Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
177/16.3T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
RECUSA
EMPREITEIRO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
UNIÃO DE FACTO
PROVEITO COMUM
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.496, 513, 1207, 1218, 1222, 1223, 1691 CC, LEI Nº 7/2001 DE 11/5
Sumário: 1. A recusa pelo empreiteiro da reparação dos defeitos traduz um incumprimento definitivo da sua obrigação.

2. As simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente para os efeitos do n.º 1 do artigo 496º do Código Civil.

3. Acionada a responsabilidade contratual contra o empreiteiro, não existe solidariedade passiva entre ele e a sua companheira, unida de facto, por recurso ao disposto no art.1691º, nº 1, c), do Código Civil.

4. Considerando a especificidade da união de facto (o legislador apenas lhe atribui cautelosamente certos efeitos jurídicos), à mesma não se aplicam, por analogia, os regimes da administração de bens pelos cônjuges e o da responsabilidade destes por dívidas.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

S (…) e M (…) intentaram ação contra C (…) e M (…), pedindo a condenação destes a restituir-lhes € 4.500,00, com juros vencidos e vincendos, à taxa legal, a indemnizá-los com € 1.970,00, por trabalhos/prejuízos acrescidos, e com € 1.000,00, por danos não patrimoniais, com juros, à taxa legal, aqui contados desde a data da citação, até pagamento integral.

Para tanto, os Autores alegaram, em síntese, que contrataram com o R. C (…)a pintura da sua casa, o que este não fez ou fez mal, tendo eles pago já € 4.500; são obrigados a despesas acrescidas para retirar o mal que está feito, o que tudo tem causado desgosto e nervosismo; a atividade do Réu é desenvolvida em proveito comum do casal constituído por ele e pela R. M (…)

Os réus foram citados para contestar e não o fizeram.

Foi cumprido o disposto no art.º 567.º, n.º2 do Código de Processo Civil.

Os autores foram convidados a concretizar quais os trabalhos acordados concretamente executados pelo réu e quais os que ficaram por executar.

Os autores apresentaram nova petição, na qual indicaram os trabalhos executados pelo réu.

Foi proferida sentença a julgar a ação improcedente e a absolver os Réus dos pedidos.


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Inconformados, os Autores recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

1ª Os AA. instauraram a presente acção, tendo alegado, resumidamente, um contrato de empreitada, o conteúdo do mesmo, o preço, o prazo acordado para a realização das obras ou trabalhos, os sucessivos incumprimentos do réu e formas de incumprimento, tendo, por fim, peticionado a resolução do contrato por incumprimento do mesmo, bem como peticionado a restituição de quantia entregue e o pagamento de indemnizações por danos materiais e morais.

2ª Citados regularmente os RR., estes não contestaram, pelo que, nos termos do artº 567º, nº 1, do CPC, foram confessados os factos elencados no ponto 9 das presentes

alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para os devidos e legais efeitos.

3ª O R. C (…) para além dos sucessivos incumprimentos e alguns trabalhos defeituosamente realizados, em relação aos quais disse já nada haver ou poder fazer, abandonou a obra não mais tendo voltado ao prédio.

4ª Entendem os AA., face à matéria de facto provada, ter o R. incorrido em incumprimento contratual, definitivo e de sua exclusiva responsabilidade, não havendo lugar a qualquer interpelação após o abandono dos trabalhos por parte dele.

5ª Por isso, e em conclusão, os AA. podiam peticionar, como peticionaram, a resolução do contrato, ao abrigo do disposto nos artºs 799º, 801º e 808º, nº 1, do CC.

6ª Ainda que se tratasse de cumprimento defeituoso, ainda assim, no caso em apreço e dados os factos provados, os AA. podiam pedir a resolução do contrato, nos termos do artº 1222º, nº 1, do CC.

7ª Porém, a Mma. Juíza concluiu, atentos os factos provados, não poder afirmar-se que existiu abandono da obra por parte do R. ou uma recusa em cumprir, tendo considerado estarmos perante uma situação de cumprimento defeituoso, a que é aplicável o instituto da empreitada, pelo que, a resolução contratual não é algo de que os AA. pudessem, de imediato, lançar mão, impondo-se, primeiramente, exigir ao R. a eliminação dos defeitos, pelo que, assim entendendo, decidiu improceder a acção.

8ª No que tange aos danos morais, também ao contrário do que a Mma. Juíza concluiu, os AA. alegaram e provaram factos concretos que, pela sua gravidade, são susceptíveis de merecer a tutela do direito, nos termos do disposto no artº 496º, nº 1, do CC.

