caso julgado do despacho que indeferiu a abertura da fase da instrução e determino o consequente arquivamento dos autos.

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Sem custas.

Registe e Notifique

Após trânsito, arquivem-se os autos.».

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2. Apreciando.

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Atenta a conformação das conclusões formuladas, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o Ministério Público não determinou a reabertura de inquérito e, portanto, não podia ser requerida a fase de instrução por existir anterior decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal.

Para uma melhor compreensão importa fazer um historial do processo.

No âmbito dos autos de inquérito n.º 600/07.8JBLSB que correram termos pela 1ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Leiria foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do n.º 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal.

A assistente A... requereu a abertura de instrução, tendo o requerimento de abertura de instrução sido rejeitado por inadmissibilidade legal, nos termos do n.º 3 do artigo 287.º do Código de Processo Penal.

Notificada da decisão, a assistente não a impugnou, antes fez dar entrada de um requerimento dirigido ao Ex.mo Procurador-Adjunto no qual, invocando o disposto no artigo 279.º do Código de Processo Penal, veio requerer a reabertura do inquérito pedindo que fossem inquiridas quatro testemunhas que identificou.

Por entender (e bem) que a competência para apreciar o pedido de reabertura do inquérito era do Ministério Público, o Sr. Juiz de Instrução Criminal determinou a extracção de certidão de todo o processado e a subsequente remessa aos Serviços do Ministério Público bem como o oportuno arquivamento dos autos de instrução.

Remetida a certidão aos Serviços do Ministério Público de Leiria, cabendo-lhe o NUIPC n.º 878/11.2TALRA, foi proferido o despacho de fls. 312 que determinou a notificação das testemunhas indicadas pela assistente para prestarem declarações.

Após a inquirição das testemunhas indicadas pela assistente foi proferido o despacho de fls. 519 a 520 que determinou o rearquivamento dos autos, ao abrigo do preceituado no artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

A assistente requereu a abertura de instrução, após cuja realização foi proferido o despacho recorrido acima transcrito.

Sendo este o desenrolar processual verifica-se que o despacho recorrido parte de um pressuposto que não se verifica, qual seja, o que não foi determinada a reabertura do inquérito e, como tal, não podia vir a ser requerida e, consequentemente, admitida a fase de instrução.

Sendo certo que inexiste qualquer despacho tabelar a declarar a reabertura da fase de inquérito – à semelhança daquele que a fls. 570 declarou aberta a fase de instrução –, tal decisão deve considerar-se implícita no despacho de fls. 312 que, conjugadamente com aquilo que a assistente expressamente havia requerido, determinou a inquirição das quatro testemunhas por esta indicadas.

É que tal despacho envolve implicitamente a reabertura do inquérito pois, perante o requerimento da assistente, o Ministério Público poderia ter indeferido a realização das diligências requeridas, nos termos do n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo Penal, o que não fez, antes decidiu realizar as mesmas e ao deferir a inquirição das testemunhas indicadas pela assistente estava naturalmente a reabrir o inquérito, pois só poderiam ser realizadas diligências de prova como as que foram realizadas nos presentes autos na sequência do aludido despacho de fls. 312 no âmbito de um inquérito.

Aliás, tanto assim é que, após a inquirição das testemunhas indicadas pela assistente, no encerramento do inquérito, foi proferido o despacho de fls. 519 a 520 no qual se determinou o rearquivamento dos autos, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal.

Sendo certo que foi opção do legislador não permitir que o juiz de instrução sindique a decisão do Ministério Público de reabrir ou não o inquérito, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo Penal([i]), não menos certo é que, pela natureza das coisas, a decisão de reabertura há-de reportar-se ao momento em que se decide pela realização das diligências probatórias e não a momento posterior e em função do resultado de tais diligências probatórias porque este tem já a ver com o encerramento do inquérito e a decisão de manter o arquivamento ou deduzir acusação.

Nem se diga que basta a apresentação de novos meios de prova para levar «ad eternum» a possibilidade de abertura da fase de instrução ou que estamos perante uma fraude à lei porque cabe sempre ao Ministério Público, em última análise, perante os fundamentos invocados, decidir se deve ou não proceder à reabertura do inquérito.

Assim, uma vez determinada a reabertura do inquérito podia a assistente, em face de novo despacho de arquivamento, requerer, como requereu, a abertura de instrução com vista a que aquela decisão fosse novamente sindicada pelo juiz por inexistir qualquer caso julgado formal resultante da rejeição do anterior requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal.

Em face do exposto, sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que o recurso merece provimento, devendo ser proferida decisão que conheça do mérito do requerimento instrutório em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto pela assistente e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro onde sejam inseridos os factos indiciados e não indiciados, por referência ao requerimento de abertura de instrução, que permitam concluir pela pronúncia ou não pronúncia dos arguidos.

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Sem tributação.

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Fernando Chaves (Relator)

Jorge Dias


[i] - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, pág. 122; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, pág. 726; José Mouraz Lopes, Garantia Judiciária no Processo Penal, pág. 67.