9ª A decisão ora a recurso, ao julgar improcedente a presente acção, violou, designadamente, o disposto nos artºs 799º, 801º, 808º, nº 1 e 1222º, nº 1, todos do C.Civil, bem como o nº 1 do artº 496º do mesmo diploma legal.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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As questões a decidir são as seguintes:

Os Autores podiam resolver o contrato?

Justifica-se a indemnização por danos não patrimoniais?

Podem ser condenados os dois Réus?


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Estão provados os seguintes factos:

1- Os AA. são proprietários de um prédio urbano sito na Rua x(...) , em y(...) , freguesia de z(...) , concelho da Figueira da Foz, composto de cave e rés-do-chão, inscrito na respectiva matriz da referida freguesia sob o artigo 787.

2- Em Abril de 2014 os AA. e o Réu C (…) combinaram a pintura exterior do referido prédio urbano, que incluía as paredes da casa de habitação propriamente dita, muros de vedação e garagem.

3- Em Maio, depois de ter visitado o prédio, o Réu C (…) entregou aos AA. o orçamento relativo aos trabalhos a efectuar, datado de 13 de Maio de 2014, onde consta: “Lavagem de telhado e aplicação de idrofugante. Lavagem de toda a habitação, muros e garagem. Aplicação de idrofugante em pedras de muros e habitação. Aplicação de uma demão primário barbolite em paredes e muros sem pedra. Aplicação de crepi em paredes de habitação e garagem. Aplicação de tela fibra de vidro em empena esquerda. Aplicação de duas demãos de tinta de membrana cinoflex em paredes e muros”.

4- O valor total dos trabalhos (incluindo mão-de-obra) foi orçamentado em €6.468,61 (seis mil quatrocentos e sessenta e oito euros e sessenta e um cêntimos).

5- As partes acordaram que os trabalhos seriam realizados até ao final do mês de Agosto de 2014.

6- Em 21.8.2014 os AA. entregaram ao R., em dinheiro, a quantia de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), tendo, para tanto, em 19.8.2014, feito o resgate de um depósito a prazo no montante de €5.015,37 (cinco mil e quinze euros e trinta e sete cêntimos).

7- O mês de Agosto de 2014 chegou ao fim sem que o Réu tivesse feito no prédio dos AA. qualquer obra ou trabalho, nem dado uma palavra ou satisfação aos AA. sobre o seu atraso e ausência.

8- Nessa altura os AA. avisaram o R. de que lhe davam até ao fim do ano (de 2014) para realizar os trabalhos.

9- O ano de 2014 chegou ao fim e o R. C (…) não executou os trabalhos, nem andaimes colocou, e nada disse aos AA. para justificar a sua ausência.

10- Após o mês de Agosto de 2014 os AA. tentaram várias vezes contactar o Réu, para saber o que se passava, mas nunca conseguiram. Até que, nos primeiros dias de Janeiro de 2015, o Réu deslocou-se à casa dos AA., C (…) nada fez no prédio, nem nele alguma vez apareceu.

12- Desesperados ante esta conduta do R. C (…), entenderam os AA consultar advogado que, com data de 7 de Abril de 2015, lhe enviou uma carta em que lhe concedeu o prazo de uma semana para restituir aos AA. a quantia que deles havia recebido, acrescida dos respectivos juros.

13- Após ter recebido a carta o R. C (…) apareceu no prédio dos AA. que, embora contrariados, acederam a que o Réu colocasse andaimes e iniciasse os trabalhos.

14- O Réu não estava a utilizar a tinta (plástica) acordada, mas antes uma tinta de borracha (ou tinta membrana elástica). Nessa altura os AA. chamaram o Réu à atenção, mas este, alegando que já nada havia ou podia fazer, continuou até terminar a parede em que trabalhava.

15- Depois de ter terminado essa parede o Réu foi-se embora e não voltou ao prédio.

16- Os AA., uns dias depois, informaram o R. para não retomar os trabalhos e desmontar os andaimes, bem como para restituir-lhes a quantia que lhe haviam dado em 2014, tendo-lhe fixado para tanto um prazo.

17- Uma vez que o Réu não desmontou os andaimes, nem restituiu aos AA. aquela quantia, estes informaram o Réu da desmontagem, por eles próprios, dos andaimes, e pediram que lhes fosse restituída, numa semana, a quantia que lhe haviam entregue, o que foi feito através de carta registada com aviso de recepção, com data de 29.7.2015, por ele recebida no dia seguinte.

18- Posteriormente o Réu veio buscar os andaimes e as tintas, tudo o que era de sua pertença, mas não restituiu aos AA., até hoje, qualquer quantia.

19- Dos trabalhos orçamentados referidos em 3. o R. não lavou o telhado com líquido apropriado aditado com hidrofugante, para remoção de fungos que, por isso, não foram removidos, tendo apenas lavado com água.

20- Procedeu, da mesma maneira, à lavagem de três paredes da habitação (a da frente e as laterais).

21- Após a lavagem assim feita, aplicou uma demão de primário barbolite nessas paredes, seguida de aplicação de crepi.

22- Aplicou tela fibra de vidro na empena esquerda.

23- E procedeu à aplicação de tinta de borracha (membrana elástica), em vez de aplicar a acordada tinta plástica referida em 14., tendo dado duas demãos numa das paredes (empena esquerda) e apenas uma demão na parede da frente, e nada mais.

24- Para pintarem a casa como previsto, necessitam os Autores ver raspada ou removido o crepi e a tinta colocados pelo R. C (…), o que implica a montagem de andaimes e aplicação de material aderente, trabalhos esses orçamentados em € 1 970,00.

25- O acima referido desesperou e desgostou os AA., colocando-os nervosos e deprimidos, sendo o tema único do seu pensamento e das suas conversas ou desabafos, seja com quem for.

26- Os RR. vivem um com o outro, em comunhão de mesa e habitação. O Réu faz da sua actividade de empreiteiro de obras a sua principal actividade. É sobretudo desta sua actividade que os RR. vivem, fazendo face às despesas familiares do dia a dia.


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No caso, não é posta em causa a qualificação do contrato.

Trata-se de um contrato de empreitada, ao qual é de aplicar o regime dos defeitos da obra previsto nos artigos 1218º e seguintes do Código Civil.

Este enquadramento é aquele que os Autores e o tribunal recorrido tiveram sempre em mente, sem prejuízo das normas gerais da responsabilidade contratual.

Não estamos perante uma relação de empreitada de consumo, porque esta, em concreto, tem por objeto uma reparação e modificação duma coisa já existente.

Em consequência, não se impõe o regime do DL nº 67/2003, de 8 de Abril (Ver, com interesse, J. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, páginas 232 a 241.).

Em nome da conservação do negócio jurídico, “enquanto o cumprimento da prestação acordada for possível, mediante a eliminação do defeito ou através da sua substituição, não pode estar aberto o caminho para a resolução do contrato, nem para a redução do preço” (Cfr., Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, pag. 439 e 440.)

Mas no caso do devedor, por impossibilidade, desproporcionalidade ou recusa, não renovar o cumprimento em conformidade com o contrato, o dono da obra pode exigir as alternativas legais adequadas: a redução da sua contraprestação, a resolução do contrato e, equilibradamente, a eliminação do defeito por terceiro, obtendo a condenação do devedor da prestação no reembolso dos montantes que houver ou venha a despender para eliminar os defeitos. (Neste sentido, Cura Mariano, ob. cit., páginas 153 a 157; Ac. STJ de 10.7.2008, no proc. 08A1823, no sítio digital já referido.)

No caso dos autos, embora o enquadramento esteja correto, está em causa uma leitura diferente da factualidade apurada.

O tribunal recorrido entendeu que não houve uma recusa do empreiteiro para eliminar os defeitos, sendo certo que os Autores não pediram em primeiro lugar essa eliminação.

Entendemos nós que os factos assentes em 14 e 19, no contexto dos demais, permite perceber que os Autores pediram a eliminação do vício essencial e que o Réu mostrou logo intenção de não eliminar a falta de conformidade.

O Réu não estava a utilizar a tinta acordada.

Também não aplicou na lavagem o hidrofugante.

No momento em que o Réu pintava, os Autores chamaram-no à atenção, mas este, alegando que já nada havia ou podia fazer, continuou até terminar a parede em que trabalhava. Depois de ter terminado essa parede, o Réu foi-se embora e não voltou ao prédio.

Reparamos que o incumprimento contratual é acompanhado da declaração de que já nada havia a fazer ou podia fazer, ou seja, o que estava errado era para ficar.

Este incumprimento é definitivo.

Naturalmente, os Autores, no contexto apurado de incumprimentos sucessivos de prazos, concluíram que o Réu não iria considerar nunca as suas pretensões.

Os Autores já tinham sido desconsiderados contratualmente. Aquela declaração (já nada havia a fazer ou podia fazer) revela que a falta de conformidade era para ficar como estava, mais uma vez desconsiderando o contratado. Estando a pintura não acordada em execução, antes que ela fosse concluída, agravando a situação de desconformidade, os Autores resolveram o contrato (facto 16).

É compreensível que os Autores tenham perdido em definitivo a confiança no Réu, perdendo todo o interesse no seu trabalho. A ideia que fica é que o Réu contrata mas depois faz unilateralmente o que entende, e para ficar como faz.

Em conclusão, os Autores pediram de imediato a eliminação da desconformidade essencial e o Réu declarou que a desconformidade era para ficar como estava, recusando eliminá-la. A postura do Réu no caso é de grave incumprimento, demonstrando não querer cumprir.

O defeito referido torna esta obra inadequada para o fim a que se destina?

Devemos considerar que estamos perante uma pintura especificamente contratada. Ela é um misto de desejada proteção (impermeabilização) e exteriorização.

Se o Réu não aplica o hidrofugante e aplica uma tinta diferente da acordada, estão em causa aquelas impermeabilização e exteriorização, tornando a pintura desadequada ao fim pretendido.

            A desconformidade é essencial no contrato e para a casa em questão.

            Sendo assim, a resolução do contrato é válida (art.1222º, nº1, do Código Civil).

            Não foram especialmente discutidos os efeitos retroativos da resolução, também por falta de contestação.

            Não sendo possível a restituição de materiais ao Réu, a este a mesma impossibilidade deve ser imputada.

            O exercício do direito de resolução não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais (art.1223º da lei em aplicação, doravante CC).

Sendo assim, os Autores têm direito à restituição do valor pago (art.434º, nº1, do CC) e a serem compensados do valor que é necessário para repor a situação como estava antes (arts.483º e 562º do CC). Como se apurou (facto 24), para pintarem a casa como previsto, necessitam os Autores ver raspada ou removido o crepi e a tinta colocados pelo R. C (…), o que implica a montagem de andaimes e aplicação de material aderente, trabalhos esses orçamentados em € 1.970,00.


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Justifica-se a indemnização por danos não patrimoniais?

Para efeitos indemnizatórios, a lei apenas elege os danos que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (artigo 496°, n.º 1, do CC).

            Em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar.

            Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado.

A avaliação desta gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objetivo e não à luz de factores subjectivos.

            Tem sido entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente para os efeitos do n.º 1 do artigo 496º do CC.

            O dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”. (Ver acórdão do S.T.J., de 4.3.2008, no processo 08A164, em www.dgsi.pt.)

No caso concreto, considerado o provado em 25, sendo certo que o desgosto e o nervosismo decorrem do alegado de 27 a 30 da petição, não nos parece que se ultrapasse o nível das contrariedades e incómodos típicos em situações semelhantes. A especial sensibilidade dos Autores não pode ser o critério de decisão.

            E, assim, não se justifica a condenação por danos não patrimoniais.


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Podem ser condenados os dois Réus?

A solidariedade de devedores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes (art.513º do CC).

No caso, não resultando da vontade contratada, ela só pode resultar da lei.

Os Autores fazem uma analogia entre a união de facto e o casamento, apoiada na ideia de proveito comum.

Este proveito é fundamento para responsabilizar ambos os cônjuges numa dívida contraída pelo cônjuge administrador (art.1691º, nº 1, c), do CC).

Porém, entendemos que a analogia não é possível.

Devemos atentar na especificidade da união de facto. Essa especificidade levou o legislador a atribuir cautelosamente certos efeitos jurídicos à união de facto. Tudo tem sido feito pontualmente, conferindo natureza excecional às previsões.

A Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, alterada pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, apenas adopta medidas de protecção das uniões de facto (seu art.1º), nas quais não se encontra qualquer previsão a este respeito.

Esta natureza excecional impede o recurso à analogia (art.11º do CC).

Os regimes da administração de bens pelos cônjuges e da sua responsabilidade por dívidas são institutos interligados em função da certeza do casamento.  Na união de facto não existem bens comuns dos unidos. Na união de facto tudo depende do que acordaram entre si. (Neste sentido, ver acórdão da Relação do Porto, de 27.10.2016, no proc. 3822/12, em www.dgsi.pt.)

            Pelo exposto, não existe fonte legal para a solidariedade invocada.


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Decisão.

            Julga-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e decide-se:

            Declarar válida a resolução do contrato;

            Condenar o Réu C (…) a restituir aos Autores, S (…) e M (…), a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), com juros, à taxa legal, a contar de 1 de setembro de 2014 até integral restituição;

            Condenar o mesmo Réu a pagar aos Autores € 1.970,00 (mil, novecentos e setenta euros), em indemnização dos trabalhos referidos no ponto 24 dos factos, com juros, à taxa legal, a contar da citação até integral pagamento;

            Absolver o Réu C (…) dos restantes pedidos;

            Absolver a Ré M (…) de todos os pedidos.

            Custas pelos Autores e pelo R. C (…) na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 2017-02-16

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

António Carvalho Martins

Carlos Moreira